Capitalistas e Estado, a mesma luta
por Grazia Tanta
Os Estados demonstraram, claramente, a propósito da crise financeira,
que são instrumentos do capitalismo, somente intervindo a favor da
multidão, como forma de apoio ou salvaguarda dos interesses do capital.
1- O papel dos Estados na crise
2- O regresso do défice
3 - A miserável gestão PS/PSD das contas públicas
3.1- A dívida pública
3.2- O PIB e a economia paralela
3.3- Repartição do rendimento
3.4- Apoios aos empresários
a. Ajudas do Estado às empresas
b. As parcerias público-privado
c. QREN Quadro de Referência Estratégico Nacional
d. Os apoios anti-crise
e. Convites ao incumprimento fiscal e contributivo
f. Prescrições de dívida
g. Anulações
h. Os benefícios fiscais
i. A dívida fiscal e de contribuições para a Segurança Social
3.5- Privatizações
4- Quadro-síntese
1 - O papel dos Estados na crise
Depois do apogeu da sua crise, o sistema financeiro, com a ajuda dos Estados,
do FMI e do capital mafioso sente-se aliviado e recobra cores rosadas, pouco se
preocupando com os estilhaços ou com as réplicas que vem
provocando.
De facto, os Estados arcaram valentemente com o desvario cleptomaníaco
do capital. O Banco de Inglaterra, em Agosto, aumentou para 206000 M o
total da emissão de libras para comprar títulos (muitos, dos
chamados "podres") aos bancos, saneando os activos destes e
injectando liquidez no circuito económico. Angela Merkel promove mais
24000 M de alívio fiscal. A Áustria protagonizou a mais
recente nacionalização no sexto maior banco local
[1]
. Ainda em Agosto o custo público com o encerramento de três
bancos falidos nos EUA foi de $185000 M
[2]
.
Na Lusolândia, o governo anunciou em 2008 um plano anti-crise de
2180 M - correspondente a 1.25% do PIB, contra aproximadamente o dobro na
média europeia de planos semelhantes - e, mesmo assim, só metade
terá sido executado até Setembro último. E deveria ter
criado 15000 empregos em 2009 e outros tantos em 2010
[3]
Em suma, de acordo com texto de Martin Wolf, editor principal e comentarista do
Financial Times,
publicado em 28/10/2009, a ajuda global aos bancos ascenderá a uns
inimagináveis $ 14000 biliões
[4]
. Por seu turno, a OCDE avaliou essas ajudas em $ 11400 biliões.
Outro parceiro habitual do sistema financeiro é o capital mafioso,
conforme o demonstra António Maria Costa, máximo
responsável da ONU pelo combate ao crime e ao tráfico de droga.
Segundo Costa, a crise facilitou a lavagem de 240000 M de dinheiro de
tráfegos diversos que assim acudiram aos bancos ávidos de
liquidez
[5]
. Em Portugal, vai-se assistindo nos últimos anos à entrada
maciça da "empresária" Isabel dos Santos em empresas
importantes, sendo a Zon o caso mais recente. O importante, para este mundo
tortuoso, é a circulação do capital, a
agilização da formação de lucros, o funcionamento
do dito mercado.
Mais do que através dessa aliança, é o próprio
sistema financeiro que assume, autonomamente, comportamentos criminosos.
Notícias recentes
[6]
revelam que a Goldman Sachs, a Morgan Stanley, o Deutsche Bank e outros,
venderam títulos de risco aos seus clientes (sobretudo fundos de
pensões) para logo a seguir promoverem a queda do seu valor, provocando
pesadas perdas aos compradores. A imagem de um perito referido na mesma
notícia é excelente: "a manobra é como contratar um
seguro de incêndio para a casa de um terceiro e a seguir provocar um
incêndio"
2 O regresso do défice
Entretanto, os Estados, para salvar os bancos, contraíram
dívidas, deram alguma atenção ao desemprego e à
crise social ou, mesmo aos custos com o negócio da gripe A, agravando os
seus défices e sobrecarregando as gerações futuras.
Espantoso mesmo é os Estados, numa primeira fase, terem ajudado o
sistema bancário a evitar a bancarrota e depois terem que recorrer ao
mesmo sistema bancário (com o pseudónimo de "mercado")
para pagar a dívida que contraíram para ajudar os bancos!
Pareceria cómico se não fosse trágico para a
multidão de súbditos do capital e dos seus Estados, que pagam os
desmandos de ambos. Quando os mandarins aparecem, com ar grave e cenho franzido
a anunciar sacrifícios, se fossem gente normal recusar-se-iam a
representar esse papel circense. Mas, de facto, mandarim não é
tipo normal; é um robot resultante da substituição da
coluna vertebral por uma dobradiça, excelente mecanismo, sempre bem
oleado, para manifestar a sua vassalagem ao capital.
Por outro lado. os Estados, ao captarem muito dinheiro junto do
"mercado" ou do sistema bancário, se preferirem, exercem uma
grande pressão para a subida geral dos juros; e, os bancos nacionais,
quando se vão abastecer de capital junto de outros bancos, para
financiar os seus clientes, têm de aceitar condições mais
pesadas para obter crédito, para além das inerentes ao chamado
"risco-país" decretado pelas conhecidas agências de
"rating". O passo seguinte é as famílias e as empresas
encontrarem pelo caminho "spreads" mais elevados, crédito mais
rarefeito e caro quando vão ao banco, uma vez que os complacentes
Estados da Eurolândia, conduzidos em rédea curta pelo BCE,
não intervêm no sentido do estreitamento das margens dos bancos,
aceitando, pacificamente, a estagnação económica e as
dificuldades das famílias.
Esta imensa e criminosa falta de racionalidade pode ser sintetizada dentro da
seguinte cronologia:
a. O sistema bancário global afunda-se;
b. Os Estados financiam os bancos nacionais em dificuldades com o dinheiro que
não têm;
c. A banca fica mais aliviada e elevam-se os défices públicos;
d. Os Estados recorrem a empréstimos junto do sistema financeiro mundial;
e. O capital disponível nos "mercados" globais encolhe e os
juros sobem;
f. Na sua rotina de baixo volume de capitais próprios, os bancos
nacionais vão ao "mercado" pedir dinheiro emprestado a outros
bancos para atender aos seus clientes;
g. Na sua rotina, os bancos nacionais oneram Estados, autarquias,
famílias e empresas, transferindo para estas os custos da sua
actuação leviana e criminosa, subentendida em a.;
h. Prossegue a marcha da recessão, das dificuldades da multidão,
do desemprego, dos despedimentos efectivados para fornecer bons lucros aos
"mercados accionistas", dos esforços dos trabalhadores para
serem mais produtivos, para a economia ser mais competitiva, bla bla bla.
Como já se sabia, voltaram à ladainha do défice e
não se fala mais de bancos debilitados. A Grécia está na
linha da frente, nomeadamente porque durante dez anos foi instruída pela
Goldman Sachs na forma de camuflar o endividamento
[8]
. Entretanto, as medidas já apontadas contemplam as receitas habituais;
aplicação do PEC, com medidas adicionais que façam
retornar o défice grego a menos de 3% em 2012!. Agora, com a prestimosa
ajuda, não da Goldman Sachs mas, do FMI e do BCE; este último,
mais interessado em evitar a especulação sobre o euro do que na
sorte dos 11 M de gregos.
No caso português o ministro das finanças socratóide tenta
adoçar a pílula dizendo que o défice está em linha
com a média da Eurolândia, esquecendo que o subdesenvolvimento e a
pobreza de Portugal torna dramáticas quaisquer tentativas de
reequilíbrio financeiro. Portugal só recorreu a um financiamento
de 8200 M junto do BCE o que corresponde a 4.9% do PIB, enquanto para o
conjunto da Eurolândia, essa percentagem foi de 6.6% (9); é que o
sistema financeiro português tem alguma solidez relativa, conseguida
à nossa custa, entenda-se. E apesar daquele "mitigado" recurso
ao BCE os sacrifícios que nos querem impor são os que conhecemos;
o que não nos impede de estar no pódio, um degrau abaixo da
Grécia (temporariamente?).
3- A miserável gestão PS/PSD das contas públicas
Pretende-se, neste ponto, abordar as formas como a direita portuguesa, os
governos PS/PSD com a ladrar açulante do xenófobo CDS
tem descapitalizado e endividado o Estado, a favor dos capitalistas,
responsabilizando, de permeio, os cidadãos pelo sanar sempre adiado das
contas públicas, impondo-lhes o sacrifício permanente.
Convém ter-se presente que o défice público, nas
condições de subalternidade do capitalismo português
é o produto de um fluxo constante de recursos dos trabalhadores para as
empresas, através do mandarinato PS/PSD que, naturalmente, cobra a sua
corretagem pelo serviço prestado.
3.1 A dívida pública
De acordo com a proposta de OE para 2010, o saldo das
administrações públicas (Estado, Fundos e Serviços
Autónomos, Administração Regional e Local e
Segurança Social), o tal défice de que se fala, traduz-se em:
|
M euros
|
% do PIB
|
Valor/habit. ()
|
Nº SMN/habitante
|
2008
|
3 646
|
-2.2
|
343
|
0.81
|
2009*
|
14 153.6
|
-8.6
|
1332
|
2.95
|
2010**
|
13 414.4
|
-8.0
|
1261
|
2.65
|
* estimado ** previsto
A interacção entre as crises sistémicas a nacional
e a internacional - onerou cada um de nós pesadamente em 2009, cerca de
quatro vezes mais que em 2008; e um pouco menos em 2010 se
se cumprirem
as previsões dos aldrabões do costume. Para cada um dos muitos
que recebem o salário mínimo, a sua quota-parte no défice
corresponde, em 2009 a quase três meses de trabalho, contra 24 dias em
2008, o que já não era pouco.
A dívida pública portuguesa, não difere, em termos
relativos da dimensão da constituída pelos países
europeus, quedando-se bem aquém dos casos da Grécia e da
Itália; e com um ritmo de crescimento inferior ao da Espanha e da
Irlanda.
Dívida pública (critério de Maastricht) (% do PIB)
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
Espanha
|
36,1
|
39,7
|
52,0
|
60,1
|
66,9
|
França
|
63,8
|
67,5
|
76,2
|
84,2
|
90,8
|
Grécia
|
95,6
|
99,2
|
111,5
|
119,9
|
126,8
|
Irlanda
|
25,1
|
44,1
|
61,3
|
76,7
|
87,9
|
Itália
|
103,5
|
105,8
|
114,8
|
118,3
|
120,8
|
Portugal
|
63,6
|
66,3
|
74,9
|
82,0
|
88,2
|
Fonte: OCDE
Porém, Portugal tem um nível de vida e de bem-estar muito
inferior ao dos outros países considerados, com excepção
da Grécia (ver Revolta na Grécia, Modorra em Portugal)
[10]
; cada euro de dívida tem um pagamento mais penoso para um país
pobre do que para outros com maiores índices de riqueza. A
relação entre a capitação do PIB para Portugal
(índice 100) e os outros países, em 2009, é lapidar:
Espanha
|
152
|
França
|
193
|
Grécia
|
136
|
Irlanda
|
261
|
Itália
|
167
|
Grande parte dos bens e serviços consumidos em Portugal é
importada e os preços pagos são mais ou menos os mesmos dos
outros países europeus, só sendo mais baixos em alguns daqueles
que não são objecto de importação, sobretudo nos
serviços de grande incorporação de mão de obra
barata. Por outro lado, o crédito é mais caro e consome fatia
importante do rendimento familiar a título de habitação
enquanto os combustíveis são também mais caros, tal como
as telecomunicações.
O caso das chamadas telefónicas justifica um parêntesis ilustrador
da oligopolização das operadoras de comunicações,
da sua ligação ao PS/PSD, através do Estado, já
muito conhecida no caso PT/TVI ou no contrato com as TMN/Vodafone/Optimus a
propósito da "dádiva" dos Magalhães. De acordo
com o Eurostat e para os seis países que se vêm utilizando para
efeitos de comparação, o preço de uma chamada local de 10
minutos, tinha os seguintes preços:
euros
|
Espanha
|
França
|
Grécia
|
Irlanda
|
Itália
|
Portugal
|
2000
|
0.28
|
0.42
|
0.31
|
0.51
|
0.25
|
0.23
|
2008
|
0.24
|
0.35
|
0.31
|
0.52
|
0.22
|
0.37
|
Voltando à dívida pública, esta apresenta os seguintes
indicadores:
Dívida pública e juros
|
2008
|
2009
|
2010
|
Valor da dívida (M )
|
118.463
|
132.743
|
149.226 *
|
Valor/habitante ()
|
11.157
|
12.491
|
14.029
|
Meses de SMN/habitante
|
26.2
|
27.8
|
29.5
|
Juros do ano (M )
|
4.885,7
|
5.005,4
|
5.500,0
|
Valor/habitante ()
|
460
|
471
|
517
|
Meses de SMN/habitante
|
1.08
|
1.05
|
1.09
|
* Considerando a dívida de 2009 com as necessidades líquidas de
financiamento para 2010, referidas no OE-2010 (16483 M).
Fonte: OE 2010
dos quais se extraem as seguintes conclusões:
-
Cada residente em Portugal, em 2010, tem a seu cargo uma dívida que
passará dos 14000 euros, em 2010, quase mais 3000 do que
dois anos atrás;
-
Se cada cidadão quisesse pagar dívida afectando mensalmente o
valor do salário mínimo a esse objectivo demoraria 26 meses em
2008 e quase dois anos e meio este ano;
-
Só para pagar os juros da dívida este ano e se as sagradas
empresas de "rating" não elevarem o "spread"
cada um de nós irá entregar 517;
-
Entre 2008 e 2009 os juros da dívida aumentaram cerca de 120 M
mas, para o corrente ano o aumento é de 500 M;
-
Quem beneficiou com este endividamento? Melhoraram os serviços nos
centros de saúde? Foi feito investimento na reabilitação
dos centros das cidades? A expansão descentralizada das energias
renováveis tem estado na ordem do dia ou tem-se preferido a engorda dos
accionistas da EDP/REN?
3.2- O PIB e a economia paralela
O PIB português não tem crescido nos últimos anos, nem se
prevê que aumente claramente nos próximos tempos, nomeadamente no
que se refere à capitação, que se mantém muito
abaixo dos outros países aqui referidos, cuja evolução
não apresenta também um quadro famoso. Trata-se da
expressão sintética da globalização capitalista, do
capitalismo anti-social e genocida, como se pode observar no quadro seguinte:
Capitação do PIB
euros
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
Espanha
|
22.131,4
|
23.247,6
|
23.751,8
|
22.762,3
|
22.558,6
|
França
|
28.392,6
|
29.611,8
|
30.304,0
|
30.033,2
|
30.612,5
|
Grécia
|
18.838,7
|
20.192,7
|
21.237,3
|
21.264,5
|
21.405,3
|
Irlanda
|
40.987,6
|
43.112,5
|
40.857,3
|
36.893,9
|
36.045,9
|
Itália
|
25.120,0
|
25.913,0
|
26.184,4
|
25.395,1
|
25.888,9
|
Portugal
|
14.666,0
|
15.356,8
|
15.661,3
|
15.262,2
|
15.416,5
|
Fonte: Eurostat
Este valor, porém, é afectado pela enorme economia paralela que
corresponde a 22% do PIB, valor que pouco tem evoluído nos 25 anos
terminados em 2005 e que se situa muito acima da média europeia mas, ao
nível da registada em Espanha, Itália ou Grécia
[11]
.
Neste último país, segundo notícias recentes, a fuga aos
impostos é um verdadeiro desporto em que participa uma
administração fiscal bem paga ( 2200 em média contra
800 da média global) e corrupta. Em Espanha, a economia paralela
envolve total ou parcialmente 12/15 M trabalhadores e, aumentando com a crise,
é avaliada em 210000 M em 2009.
[12]
Trata-se de um fenómeno muito complexo e diversificado onde se mistura o
biscate de um trabalhador, de um desempregado para sobreviver, com os
negócios bem mais vultuosos, de tráficos vários, de vendas
sem factura, do suborno, do financiamento dos partidos, etc. A economia
paralela ou informal corresponde ao trabalho ou às
transacções que acontecem sem o conhecimento ou o controlo do
Estado (em regra taxado), muitas vezes com a conivência do seu aparelho e
do poder político; assenta na ideia, muito, muito discutível, de
que o Estado capitalista deve estar presente em todos os actos da nossa vida,
no nosso trabalho e colher daí o seu quinhão, alimentando com ele
camadas sociais, tão minoritárias quanto parasitárias.
Sabe-se que, no contexto europeu, nos países latinos, por exemplo, a
economia informal é mais poderosa do que no Norte do continente.
No Sul da Europa as causas prendem-se com a existência de Estados
predadores dos trabalhadores, parcos fornecedor de bens ou serviços de
carácter social adequados, com forte presença de aparelhos
corruptos e pesados, mais interessado no seus auto-municiamentos do que na
satisfação das necessidades colectivas. Por outro lado, a
tradição de um aparelho tentacular e voraz (a Igreja
Católica), poder dominante durante séculos, criou uma cultura
popular de fuga e ocultação de rendimentos; e essa cultura
manteve-se, porquanto os Estados nacionais, com as suas cortes e governos
republicanos, rapidamente absorveram a voracidade do clero, adoptando, muitas
vezes uma linguagem jacobina, para acelerar o apoio da multidão, ao seu
advento como poder político, falsamente regenerador.
A História portuguesa, com a República (que completa agora cem
anos) é disso paradigmática, não sendo fácil
distinguir, em voracidade e corrupção, entre o regime republicano
pré-fascista, o salazarismo ou o actual partido-Estado (PS/PSD),
relativamente aos partidos da monarquia, bem caracterizados por Eça de
Queirós e Guerra Junqueiro. Lateralmente, cabe perguntar aqui, se os
trabalhadores de hoje, tal como os seus avós de há um
século têm alguma coisa a comemorar no próximo dia 5 de
Outubro; e se devem colocar-se ao lado dos corruptos ou putrefactos
"laicos e republicanos" que por aí andam, na
comemoração do exílio de um reizeco para Inglaterra. De
facto, quando alguém é assaltado na estrada, não recebe
conforto algum em saber se o ladrão é católico ou ateu,
nem lhe pergunta se é republicano ou monárquico, PS ou PSD.
Nos países do Norte da Europa o fenómeno tem menor
dimensão por razões históricas e práticas. A
construção dos Estados nacionais fez-se com a
criação de Igrejas nacionais (em antagonismo com o Papado) tendo
como vértice o rei, símbolo da união divina entre o
sagrado e o profano, do casamento entre Deus e o Estado. Por outro lado, a
rotura ideológica de luteranos e calvinistas face ao Papado fez-se na
base de um maior rigor na aplicação dos textos bíblicos,
para a mobilização da multidão de camponeses pobres contra
os privilégios de príncipes e prelados. É de Lutero esta
frase emblemática: "Os pequenos ladrões estão a
ferros, os grandes ladrões andam a ostentar ouro e seda".
Por outro lado, como se disse, existem razões de ordem prática e
a sabedoria popular resulta daí. Os países do Norte da Europa
aplicaram de modo mais aprofundado o modelo social-democrata, idealizado por
Bismarck, interessado na produtividade das indústrias e, desenvolvido
por Beverige, nos EUA durante a grande crise dos anos 30. Ora, sabendo que o
Estado fornece serviços condignos e universais de apoio à
saúde, à educação, como na velhice e nas
infraestruturas colectivas, a multidão compreende perfeitamente que nada
perde quando paga impostos; não se sente esbulhado.
Voltando à realidade actual, se a economia paralela afecta sempre as
receitas do Estado, é preciso que se considere ser a fuga ao imposto
pelos pobres, legítima, porque se trata de um acto de
sobrevivência, de subtracção de recursos ao poder do Estado
do capital, com tanto de predador como de corrupto e inepto no fornecimento de
serviços públicos. É nesse plano que se devem colocar as
habilidades dos desempregados que necessitam de complementar subsídios
precários e de miséria; de trabalhadores pobres que inventam ou
aproveitam uma doença para angariar algum rendimento; de pobres instados
a ser criativos para arrecadar umas dezenas de euros mensais a título de
RSI.
E, por sinal, essas situações estão longe de ser
generalizadas. No entanto, são mais comuns as referências dos
mandarins aos subterfúgios dos pobres do que aos esquemas dos muitos
"godinhos" e "rendeiros" que por aí andam e que com
eles almoçam, discretamente, em restaurantes de luxo.
Assim, o volume dos subsídios de doença tem-se mantido
praticamente invariante desde 1995 até 2004, reduzindo-se desde
então até 2008, enquanto o número de beneficiários
se reduziu de 746 mil em 1995 para 550 mil em 2008. Por seu turno, o
subsídio de desemprego, este século duplica no período
2001/2005 decrescendo desde então até 2008, precisamente quando
começou o crescimento imparável do desemprego. Assim se evidencia
o carácter "socialista" da besta socratóide; não
são apenas as suas políticas que são de direita, como diz
a benevolente esquerda parlamentar, é a sua natureza.
No caso português, a economia paralela corresponde a mais de 35000
M o que é perto de um quarto de toda a dívida pública
esperada para 2010. Por outro lado, se se comparar aquele valor com o volume
dos rendimentos do trabalho, em 2008 (cerca de 83000 M) e sabendo-se que
a esmagadora maioria dos trabalhadores, exercem funções por conta
de outrem, não tendo rendimentos fora desse contexto, não
é difícil perceber quem mais pratica e beneficia da
existência da economia paralela o empresariato e o mandarinato.
Veremos mais adiante as fórmulas integradas no funcionamento do capital
e dos seus aparelhos de Estado para a isenção prática de
ónus tributários por parte da frente comum entre capitalistas,
nas suas várias acepções (banqueiros, empresários,
"investidores"
) e o mandarinato, também segmentado em
membros do governo, autarcas, gestores de empresas públicas,
"reguladores" e institutos públicos, dirigentes da
administração pública... Fica, desde já acima
referido que, no capítulo da economia paralela, a sua existência
é condição de sobrevivência ou de
angariação de rendimentos isentos de tributo por parte da classe
dominante que, para o efeito, mantém e vai agilizando os modos de
branqueamento de capitais, ostentando todos um discurso de rigor mas, uma
prática, de tolerância infinita. Quando algumas redes mafiosas
desabam, fica-se a saber o que funciona como tentáculos do polvo: os
casos BPN, Face Oculta, Portucale, Freeport, Isaltino, Felgueiras,
Furacão estão por aí para ilustração.
3.3 Repartição do rendimento
Voltando à economia contabilizada nas estatísticas oficiais,
observa-se que a situação portuguesa apresenta vários
factores de diversificação face aos outros países.
De acordo com o Eurostat, a parcela dos rendimentos do trabalho no PIB
mostra-se estável até 2008 e, curiosamente, aumenta abruptamente
num ano (2009) de crescimento do desemprego e de congelamento de
salários prevendo-se esse acréscimo nos próximos
tempos
apesar dos congelamentos salariais e do não aumento do
emprego. Mistérios dos eurocratas! Porventura, acreditaram que o aumento
de 25 do SMN irá provocar uma redistribuição brutal
dos rendimentos, como sugerido pela CIP
Remunerações em % do PIB
|
2000
|
2001
|
2002
|
2003
|
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
Espanha
|
49,5
|
49,2
|
48,7
|
48,4
|
47,7
|
47,4
|
47,2
|
47,6
|
48,4
|
48,7
|
48,9
|
48,8
|
França
|
51,9
|
52,2
|
52,6
|
52,5
|
52,2
|
52,0
|
51,9
|
51,5
|
51,6
|
51,7
|
50,8
|
50,3
|
Grécia
|
33,2
|
32,7
|
35,4
|
34,8
|
34,8
|
34,7
|
34,2
|
34,5
|
34,6
|
34,8
|
34,5
|
34,0
|
Irlanda
|
40,0
|
39,9
|
38,4
|
38,7
|
39,4
|
40,7
|
41,0
|
41,5
|
45,2
|
45,4
|
43,8
|
43,0
|
Itália
|
39,2
|
39,5
|
39,8
|
40,2
|
39,9
|
40,7
|
41,0
|
40,9
|
41,7
|
42,4
|
41,9
|
41,6
|
Portugal
|
49,9
|
49,8
|
50,0
|
50,1
|
49,8
|
50,5
|
50,0
|
49,2
|
50,1
|
53,0
|
53,3
|
53,0
|
Fonte: Eurostat
O quadro acima considerado, se superficialmente observado, mostra que a
distribuição entre o rendimento do trabalho e do capital é
mais favorável aos trabalhadores que nos outros países, com a
excepção da França; sem que se dê relevo aos valores
irreais de 2009/2011.
Proceda-se ao seguinte exercício, com dados de 2008. Os trabalhadores
por conta de outrem e equiparados, mais os isolados, onde pesam sobremaneira os
"falsos recibos verdes" eram 4910.6 milhares (INE
Inquérito ao Emprego) e é esse conjunto de trabalhadores que, com
as suas famílias vivem com 50.1% do PIB. Dentro deste valor estão
contidas realidades muito distintas, como as baixas remunerações
de milhões de trabalhadores, ou os elevados salários e
prémios de gestores de topo que também sejam assalariados.
Por seu turno, os trabalhadores por conta própria, empregadores,
são 287.2 milhares que com as suas famílias procedem à
gestão e redistribuição interna de cerca de 28.9% do PIB,
uma vez que o consumo de capital fixo (equipamentos, imobilizado,
software
) corresponde ao restante (21% do PIB, de acordo com o Eurostat).
Também aqui se trata de uma realidade compósita que contempla o
capitalista típico, patrão de grande empresa com assalariados e o
pequeno empresário, com um ou outro assalariado, bastas vezes
acarretando com grandes dificuldades para sobreviver, face à sua
incapacidade de manipular preços ou negociar a concessão de
crédito bancário, quando a ele pode aceder. Em qualquer dos casos
estão englobados nos referidos 28,9% do PIB, não só os
rendimentos típicos da propriedade capitalista (lucros) como os juros
recebidos pela cedência de capital a outrem, as rendas do aluguer de
espaços físicos ou equipamentos, direitos de propriedade e ainda
remunerações do capitalista e seus familiares, nem sempre
estatisticamente identificáveis; porém, trata-se de uma simples
redistribuição entre detentores de capital.
Postas estas considerações esclarecedoras da
simplificação efectuada, os rendimentos médios (em euros),
em 2008
foram:
Trabalhador
|
16 874
|
Capitalista
|
167 480
|
e revelam uma imagem aproximada do grande motivo da leviandade com que a
burguesia portuguesa, como qualquer outra, encara a dívida
pública, o défice, o desemprego. Não lhes pesa.
Por outro lado, num país com grande consumo de bens importados, sendo os
seus preços aproximados em todos os países da UE, a sua
aquisição é mais onerosa a quem tem menores rendimentos. E
uma sobrecarga fiscal ou uma redução qualitativa ou quantitativa
no capítulo dos serviços públicos para os trabalhadores,
justificada com o défice, tem um peso muito maior do que na
população de países com maior nível de rendimento.
O salário mínimo em Portugal é claramente mais baixo do
que nos outros países com que aqui se vem fazendo o cotejo e pode ser
utilizado como uma referência pouco rigorosa para os níveis
salariais. Ora, não é através do preço do trabalho
que a competitividade externa é prejudicada pois, a própria
evolução do SMN não é, de todo prejudicial aos
interesses dos capitalistas. E, mesmo assim, bem se ouviu a miadeira dos
chamados empresários com o recente aumento do SMN de 450 para
475.
Salário mínimo anualizado (euros)
|
2000
|
2009
|
Variação (%)
|
Espanha
|
425
|
728
|
+38.4
|
França
|
1049
|
1321
|
+20.8
|
Grécia
|
526
|
680.6 *
|
+12.5
|
Irlanda
|
945
|
1462
|
+36.3
|
Portugal
|
371
|
525
|
+26.2
|
* 2008 Fonte: Eurostat
Porém, ninguém ouve um coro de protestos perante a
comparação com os níveis de poder de compra dos gestores
de primeiro e segundo plano
[13]
ou, com a revelação de que o sacerdote Constâncio tem um
salário vários furos acima do Bernancke, presidente do Fed.
EUA
|
100
|
Alemanha
|
92
|
Grécia
|
117
|
Itália
|
81
|
Espanha
|
106
|
Inglaterra
|
81
|
Portugal
|
112
|
França
|
77
|
Irlanda
|
119
|
Suiça
|
117
|
3.4- Apoios aos empresários
a. Ajudas do Estado às empresas
Os pobres empresários portugueses sempre com queixas do Estado
não deixam de beneficiar valentemente dos apoios e financiamentos
públicos; são piores que cães, porque estes não
mordem a mão que lhes estende a comida. E, por outro lado, conseguem
ainda amestrar os mandarins para o circo mediático, colocando os
últimos a justificar todos os apoios às empresas, como coisa
normal e da mais elementar justiça. Vejamos no quadro seguinte as
razões de queixa dos chamados empresários:
Ajudas do Estado às empresas * (%PIB)
|
2000
|
2006
|
2007
|
Espanha
|
0,91
|
0,57
|
0,52
|
França
|
0,61
|
0,58
|
0,51
|
Grécia
|
0,63
|
0,26
|
0,59
|
Irlanda
|
1,09
|
0,57
|
0,52
|
Itália
|
0,48
|
0,37
|
0,33
|
Portugal
|
0,85
|
0,93
|
1,31
|
* excepto transportes ferroviários Fonte: Eurostat
Como se observa, sendo Portugal um país mais pobre que os restantes, o
esforço público destinado a apoios às empresas é
escandalosamente superior aos dos outros países; e daí que se
degrade o ensino, a saúde, o espaço público, a
segurança, para prejuízo da esmagadora maioria da
população. Tudo em nome de uma competitividade sempre em fuga,
dum investimento em que os capitalistas lusos não gostam de comprometer
as poupanças, como deveriam fazer seguindo a teoria económica
mais basilar. Se as ajudas às empresas concedidas em 2007 se tivessem
pautado pela norma dos outros países, o esforço colectivo teria
sido de uns 1100 M e não dos 2135 M. Por
comparação registe-se que em 2007 os 369 mil beneficiários
do RSI receberam 2390 M.
Quando um relatório elaborado pelo Institute for Family Policies (IPF),
um dos consultores especiais do Conselho Económico e Social das
Nações Unidas revela que Portugal está em penúltimo
lugar na UE a 15 com a afectação de 1.2% do PIB em ajudas
às famílias (contra 2.1% na UE a 27), a comparação
retrata as escolhas e o carácter anti-social dos governos portugueses
[14]
.
O pendor investidor dos tais empresários pode notar-se num exemplo
conhecido. Diogo Vaz Guedes, antigo dono da Somague bramava, anos atrás,
sobre a necessidade de manter os centros de decisão das empresas em
Portugal; em poucas semanas vendeu a empresa à espanhola Sacyr e
não arranjou melhor que colocar a fazenda no BPP, em cujas contas estava
a fina flor dos "investidores lusos", todos altamente empenhados no
rentismo mais parasitário. E a família Teixeira Duarte depois de
vender a sua participação na Cimpor a um grupo brasileiro, em que
projectos com impacto no desenvolvimento económico da sua pátria
irá investir? Aguardamos com curiosidade.
b. As parcerias público-privado
Neste contexto de apoios e financiamentos públicos às actividades
privadas, a uma burguesia fraca e viciada na promiscuidade com o Estado, surgem
as famosas parcerias público-privado, figura nebulosa de
interpenetração de relações, em que o Estado se
endivida durante longos anos para favorecer alguns grandes grupos privados.
As referidas parcerias foram aplicadas, pela primeira vez, no sector das
intraestruturas rodoviárias em 1994, então sob o nome mais
genérico de "project finance", só surgindo muito mais
tarde a actual designação, por directiva da Comissão
Europeia, transposta para o direito português em 2003. Em 1994, no tempo
da então JAE (actual Estradas de Portugal), a gestão da ponte 25
de Abril passou para a alçada da Lusoponte que, entretanto construiria a
ponte Vasco da Gama, cobrando as portagens em ambas as pontes. O negócio
foi protagonizado por um tal Ferreira do Amaral, então ministro de
Cavaco e que há alguns anos passou a presidir a
Lusoponte.
Em regra, enquadram concessões por 30 anos e nelas se incluem as
célebres SCUT, modelo criado pelo governo de Guterres e que, previstas
para não terem portagens, irão passar a tê-las, para
colmatar encargos faraónicos para um Estado desastrado (?) a fazer
contas.
O elenco das parcerias (ver OE -2010) é o seguinte:
- sector rodoviário
-
Sete concessões adjudicadas em 2008/9 com valores de
construção da ordem dos 2900 M, contestados pelo Tribunal
de Contas na sua forma original;
-
Uma concessão, em curso, por 1100 M;
-
Cinco novas concessões previstas para o primeiro semestre de 2010.
- sector ferroviário
-
Vigoram duas concessões com investimentos de 1169, efectuados
há cerca de dez anos, terminando este ano a da ligação
entre as duas margens do Tejo;
-
Desenvolvem-se novas adjudicações no âmbito do TGV, durante
40 anos e com valores de investimento da ordem dos 3249 M.
- sector da saúde
-
Estão em vigor sete concessões (uma termina em 2010) num total de
326 M de investimentos;
-
E estão em curso mais três, pelo valor de 533 M.
- SIRESP
-
O SIRESP Sistema Integrado de Redes de Emergência e
Segurança de Portugal, glorificou o BPN, o Dias Loureiro e um tal Daniel
Sanches, por motivos pouco abonatórios e que contaram com a
benevolência do António Costa (ver
"BPN - exemplo prático do que é o capitalismo"
)
[15]
. Sempre foram investimentos de 609 M que terão melhorado a vida
de alguma gente.
Só em 2010, os encargos com as parcerias correspondem a 367.7 M,
valor que vai crescendo até 2017 mas, com a garantia, quase absoluta, de
que qualquer governo PS/PSD irá lançando mais iniciativas,
financiadoras dos seus patrocinadores, os industriais do betão e os
bancos. Se não existissem mais concessões a partir de hoje, para
além das já contratadas, os encargos públicos já
comprometidos até 2048 correspondem a 13779 M, valor pouco
inferior ao défice de 2009.
c. QREN Quadro de Referência Estratégico Nacional
O QREN, quadro em que se insere o apoio da UE para 2007/13 contempla
21510.6 M de fundos comunitários e corresponde, por ano a 1.8 ou 1.9% do
PIB; esses apoios irão sofrer, previsivelmente, uma forte
redução a partir de 2013.
Acontece que os apoios comunitários têm financiado, desde os anos
80, com as ajudas pré-adesão, muitos estudos,
acções de formação, obras, a realizar por empresas
como candidatas directas aos apoios ou contratadas pelo Estado, autarquias e
outros órgãos públicos. Há, portanto, muitas
empresas que foram criadas e vivem dessas adjudicações e
empreitadas; uma vez mais dependentes do gasto público, mesmo que
útil e inatacável. Se se registar uma quebra forte no
financiamento comunitário, a partir de 2013, como se vão
viabilizar todas essas empresas? Qual o volume de desemprego que irão
gerar? O que vai substituir a produção dos referidos 1.8 ou 1.9%
do PIB que têm sido promovidos pelos fundos comunitários? E se
esses efeitos se juntarem aos da crise de hoje e que durará até
lá?
d. Os apoios anti-crise
Em nome da crise que se agravou nos últimos dois anos e que ainda vai
ter longa vida, o Estado português procedeu a vários apoios a
empresas
[16]
:
-
O programa PME Investe (I a IV) financiou empresas com 4700M desde
Junho/2008, das quais 73% são dos sectores do comércio e da
restauração, áreas de
elevado potencial exportador,
como se sabe;
-
No âmbito do mesmo programa, os financiamentos de 2009 (até
Outubro) - 3200 M correspondem e decerto não é por
acaso, à redução do crédito concedido pela banca;
-
O mesmo Estado aprovou também 282.2 M para projectos de capital de
risco;
-
E forneceu garantias a seguros de crédito num total de 939.8 M;
-
Tudo isso, para além de 1693.9 M no âmbito do QREN,
já programados.
-
Finalmente, já este ano, o governo anunciou uma nova linha de
crédito, a PME Investe V, a partir de Março e contemplando apoios
de 750 M.
[17]
Nos últimos anos, o Estado, como accionista único da CGD, tem
aumentado o seu capital com 150 M (2007), com 400 M (2008), com
mais 1000 M (2009) e, anunciou no OE-2010, um novo aumento de
1585.8 M, para o ano corrente. A CGD vem intervindo financeiramente no
BPN (a factura vai em 3500M) para salvar um banco que ninguém quer
e cujo "buraco" parece não ter fundo. Em contrapartida,
ninguém poderá afirmar que o banco do Estado dê
condições de crédito às famílias para a
aquisição de casa ou mesmo às empresas, em
condições que forcem os outros bancos a baixar os
"spreads". É que o Estado, uma vez mais se revela no seu
declarado apoio ao capital e jamais pela sua política anti-crise e
social, como constitui o sonho da esquerda keynesiana de etiqueta marxista,
prenhe de uma crença messiânica no ressuscitar da
social-democracia.
O Estado português decidiu também apoiar os bancos que
financiaram, com 450M, uma entidade de gestão de fortunas que
impropriamente se designa por banco (o BPP), tendo em conta as garantias pouco
sólidas disponíveis na instituição.
No início da bancarrota do BPN e do BPP, em finais de 2008 o governo
Sócrates aumentou a garantia dos depósitos em caso de
falência de um banco para 100000 ou mesmo mais. Agora, está
previsto o retorno aos 25000 de garantia para o início de 2012
[18]
.
Entretanto o Rendeiro, o responsável pela bancarrota, continua por
aí e a investir no estrangeiro, é claro; e, o sonolento
Constâncio vai dormir a sesta para o BCE, gerindo a supervisão,
área em que se cobriu de glória, como sabemos.
e. Convites ao incumprimento fiscal e contributivo
O governo (Vieira da Silva) decidiu apoiar a internacionalização
e o fornecimento de créditos, mesmo
a empresas com dívidas
de impostos e de contribuições para a Segurança Social
[19]
. Acabou o tempo da máscara de azedume contra os contribuintes relapsos
para convencer os pagantes distraídos de que o PS/PSD é rigoroso
para com os "empresários" que não pagam impostos.
Aliás, esse rigor nem sequer é fácil de ser cumprido
quando se sabe faltarem 1000 funcionários nos serviços
operacionais da DG Impostos.
Tem sido prática corrente que as empresas com dívida fiscal sejam
consideradas com a situação regularizada desde que assinem um
plano de pagamentos que pode atingir 10 anos no caso da Segurança
Social e que engloba, em regra, perdão total ou parcial de juros.
Seguindo a lógica do ministro, uma empresa com dívida estabelece
um acordo, recebe os apoios públicos, gasta-os como entende e depois
deixa, alegremente, de cumprir o plano de pagamentos e as demais
obrigações fiscais. Em suma, o Estado entrega o dinheiro dos
apoios à "internacionalização" e os denodados
empresários continuam sem cumprir as obrigações fiscais.
Esta prática assemelha-se à dos clubes de futebol que estabelecem
um acordo com o Fisco para poderem entregar na Liga a certidão
comprovativa de "situação regularizada" e inscreverem
jogadores, deixando para o dia seguinte o momento em que deixam de pagar aos
futebolistas. Recordamos ainda que Cavaco como primeiro-ministro utilizou a
Segurança Social como almofada para as empresas sem acesso ao
crédito, praticando um absoluto laxismo, com prejuízos enormes
para a instituição, (ver Um caso paradigmático de
gestão obscura: a dívida fiscal)
[20]
.
O governo tem também, proposto no OE para o ano em curso, uma facilidade
fiscal para as empresas com dívidas fiscais superiores a 51000.
Actualmente, uma empresa com regularização de dívida
incluída em execução fiscal, se falhar uma
prestação fica com toda a dívida imediatamente
exigível. O governo, em contrapartida, para os incumpridores, alarga o
prazo de três para cinco anos
[21]
. Há dois detalhes interessantes: se a empresa tiver uma dívida
inferior a 51000, sobretudo se tiver uma dimensão que lhe
não facilite uma dívida dessa dimensão, acarreta com todo
o rigor da lei e, se não tiver dívida fiscal comporta-se como
idiota por não aproveitar o financiamento oferecido pelo governo, muito
menos exigente que os bancos. Os rigorosos eurocratas, tão atentos a
exigir quebras nos apoios sociais, aceitam estas manobras com
indiferença.
A sensibilidade social do governo PS é comovente, como aliás
todos os actos desse "partido de esquerda com políticas de
direita" na linguagem da esquerda institucional, sempre encobridora do
carácter do principal partido da direita em Portugal.
A nova vedeta socratóide, Helena André, perante uma
situação de dificuldades acrescidas da população em
geral e de acréscimo da pobreza (mais 155 mil agregados familiares
abrangidos pelo RSI em dois anos) decide reduzir em 2.5% a verba
orçamental com o RSI
[22]
. Por um lado, afirma o carácter genocida da direita portuguesa,
explicitando que os mais pobres têm de colaborar com a
redução do défice, encolhendo os seus "enormes"
242 por família, para aliviar banqueiros e empresários; e
demonstra que a pobreza deve ser encarada como objecto do assistencialismo
caritativo e não pela visão da solidariedade social, dentro da
lógica mais reaccionária ou dos cânones neoliberais, para
quem preferir.
A dita ministra preocupa-se tanto que decide fiscalizar 40000 famílias
abrangidas pelo RSI (26% do total), procurando decerto encher os cofres com as
irregularidades encontradas e afirma não ter meios para fiscalizar mais
que 400 empresas em lay-off (20% do total), sabendo-se que para pagamentos de
salários nesse âmbito estão previstos apoios de 146
M. Escolhas reveladoras de uma actuação decididamente virada
contra os trabalhadores e os pobres. Recorde-se que o abutre Paulo Portas,
durante as eleições, havia defendido a
redistribuição do RSI para aumentar as pensões, tentando
aliciar reformados distraídos para o voto no CDS. Como eles estão
próximos, Portas e Sócrates!
Disse a distinta mandarina Helena que também vai perseguir
patrões relapsos e cobrar 400 M a empresas e trabalhadores com
dívida à Segurança Social. Quando o relatório da
proposta de OE para 2010 informa que o valor bruto das dívidas de
contribuintes duvidosos passou de 2086.6 M em 2007, para 3098 M
em 2008, todos podemos ver o rigor do gang PS acampado na Segurança
Social e a fraca exigência da actual ministra.
Em qualquer dos casos na dívida fiscal e na Segurança
Social a cobrança é sempre muito problemática, pois
nunca houve preocupação em criar legislação
punitiva e procedimentos ágeis para combater o incumprimento fiscal. A
Comissão Europeia preocupa-se mais com o congelamento salarial do que em
intervir nas práticas ancestrais de um mascarado financiamento
público de empresas privadas, através da tolerância fiscal.
De facto, quando as lentas entidades estatais exigem o pagamento das
dívidas, as empresas, têm o património já hipotecado
a outros credores, mormente os bancos, têm os equipamentos em leasing e
não como bens próprios, acham-se falidas e os seus sócios
ou gestores têm o seu património pessoal isento de
responsabilidades, guardado em offshores ou nominalmente, em nome de
familiares; porém, quando as empresas geram lucros, a sua
inclusão no património pessoal é imediata, mesmo que para
isso descapitalizem as empresas ou inviabilizem investimentos.
f. Prescrições de dívida
A administração fiscal é um "bunker"
informativo. É muito expedita em apontar as obrigações dos
contribuintes, em os confundir com legislação e regulamentos
inextricáveis para melhor o Estado se impor como "Big Brother"
acima das pessoas, omnipresente, misterioso e infalível. Apesar de
possuir um manancial portentoso de informação, nada está
acessível aos cidadãos, nem sequer é objecto de
análise, excepto naquilo que os governos querem. Só o governo e
as suas agências e as empresas privadas que gerem as bases de dados
têm acesso a essa informação. Não se compreende que
as oposições, a AR, não legislem sobre estas
questões estruturantes no aprofundamento da democracia.
O que se consegue obter é sempre parcelar e ocasional, muito geral e sem
possibilidades de detalhe, mesmo em documentos importantes como o
orçamento do Estado. Nas propostas de OE há sempre alguma
informação, variável de ano para ano, quer nos
conteúdos apresentados, como na forma. Qualquer opaco funcionário
do BCE ou aprendiz de mandarim em gabinete ministerial pode ter acesso a
informação que à multidão está vedada;
elementos típicos das democracias cosméticas com forte
tradição autoritária e cleptocrática. É a
"transparência democrática" (ver elementos publicados em
"Um caso paradigmático de gestão obscura, a dívida
fiscal")
[20]
.
O tal Estado "Big Brother" formalmente tão exigente e
ameaçador é, no que diz respeito aos ricos, aos
empresários, aos mafiosos, de uma condescendência gritante.
Observe-se pois, em comparação, o volume de
prescrições e a receita líquida dos respectivos impostos
dos principais, com as limitações da
informação disponível;
Prescrições de dívida fiscal
|
2006
|
2007
|
2008
|
M euros
|
% do imposto líquido cobrado
|
M euros
|
% do imposto líquido cobrado
|
M euros
|
% do imposto líquido cobrado
|
IRS
|
64.8
|
0.79
|
162.5
|
|
109.0
|
1.17
|
IRC
|
88.5
|
2.04
|
271.5
|
4.56
|
IVA
|
284.5
|
2.29
|
257.9
|
1.95
|
729.9
|
5.44
|
Fonte: Contas do Estado
Como se depreende, é mínima a parcela destas receitas perdidas
imputáveis a trabalhadores.
-
Entre 2006 e 2008, o crescimento da dívida prescrita de imposto
apresenta valores muito distintos:
IRS
|
+ 68.2%
|
IRC
|
+ 206.8 %
|
IVA
|
+ 156.6%
|
a despeito dos formidáveis meios legislativos, coercivos,
técnicos
e informáticos de que o Estado dispõe;
-
Os trabalhadores por conta de outrem são objecto de
retenção na fonte e só uma minoria tem de pagar IRS,
complementarmente, por ano, pois o Estado sempre soube, através dos
reembolsos utilizar gratuitamente o dinheiro retido em excesso. Portanto, o IRS
não cobrado relaciona-se, porventura com fugas de estratos elevados da
população. O valor do imposto perdido foi, em 2008, de
3363 por contribuinte relapso;
-
O IRC, por definição, é pago pelas empresas e é o
subproduto que resulta depois da utilização de todas as manhas
contabilísticas, admitidas na lei pelas normas internacionais, geradoras
de volatilidade no valor das empresas; manhas essas construídas em
detalhe pelos consultores que o próprio Estado contrata para
configurarem a lei; e após toda uma vasta gama de benefícios
pessoais arrecadados por administradores, empresários, gerentes e
quadros superiores das empresas (carros, prémios, seguros,
viagens
) contabilizados como custos das empresas. Para além desses
bónus e facilidades, a não cobrança a título de
prescrição triplica em dois anos, cifrando-se a perda por
empresa, em 15622, em 2008. Em 2008, as prescrições de IRC
correspondem a 4.56% do imposto efectivamente cobrado.
-
Quanto ao IVA, todos sabemos que quem o paga são os consumidores finais,
pois para as empresas ele é neutro, limitando-se estas a entregar ao
Estado a diferença entre o que cobram aos clientes, deduzido, do que
pagam aos seus fornecedores. Para além da fraude pura como no caso do
célebre "carrossel" muitos empresários, apoderam-se do
que deveriam entregar ao Fisco, guardando-o em bom recato e deixando para o
Estado se entreter, um rasto de empresas falidas. É muito elevado o
crescimento das prescrições de IVA, com um volume médio de
3601 por contribuinte. Em 2008, as perdas correspondem a 5.44% da
cobrança do imposto.
-
No total, as prescrições no âmbito dos três impostos
referidos, correspondentes a uma apropriação ilegítima
leia-se, roubo por parte dos capitalistas corresponde a
1110 M em 2008, isto é, quase um terço do défice
público (0.67% do PIB) daquele ano.
Quanto às prescrições na Segurança Social nada se
sabe. É tabu. Sabe-se contudo que são elevadas e beneficiam,
obviamente os mesmos vigaristas; capitalistas que não pagam as
contribuições patronais dos seus assalariados ou, pior um pouco,
que se apropriam dos descontos destes últimos.
g. Anulações
A complexidade labiríntica da legislação, dos
regulamentos, das circulares internas da DG Impostos e a desconexão
entre plataformas informáticas ligadas a várias empresas de
"software" não confundem apenas os contribuintes mas,
também os próprios trabalhadores dos impostos. E daí, das
reclamações, dos erros dos serviços, da
intervenção dos tribunais, resulta um enorme volume de
anulações, num contexto de trabalho burocrático pesado,
caro e absolutamente inútil.
E todos sabemos as razões dessa complexidade regulamentar, quem
beneficia do caos instalado; esmagar os pobres, nem sempre capazes de discernir
em torno de uma prosa pretensiosa e hermética mas, que não
levanta obstáculos de interpretação aos poderosos que
podem contratar advogados ou técnicos de contas qualificados.
Excluindo as anulações que deram origem a
declarações de substituição, o volume anulado de
imposto, para os três principais impostos tem a seguinte dimensão:
IRS
|
- 33.9 M
|
IRC
|
- 105.3 M
|
IVA
|
- 135.6 M
|
num total geral de 398.6 M. No seu total os processos de
anulação de dívida foram cerca de 120 mil, em 2008.
h. Os benefícios fiscais
A afectação dos últimos anos, dos benefícios
fiscais deixa poucas dúvidas sobre os seus reais beneficiários
os empresários.
(M euros)
|
2007
|
2008
|
2009*
|
2010**
|
IRS
|
401.4
|
304.6
|
325.2
|
351.4
|
IRC
|
1918,2
|
2507,9
|
1554,8
|
1607,6
|
ISP
|
261.0
|
226.8
|
260.7
|
286.8
|
IVA
|
99.9
|
132.1
|
161.9
|
177.5
|
IA/ISV
|
95.3
|
143.8
|
102.9
|
111.3
|
Total (M euros)***
|
2777.1
|
3345.9
|
2405.5
|
2535.0
|
* estimativa ** previsão Para 2009/2010 soma dos
benefícios enunciados
O valor dos benefícios fiscais reduz-se nos dois últimos anos
considerados depois de atingir 2% do PIB em 2008.
Os benefícios que claramente favorecem os cidadãos (IRS), depois
da grande quebra em 2008 retomam, aparentemente, o seu nível no total
dos benefícios; e diz-se aparentemente porque a proposta do OE para 2010
não apresenta nenhum valor global para os benefícios em 2009 e
2010 para que possa ser aferida mais rigorosamente. No entanto, sublinhe-se que
o seu volume em 2004/2005 superou os 560 M, decaindo para menos de
metade em 2006.
IRS - % no total dos benefícios
2007
|
2008
|
2009*
|
2010**
|
14.45
|
9.10
|
13.52
|
13.86
|
* estimativa ** previsão
Os benefícios, no âmbito do IRS, que contemplam os deficientes
decrescem 21% em 2008, regressando ao nível monetário de 2004. A
recuperação admissível em 2009/2010 não irá
alterar a sua parcela no total dos benefícios em sede de IRS (42.4% em
2008), mantendo-se também o peso das ajudas às seguradoras com as
deduções previstas para os cidadãos que subscrevam PPR's
ou participem em fundos de pensões (28.1%), inseridas numa
estratégia de descapitalização da Segurança Social.
Os benefícios no capítulo do IRC constituem, de longe, a
principal fatia entre todos os concedidos no âmbito fiscal, embora com
alguma redução em 2009, prevista também para 2010.
IRC - % no total dos benefícios
2007
|
2008
|
2009*
|
2010**
|
69,07
|
74,95
|
64,64
|
63,43
|
* estimativa ** previsão
Entre todos os benefícios no âmbito do IRC avultam sobremaneira os
temporários - 81.5% do total em 2008, mantendo-se o seu nível
relativo para o ano em curso. Contudo o seu quantitativo ter-se-á
reduzido substancialmente em 2009 ( 1308.7 M contra 2044.1M no ano
anterior).
Peso relativo das isenções temporárias (%)
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
87,7
|
81,5
|
84,2
|
81,4
|
Esses benefícios temporários que se prorrogam todos os
anos são particularmente importantes para os utilizadores do
"offshore" da Madeira, onde predominam os incontornáveis
bancos e os seus clientes mais endinheirados, os respeitados
"investidores" que, naturalmente, ordenam a Sócrates a sua
continuidade. Estes benefícios relacionados com a
legalização da fuga fiscal para alguns, representou, em 2008,
1.2% do PIB ou 52,8% do tão afamado défice.
As isenções do pagamento de IVA vêm aumentando fortemente,
consolidando-se esse crescimento no OE para 2010, crescendo concomitantemente a
sua relevância no total dos benefícios.
IVA - % no total dos benefícios
2007
|
2008
|
2009*
|
2010**
|
3.6
|
4.0
|
6,7
|
7.0
|
* estimativa ** previsão
Aproximadamente metade dos montantes daqueles benefícios de IVA cabem
às IPSS, instituições que desempenham um
insubstituível papel na acção social. Porém, a
mesma lógica não se aplica aos 50 M (2010) de que
beneficiam as Forças Armadas cuja existência é, não
só inútil, como inconveniente do ponto de vista económico
e social. Nem se aplica à Igreja Católica ( 17.5M previstos
para o ano corrente), instituição que deve ser financiada pelos
seus apoiantes e não pelos cidadãos em geral; somente as IPSS,
dirigida ou não pela Igreja devem ser objecto deste benefício.
Também no caso do ISP se observa o aumento do nível de
benefícios, depois da quebra registada em 2008.
ISP - % no total dos benefícios
2007
|
2008
|
2009*
|
2010**
|
9,40
|
6,78
|
10,84
|
11,32
|
* estimativa ** previsão
No referente ao ISP assinala-se a progressão das isenções
atribuídas a cinco importadores de cereais/oleaginosas para
transformação em biocombustíveis e posterior venda
à Galp. Em 2008 beneficiaram de 45.4 M, valor que ascendeu a
78.1M em 2009 e que se prevê seja 100.8 M no ano corrente;
isto é, os referidos capitães da indústria passaram a
absorver, de 20% dos benefícios de ISP em 2008 para 35.2% em 2010.
Tem-se aqui mais um caso típico da subsídio-dependência dos
empresários lusos; se só conseguem ser produtivos se o Estado
subsidiar, para que servem? Há cerca de um ano, este subsector foi muito
falado a propósito da Oleocom, pois o seu presidente terá
desviado uns simples 15 M que prejudicaram particularmente os manos
Santos da Valouro (ver "Intervenção na Cosec e outros apoios
aos chamados empresários")
[23]
.
Quanto ao IA/ISV o crescimento do peso relativo dos benefícios
inerentes, no total dos benefícios, mantém-se estável. A
sua razão de ser é a dos incentivos ao abate de veículos
velhos por razões
ambientais, ao que diz o governo. Tendo em conta
que os transportes públicos não merecem qualquer
atenção que se integre numa política ambiental,
permitindo-se a sobre-utilização do uso privado de
automóveis; ou a ausência de políticas de melhoria do
ambiente urbano, com a desregulação total da
circulação no espaço urbano, acreditamos que os
benefícios no contexto do IA/ISV se prendem, essencialmente, com o
fomento da aquisição de veículos ao sobredimensionado
sector da venda de automóveis.
IA/ISV - % no total dos benefícios
2007
|
2008
|
2009*
|
2010**
|
3,43
|
4,30
|
4,28
|
4,39
|
* estimativa ** previsão
A medida dos benefícios atribuídos a cada imposto em termos do
peso nas suas receitas efectivas demonstra realidades muito diversas:
Benefícios fiscais (% da receita)
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
IRS
|
4,4
|
3,3
|
3,6
|
3,9
|
IRC
|
33,7
|
42,1
|
63,8
|
38,3
|
ISP
|
8,2
|
9,0
|
6,8
|
10,8
|
IVA
|
0,8
|
1,0
|
1,5
|
1,6
|
IA/ISV
|
8,0
|
15,7
|
14,8
|
15,7
|
Como se pode observar, os benefícios fiscais criados não se
prendem com qualquer política redistributiva ou geradora de
desenvolvimento mas, sobretudo com a transferência de recursos
públicos para conjuntos específicos de empresas.
i. A dívida fiscal e de contribuições para a
Segurança Social
No capítulo dos impostos do volume total das receitas por cobrar podem
extrair-se algumas relações esclarecedoras.
Esses impostos, com pagamento não efectuado em tempo, em 2008,
correspondem a 7097.6 M revelando uma dinâmica muito elevada face
ao ano anterior (+23.8%). Este montante não cobrado, equivale a perto de
duas vezes o valor do défice público naquele ano; dito de outro
modo, aquele montante, se arrecadado teria dado ao Estado um excedente de 2.2%!!
Como atrás se referiu, as não cobranças de impostos
beneficiam quase em absoluto capitalistas, empresários, rentistas e
semelhantes.
Receitas de impostos por cobrar
|
2006
|
2007
|
2008
|
2006
|
2007
|
2008
|
M euros
|
% da receita líquida do imposto
|
Directos
|
2340,2
|
2338,9
|
2845,7
|
18,6
|
15,8
|
18,6
|
IRS
|
1194,6
|
1269,4
|
1440,7
|
14,5
|
14,0
|
15,4
|
IRC
|
1145,6
|
1069,5
|
1405,0
|
26,4
|
18,8
|
23,6
|
Indirectos
|
2829,7
|
3162,4
|
3948,8
|
14,1
|
15,1
|
19,5
|
IVA
|
2682,6
|
2997,2
|
3596,9
|
21,6
|
22,7
|
26,8
|
Embora haja alguma estabilidade na relação entre a dívida
e a receita líquida, para o IRS e para o IRC, o mesmo não
acontece com o IVA. Por cada 1000 de receita líquida de imposto
arrecadada, pairam como dívida, muitas vezes incobrável,
154 no caso do IRS, 236 em sede de IRC e 268 no que se refere ao
IVA.
Sempre que um cidadão, como consumidor faz uma compra, pagando o IVA
devido, como efectiva redução do seu rendimento, deverá
pensar que a esse montante de imposto que pagou, corresponderá algures,
uma dívida por IVA não pago, por um empresário qualquer,
equivalente a 26.8% do que desembolsou a título de IVA; dívida
essa cuja probabilidade de nunca ser paga é elevada.
No que se refere ao IVA se os valentes empresários não fizessem
integrar nos seus patrimónios, o dinheiro do imposto, com a
benevolência dos governos e o arrastar de pés da
administração fiscal, atada a normas paralisantes, a actual
receita de IVA conseguir-se-ia com uma taxa normal de 15%. O casamento entre o
Estado e o capital é duradouro e feliz e nunca mandarins e capitalistas
falam seriamente em divórcio.
Por outro lado, as receitas em contexto de execução fiscal de
dívidas de impostos, apresentam-se com uma relativa estabilidade,
contrastante com o decidido avanço da dívida fiscal. Focando a
análise, de novo, nos três principais impostos essas receitas
são (M euros):
|
2006
|
2007
|
2008
|
IRS
|
212,5
|
232,6
|
240,4
|
IRC
|
118,7
|
114,7
|
113,9
|
IVA
|
345
|
375,1
|
364,4
|
Soma
|
676,2
|
722,4
|
718,7
|
Essa disparidade entre o acréscimo da dívida e o desempenho das
receitas em execução fiscal é a seguir apresentado sob a
forma da percentagem que a cobrança executiva representa no total da
dívida:
|
2006
|
2007
|
2008
|
IRS
|
17,8%
|
18,3%
|
16,7%
|
IRC
|
10,4%
|
10,7%
|
8,1%
|
IVA
|
12,9%
|
12,5%
|
10,1%
|
Assim, em 2008, o ritmo de cobrança induz uma estimativa da
duração do esgotamento da dívida acumulada naquele ano, em
seis anos, doze anos e dez anos, respectivamente, para as dívidas de
IRS, IRC e IVA. No entanto, para além de questões de ritmo,
é preciso considerar que muita da dívida em carteira vai conduzir
a prescrições e anulações, que nova dívida
vai surgindo, mormente em função das dificuldades provocadas pela
crise económica e que se evidencia um acrescido relaxamento do
desempenho do governo nessa área.
No caso da Segurança Social a dívida também cavalga em
rédea solta pela pradaria mas, a informação revelada
é francamente escassa. O mandarinato gosta muito de ocultar a forma como
se procede ao financiamento de patrões, à custa do dinheiro que
é devido aos trabalhadores, para efeitos de doença, velhice ou
invalidez. E, simultaneamente, o PS/PSD oculta que trabalha activamente para a
descapitalização da Segurança Social e para conduzir os
trabalhadores, assustados e temerosos face ao seu futuro, a contratar seguros
privados ou individualizados. Ora isso nem sequer é comportável
para muitos, que tenderão a ficar desinseridos de qualquer
protecção social.
São completamente absurdas e abusivas quaisquer formas de promover o
emprego, dar formação, pretender aumentar a competitividade ou a
viabilidade de empresas jogando com os descontos para a Segurança
Social. Os descontos para a Segurança Social são verbas
consignadas a fins específicos, bem definidos e não de
aplicação genérica como os impostos. Os únicos
parâmetros que à Segurança Social dizem respeito prendem-se
com a longevidade física e das carreiras contributivas, a
sustentabilidade a longo prazo do sistema, os custos das eventualidades
cobertas por esse verdadeiro seguro público de grupo que unifica e torna
solidários todos os trabalhadores.
A estatização da Segurança Social é um desvio
conveniente na organização colectiva para governamentalizar os
descontos a que os trabalhadores procedem; e, essa
governamentalização é uma forma de beneficiar empresas
subfinanciadas e fomentar as receitas e lucros das seguradoras. Contudo, esta
questão da necessária desgovernamentalização da
Segurança Social não é colocada politicamente pela
esquerda em geral, que considera, acriticamente, o Estado como um ente
favorável aos trabalhadores, tomando a realidade que o desmente, como
fruto de "políticas de direita" desviantes, conjunturais e
não como fazendo parcela bem consolidada do projecto da direita
política. (ver Programa para um Programa de Medidas Favoráveis
aos Trabalhadores)
[24]
.
De acordo com a Conta da Segurança Social incluída nos
relatórios das Contas do Estado, extraem-se os valores seguintes com os
quais se podem construir relações muito instrutivas:
M euros
|
Saldos de contribuintes duvidosos
|
Pensões
|
% saldos/ pensões
|
Meses de encargos com pensões
|
2007
|
2086,6
|
12113,1
|
17,2
|
2,4
|
2008
|
3097,7
|
12818,2
|
24,2
|
3,4
|
O saldo bruto das contas com saldo devedor de cobrança
problemática cresceu em 2008, 48.5%, revelando, por um lado, a
continuidade da prática tradicional dos dignos empresários lusos
utilizarem o dinheiro dos trabalhadores como financiador das suas actividades,
como substituto fácil do auto-financiamento que não gostam de
fazer ou do financiamento bancário, caro ou inacessível. Por
outro lado, demonstra a tolerância e a conivência do gang
governamental que procura ridiculamente mostrar sempre resultados na
caça aos contribuintes relapsos, que a realidade desmente. Aquela
dívida acumulada, em 2008, corresponderia a 1.87% do PIB e teria
deixado, se cobrada, o défice ficaria reduzido a uns poucos 0.3%.
3.5 - Privatizações
As privatizações, quando se iniciaram no tempo do
primeiro-ministro Cavaco foram apresentadas como forma de redução
da dívida pública que, em 1985 correspondia a 53.1% do PIB,
após um "acordo de regime" com Constâncio, então
chefe do PS. A verdade é que, a dívida directa do Estado teve
esta evolução, em % do PIB:
1980
|
1985
|
1990
|
1995
|
2000
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
30.0
|
53.1
|
53.0
|
61.7
|
54.1
|
68.2
|
69.8
|
69.2
|
71.2
|
Fonte: Contas Nacionais, extraído de Porbase
Precisamente em 1985, foram iniciadas as ajudas de pré-adesão
à então CEE, que vieram a financiar infraestruturas, a
agricultura, a formação social e muitos desses investimentos
foram inseridos em empresas públicas. De imediato e desde então,
empresas públicas, participações do Estado,
serviços públicos transformados em empresas, concessões a
privados de serviços públicos foram acontecendo, a par com a
contratação de serviços externos (o célebre e
tecnocrático "outsourcing") por parte do Estado, das
autarquias, etc, Dessa deriva resultou o descontrolo dos custos, mais
dependentes de entidades externas, demasiadas vezes em promiscuidade criminosa
com agentes e responsáveis do próprio Estado; a
interligação, dentro dos próprios serviços
públicos de assalariados de empresas privadas, com particular
relevância na gestão da informação; a
execução de contratos com empresas privadas, sem qualquer
preocupação da prática da defesa do erário
público; a leviandade face ao endividamento futuro; a
redução do nível das competências próprias
dos próprios serviços públicos; a
desvalorização dessas competências e do profissionalismo
dos trabalhadores do Estado, etc.
Como os números demonstram, o "patriótico" acordo de
regime no seio do PS/PSD, ao fim destes 25 últimos anos, evidencia que o
produto das privatizações e dos fundos comunitários se
esboroou, restando hoje, uma dívida pública substancialmente mais
elevada que no início, mais desemprego, níveis brutais de
corrupção e de economia mafiosa, um SNS que serve para engordar
farmacêuticas, grupos financeiros e a corporação
médica, um sistema educativo tão caro como ineficaz quanto
à instrução que produz, um povo empobrecido e embrutecido,
pelo mandarinato PS/PSD e pelos capitalistas lusos, em regra, francamente
ignorantes e incapazes, excepto na arte do "empocha".
Passados 25 anos, sabe-se que as remunerações do trabalho em
percentagem do PIB que eram de 55.9% em 1982, raras vezes ultrapassaram e por
pouco, os 50%, desse momento em diante. E, no entanto o crescimento
económico foi razoável nos segundos lustros das décadas de
80 e 90, dando origem a que se pergunte em que bolsos se concentraram os
rendimentos gerados.
E agora, em 2010, o governo fala de 960 M em
privatizações; e, no caso da ANA, que gere os aeroportos, a Brisa
e a omnipresente Mota-Engil já se vão colocando na grelha de
partida. Brevemente, deixará de haver empresas e serviços
privatizáveis, interessantes para a gula dos capitalistas; vão-se
acabando os anéis e os dedos desnudam-se. Quando acabarem as pratas da
família irão cavar fundo nos salários, nas pensões,
deixando o SNS para indigentes
mas nunca, nunca mesmo, deixando da apoiar
os empresários, os tais entes que criam empregos (?), que são
competitivos (?) e inovadores (?).
4 - Quadro-síntese
|
M euros
|
% PIB
|
Valor por habitante ()
|
Défice do Estado
|
2008
|
3.646
|
2,2
|
343
|
2009
|
14.154
|
8,6
|
1.332
|
Dívida pública
|
2008
|
118.743
|
66,3
|
11.157
|
2009
|
132.743
|
74,9
|
12.491
|
Economia paralela (base de fuga fiscal protagonizada por empresas e pelo crime)
|
2009
|
35.000
|
22
|
3.293
|
Ajudas directas do Estado às empresas Eurostat)
|
2007
|
2.136
|
1,3
|
201
|
Compromissos já assumidos pelo Estado no âmbito das parcerias
público-privado
|
2010
|
13.779
|
8,5
|
1.297
|
Apoios financeiros do QREN a Portugal
|
média anual 2007/13
|
3.073
|
1,9
|
289
|
Apoios anti-crise às empresas
|
2008/2009
|
4.700
|
2,9
|
442
|
2010
|
750
|
0,5
|
71
|
Aumentos de capital da CGD
|
média 2007/2010
|
784
|
0,5
|
74
|
2010
|
1586
|
1.0
|
149
|
Prescrições de dívida fiscal (IRS, IRC, IVA)
|
2008
|
1.110
|
0,7
|
105
|
Anulações de dívida (IRS, IRC, IVA)
|
2008
|
275
|
0,2
|
26
|
Dívida de impostos a cobrar
|
2007
|
5.735
|
3.5
|
540
|
2008
|
7.098
|
4,4
|
668
|
Dívidas à Segurança Social
|
2007
|
2.087
|
1.3
|
197
|
2008
|
3.098
|
1,9
|
292
|
Benefícios fiscais
|
2008
|
3.346
|
2,1
|
315
|
(offshore da Madeira)
|
(1.926)
|
(1,2)
|
(181)
|
Rendimento médio anual (2008) (euros)
|
Trabalhador
|
16.874
|
Capitalista
|
167.480
|
Notas
(1)
economia.uol.com.br
(2)
http://www.countercurrents.org/oconnor100809.htm
(3)
http://www.jornaldenegocios.pt/index.php?template=SHOWNEWS&id=392309
, 22/10/2009).
(4) Nos nossos textos considera-se que 1 bilião corresponde a um
milhão de milhões e não a mil milhões como nos
países anglo-saxónicos e outros).
(5) citado pelo
Observer
de 13/12/2009
(6)
The New York Times,
citado em Democracy Now de 24/12/2009
(7) Até meados de 2008, António Borges, estrela do PSD, foi
vice-presidente do banco e é perante esse curriculo que os media da
paróquia lusa escutam, reverentes, as suas tiradas neoliberais.
(8)
Expansion
15/2/2010
(9)
Sol,
24/12/2009
(10)
http://www.scribd.com/doc/11134711/Revolta-Na-Grecia-Modorra-Em-Portugal
(11)
http://www.jornaldenegocios.pt/index.php?template=SHOWNEWS&id=332504
(12)
www.publico.es/dinero/257752/espana/cabeza/union/europea/actividad/irregular
(13)
JNegócios,
6/1/2010
(14)
Jornal "I"
28/12/2009
(15)
http://www.scribd.com/doc/11134622/BPN-Exemplo-Pratico-Do-Que-e-o-Capitalismo
(16)
Jornal de Negócios
de 11/1/2010
(17)
Diário Económico
8/2/2010
(18)
economico.sapo.pt/
, 17/2/2010
(19)
Diário Económico,
8/2/2010
(20)
http://esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt/17446.html
(21)
http://dn.sapo.pt/bolsa/interior.aspx?content_id=1489199
(22)
http://dn.sapo.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=1490099
(10/2/2010)
(23)
http://esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt/32084.html
(24)
scribd.com/doc/15926603/PARA-UM-PROGRAMA-DE-MEDIDAS-FAVORAVEIS-AOS-TRABALHADORES
Textos relacionados:
Para que serve a burguesia portuguesa?
scribd.com/doc/5571160/PARA-QUE-SERVE-A-BURGUESIA-PORTUGUESA
http://esquerdadesalinhada.blogs.sapo.pt/arquivo/772573.html
Afinal, qual a função social do capitalista?
scribd.com/doc/5570973/Afinal-qual-a-funcao-social-do-capitalista
http://esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt/14868.html
O original encontra-se em
http://www.scribd.com/doc/27972404/Capitalistas-e-Estado-A-Mesma-Luta
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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