Como evitar incêndios florestais e produzir energia
por António João Lopes
[*]
Em anos normais Portugal importa cerca de 80% do total da energia que consume.
A parcela hídrica em anos húmidos pode ir
até 20%. Podem considerar-se ainda as energias endógenas (solar,
eólica, biomassa, marés, geotérmica) com pouca
expressão estatística. De todas as citadas, a biomassa constitui
a energia da época pré-industrial no interior do país,
logo aquela em que há mais experiência, maior
tradição de equipamentos e a que existe disponível em
maior quantidade e todos os dias cresce
Devido a factores bem conhecidos, como a redução da agricultura
de subsistência, a divisão da propriedade em minifúndio, a
pequena rentabilidade de actividades florestais como a resinagem, a
produção de carvão vegetal, a diminuição da
pastorícia, a urbanização da população na
Zona do Pinhal, entre o Tejo e o Douro, todos os anos o fogo faz grandes
estragos e o mato e a acácia ocuparam os espaços
possíveis.
No entanto, temos clima, terreno e regime de chuva de excelente
equilíbrio permitindo o desenvolvimento anual de plantas que formam os
matagais conhecidos de todos. Até parece que teremos de lamentar a
benesse que temos. Qualquer dia até ambicionamos ter as
condições desérticas do Marrocos ou da Argélia, onde
não há incêndios florestais, só para não
termos os gastos que se verificam aqui com eles... A atitude mais consequente
será, logicamente, aproveitar toda esta riqueza com que a natureza nos
brindou.
A via que, sob o ponto de vista energético, é possível
apontar para superar o actual estado de coisas pode resumir-se na seguinte
filosofia:
Transformar os incêndios descontrolados de Verão
em incêndios controlados ao longo de todo o ano
Na verdade, antes da construção das centrais
hidroeléctricas, também os rios descontrolados de Inverno
produziam cheias, destruíam culturas e bens e no verão havia
secas. Só com estudos e investimentos adequados, em obras
hidráulicas, foi possível evitar as inundações de
Inverno e as secas de Verão.
Desde há cerca de 30 anos que o país sofre o flagelo dos
incêndios de Verão, que não permitem que as árvores
(especialmente o pinheiro) entrem no circuito comercial normal da madeira por
não atingirem a idade adulta. Na região Centro, onde se verifica
a maior incidência de fogos florestais, os terrenos não são
de 1ª classe agrícola, mas não de classes tão baixas
como as encostas do Douro onde, no entanto, ao longo de dois séculos, se
desenvolveu o valioso Vinho do Porto.
Se há incêndios é porque há produto
combustível e esse produto combustível é a biomassa.
É actualmente em pouca quantidade porque não se caminhou no
sentido de a aproveitar, controlar, seleccionar, transportar e utilizar de
forma eficiente. Não conheço estudos consistentes que permitam
indicar quantas toneladas de matos, arbustos e restos de árvores se
produzem anualmente nos sete distritos em referência (Aveiro, Viseu,
Guarda, Coimbra, Castelo Branco, Santarém e Leiria). No entanto,
estudos orientados para o eucalipto e o pinheiro com fins industriais (de que
só se utilizam os rolos) indicam que ficam na floresta resíduos
como pontas, ramos e cascas. O eucalipto constitui a única
espécie relativamente acompanhada tecnicamente uma vez que constitui
matéria-prima de um sector industrial importante: a pasta de papel.
O pinheiro bravo constitui na maior parte dos terrenos uma espécie
espontânea, sem total projecto de plantação, defesa e
aproveitamento. São muito poucos os proprietários que vêem
as suas árvores atingirem a idade adulta de forma a permitir a sua venda
no mercado da madeira sem sobressaltos. O mais frequente é a venda ao
desbarato, após incêndios que secam a árvore. Como esta
não resiste ao ataque dos insectos mais do que um inverno é
vendida imediatamente ao desbarato aos madeireiros que compram pelo
preço que querem. Aqui temos uma fraqueza do sector económico que
prejudica gravemente a colectividade, situação que ao Estado
compete ordenar.
Considerando o valor calorífico de biomassa como cerca de 1/3 do fuel,
podemos admitir que perdemos anualmente milhares de tep (tonelada equivalente
de petróleo) ao não aproveitar essa biomassa disponível e
que arde descontroladamente.
De acordo com estudos desenvolvidos, cresce anualmente um quilo
e meio de biomassa por metro quadrado. Será razoável admitir que
um terço pode ser retirada da floresta e a seguir queimada em Central
Termoeléctrica para produzir electricidade e permitir o pleno
desenvolvimento dos restantes dois terços que constitui a floresta.
Fazendo contas, verifica-se que, por ano, estão disponíveis, por
hectare, 5 toneladas de biomassa para a nossa Central Termoeléctrica.
Se a recolha for feita de 5 em 5 anos poderíamos recolher 25 t. Como uma
equipa de 4 operários pode trabalhar por dia 2000 m
2
, num ano teríamos:
2000 m
2
x 220 dias úteis = 440 000 m
2
, logo 44 ha
44 ha x 25 t = 1100 t, cujo valor pode ser de 33 000
Essa equipa teria encargos de salários anuais de cerca de 28 000,
logo interessante sem mais verbas.
Para uma Central Termoeléctrica de 5 MW são necessárias 30
000 t de biomassa anualmente, o que significa trabalhar 1300 ha por ano.
Dado que recolhíamos no mesmo local de 5 em 5 anos, seria
necessário uma área de 6 500 ha para assegurar o funcionamento
pleno da Central, o que não ultrapassa um raio de 5 km.
Verificamos assim que, mesmo sem pagamento por parte do proprietário,
é rentável a recolha dos resíduos da floresta desde
que a Central Termoeléctrica funcione.
A Central exige um investimento de cerca de 12 M (milhões de euros)
e pode vender para a Rede Eléctrica, anualmente, 4,620 M, o que a
torna economicamente interessante.
Há que reunir gente, esforços e investimentos para que a
produção florestal deixe de estar exposta a tão grande
risco de Junho a Outubro e à sua degradação durante o
Inverno.
Milhões de euros de energia endógena é uma riqueza que
pode ser aproveitada mesmo tendo em conta os factores negativos: o
minifúndio, o acidentado do terreno, a falta de vias de acesso, a falta
de equipamento próprio e a dureza de actividade. Na realidade há
factores favoráveis: os terrenos produzem biomassa, e há gente
disponível pelas aldeias para criar micro empresas de 4 a 5
trabalhadores que durante todo o ano façam as operações de
corte, recolha trituração e entrega de produto na Central. Estas
empresas têm viabilidade económica, já há
experiência e para arrancar precisam de um investimento de 60 a 70 000
. para tractores (2), estilhaçador, atrelados (2) e aparelhos de
corte (5).
Considerando que para abastecer cada central seria suficiente um conjunto de 25
micro-empresas, cada uma com 4 a 5 trabalhadores, e um investimento de 70 mil
euros amortizável em 3 a 4 anos teríamos que o conjunto de apoio
a cada central pode envolver 1,75 M.
Replicando esta Central 5 a 6 vezes, com potências unitárias
até 10 MVA e queimando os resíduos de uma área circundante
até 20 km seria possível apontar para um investimento de 100
M em centrais e empresas fornecedoras. Assim, seria possível
minimizar os incêndios descontrolados e transferir para energia
útil uma parcela significativa do material lenhoso actualmente queimado.
Estas verbas podem ter origem no sistema de apoio florestal, no que se evita
gastar em serviços de Bombeiros e no que se vinha a ganhar por o
Produtor Florestal poder vender a sua madeira com plena maturidade.
EXTERNALIDADES DO PROJECTO
AMBIENTAIS
-
Evitar a desertificação dos terrenos ardidos uma vez que
diminuiriam os incêndios.
-
Diminuição do efeito de estufa causado pelos incêndios
descontrolados.
-
Queima controlada e completa ao longo do ano evita os actuais resíduos
da combustão incompleta e violenta concentrada em poucos dias do ano.
-
Protecção do eco-sistema pela não destruição
de plantas nativas, algumas aromáticas e de espécies raras bem
como de animais e aves.
-
Protecção da apicultura.
-
Aproximação das deliberações das decisões
das Conferências Mundiais sobre Ambiente do Rio de Janeiro, Quioto e
Buenos Aires.
ECONÓMICAS
-
Criação de uma área de desenvolvimento económico
regional.
-
Criação de riqueza no valor de milhões de euros anualmente
na área energética ao invés da actual
situação em que se exporta esse valor.
-
Criação de possibilidade de entrarem na actividade
económica as árvores que atinjam a maioridade já que
não são queimadas pelos incêndios
-
Criação de centenas de postos de trabalho permanentes em
região deprimida economicamente, alguns deles especializados.
FISCAIS
-
Obtenção de uma mais valia fiscal pela actuação de
empresas na actividade económica.
SEGURANÇA
-
O aumento da produção energética endógena melhora a
segurança nacional no caso de possíveis problemas de fornecimento
internacional.
-
Protecção de populações do efeito dos
incêndios.
POSSÍVEIS VIAS DE FINANCIAMENTO
-
Central Termoeléctrica: Financiamento até 40% a fundo perdido
através do Programa MAPE
[1]
.
-
Empresas de Recolha de Biomassa: Financiamento até 50% a fundo perdido
através do AGRIS
[2]
.
-
Sistema de Protecção de Fogos Florestais: Estruturas em que
todas as Câmaras têm posição.
-
Os Proprietários poderiam participar com o pagamento de uma parte dos
custos de trabalho.
-
Venda da estilha à Central a 30 /t, com 15% de humidade.
-
Venda de electricidade à Rede Eléctrica a 0,11/kWh
-
Possibilidade de a Central ser em Cogeração e, assim, vender
também calor além da venda de energia eléctrica à
rede
-
Hipótese de aproveitamento do calor em agricultura e
agro-pecuária pois a região é de povoamento habitacional
disperso e não há possibilidade de explorar a venda de calor
doméstico.
-
Hipótese de desenvolvimento da piscicultura, floricultura e agricultura
específica pelo aproveitamento do calor remanescente das Centrais de
Queima.
[1]
MAPE
= Medida de Apoio ao Aproveitamento do Potencial Energético e Racionalização
de Consumos.
[2]
AGRIS
= Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos Programas Operacionais
Regionais.
[*]
Engenheiro electrotécnico.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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