Algumas notas sobre a situação do Sistema Científico e
Tecnológico Nacional
por Frederico Carvalho
[*]
Os défices de financiamento
A despesa nacional com actividades de investigação e
desenvolvimento (I&D) anda à volta de 0,8% do PIB contra cerca de 1,9%,
em média, para a UE a 15. A consideração destes
números indica que o investimento nacional nestas actividades carece de
ser muito aumentado. Entretanto, o défice de financiamento das
actividades de I&D só aparece claramente quando se tem em conta o
montante da despesa per capita de investigador
[1]
e este é para o nosso País cerca de três vezes inferior
à média da UE a 15: cerca de 60 mil euros/ano contra cerca de 195
mil euros/ano, respectivamente.
Isto significa que seria preciso passar a despesa de I&D, referida ao PIB, de
cerca de 0,8% para 2,4%,
sem variação do número dos investigadores,
para que cada um destes tivesse, em média, ao seu dispor os mesmos
recursos financeiros que os seus colegas da UE.
[2]
Se, além disso, se pretendesse fazer crescer o número de
investigadores em Portugal até igualar o seu número, referido
à população activa, à média da UE a 15, ou
seja, passar de cerca de 4 por mil activos para 6 por mil activos,
teríamos de aumentar ainda mais a despesa de I&D 50% mais
passando daquele valor de 2,4% do PIB para 3,6%!
Sendo esta a situação, a questão não é de
saber se se justifica fazer crescer a despesa de I&D mas sim a que ritmo e para
que valor, e onde ir buscar os recursos financeiros necessários. O
crescimento que se deseja não poderá alcançar-se a curto
prazo mas sim a médio prazo 5 a 10 anos. Por duas razões:
dificuldade de mobilizar os recursos financeiros necessários e
incapacidade do sistema C&T de absorver utilmente um reforço brusco e
acentuado de recursos.
A componente da despesa mais facilmente regulável é a que
corresponde ao financiamento público inscrito no Orçamento do
Estado. Este financiamento situa-se presentemente num valor à volta de
0,5 a 0,6 % do PIB, sendo razoável, do ponto de vista da capacidade de
absorção do sistema público de I&D, programar a sua
duplicação no prazo de uma legislatura. Entretanto, 0,5% do PIB,
representa hoje cerca de 700 milhões de euros. Importará
identificar a via ou vias mais adequadas para mobilizar um montante desta
magnitude.
[3]
O défice dos recursos humanos de apoio técnico às
actividades de I&D
Perante a dificuldade em financiar adequadamente o exército
de investigadores conseguindo que eles, numa imagem bélica, disponham de
armas automáticas em lugar de velhas carabinas, parece que a prioridade
não será fazer crescer os efectivos de investigadores mas sim
melhorar as condições de trabalho dos que actualmente existem.
[4]
Neste sentido impõe-se, entre outras medidas, proceder ao recrutamento
de pessoal técnico e operário especializado, de forma a colmatar
o que constitui um outro grande défice do nosso sistema C&T. Com efeito,
no nosso caso, haverá um técnico para cada três
investigadores, enquanto na média da UE a 15, se conta um técnico
por investigador.
Este é outro indicador terrível da impotência da nossa
investigação científica e tecnológica, sobretudo do
ponto de vista da capacidade de intervir na economia.
A criação na Função Pública de carreiras
técnicas e operárias de apoio à
investigação, adequadamente construídas e valorizadas,
seria um instrumento de grande importância para a correcção
deste défice.
O défice das actividades de I&D empresariais e a necessidade imperiosa
de revitalizar os Laboratórios do Estado
Um terceiro défice principal do sistema C&T nacional é a pobreza
em qualidade e volume das actividades de I&D no sector empresarial,
público ou privado. As actividades de I&D executadas pelas empresas
rondam 25% do total em Portugal, contra 65% na média da UE a 15. Esta
situação não é passível de
modificação rápida é provavelmente o
défice mais difícil de reduzir, pois depende da
alteração de um conjunto de factores, sociais e culturais, com
especial incidência nos planos da qualificação da
mão-de-obra e da organização e
especialização do sector produtivo.
Entretanto há medidas que dependem do governo, podem contribuir para
favorecer a desejada evolução e, portanto, devem ser tomadas. Os
laboratórios do Estado (LEs) que se distinguem da universidade
não só pelas suas finalidades específicas mas
também por possuírem um corpo de pessoal técnico e
investigador a tempo inteiro, podem, para além de outras missões
que lhes cabem, desempenhar um papel importante de estímulo à I&D
empresarial se lhes forem dadas as condições necessárias.
[5]
Designadamente, pelo lançamento de projectos de
investigação aplicada e de demonstração, com
financiamento público, em parceria com empresas.
Os LEs, de um modo geral, não estão actualmente em
condições de intervir eficazmente no sector produtivo devido
à degradação das condições de trabalho que
se acentuou na última década. Com adequadas
alterações das regras de gestão financeira e de pessoal,
traduzidas sobretudo em maior autonomia, será possível aumentar
consideravelmente a produtividade dos LEs sem grande aumento de despesa.
Entretanto é indispensável um aumento das dotações
orçamentais dos laboratórios que têm vindo a ver reduzir-se
no após ano essas dotações. O orçamento total dos
laboratórios decresceu quase 15% em termos reais entre 2003 e 2004,
situando-se próximo de 190 milhões de euros neste último
ano. Neste contexto, pode afirmar-se que um reforço de 100
milhões de euros/ano para o conjunto dos laboratórios seria uma
proposta razoável e permitiria alterar radicalmente a sua capacidade de
acção.
A necessidade de desenvolver no País as infraestruturas e
serviços responsáveis pelas actividades científicas e
tecnológicas conexas ou "Outras actividades científicas e
técnicas" (OAC&T)
Nos países industrializados coexiste com os laboratórios e
centros de investigação de todo o tipo
universitários, públicos não universitários e empresariais uma vasta
rede de estruturas de carácter técnico, em regra no sector
público, que asseguram funções indispensáveis ao
funcionamento da economia e da sociedade. As actividades desenvolvidas nessa
rede são inventariadas a nível internacional sob a
designação de Outras Actividades Científicas e
Técnicas, e incluem, nomeadamente, a prospecção de
recursos naturais, os levantamentos topográficos;
observações meteorológicas, hidrológicas e
oceanográficas de rotina; actividades de normalização e
controlo de qualidade, incluindo calibração e
manutenção de padrões, os ensaios de rotina de materiais,
controlo da qualidade do ar e da água; estudos de viabilidade de
projectos de engenharia; cuidados médicos especializados;
serviços em jardins botânicos e zoológicos, museus e
reservas naturais, serviços de patentes e licenças,
serviços de informação técnica, bibliotecas e
arquivos. Nos países mais desenvolvidos, o investimento no conjunto das
OAC&T chega a ser 3 a 4 vezes superior ao investimento nas actividades de I&D.
Com efeito, a essas actividades, no seu conjunto, deve corresponder uma
infra-estrutura social extensa e diversificada, empregando um grande
número de trabalhadores qualificados, e com grandes exigências no
plano dos equipamentos, muitos dos quais se tornam obsoletos em prazos curtos,
e exigências no plano da formação e
actualização de conhecimentos do pessoal envolvido. Entre
nós a situação é muito diferente. Uma estimativa da
OCDE aponta para um valor do investimento nas OAC&T apenas 30% superior ao
investimento em actividades de I&D. Esta estimativa é de 1982 mas
não se afigura que a situação tenha sofrido
alterações significativas. O que importa sublinhar é que o
insuficiente desenvolvimento das infraestruturas destinadas a este conjunto de
OAC&T é um sério obstáculo ao progresso não
só da economia, como das próprias actividades de I&D e,
finalmente, do País. É necessário desenvolver a
consciência de que assim é e propor medidas políticas de
reforço de muitas das infraestruturas existentes e de
criação de outras. E seria desde logo importante levar a cabo um
levantamento exaustivo e fiel da realidade do sector das OAC&T que permitisse
conhecer a composição e o peso da despesa do sector.
13/Jan/2005
Notas
1- A despesa per capita é calculada dividindo a despesa total de I&D do
País pelo número de investigadores em equivalente a tempo
integral. Assim a despesa per capita de investigador inclui parcelas que
correspondem às despesas com os salários do pessoal
técnico e auxiliar, equipamentos, materiais, etc.
2- Como facilmente se compreende, as possibilidades de trabalho e o rendimento
do trabalho dos investigadores estão estreitamente dependentes do
nível de recursos de que dispõem. Há certas áreas e
certos tipos de trabalho que estão vedados aos nossos centros de
investigação por que exigem um nível de recursos
materiais, e logo financeiros, inexistente. De notar que a
investigação aplicada e principalmente o desenvolvimento de
processos e produtos, logo a inovação, são as áreas
que mais recursos consomem, em regra, muito mais do que a
investigação de base ou fundamental.
3- Poderá associar-se este reforço de financiamento para a I&D a
medidas de redução de benefícios fiscais e ao combate
efectivo à fraude e evasão fiscais. De notar que 700
milhões de euros é equivalente à totalidade das verbas
orçamentadas no OE para as universidades públicas.
4- Quando se fala de pessoal investigador importa não esquecer os
chamados bolseiros de investigação. Estes constituem
hoje uma fatia muito importante, numérica e qualitativamente, da
força de trabalho nacional neste sector de actividade e são
contabilizados nas estatísticas oficiais a par dos investigadores de
contrato permanente sem cuidar de distinguir a precariedade do respectivo
vínculo laboral. A garantia de estabilidade de emprego com
integração nos quadros uma vez concluído com êxito o
período de formação em exercício e bem assim um
contrato de trabalho com direitos, durante o período de
formação, devem ser objectivos políticos a defender.
Nestas condições não se considera que a
contratação de bolseiros que se defende e a sua
integração nos quadros, representem um aumento dos efectivos do
corpo de pessoal investigador mas unicamente uma justa medida de
estabilização.
5- A importância da existência de investigadores a tempo inteiro ou
investigadores de carreira, começa a ser reconhecida nos círculos
universitários, entre os docentes, tradicionalmente contrários ou
reticentes à expansão da Carreira de Investigação
Científica na universidade.
[*]
Físico.
O original encontra-se no Boletim de Ciência, Tecnologia e Ambiente do
Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa do PCP,
http://dorl.pcp.pt/ficheiros/_boletim_CTA.pdf
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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