Gostaríamos de lançar, no Pla
net
da Informação, um concurso de ideias, tendo por objectivo
aliviar as dores de parto da Pátria e contribuir para um porvir radioso
para mães, pais e filhos. Portugal, como diria Jorge Sampaio, não
pode afundar-se em lamúrias e, na minha condição de
agitador de águas paradas ou mornas, sinto o apelo do Portugal Profundo
para que se perspective a hipótese de um debate, no
pós-referendo, para dotar o país de instrumentos de Planeamento
Demográfico. Não tem havido vontade política dos governos
para proteger a maternidade e a paternidade, bem como os recém-nascidos,
as crianças, os adolescentes, os jovens. Urge acabar com os nascimentos
sem a devida solicitude da Mãe Pátria que, por regra, abandona os
mais carenciados à
lei da selva:
subsídios miseráveis ou nulos na infância e na idade
escolar, assistência médica e medicamentosa crescentemente mais
cara e comparticipada, discriminação de grávidas e
mães no mercado de trabalho, colocação das mulheres na
primeira linha do desemprego colectivo, restrições e perda de
direitos a pretexto da
modernização
das Leis do Trabalho e da Segurança Social.
Esperemos que os cruzados do
Não
apresentem uma iniciativa parlamentar que corresponda à sua ofensiva
moralista e pró-ventre
tutti-frutti,
em consonância com o desvelo do período eleitoral.
Imbuído de um salutar gesto de cooperação com as
instituições da República e as suas boas almas
adiantar-me-ei, aqui e agora, a sugerir a criação, no organigrama
governamental, de uma pasta inovadora: Ministério da Segurança
Sexual. Acresce que até já existe um ex-ministro com
apetência e currículo para o cargo: tem um arzinho de esperto da
turma e uma voz de ralhete à Prefeito da Congregação.
Entre os mencionáveis feitos, reduziu os direitos da maternidade.
Dispõe, pois, de antecedentes para relançar a produtividade
uterina lusa. Para além do referido MSS, desde já, se propugna a
implementação de uma rede de Lares de Primeira Idade (até
aos 35 anos), centros de dia e de noite, vocacionados para acompanhar ou
acolher indivíduos do sexo feminino dotados de
pedigree.
As mulheres à procura do primeiro emprego, as mulheres desempregadas
ou as mulheres à procura de melhor emprego (independentemente do seu
estado novo ou usado) preencherão o universo do Programa
Natal é Quando o Governo Quiser.
A meta é hercúlea mas alcançável: assim como o
séc. XX foi marcado, em 1917, pelas Aparições da Virgem, o
séc. XXI será marcado, em 2007, pelas Parições da
Virgem. Está escrito nos astros e depreende-se dos púlpitos.
Cumprindo mais um dever de cidadania, apresentaremos, neste quadro de
pré-discussão pública, dois dos finalistas de
Os Grandes Portugueses,
modelos do macho latino de elevado potencial. Para não ferir
susceptibilidades competitivas, abster-nos-emos de eleger varões no
activo. Estamos certos de que, tratando-se de egrégias personagens da
História Nacional e da História da Santa Madre, concitarão
um alargado consenso. De qualquer maneira, não desejamos substituir a
livre escolha dos portugueses: os nomes não passam de mera
sugestão, cujo mérito maior residirá na ultrapassagem do
eterno tabu português, que persiste em manter os assuntos da
procriação entre os segredos de Estado.
Primeiro Candidato a Modelo de Pai da Nação: prior de Trancoso
(séc. XV).
O Processo de Candidatura assenta nos autos arquivados na Torre do
Tombo/Biblioteca Nacional, armário 5º, maço 7. O documento
em depósito é assaz eloquente, dispensando-nos de qualquer
esforço promocional deste garanhão transmontano:
Padre Francisco Costa, prior de Trancoso, de idade de sessenta & dois anos,
será degredado de suas ordens & arrastado pelas ruas públicas nos
rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo & postos os quartos, cabeça
& mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido & que ele
mesmo não contrariou, sendo acusado de ter dormido com vinte & nove
afilhadas & tendo delas noventa & sete filhas & trinta & sete filhos; de cinco
irmãs teve dezoito filhos; de nove comadres teve trinta & oito filhos &
sete filhas; de sete amas teve vinte & nove filhos & cinco filhas; de duas
escravas teve vinte & um filhos & sete filhas; dormiu com uma tia, chamada Ana
da Cunha, de quem teve três filhas; da própria mãe teve
dois filhos; tendo concebido em cinquenta & três mulheres. El-Rei Dom
João II lhe perdoou a morte & o mandou pôr em liberdade aos
dezassete dias do mês de Março de 1487 & guardar no Real Arquivo
da Torre do Tombo esta sentença, devassa & mais papéis que
formaram o processo.
Segundo Candidato a Modelo de
Pai da Nação: rei D. João V (1689-1750).
O Processo de Candidatura tem
por base narrativas e referências de múltiplas fontes. Nelas se
alude às investidas do monarca, que reinou entre guerras e pompas,
deixando, à altura do falecimento, os cofres de Estado depauperados, a
tal ponto que não comportavam exéquias em conformidade com o seu
estilo de vida. O soberano acometia, sem cerimónia, por alcovas profanas
e conventuais. Os conventos foram, até finais do séc. XIX,
reservas de caça para reis, nobres, burgueses, clérigos e poetas,
funcionando como as casas de alterne da actualidade para as clientelas do
futebol e industriais da construção civil e suas cronistas de
sucesso. Entre as
noivas do Senhor
que lhe foram servidas, conta-se a madre Paula Teresa da Silva e Almeida
(1718-1785), do Convento de Odivelas, um motel com primores do paraíso,
então nos arredores de Lisboa.
O Magnânimo
segundo a má-língua dos salões e das
expedições venatórias
era tão religioso que todas as suas amantes eram freiras.
Mas, em Odivelas, Sua Alteza Real cativou-se particularmente das prendas de
Paula (desde os dezoito anos), apesar dela já ser presa de vários
inseminadores do
Reynno,
a começar por D. Francisco de Portugal e Castro, conde de Vimioso e
depois marquês de Valença, que não teve remédio
senão ceder ao contrato proposto pelo Magnânimo:
Deixa a Paula que eu te darei duas freiras.
A prova de distinção traduziu-se na montagem de uma suite real
no Convento, aparelhada com
oratório e espelhos, arcas e bufetes, cortinas bordadas a ouro, santos
de ouro maciço em relevos,
banheira de prata maciça dourada por dentro e por fora,
leito da moda, lencois de olanda mui boa e roupa de cheiro,
como se exigia do Culto da Opulência e de um Trono de Amor. A
peça mais majestática era uma cómoda-oratório,
lacada e dourada, reaparecida em Lisboa, no Ano de 2004, onde foi rematada em
leilão por um preço superior a 450.000 (Leiria e
Nascimento, 30/03).
Madre Paula deu uma ninhada de
filhos a João V mas apenas um foi contemplado com a graça de D.
José, alçando-se a um dos três rebentos naturais ou
informalmente reconhecidos pelo pai (José, Gaspar e António), que
vieram somar-se a uma série de ilegítimos bastardos (merecendo
nome Maria Rita de Bragança, parida por Luísa Clara de Portugal)
e aos seis rebentos legitimados: Maria Braga de Bragança (1711-1758),
rainha de Espanha, Pedro de Bragança (1712-1714), príncipe do
Brasil, José I (1714-1777), rei de Portugal, Carlos de Bragança
(1716-1736), Pedro III (1717-1786), rei de Portugal, Alexandre de
Bragança (1723-1728). Os classificados de
naturais
vieram a ser cognominados
meninos de Palhavã,
pois foram recolhidos, aleitados e mimados pelos marqueses do Louriçal
e suas amas, que ofereceram os préstimos de alcoviteiros no seu
palácio (edifício onde actualmente se acha a Embaixada de
Espanha), então postado nos subúrbios de Lisboa. Os
meninos de Palhavã
viriam a ocupar funções proeminentes na máquina de Estado
e na máquina da Igreja: D. José de Bragança (1720-1801)
doutorou-se em Teologia e alcandorou-se a Inquisidor-Mor; D. Gaspar de
Bragança (1716-1789), filho da freirinha Madalena Máxima,
sagrou-se Arcebispo de Braga; D. António de Bragança (1714-1800),
filho de freira francesa incógnita, doutorou-se em Teologia e elevou-se
a Cavaleiro da Ordem de Cristo. D. José e D. António rebelaram-se
contra a política iluminista do Marquês de Pombal, que os
desterrou para os bons ares do Buçaco (1760). O exílio verde
só terminou com a partida para o Além de D. José I.
Estão, portanto, a
partir de agora, todos os portugueses com capacidade eleitoral minimamente
habilitados para exercerem o indeclinável direito de pronúncia
sobre a política de fertilidade da Raça Lusitana e etnias
migratórias, caso o
Não
logre os seus intentos. A nossa pergunta é simples e directa: o prior
de Trancoso e o rei D. João V serão ícones
paradigmáticos e mobilizadores? O primeiro revelou-se um verdadeiro
todo-o-terreno fértil e o segundo, de resto, não só
muy empernou
por mosteiros e palácios como
levantou do chão
o Real Convento de Mafra, o maior monumento nacional à fertilidade,
pela pródiga quantia de 120 milhões de cruzados. Parece-nos que,
entre tantos varões assinalados, cumprem os requisitos
filogenéticos, superando um dos dilemas da modernidade nacional e
mundial, que tem optado pelo prazer em detrimento da reprodução.
Quer o prior quer o rei apontam a saída ao fundo do túnel
vaginal: copular desalmadamente e parir ininterruptamente.
Todos sabemos, porém, que os custos dos nossos dias não se
compadecem com proles incontroladas. Obviamente. Daí a premência
de um Plano Demográfico com pénis e cabeça. Qualquer um
pode ascender a filho do prior ou bastardo do rei. Daí o apelo a todos
os portugueses e portuguesas com sentimentos pios:
todos ao molho e seja o que Deus quiser.
No fim, alguém há-de cuidar de tanta fecundação
ou dos
rebanhos do Senhor.
Para isso, forcemos o poder a ter engenho e arte. A criação do
Ministério da Segurança Sexual deve absorver todas as
competências e meios dos Ministérios da Segurança Social,
da Saúde e da Educação. O Estado terá, neste
enquadramento legislativo e regulamentar, de direccionar, entre muitas outras,
as receitas da Roda da Santa Casa para a Roda da Santa Causa. As imagens reais
ou imaginárias do prior de Trancoso e do rei D. João V devem
decorar as paredes das escolas e das fábricas, das discotecas e dos
estabelecimentos hoteleiros, sucedendo às de Salazar e do Crucifixo.
No entanto e após esta angélica e inventiva proposta
confesso não consigo dissipar uma tremenda dúvida ou uma
iminente ameaça: domingo, dia 11, se o
Sim
convencer e vencer, haverá três vencedores: a Mulher, a
Humanidade, a Civilização; domingo, dia 11, se o
Não
convencer e vencer, só haverá um vencedor: o negócio do
aborto clandestino.
[*]
Escritor, jornalista
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