Gravidez & Aborto
Histórias da Santa Madre

Os sete pecados mortais do NÃO

por César Príncipe [*]

Clique para ampliar. "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"
Pergunta a referendar em 11 de Fevereiro.

O arsenal do Não contém a habitual metralha de argumentos, alguns roçando a astúcia sofística, outros nimbados de sentimentalismo misericordioso. No nosso entendimento, merecem ser ordenados e classificados como os Sete Pecados Mortais do Não. Sempre fugindo da pergunta do referendo, pois reconhecem que é objectiva, directa, simples, clara. Sabendo que tudo têm a perder com uma abordagem no plano da legalidade e no plano da realidade, procuram interromper voluntariamente a gravidez dos cérebros. Ao objectivo respondem com o subjectivo. Ao concreto respondem com o abstracto. Ao diálogo respondem com a cólera.

Art. 140º do Código Penal. Primeiro Pecado: aborto totalmente livre. É uma deturpação da pergunta referendária. Trata-se somente de expurgar da lei (Artigo 140º do Código Penal) a criminalização das mulheres que recorram à IVG nas primeiras dez semanas. Após este período, a lei continua a prever sanção penal. O refrão da liberalização não passa de uma figura de estilo verbal para radicalizar posições, tendências e convicções. Constitui um dos métodos clássicos da chamada propaganda negra.

Segundo Pecado: a imagem dos embriões que, por sistema, irrompem nas bandas desenhadas do Não quase sugerem um superman, com dentes para mastigar um cozido à portuguesa ou, pelo menos, apto a empunhar uma bandeira na barriga da mãe. Já na cruzada de 1998 se soube, nos círculos mais atentos, que o alentado candidato a nascituro fora abusivamente reproduzido de um compêndio americano, ocultando-se o estado mais avançado da gestação.

Terceiro Pecado: o amorfo vital, pelo especialista Albino Aroso comparado a uma espécie de ovo de galinha ou feijão, tem sido apresentado como um ser humano com personalidade, partindo-se deste pressuposto para tocar nas cordas sensíveis da vítima indefesa, tombada às mãos de carniceiros. Acontece que, para lá do abuso da invocação da ciência, a revisão da lei não vai provocar a interrupção de qualquer personalidade. O aborto existirá altere-se a lei ou não. Trata-se tão só e somente de introduzir uma nova escala de graduação penal e ao mesmo tempo de integrar no espaço visível (da saúde Pública) uma dilacerante situação de facto.

Quarto Pecado: os adeptos do Sim defendem o aborto. Acusação delirante: apenas propugnam e não desistem de propugnar pela despenalização da IVG até às dez semanas, advogando condições assistenciais compatíveis com os requisitos do acto e da dignidade da intervencionada. Ninguém, no seu são juízo, defende o aborto por prazer ou como método contraceptivo. Na verdade, cremos que ninguém defende o aborto, excluindo, claro, os industriais e negociantes de carne clandestina. Ficaria bem ao sector político do Não meter a mão na dita consciência. Haveria, se a honestidade ainda for tida em consideração nas suas teses, que tem sido o responsável-mor da desinformação reinante. Milhares de abortos teriam sido evitados se os seus governos em 34 anos de Regime Democrático tivessem sinceramente apostado na educação sexual nas escolas e no meio familiar e simultaneamente no planeamento reprodutivo. Mas não. O sector do Não tem sistematicamente congelado ou boicotado todos os programas. Só recoloca a sua pertinência na Agenda das Preocupações quando surge o debate público ou parlamentar da IVG. Obviamente: para desorientar indecisos e bem-intencionados-apontando uma falsa e inconvicta alternativa. Falsa, porque nunca a quis implementar nem apoiar e falsa, porque, embora tal política de prevenção continue a ser urgente e imprescindível, não soluciona quanto escapa às malhas pedagógicas e de aconselhamento.

Quinto Pecado: a despenalização provocará o aumento de abortos e o caos na rede pública hospitalar, sob o pretexto de que os serviços não se acham preparados para a nova solicitação. Ora, como se comprova pelos dados das autoridades de Saúde da Holanda e da Bélgica, com a despenalização e o estancamento das redes clandestinas e a acção educativa, a taxa abortiva retraíu-se. É possível despenalizar e diminuir a incidência do expediente interruptivo. Ora, as autoridades sanitárias já repetidamente esclareceram: as instituições estatais já atendem cerca de 1.000 casos/ano de utentes com complicações pós-aborto clandestino, pelo que até existe tradição de acompanhamento de interrupções desastradas, estando, entretanto, os responsáveis a estudar dispositivos de acolhimento de acordo com o nível de procura, no quadro de eventual aprovação da lei. Por outro lado, para além dos riscos da integridade reprodutiva da mulher ou mesmo do seu falecimento, um caso mal resolvido ocupa mais meios humanos e de diagnóstico, mais prescrições medicamentosas e maior taxa de utilização de espaços/tempo especializado do que um caso simples de aspiração. Assim, por cada entrada grave, decorrente de aborto clandestino, os serviços poderão ocupar-se de dez casos de interrupção voluntária e legal da gravidez.

Sexto Pecado: os custos, os meus impostos. O slogan economicista é uma patética demagógica consumada: tudo, de facto, tem os seus custos, desde o tratamento da SIDA ao tratamento das demais doenças sexualmente transmissíveis; desde o tratamento da toxicodependência à do tabagismo; desde os tratamentos das enfermidades do aparelho digestivo às do foro cardíaco ou mental. Enfim: é preciso estar muito carecido de argumentos para descer a um patamar contabilístico deste perfil. De resto, se alguém quisesse rebater a preocupação fiscal dos inefáveis adeptos da clandestinidade, bastaria salientar que o serviço de IVG se pagará a si próprio ao evitar que 1.000 casos graves pós-aborto clandestino deixem de entrar nas contas da Saúde Pública e ao obrigar as clínicas que assim fogem aos impostos a cumprirem com as suas obrigações. De resto, provindo tal bandeira dos impostos donde vem, só será explicável pela ausência de fundamentos sérios, procurando explorar a animosidade social contra os impostos. Aqui seria oportuno lembrar aos amigos do Orçamento de Estado: enquanto os crentes normais e os cidadãos comuns são, na verdade, massacrados com impostos, as entidades religiosas, agora em campanha, estão isentas de obrigações tributárias e ainda captam centenas de milhões de euros/ano dos nossos impostos para as suas nobres e caritativas actividades.

Sétimo Pecado: chamada, em 1998, a prestar um miraculoso contributo à causa do não, a irmã Lúcia, após sentenciar ao caminho mais estreito para o Inferno para quantos interrompessem a gravidez, convidada a recordar-se se, em 1917, a Virgem porventura teria aludido ao aborto, reconfirmou os seus dotes para a ficção: Nesse tempo não havia disso. Todavia, a palavra de Lúcia não conformou os devotos da clandestinidade e, vai daí, editaram e distribuíram, só em Janeiro de 2007, dois milhões de desdobráveis implicando a Virgem de Fátima nos segredos do aborto, pondo lágrimas a rolar nas suas faces e vaticinando, em seu nome, os mais horrendos presságios.

Haja fé.


[*] Escritor, jornalista

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
06/Fev/07