O governo interrompeu unilateralmente as negociações com a frente comum e pretende introduzir na administração pública a inactividade forçada, a precariedade, a redução de remunerações e a desvinculação

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO
O governo na reunião realizada no dia 12 de Junho 2006, num acto de pura prepotência e de falta de respeito pela lei, decidiu unilateralmente interromper a negociação com os sindicatos da Frente Comum. E a razão utilizada para essa atitude ilegal e prepotente foi a seguinte: ou os sindicatos abdicavam do direito consagrado no artº 9 da Lei 23/98, ou não havia mais reuniões. Como os sindicatos não abdicaram desse direito consagrado na lei, o governo, num acto de pura chantagem, decidiu unilateralmente suspender as reuniões de negociação com os sindicatos da Frente Comum.

Como se prova neste estudo, a extinção, fusão, reestruturação de serviços públicos, e racionalização dos efectivos determinaria, para os trabalhadores que não fossem colocados no quadro de supranumerários, agora chamado "Situação de Mobilidade Especial", transferências, requisições, e afectações forçadas, isto é sem o consentimento do trabalhador. E para os outros trabalhadores considerados inadequados ou excedentários e colocados na "Situação de Mobilidade Especial", inactividade forçada, redução significativa do vencimento, sanções que determinariam novas reduções de vencimento (entre 10% e 25 pontos percentuais) e que podiam chegar a licença sem vencimento de longa duração no caso de faltarem a acções de formação e a reinicio de funções; obrigação de reiniciar funções em Instituições Privadas de Segurança com vencimento inferior ao da sua categoria profissional, pensões de aposentação diminuídas, licenças extraordinárias com redução do vencimento que poderia atingir apenas 33% do vencimento que o trabalhador receberia se estivesse em exercício e pago apenas 12 vezes por ano, desvinculações forçadas pelas condições criadas aos trabalhadores.

Para além de tudo isto, o governo pretende suspender o artº 17 do Decreto-Lei 41/84, de forma a impor, até ao fim de 2006, o fim de todos os contratos de tarefa e avença em vigor, abrindo apenas algumas excepções. Inquirido o secretário de Estado da Administração Pública de quantos trabalhadores seriam despedidos desta forma, ele não respondeu por não saber ou por não querer, mas estima-se que sejam muitos milhares, até porque os diversos serviços públicos têm recorrido a tal forma de contratação para suprir necessidades permanentes devido à existência da Lei 23/2004 que proíbe a contratação utilizando outra forma de contrato.

É tudo isto que o governo denomina "solução generosa" mas que, no fundo, significaria apenas o pagamento a prestações de uma indemnização por despedimento ou por inactividade forçada, mas procurando criar condições para o despedimento sem o pagamento de indemnização através da aplicação aos trabalhadores de licença de longa duração sem vencimento ou da desvinculação.

O governo na reunião realizada no dia 12 de Junho 2006, num acto de pura prepotência e de falta de respeito pela lei, decidiu unilateralmente interromper as negociação com os sindicatos da Frente Comum. E a razão utilizada para essa atitude ilegal e prepotente foi a seguinte: De acordo o artº 9 da Lei 23/98, que é a lei da negociação colectiva para a Administração Pública, no caso de não se chegar a acordo durante as negociações, as partes – sindicatos e governo – têm o direito de solicitar um período de negociação suplementar cuja duração não poderá exceder 15 dias úteis. O governo fez a seguinte chantagem : só continuaria a negociar se os sindicatos da Frente Comum abdicassem desse direito que a lei lhe concede. Como os sindicatos se recusaram a abdicar desse direito consagrado na própria lei, o governo interrompeu unilateralmente as negociações. E tenha-se presente que nessa reunião os sindicatos não tiveram possibilidades de apresentarem as suas propostas em relação ao projecto de lei da mobilidade porque o governo, ao fim de duas horas de negociação, afirmou que não tinha tempo para negociar. Ficou assim claro a prepotência do governo e a sua recusa em negociar matérias que vão afectar todos os trabalhadores da Administração Pública e, também todos os portugueses, porque vão agravar a qualidade e os custos dos serviços públicos essenciais prestados à população.

Para concluir isso, basta recordar os verdadeiros objectivos do governo com os três projectos de diplomas que enviou aos sindicatos da função pública. E para que isso se torne claro é necessário, a nosso ver, ter presente o principal objectivo do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central), objectivo esse que se encontra expresso no relatório elaborado pela chamada "comissão técnica" nomeada pelo governo, que é o seguinte: "Um Estado cada vez menos prestador directo de serviços e cada vez mais regulador, o que obriga ao reforço das funções de planeamento, controlo, avaliação e responsabilização" (pág. 14 do relatório) .

De acordo com esta noção de Estado, que é a do actual governo, o Estado devia deixar de prestar os serviços públicos essenciais à população (saúde, educação, etc), entregando-os naturalmente a outras entidades, incluindo privadas, reservando fundamentalmente para si a função de regulador, planeador, controlador e avaliador. É uma concepção neoliberal, no sentido puro e duro.

Para atingir aquele objectivo, o governo de Sócrates tenciona extinguir, fundir, reestruturar os serviços e racionalizar efectivos, para depois "externalizar" os serviços prestados por eles. Sobre a "externalização" de serviços públicos existe no próprio relatório do PRACE um ponto todo ele dedicado a esta matéria (pág. 31 e seguintes), de que transcrevemos uma parte que nos parece bastante esclarecedora sobre os propósitos deste governo: "Após uma análise cuidada das funções desempenhadas por cada organismo deverá ponderar-se sobre a possibilidade da sua transferência para terceiros". E acrescenta depois o seguinte, para tornar ainda mais claros os objectivos "reformadores" deste governo: "A transferência de funções para terceiros poderá assumir diversas formas que vão desde a empresarialização pública da função (sector público empresarial, que é um passo intermédio para a privatização futura), à privatização total (entrega ao sector privado) e pelas parceria público-privadas" (outra forma que actualmente assume a privatização dos serviços públicos). E para que não restassem dúvidas sobre as suas palavras acrescenta o seguinte: "Na actual Administração Pública existem já algumas experiências de externalização com sucesso, designadamente de outsourcing (pág. 31).

É neste contexto e com estes objectivos que o governo elaborou e apresentou aos sindicatos três projectos de diplomas que a análise se vai fazer seguidamente tornará claro. E também como é facilmente compreensível esta transformação que o governo tenciona impor na Administração Pública, se for para a frente, terá também graves consequências para todos os portugueses. A esse propósito basta lembrar o aumento das despesas com os subcontratos no Serviço Nacional de Saúde que no 1º trimestre de 2006, relativamente a igual período de 2005, variou entre 35% e 42% segundo os próprios dados do Ministério da Saúde. É evidente que se os principais serviços públicos forem entregues à exploração privada, os preços a pagar pelos portugueses dispararão até porque o Orçamento do Estado não suportará por muito tempo tal crescimento de despesas.

A DESORGANIZAÇÃO E REDUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COM O OBJECTIVO DE ENTREGAR OS SERVIÇOS PÚBLICOS À EXPLORAÇÃO PRIVADA

No primeiro projecto de diploma chamado "Processos de reorganização de serviços públicos e de racionalização de efectivos" consta os instrumentos legais que o governo pretende utilizar livremente, sem qualquer controlo e sem ter de apresentar qualquer justificação para alcançar o objectivo constante do relatório elaborado pela "comissão técnica" do PRACE referido anteriormente. E esses instrumentos são, de acordo com o artº 3º, os seguintes: extinção, fusão, reestruturação de serviços e racionalização de efectivos.

Em todos estes processos que, como o próprio nome indica, poderão determinar mudanças grandes quer nos serviços quer na situação dos trabalhadores, o governo pretende ter mão livre e não ter de apresentar qualquer justificação para o fazer. Passaria apenas a ser o reino onde imperaria o arbítrio e onde a lei deixaria de existir. Para concluir isso, basta recordar o seguinte. A lei 23/98, que é a lei da negociação colectiva que vigora para a Administração Pública, estabelece no artº 6º que são objecto obrigatório de negociação colectiva, entre diversas matérias, as referentes aos "vencimentos e demais prestações de carácter remuneratório; às pensões de aposentação; à constituição, modificação e extinção da relação de emprego, à formação e aperfeiçoamento profissional, à mobilidade", etc.; ou seja, ao estatuto dos trabalhadores. Depois o nº 1 do artº 3º da Lei 23/98 estabelece que o governo tem de fornecer "os estudos e elementos de ordem técnica ou estatística que sejam tidos como indispensáveis à fundamentação das suas propostas", e o nº 3 do artº 7º reforça tal obrigação ao dispor que "as partes devem fundamentar as suas propostas". Até a este momento o governo não apresentou quaisquer estudos ou dados estatísticos sobre os eventuais processos de extinção, fusão, reestruturação de serviços e racionalização de efectivos, nem fundamentou as propostas que apresentou.

Sobre esta matéria, os sindicatos da Frente Comum apresentaram uma proposta escrita ao governo para que fosse introduzido no primeiro diploma sobre a "Reorganização dos serviços" duas disposições, a saber: (1) Uma que estabelecesse que no caso de extinção, fusão, reestruturação de um serviço, ou de racionalização de efectivos o governo teria de apresentar aos sindicatos a justificação de tal medida como o estabelecem os artº 3º e 7º da Lei 23/98; (2) E que, em relação aos trabalhadores atingidos por qualquer uma daquelas medidas, o governo negociasse com os sindicatos as matérias de vencimentos, pensões; modificação e extinção da relação de emprego, mobilidade, etc., como obriga o artº 6 da Lei 23/98 . A resposta do governo foi sempre um NÃO. Desta forma ficou claro que o governo pretende ter mão livre para desorganizar e destruir a Administração e retirar direitos aos trabalhadores, implantando o regime do arbítrio onde a lei existente não vigoraria, desrespeitando assim direitos fundamentais dos trabalhadores.

Para além disso, a análise objectiva do projecto de diploma sobre a "Reorganização de serviços" mostra que os trabalhadores ficariam sujeitos ao puro arbítrio quer dos membros do governo de cada área quer dos responsáveis máximos dos serviços. E isto porque a selecção dos trabalhadores que seriam colocados no "quadro de supranumerários" , agora chamada "Situação de Mobilidade Especial", seria feita com base em critérios subjectivos e arbitrários. Para concluir isso, basta analisar o que consta do próprio projecto de diploma.

Assim, em relação à extinção de serviços, de acordo com o artº 10º, os trabalhadores que, durante o chamado "período de mobilidade voluntário do pessoal", não fossem colocados em outros serviços por solicitação destes, seriam colocados na "Situação de Mobilidade Especial".

No caso da fusão de serviços, segundo o artº 11, o diploma da fusão apenas fixaria "os critérios gerais e abstractos do pessoal necessário à prossecução das atribuições ou ao exercício das competências transferidas e que deve ser reafecto aos serviços integradores", cabendo ao dirigente máximo do serviço elaborar, com base nesses "critérios gerais e abstractos", a lista concreta do pessoal necessário para aprovação do respectivo membro do governo, sendo os restantes trabalhadores colocados na Situação de Mobilidade Especial.

Relativamente à reestruturação dos serviços, de acordo com artº 14, os trabalhadores a serem colocados na "Situação de Mobilidade Especial" seriam seleccionados com base num dos dois processos seguintes de avaliação: (1) Avaliação de desempenho; (2) Avaliação Profissional. Em primeiro lugar, de acordo com os artº 15 e 16, qualquer uma destas avaliações seria feita "independentemente da categoria do pessoal", ou seja, não teria em conta a antiguidade na carreira profissional. Em segundo lugar, a "Avaliação de desempenho" só seria utilizada para seleccionar os trabalhadores a colocar na "Situação de Mobilidade Especial" "quando o pessoal da mesma carreira tenha sido objecto de avaliação, no último ano que esta tenha tido lugar, através do sistema legal de avaliação do desempenho". Quando isso não acontecesse, aplicar-se-ia a chamada "Avaliação Profissional" . E o que é a avaliação profissional? De acordo com o artº. 16, os trabalhadores seriam classificados numa escala de 0 a 10 valores tendo como base os seguintes factores: (1) Nível de conhecimentos profissionais relevantes para o posto de trabalho em causa; (2) Nível de experiência profissional relevante para os postos de trabalho em causa. A atribuição dos valores a cada trabalhador seria feita "pelos dois superiores hierárquicos imediatos anteriores ao inicio do procedimento de avaliação". E como é evidente a avaliação mais utilizada seria esta última porque a primeira – avaliação de desempenho –ainda abrange um número reduzido de trabalhadores. E os trabalhadores com avaliações mais baixas , quer no caso da "avaliação de desempenho" quer no caso da "avaliação profissional", seriam aqueles que seriam colocados na Situação de Mobilidade Especial". Isto porque, segundo o artº 14, com base nestas avaliações seriam elaboradas listas nominativas, por ordem decrescente de resultados; e a colocação de pessoal em Situação de Mobilidade Especial " seguiria a ordem inversa à constante das listas. O diploma não prevê qualquer controlo ou transparência nestes processos de avaliação nem a possibilidade de recurso por parte dos trabalhadores, nomeadamente em relação à "avaliação profissional" que é um tipo de avaliação nova na Administração Pública.

Finalmente, em relação à racionalização de efectivos que, na maior parte dos casos, significaria também redução do número de trabalhadores, de acordo com o artº 13, os procedimentos a utilizar na selecção de trabalhadores a colocar na "Situação de Mobilidade Especial" seriam idênticos aos referidos anteriormente, ou seja, igual ao adoptado na reestruturação de serviços, isto é, com base na "avaliação de desempenho" (SIADAPE) feita no último quando existisse, e nas restantes situações com base na "avaliação profissional" que, na maior parte dos casos, assentaria no subjectivismo e arbítrio , até porque existe na Administração Pública reduzida, para não dizer nula, experiência sobre a aplicação de tal tipo de avaliação.

Interessa ainda referir que, segundo o artº 30, o disposto neste projecto de diploma também se aplicaria às entidades públicas empresarias (ex. Hospitais EPE, Estradas de Portugal, etc.) "a cujo serviço se encontre afecto pessoal com a qualidade de funcionário ou agente"

A MOBILIDADE NÃO SE APLICA APENAS AOS TRABALHADORES COLOCADOS
NO CHAMADO "SISTEMA DE MOBILIDADE ESPECIAL"


O projecto de diploma do governo sobre a mobilidade abrange dois tipos de mobilidade: (1) Mobilidade geral; (2) Mobilidade especial. O primeiro aplica-se a todos os trabalhadores da Administração Pública, portanto àqueles que não são colocados na chamada "Situação de Mobilidade Especial".

E os instrumentos de mobilidade geral, ou seja, aquela que se aplica a todos os trabalhadores são: (1) A transferência; (2) A permuta; (3) A requisição; (4) O destacamento; (5) A afectação especifica; (6) A cedência especial.

Com a excepção da "cedência especial", em que seria necessário o "consentimento expresso por escrito do trabalhador" (nº1, do artº), em todos os restantes casos existiriam situações em que não seria necessário " o acordo do trabalhador", portanto o trabalhador seria forçado a aceitar pois caso contrário correria o risco de perder o emprego.

E essas situações em que não seria necessário o consentimento do trabalhador seriam, de acordo com o artº 4, as seguintes. (1) No caso de ser para serviço situado no município do seu serviço ou no município da sua residência; (2) No caso de ser para serviço situado em qualquer município confinante dos municípios de Lisboa e do Porto, se o serviço de origem ou a residência do trabalhador ser, respectivamente, no município de Lisboa e do Porto; (3) E desde que se verifique uma das seguintes condições: (a) Não implique despesas para deslocação entre a residência e o novo local de trabalho superiores a 10% da remuneração ilíquida mensal, ou superiores entre a residência e o serviço de origem; (b) O tempo gasto naquelas deslocações não exceda 25% do horário de trabalho ou não ultrapasse o tempo gasto com as deslocações entre a residência e o serviço de origem.

O governo já apresentou duas versões do diploma da mobilidade. E o constante na segunda, em relação à matéria referida no nº3 anterior, é ainda mais gravoso para os trabalhadores do que a a que constava da 1ª versão. Na última versão é suficiente verificar-se uma condição para o trabalhador ser forçado a aceitar a medida do governo. Por ex., um trabalhador cujo vencimento ilíquido mensal fosse de 1000 euros, seria obrigado a aceitar a transferência, por ex., desde que isso não determinasse uma despesa mensal de autocarro ou de comboio superior a 10% do seu vencimento que, nosso exemplo, corresponde a 100 euros, mesmo que isso determinasse que o tempo gasto em transportes fosse superior a 25% do seu tempo de trabalho, ou seja, mais de uma hora e 45 minutos. Perante a denuncia feita pelos sindicatos da Frente Comum, o governo recuou no seu propósito e comprometeu-se a alterar tal disposição no sentido de se ter de verificar cumulativamente as duas condições.

E não é apenas em relação à transferência que ela poderia ter lugar sem o consentimento do trabalhador. Para além da transferência forçada (nº 4 a 6 do artº 4), poderia também ter lugar a permuta forçada (nº 2 do artº 5º), a requisição e destacamento forçados (nº 9 do artº 6º) e a afectação especifica forçada (nº 6 do artº 8º). E todas estas medidas que podem ser aplicadas sem o consentimento do trabalhador abrangem os trabalhadores que não se encontrem na Situação de Mobilidade Geral, ou seja, aplica-se àqueles que não fossem considerados excedentários ou inadequados para o serviço, e vigoraria enquanto a lei estivesse em vigor.

AS TRÊS FASES DA CHAMADA "SITUAÇÃO DE MOBILIDADE ESPECIAL" (SME)

Os trabalhadores considerados excedentários ou inadequados para o serviço resultantes dos processos de extinção, fusão e reestruturação de serviços, assim como os de processos de racionalização de efectivos, referidos no inicio deste estudo, seriam colocados na "Situação de Mobilidade Especial", que é agora o novo nome do "quadro dos supranumerários". E os trabalhadores colocados na SME atravessariam três fases: (1) Transição; (2) Reequalificação; (3) Compensação.

Durante a fase de "transição" (artº 14), que duraria apenas os dois primeiros meses, o trabalhador receberia o seu vencimento por inteiro. Neste fase o trabalhador poderia reiniciar funções sem ter de fazer formação profissional.

Ao fim dos dois primeiros meses, não sendo colocado, o trabalhador passaria à fase de "transição" (artº 15) que duraria 10 meses. Durante esta fase o trabalhador teria direito já a 5/6 ( 83%), e só no caso de ser seleccionado para reiniciar funções é que passaria a receber a remuneração mensal completa, incluindo durante o tempo de formação. Durante a fase anterior – transição – e esta fase – requalificação – ao trabalhador " é vedado o exercício de qualquer actividade profissional remunerada" constituindo, a sua violação, "infracção disciplinar grave e punível com pena de demissão" (artº 20º). Segundo o artº 20, durante estas duas fases o trabalhador estaria também obrigado, sob pena de fortes sanções (redução de 25 pontos percentuais no vencimento que está a receber; redução de 10% por falta, passando à quarta à situação de licença sem vencimento de longa duração ) a "ser opositor obrigatório aos procedimentos de selecção para reinicio de funções " desde que "o procedimento seja aberto para categoria não inferior à que detiver no momento de candidatura" e desde que "se trate de entidade no município do seu anterior local de trabalho ou de residência, ou então em qualquer município confinante com os municípios de Lisboa e do Porto no casos de neles residir ou de aí se situar o seu anterior local de trabalho".

Ao fim de 12 meses (2 meses referente à fase de "transição", mais 10 meses relativos à fase de "requalificação"), o trabalhador na SME que não reiniciasse funções passaria à chamada fase de "compensação". Durante esta fase o trabalhador "aufere uma subvenção correspondente a 4/6 (66,6%) da remuneração mensal que auferia antes da colocação na situação de mobilidade especial" (nº 3 do artº 16). Segundo o artº 21, durante a fase de "compensação" o trabalhador poderia "exercer qualquer actividade profissional remunerada fora das Administrações Públicas e de qualquer entidade pública" ( a violação determinaria a pena de demissão da função pública). No entanto, embora pudesse exercer uma actividade profissional remunerada, ele teria de estar permanentemente disponível para participar em processos de selecção, em acções de formação, ou para reiniciar funções no serviço público, sob pena de lhe ser aplicado as mesmas sanções a que estava sujeito na fase anterior – transição – já referidas (reduções significativas no vencimento reduzido que estava a receber ou passagem de licença sem vencimento de longa duração). Por outras palavras, o trabalhador poderia exercer uma actividade profissional remunerada mas ela não podia ser estável nem organizada, pois teria de estar permanentemente disponível recebendo apenas o correspondente a 66% do seu vencimento.

REINICIO DE FUNÇÕES EM OUTRAS PESSOAS COLECTIVAS DE DIREITO PÚBLICO E EM INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL

De acordo com os artº 21 e 26, o trabalhador na Situação de Mobilidade Especial, e nas fases de transição e requalificação, poderia ser obrigado a reiniciar funções em associações públicas ou outras pessoas colectivas de direito publico sem a natureza de serviço público. Segundo o artº 27 o mesmo poderia suceder em relação a Instituições Particulares de Solidariedade Social. Quer num caso quer em outro, o Estado asseguraria 70% da remuneração auferida pelo trabalhador antes de ser colocado na Situação de Mobilidade Especial, competindo à entidade beneficiária pagar a diferença, não entre o valor anterior e o que trabalhador receberia se estivesse em exercício, mas sim entre os 70% e a remuneração a que o respectivo pessoal da referida entidade com idênticas funções tem direito, no caso de tal se verificar. Como o artº 26 e 27º nada dizem que o reinicio de funções nessas entidades teria de respeitar a categoria profissional que tinha o trabalhador, ficaria assim aberta a porta à desvalorização profissional do trabalhador, o que não é permitido até no direito do trabalho, e o trabalhador a ser obrigado a realizar uma actividade recebendo um valor inferior ao que receberia se estivesse em exercício. Para além disso, estes artigos não impõem qualquer limitação geográfica à deslocação do trabalhador como sucede em relação ao reinicio de funções em pessoas colectivas de serviço público.

A LICENÇA EXTRAORDINÁRIA

Para fugir à instabilidade e ao arbítrio que ficariam sujeitos, os trabalhadores na Situação de Mobilidade Especial que se encontrassem nas fases de requalificação ou de compensação poderiam requerer uma licença extraordinária. Mas se o fizessem teriam apenas direito a 12 abonos por ano com os seguintes valores: 70% do que estavam a receber nos primeiros cinco anos; 60% nos cinco anos seguintes, e apenas 50% a partir do décimo ano. Em percentagem do vencimento que receberiam se estivessem em exercício, estas percentagens correspondem às seguintes: (1) Se o trabalhador pedisse a licença extraordinária na fase de requalificação, o valor dos 12 abonos que receberia por ano corresponderia, respectivamente, a 58%, a 49,8% e 41,5% do que receberia se estivesse em exercício; (2) Se o trabalhador pedisse a licença extraordinária ao fim de um ano depois de ter sido colocado na "Situação de Mobilidade Especial", portanto na fase de "compensação", o valor dos 12 abonos já corresponderia, respectivamente, a 46,6%, a 39,6% e a 33% do que receberia se estivesse em exercício. Para fugir à instabilidade a que estaria sujeito se continuasse nas fases de "requalificação" e "compensação" o preço a pagar seria muito elevado, em termos de redução da remuneração.

OS EFEITOS DA SITUAÇÃO DE MOBILIDADE ESPECIAL E DE LICENÇA EXTRAORDINÁRIA NA PENSÃO DE APOSENTAÇÃO

De acordo com os artº 19 e 21, o tempo de permanência na Situação de Mobilidade Especial seria considerado para efeitos de aposentação. No entanto, para efeitos de desconto de quota para a CGA e de cálculo da pensão de aposentação ou de sobrevivência, a remuneração considerada seria a auferida pelo trabalhador (100% na fase de transição, 88% na fase de requalificação e 66% na fase de compensação), salvo se optar pela que auferiria na situação de exercício de funções. Portanto, os trabalhadores nas fases de requalificação e compensação, embora recebendo apenas 88% e 66% do vencimento, se não quiserem ser penalizados a nível da sua pensão, teriam de descontar como se estivessem a receber por inteiro suportando assim o acréscimo de desconto que teria de ser pago com os seus vencimentos já diminuídos.

A situação dos trabalhadores com licença extraordinária, a nível de pensão, será ainda mais grave. De acordo com o artº 23,eles poderiam "optar por descontar para a CGA que, no termos do nº4 do artº 19, podia ser em relação ao abono que receberiam do Estado ou sobre a remuneração que aufeririam na situação de exercício de funções". No entanto, a " relevância desses descontos depende da não existência de contribuições para o regime geral da segurança social relativamente ao mesmo tempo". E como se sabe se um trabalhador estiver na situação de trabalhador por conta de outrem é obrigado, por lei, a descontar para o regime geral da segurança social.

13/Junho/2006

[*] Economista, edr@mail.telapac.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
15/Jun/06