Escritórios de advogados e expansão do capital monopolista
por Victor Paulo Gomes da Silva
[*]
Introdução
O conceito
sistema de poder
, se analisado ao nível de um país como Portugal, traduz-se em
muitos e diversos intervenientes, com diferentes perspetivas e diferente
dimensão interventiva. Ora, na presente fase da vida nacional, marcada
por uma feroz tentativa de expansão do domínio do capital
monopolista, nacional e internacional, e pelo consequente aprofundamento da
exploração dos trabalhadores, é relevante perceber o papel
dos escritórios de advogados enquanto intervenientes do sistema de poder
ao serviço de forma direta ou indireta desse capital
monopolista.
Os maiores intervenientes
À semelhança do sucedido com outras atividades económicas,
em Portugal marcam presença nalguns casos, bastante ativa - as
sociedades internacionais de advogados, algumas de âmbito mundial.
Exemplo das mesmas é o histórico escritório
Linklaters
(remonta ao século XIX), sedeado em Londres, que recentemente assumiu
protagonismo significativo ao ser escolhido para prestar assessoria
jurídica no processo de alienação de capital
público existente na EDP e na REN e na oferta pública de
aquisição (OPA) da CIMPOR.
Contudo, o panorama nacional da advocacia é claramente dominado por
entidades portuguesas, com destaque para as sociedades de advogados,
eventualmente em associação com entidades congéneres
externas ao País. As sete maiores sociedades integram, cada uma delas,
mais de uma centena de advogados (entre sócios, associados e
estagiários), sendo de salientar o escritório
A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados
, visto ultrapassar os duzentos advogados (
vide
Quadro 1).
QUADRO 1
|
SOCIEDADES DE ADVOGADOS
|
Nº DE ADVOGADOS
|
|
A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados
|
220
|
|
Miranda Correia Amendoeira & Associados
|
173
|
|
Abreu & Associados
|
165
|
|
Vieira de Almeida & Associados
|
164
|
|
Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados
|
160
|
|
Cuatrecasas, Gonçalves Pereira
|
140
|
|
Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados
|
110
|
Fonte: In-Lex Anuário das Sociedades de Advogados, 2012
(sítio na Internet).
O volume de negócios acompanha, aproximadamente, a dimensão em
recursos humanos. Assim, por exemplo, o escritório
Abreu & Associados
, mencionado no Quadro 1, informa ter um volume de negócios anual de 15
milhões de euros
[1]
, o que o classifica como uma média empresa de acordo com os
critérios vigentes na União Europeia. Isso significa um volume de
negócios anual médio de cerca de 115.400,00 por advogado
(excluindo do cálculo os advogados estagiários)
[2]
.
Advogados na superstrutura política e ideológica
Em algumas sociedades de advogados, com destaque para as maiores, pontificam
figuras de topo dos partidos políticos integrantes da
troika
vende-Pátria e personalidades claramente afetas a este leque
partidário, com destaque para o PSD (
vide
Quadro 2).
QUADRO 2
|
SOCIEDADES DE ADVOGADOS
|
ADVOGADOS (sócios, associados ou consultores)
|
|
A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados
|
Manuel Cavaleiro Brandão, Rui Machete, José Miguel Júdice.
|
|
Abreu & Associados
|
Luís Marques Mendes, Paulo Teixeira Pinto.
|
|
Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados
|
José Manuel Galvão Teles, António Lobo Xavier.
|
|
Cuatrecasas, Gonçalves Pereira
|
André Gonçalves Pereira.
|
|
Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados
|
Pedro Rebelo de Sousa, Manuel Lopes Porto.
|
|
Uría Menéndez-Proença de Carvalho
|
Daniel Proença de Carvalho.
|
|
Rui Pena, Arnaut & Associados
|
Rui Pena.
|
|
Correia, Seara, Caldas, Simões e Associados
|
Fernando Seara, Júlio Castro Caldas.
|
|
José Pedro Aguiar-Branco & Associados
|
José Pedro Aguiar-Branco.
|
|
APORT Advogados Portugueses em Consórcio
|
Sílvio Cervan.
|
Fonte: Sítios das sociedades de advogados na Internet , 2012.
A ligação entre advogados e os partidos políticos tem a
sua continuidade na ligação daqueles aos órgãos do
poder político. Efetivamente, basta atentar na quase totalidade dos
nomes mencionados no Quadro 2 para reconhecer a ligação
indelével dos mesmos, presente ou passada, à Assembleia da
República, ao Governo, a assembleias e executivos municipais.
Como seria de esperar, as ligações supra estendem-se ao aparelho
de Estado. Efetivamente, advogados com nomes sonantes têm sido alvos
constantes de nomeações para estruturas, permanentes ou
temporárias, no âmbito do Setor Público Administrativo e
para o Setor Empresarial do Estado. A título meramente exemplificativo,
apresentamos os seguintes casos entre os nomes referidos no Quadro 2
[3]
:
-
Rui Machete foi administrador do Banco de Portugal e é vice-presidente
da Mesa da Assembleia Geral da Caixa Geral de Depósitos;
-
Manuel Lopes Porto foi membro da Comissão de Reforma Fiscal e é
presidente da Mesa da Assembleia Geral da Caixa Geral de Depósitos;
-
Daniel Proença de Carvalho foi presidente do Conselho de
Administração da RTP;
-
Pedro Rebelo de Sousa é vogal do Conselho de Administração
da Caixa Geral de Depósitos.
A ligação das sociedades mencionadas aos órgãos do
poder político e ao aparelho de Estado poderá ainda traduzir-se
em trabalhos do foro jurídico por encomenda governamental, nomeadamente
a elaboração de legislação e a
preparação de concursos públicos. Seria interessante
averiguar, por exemplo, até que ponto os advogados integrantes destas
entidades simultaneamente jurídicas e políticas têm
contribuído para desconfigurar o quadro legislativo progressista
saído da Revolução de Abril.
É igualmente visível a influência de membros das sociedades
de advogados a nível do aparelho ideológico. A este respeito, sem
prejuízo de considerações mais rebuscadas que se podem
e devem - tecer sobre o caráter ideológico da
intervenção desses membros enquanto docentes
universitários e conferencistas, resulta clara a sua
intervenção conformadora da opinião pública na
qualidade de comentadores, episódicos ou permanentes, nos
órgãos de comunicação social. Por exemplo, quem
não foi ainda confrontado com os comentários na
comunicação social de José Miguel Júdice ou de
António Lobo Xavier?
Advogados, grupos económicos capitalistas e negócios
A teia completa-se com a ligação das sociedades de advogados aos
grandes grupos económicos capitalistas. Procurámos demonstrar
essa ligação averiguando qual a presença dos nomes
enunciados no Quadro 2 nos órgãos sociais de um conjunto
relevante de empresas e grupos económicos referenciados no Quadro 3.
QUADRO 3
|
SETOR DE ATIVIDADE
|
EMPRESAS E GRUPOS ECONÓMICOS
|
|
Fabricação de pasta celulósica, de papel e de cartão
|
PORTUCEL-SOPORCEL
|
|
Fabricação de cimento
|
CIMPOR
|
|
Produção e distribuição de energia
|
GALP Energia, EDP
|
|
Construção
|
Mota-Engil, Soares da Costa
|
|
Comércio
|
Jerónimo Martins
|
|
Transportes
|
BRISA
|
|
Informação e comunicação
|
Portugal Telecom, ZON, IMPRESA
|
|
Atividades financeiras e de seguros
|
BES, Millennium/BCP, BPI, BANIF, Santander Totta, Tranquilidade, Millenniumbcp
Ageas Grupo Segurador.
|
|
Diversos
|
SONAE
|
A intersecção entre os dados obtidos nos quadros 2 e 3 revela
inequivocamente uma significativa imbricação entre os grupos
económicos e as sociedades de advogados, conforma se pode constar no
Quadro 4.
QUADRO 4
|
ADVOGADOS
|
EMPRESAS
|
ÓRGÃOS SOCIAIS
|
|
Manuel Cavaleiro Brandão
|
SONAE, SGPS
|
Presidente da Mesa da Assembleia Geral
|
|
|
BPI
|
Vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral
|
|
Rui Machete (consultor)
|
Millenniumbcp Ageas Grupo Segurador
|
Presidente da Mesa da Assembleia Geral
|
|
Daniel Proença de Carvalho
|
GALP Energia
|
Presidente da Mesa da Assembleia Geral
|
|
|
ZON
|
Presidente do Conselho de Administração
|
|
|
BES
|
Vogal da Comissão de Remunerações
|
|
José Manuel Galvão Teles
|
EDP
|
Presidente da Comissão de Vencimentos
|
|
|
IMPRESA
|
Vogal do Conselho de Administração
|
|
|
Millennium/BCP
|
Vogal do Conselho de Remunerações e Previdência
|
|
António Lobo Xavier
|
Mota-Engil
|
Vogal do Conselho de Administração
|
|
|
SONAECOM
|
Vogal do Conselho de Administração
|
|
|
BPI
|
Vogal do Conselho de Administração + Vogal da Comissão de
Governo
|
|
Rui Pena
|
EDP
|
Presidente da Mesa da Assembleia Geral + Vogal do Conselho Geral
|
|
Paulo Teixeira Pinto (consultor)
|
EDP
|
Vogal do Conselho Geral
|
|
José Pedro Aguiar-Branco
[4]
|
PORTUCEL-SOPORCEL
|
Presidente da Mesa da Assembleia Geral
|
|
|
IMPRESA
|
Presidente da Mesa da Assembleia Geral + Presidente da Comissão de
Remunerações
|
|
Júlio Castro Caldas
|
Soares da Costa
|
Presidente do Conselho Fiscal
|
|
|
ZON
|
Presidente da Mesa da Assembleia Geral
|
Fonte: Sítios das empresas na Internet, 2012.
A título de curiosidade justifica-se referir que, fora do universo
empresarial aqui considerado, Daniel Proença de Carvalho tem a
presidência da mesa da assembleia geral numa quantidade significativa de
empresas, tudo indicando que seja o "recordista nacional" (ou
próximo disso) neste tipo de atividade
[5]
.
Em termos de áreas de negócio, merece destaque a
participação dos escritórios mencionados no Quadro 2 nos
processos de privatização daquilo que resta do Setor Empresarial
do Estado. Considerando apenas exemplos recentes, as sociedades
A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados
e
Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados
prestaram assessoria nos processos de alienação do capital
público existente na EDP e na REN. O segundo escritório
mencionado prestou até dupla assessoria no processo da EDP: à
administração desta empresa e ao Estado.
Negócios afins são os da fusão de empresas e da
transação de partes de capital de empresas, na gíria
económica titulados como
fusões & aquisições
, onde também pontificam as sociedades de advogados na qualidade de
assessores jurídicos. Note-se como na recente oferta pública de
aquisição (OPA) da CIMPOR o escritório
Uría Menéndez-Proença de Carvalho
surgiu como assessor de um potencial adquirente o grupo
económico brasileiro
Camargo Corrêa.
Outra área de negócio que os dirigentes dos escritórios
parecem considerar promissora é a intervenção externa,
nomeadamente por via da ligação a escritórios de advogados
em países de língua oficial portuguesa. O Quadro 5 é
revelador dessas ligações internacionais personalizadas.
QUADRO 5
|
SOCIEDADES
|
PAÍSES ONDE EXISTEM LIGAÇÕES PERSONALIZADAS
|
|
A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados
|
Angola, Moçambique, Brasil, República Popular da China.
|
|
Abreu & Associados
|
Angola, Moçambique.
|
|
Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados
|
Angola, Moçambique, Brasil, República Popular da China.
|
|
Cuatrecasas, Gonçalves Pereira
|
O número de ligações é muito significativo,
resultado da associação de Gonçalves Pereira à
sociedade de advogados espanhola
Cuatrecasas
.
|
|
Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados
|
Angola, Cabo Verde, Moçambique, Brasil, Reino Unido.
|
|
Uría Menéndez-Proença de Carvalho
|
O número de ligações é muito significativo,
resultado da associação de Proença de Carvalho à
sociedade de advogados espanhola
Uría Menéndez
.
|
|
Rui Pena, Arnaut & Associados
|
Angola, Timor, Brasil.
|
|
Correia, Seara, Caldas, Simões e Associados
|
Brasil.
|
|
José Aguiar-Branco & Associados
|
Espanha, França.
|
|
APORT Advogados Portugueses em Consórcio
|
Espanha.
|
Fonte: Sítios das sociedades de advogados na Internet, 2012.
Para além de outras considerações pertinentes de
caráter imediato, é de salientar que qualquer dos negócios
aqui referenciados permite aos escritórios de advogados funcionarem como
elos de ligação e instrumentos de expansão dos grupos
económicos capitalistas, sejam eles internos ou externos ao País.
A associação de interesses entre sociedades de advogados e os
grandes grupos económicos capitalistas permite-nos ainda incorporar, no
âmbito do presente artigo, uma afirmação inequívoca
sobre o estado atual da justiça portuguesa: o seu muito vincado
caráter de classe, que se consubstancia no facto de a grande burguesia
dispor de avultados meios para fazer valer os seus interesses no foro judicial,
em claro detrimento da generalidade da população, seja esta
encarada como trabalhadora ou como consumidora.
Conclusão
Com base no que acabou de ser escrito e exemplificado, constata-se a
existência de escritórios de advogados que se configuram
objetivamente como instrumentos essenciais, diretos ou indiretos, da
expansão do domínio dos grandes grupos económicos
capitalistas: instrumentos diretos, devido à ligação entre
ambos; instrumentos indiretos, por intermédio da relação
escritórios de advogados ? instituições da superstrutura
política e ideológica
(o que até constitui, em termos objetivos, uma porta aberta para o
alastramento da corrupção).
Nesta qualidade, trata-se de entidades que têm contribuído
ativamente para a subordinação do poder político
democrático ao poder económico; e, portanto, tais entidades
constituem mais uma (entre tantas
) excrescência inconstitucional da
sociedade portuguesa.
Não serão quaisquer entidades reguladoras a extirpar esta
autêntica chaga social, mas sim a rutura com a política de direita
dos partidos da
troika
, consubstanciada essencialmente na rutura com o domínio dos grandes
grupos económicos capitalistas (internos e externos ao País), da
qual resulte a implementação de uma política alternativa
que reconstrua Portugal com base nos valores de Abril. Enfim, uma
política visando o socialismo.
NOTAS
[1] Fonte:
www.bcsdportugal.org/abreu-e-associados---sociedade-de-advogados/1344.htm
.
[2] Fonte: In-Lex Anuário das Sociedades de Advogados, 2012
(sítio na Internet).
[3] Dados obtidos a partir dos
curricula
e do sítio da CGD na Internet .
[4] José Pedro Aguiar-Branco declara no seu
curriculum vitae
ter terminado as funções mencionadas aquando da tomada de posse
como ministro.
[5] Fonte:
www.zon.pt/institucional/PT/...
[*]
Economista, professor universitário, membro da Assembleia Municipal do
Seixal.
O original foi publicado em
O Militante,
nº 319, Julho/Agosto 2012, pp. 52-55
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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