A diplomacia da mentira
por John Pilger
Em 1992, Mark Higson, o responsável do Foreign Office pelo Iraque,
compareceu perante o inquérito Scott relativo ao escândalo de
armas vendidas ilegalmente a Saddam Hussein. Ele descreveu uma "cultura
da mentira" no cerne da elaboração da política
externa britânica. Perguntei-lhe quão frequentemente ministros e
responsáveis mentiam ao parlamento.
"É sistémico", disse ele. "As minutas que escrevi
para vários ministros diziam que nada havia mudado, o embargo à
venda de armas ao Iraque continuava o mesmo".
"Isso era verdade?", perguntei
"Não, não era verdade".
"E os seus superiores sabiam que não era verdade?"
"Sim".
"Então quanto de verdade o público obteve?"
"O público obteve tanta verdade quanto podíamos arriscar,
uma vez que nós lhe contávamos mentiras puras e simples".
Desde o envolvimento britânico com o genocida Khmer Vermelho no Cambodja
ao fornecimento de aviões de guerra ao ditador indonésio Suharto,
sabendo que ele estava a bombardear civis em Timor Leste, à recusa de
vacinas e outra ajuda humanitária às crianças do Iraque, a
minha experiência com o Foreign Office é de que Higson estava
certo e continua certo.
No momento em que escrevo isto, o povo desalojado da Ilhas Chagos, no Oceano
Índico,
aguarda a decisão da Câmara dos Lordes, ansiando por uma
repetição dos quatro julgamentos anteriores de que a sua
expulsão brutal para abrir caminho a uma base militar dos EUA era
"ultrajante", "ilegal" e "repugnante". Que eles
devam suportar ainda outro recurso deve-se ao Foreign Office cujo
conselheiro legal em 1968, um Anthony Ivall Aust (posteriormente nomeado
cavaleiro), escreveu um documento secreto intitulado "Mantendo a
ficção". Esta aconselhava o então governo
trabalhista a "argumentar" a "ficção" de que
os chagossianos eram "apenas uma população fluturante".
Hoje, a ilha principal despovoada, Diego Garcia, sobre a qual está
arvorada a Union Jack, serve a "guerra ao terror" como um centro de
interrogatório e tortura americano.
Quando você considera isto, a corrida presidencial nos EUA torna-se
surrealista. A beatificação do presidente Barack Obama já
está a caminho; pois é ele quem "desafia a América a
levantar-se [e] evoca "os melhores anjos da nossa natureza", diz a
revista
Rolling Stone,
o que rememora os apelos dos redactores do
Guardian
à "mística" Blair. Como sempre, é
necessário o Teste da Inversão Orwelliana. Obama afirma que a
vasta riqueza da sua campanha vem de pequenos doadores individuais, mas ele
também recebeu fundos de alguns dos mais notórios saqueadores da
Wall Street. Além disso, a "pomba" e "candidato da
mudança" votou reiteradamente o financiamento das guerras
predatórias de George W. Bush, e agora pede mais guerra no
Afeganistão enquanto ameaça bombardear o Paquistão.
Considerando as democracias na América Latina como um
"vácuo" a ser preenchido pelos Estados Unidos, ele endossou
"o direito da Colômbia de atacar terroristas que procuram lugar
seguro além das suas fronteiras". Traduzido, isto significa o
"direito" do regime criminoso daquele país de invadir os seus
vizinhos, nomeadamente a arrogante Venezuela, no interesse de Washington. O
grupo britânico de direitos humanos Justice for Colombia acaba de
publicar um estudo referente ao apoio anglo-americano ao regime colombiano de
Álvaro Uribe, o qual é responsável por mais de 90 por
cento de todos os casos de tortura. Os torturadores principais, as
"forças de segurança", são treinados pelos
americanos e pelos britânicos. O Foreign Office responde que está
"a melhorar o registo de direitos humanos dos militares e a combater o
tráfico de droga". O estudo não descobre nem uma sombra de
prova para confirmar isto. Oficiais colombianos com recordes de
barbárie, tais como aquele implicado no assassinato de um líder
sindical, são bem recebidos em "seminários" na
Grã-Bretanha.
Tal como em muitas partes do mundo, o papel britânico é aquele de
um subempreiteiro de Washington. O sangrento "Plano Colômbia"
foi concebido por Bill Clinton, o último presidente democrata e
inspirador do novo Partido Trabalhista de Blair e Brown. A
administração Clinton foi pelo menos tão violento quanto a
de Bush ver relatório da Unicef de que 500 mil crianças
iraquianas morreram devido ao bloqueio anglo-americano na década de 1990.
A lição aprendida é que nenhum candidato presidencial,
menos ainda um democrata a nadar no dinheiro dos "banksters da
América", como os chamava Franklin Roosevelt, pode ou irá
desafiar um sistema militarizado que o controla e o premeia. A tarefa de Obama
é apresentar uma cara afável, mesmo progressista, que
ressuscitará as pretensões democráticas da América,
internacionalmente e internamente, enquanto garante que não
haverá quaisquer mudanças substanciais.
Entre americanos comuns, desesperados por uma vida segura, a cor da sua pele
pode ajudá-lo a recuperar esta "confiança"
injustificada embora esta seja de uma tonalidade semelhante
àquela de Colin Powell, que mentiu às Nações Unidas
para Bush e agora apoia Obama. E quanto ao resto, não será
tempo de abrirmos os olhos e exercermos o nosso direito de não nos
mentirem, mais uma vez?
23/Outubro/2008
O original encontra-se em
http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=508
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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