O projecto de diploma do governo sobre o subsidio de desemprego

por Eugénio Rosa [*]


RESUMO DESTE ESTUDO

Foi publicado na separata do Boletim de Trabalho e Emprego de 28 de Junho p.p., estando em apreciação pública durante 20 dias , o projecto de diploma do governo que visa alterar a legislação que regula a concessão do subsidio de desemprego.

Neste estudo analisa-se apenas três consequências que nos parecem importantes desse projecto, a saber:
(1) Facilitar e promover despedimentos à custa da Segurança Social;
(2) Promover o emprego forçado e barato através da redução dos salários nominais;
(3) Reduzir o período de tempo a que o desempregado tem direito a receber o subsidio de desemprego.

Assim, de acordo com o artº. 10º do projecto de diploma do governo, em cada triénio, as empresas até 250 trabalhadores poderiam despedir 25% do seu pessoal, e as com mais de 250 trabalhadores 20% do seu pessoal, e esses despedimentos seriam considerados “desemprego involuntário”, tendo os trabalhadores atingidos pelo despedimento direito a receberem o subsidio de desemprego. Desta forma, criar-se-iam condições que facilitariam às entidades patronais despedir trabalhadores, sendo os custos suportados pela Segurança Social (menos receitas de contribuições, e mais despesas com subsidio de desemprego).

Por outro lado, segundo o artº 13º do mesmo projecto de diploma, o trabalhador desempregado seria obrigado a aceitar um emprego se o salário ilíquido fosse superior em 25% ao valor do subsidio de desemprego nos primeiros 6 meses após ter sido despedido e, a partir do 7º mês, se o salário ilíquido fosse superior apenas em 10% ao subsidio de desemprego. Isto significaria, em relação ao salário recebido pelo trabalhador antes de ser despedido, redução do salário nominal pelo menos de 18,8% e 28,5%, respectivamente Para além disso, os desempregados seriam também obrigados a suportar despesas com transportes até 10% do seu salário ilíquido, e o tempo gasto em transportes podia ir até 2 horas por dia. E se recusassem um emprego nestas condições perderiam o direito a receber subsidio de desemprego. Assim, estar-se-ia perante uma situação de promoção de emprego forçado e com redução do salário nominal.

Finalmente, de acordo com o artº 37º do projecto de diploma, o período a que o desempregado teria direito a receber subsidio de desemprego passaria a depender também do número de anos que descontou para a Segurança Social. Mas não de toda a sua carreira contributiva. Apenas os anos de descontos para a Segurança Social contados a partir da última situação em que esteve desempregado e recebeu subsidio de desemprego. Isto significaria para muitos desempregados, cujo numero aumentaria com o aumento da precariedade, uma redução de 6 meses no período de tempo que actualmente o desempregado tem direito a receber o subsidio.

O governo publicou na Separata do BTE de 28 de Junho de 2006, o seu projecto de diploma para alterar a legislação sobre a concessão do subsidio de desemprego (DL 119/99), o qual está em apreciação pública durante 20 dias a contar da data de publicação. Portanto, os interessados em apresentar propostas de alteração terão de o fazer durante aquele período enviando-as directamente para o Gabinete do Secretário de Estado da Segurança Social. Neste estudo analisa-se apenas três aspectos desse projecto de diploma que têm, a nosso ver, as seguintes consequências: (1) Facilitar e promover os despedimentos à custa da Segurança Social, (2) Promover o emprego forçado e barato através da redução dos salários nominais, (3) Reduzir o período de concessão do subsidio de desemprego.

FACILITAR E PROMOVER OS DESPEDIMENTOS À CUSTA DA SEGURANÇA SOCIAL

De acordo com o nº4 do artº 10º do projecto de diploma do governo, as empresas ficariam com o poder para despedir trabalhadores sem terem a necessidade de se integrarem “num processo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil” e, portanto, sem terem de provar que se encontram efectivamente em qualquer uma destas situações e de ser declarada oficialmente a sua inclusão numa delas, desde que o número de trabalhadores despedidos fossem os seguintes: (1) Empresas até 250 trabalhadores: podiam despedir 25% do total de trabalhadores em cada triénio; (2) Empresas com mais de 250 trabalhadores: podiam despedir 20% dos trabalhadores até a um máximo de 80 trabalhadores em cada triénio. E apesar de não ter sido declarada qualquer situação das referidas anteriormente, estes despedimentos seriam considerados fundamentados “em motivos que permitam o recurso a despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho”. E o desemprego destes trabalhadores assim despedidos seria considerado “desemprego involuntário” e, consequentemente, os trabalhadores com direito a subsidio de desemprego. Embora diga respeito a um período de três anos, no projecto de diploma do governo nada impede que aquele número de despedimentos seja feito logo no primeiro ano.

Desta forma, o governo pretende criar as condições que facilitem às entidades patronais despedir trabalhadores (até 62 trabalhadores nas empresas até 250 trabalhadores e 80 nas empresas com mais de 250 trabalhadores). E como mais de 95% das empresas portuguesas têm menos de 250 trabalhadores este projecto de diploma do governo, a ser aprovado, facilitaria a generalização dos despedimentos em Portugal sem qualquer obstáculo, cabendo depois à Segurança Social suportar os custos da tal acção patronal (perderia receitas de contribuições, e aumentariam as despesas com subsídios de desemprego), muitas vezes realizada com o único objectivo de aumentar os lucros.

EMPREGO FORÇADO E BARATO ATRAVÉS DA REDUÇÃO DOS SALÁRIOS NOMINAIS

Segundo a alínea c) do nº1 do artº 13º do projecto de diploma é considerado “emprego conveniente”, sendo o trabalhador obrigado a aceitá-lo pois se o não fizer perde o direito ao subsidio, um emprego com um salário inferior entre a 18% e 29% ao salário ilíquido declarado pela empresa à Segurança Social na data em que o trabalhador foi despedido.

Efectivamente, de acordo com aquele artigo do projecto diploma do governo, nos primeiros 6 meses após ter sido despedido, o trabalhador é obrigado a aceitar um emprego desde que o salário ilíquido seja superior em 25% ao subsidio de desemprego. Como o subsidio de desemprego corresponde no máximo a 65% do salário que recebia o trabalhador antes de ser despedido, com o limite de 3 salários mínimos nacionais, logo se multiplicarmos os 65% pelos 25%, obtém-se 81,25% (65 x 1,25 = 81,25%) do salário que o trabalhador tinha antes de perder o emprego, ou melhor, daquele que a empresa declarava à Segurança Social. Isto significaria uma redução no salário nominal superior a 18,7% ;

No entanto, a partir do 7º mês de desemprego, o trabalhador passaria a ter de aceitar um emprego em que o salário ilíquido fosse apenas superior em 10% ao subsidio de desemprego, ou seja, um salário que corresponde apenas a 71,5% do salário que era declarado à Segurança Social pela empresa no momento em que despediu o trabalhador, o que significaria uma redução no salário nominal superior a 28,5%.

Um exemplo próximo do real torna tudo isto ainda mais claro. Em 2005, o salário médio mensal declarado à Segurança Social pelas empresas rondava os 750 euros por mês. Se um trabalhador com este salário fosse despedido ele teria direito a um subsidio de desemprego que devia rondar os 487,5 euros por mês (65% de 750 euros). Nos primeiros 6 meses após ter sido despedido ele seria obrigado a aceitar um emprego com um salário de 609,37 euros e, a partir do 7º mês após ter sido despedido, ele já seria obrigado a aceitar um emprego com um salário ilíquido de apenas 536,25 euros por mês. No entanto, o trabalhador quando foi despedido estava a receber um salário de 750 euros por mês. E tenha-se presente que este valor é o salário declarado à Segurança Social pela empresa que é, em média, inferior entre 20% e 30% ao que o trabalhador recebe.

Por outro lado, existem duas condições na definição de emprego conveniente, ou seja, de emprego que o trabalhador desempregado é obrigado a aceitar sob pena de perder o direito ao subsidio de desemprego, que também tem efeitos negativos no desempregado. E essas condições são as seguintes: (1) Obrigação de aceitar um emprego se as despesas com a deslocação não forem superiores a 10% do salário ilíquido (artº 13º, nº1, d, i), o que determina que, na 1ª situação (nos seis primeiros meses), esta despesa possa atingir 60,9 euros e, na 2ª situação (a partir dos 7 meses de desemprego), a despesa em transportes pode alcançar 53,6 euros, reduzindo ainda mais o salário liquido do trabalhador; (2) Obrigação de aceitar o emprego se o tempo de deslocação não for superior a 25% do horário de trabalho, ou seja, a 2 horas por dia, o que determinaria que a jornada total de trabalho (tempo de trabalho+ tempo gasto em transportes ) subisse para 10 horas diárias (artº 13º, nº1, e, i).

E como o trabalhador se recusar o chamado “emprego conveniente” nas condições referidas anteriormente perde o direito ao subsidio de desemprego, pode-se efectivamente dizer que este projecto de diploma do governo promove o trabalho barato e forçado.

Em resumo, este projecto de diploma do governo, a ser aprovado, promoveria, objectivamente, um modelo de crescimento económico baseado essencialmente em trabalho barato e pouco qualificado que a experiência empírica e a análise económica já demonstraram que está esgotado em Portugal e que persistir nele, como parece o governo pretender, só poderá agravar a crise e o atraso do País.

REDUÇÃO DO TEMPO A QUE O DESEMPREGADO TEM DIREITO A RECEBER SUBSIDIO

De acordo com o artº 37 do projecto de diploma, para muitos desempregados, verificar-se-ia também uma redução do período de tempo em que o desempregado teria direito a receber subsidio de desemprego. Observe-se o quadro I construído com base na lei actual sobre o desemprego e no projecto de diploma do governo, que permite ficar com uma ideia clara sobre aquilo que o governo pretende alterar neste campo.


Tabela.

Como se conclui da leitura do quadro anterior, de acordo com a lei que ainda está em vigor, o período de tempo em que o desempregado tem direito a receber o subsidio de desemprego não depende da sua carreira contributiva, a não ser em relação ao chamado prazo de garantia, mas sim da sua idade. E isto porque de acordo com o Decreto-Lei 199/99, que o governo pretende revogar, para ter direito a receber o subsidio de desemprego é necessário ter apenas o prazo de garantia cumprido. E segundo a lei em vigor, “o prazo de garantia para atribuição do subsidio de desemprego é de 540 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego”. Portanto, um trabalhador para ter direito ao subsidio de desemprego tem apenas de ter, no período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego, o registo na Segurança Social de 540 dias de remunerações resultantes de trabalho por conta de outrem. Cumprida esta condição, o período de tempo que o desempregado tem direito a receber o subsídio depende apenas da sua idade, variando entre 12 meses para os com idade até 30 anos, e 30 meses para os com idade igual ou superior a 45 anos. Neste último caso, ou seja, desempregados com idade igual ou superior a 45 anos são ainda acrescidos 2 meses com direito a subsidio de desemprego por cada grupo de 5 anos com registo de remunerações nos últimos 20 anos que precedem o do desemprego.

Face ao aumento rápido do desemprego, o governo do PSD/PP baixou temporariamente o prazo de garantia de 540 dias para apenas 270 dias nos últimos 12 meses.

O governo do PS de Sócrates, de acordo com o seu projecto de diploma que apresentou, pretende, para além de exigir o período de garantia que passaria a ser de “450 dias por trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações num período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego”; repetindo o actual governo pretende, para além do período de garantia, introduzir uma nova condição, da qual ficaria dependente o período de tempo a que o desempregado teria direito a receber o subsidio de desemprego. E essa nova condição é a carreira contributiva do desempregado (número de meses que descontou para a Segurança Social), a qual passaria a ser determinante para o cálculo do período do tempo em que o desempregado teria direito ao subsidio de desemprego. Mas o mais grave é que a contagem deste período de registo de remunerações é feita, não tomando como base toda a carreira contributiva do desempregado, mas apenas considerando o tempo decorrido desde a última data em que esteve desempregado e recebeu subsidio de desemprego. Por outras palavras, e transcrevendo textualmente o que consta do próprio projecto de diploma do governo, para todas as idades constantes do quadro anterior só “são considerados os períodos de registo de remunerações posteriores ao termo de concessão das prestações devidas pela última situação de desemprego (nº2, artº 37º), ou seja, só é considerada a carreira contributiva a contar da data do último pagamento de subsidio de desemprego. Por outras palavras, o período contributivo a contar apenas desde a data da última situação em que esteve desempregado e que recebeu subsidio de desemprego. Isso certamente determinaria, em muitos casos, uma redução de 6 meses no período actual de concessão do subsidio de desemprego.

Face à análise feita seria necessário alterar o projecto de diploma do governo, pelo menos, nestes três aspectos que nos parecem graves, pois o que está em jogo é a situação de um dos grupo da população mais atingido pela crise económica e social actual, que são os desempregados, que ainda sofrem o risco de crescente exclusão social, e que por isso não podem nem devem ser esquecidos e marginalizados como está suceder, de que este projecto de diploma nos aspectos analisados é mais uma prova.

09/Julho/2006
[*] Economista, edr@mail.telepac.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
10/Jul/06