Many Thanks to the English Working Class
Peço desculpa ao leitor pelo título em inglês. Sei bem que
o inglês e os anglicismos são uma praga evitável. Trata-se
apenas de uma singela homenagem à maioria do povo britânico, que
teve a coragem de votar pela mudança no referendo à União
Europeia (UE).
Uma homenagem aos mais velhos, aos mais pobres, às classes
trabalhadoras, aos de baixo. É que não é preciso ser
instruído para dar uma lição. E que lição
esta, a que foi dada às elites políticas,
económico-financeiras, aos de cima, numa sociedade causticada pela
polarização social e regional, feita de vencedores e de vencidos
da globalização neoliberal, o outro nome da UE realmente
existente neste continente. Não creio que aprendam alguma coisa, no
entanto, a avaliar por tantas reacções arrogantes.
Quem faz esta homenagem vive, como o leitor, na Europa do Sul, neste
rectângulo castigado pela austeridade imposta por Bruxelas, numa moeda
única que nunca nos serviu, comandada por Frankfurt; vive numa economia
estagnada há quase duas décadas, e endividada externamente em
montantes recorde, uma combinação sem precedentes
históricos. Tudo isto acontece também porque as elites
portuguesas aderiram acriticamente à ideia do pelotão da frente,
abdicando de instrumentos de política económica num processo
nunca referendado. As elites portuguesas dominantes tiveram um papel crucial em
transformar Portugal num indicador avançado da chamada
estagnação secular, fenómeno que marca o capitalismo nas
suas fases mais desiguais e financeirizadas.
Repare o leitor que durante a campanha do referendo britânico, a Europa
do Sul, com o seu desemprego de massas, foi invocada por alguns defensores da
saída, pelos que tinham boas razões para tal, como o melhor
exemplo do que é a UE: uma ordem pós-democrática, que
esvaziou a soberania dos parlamentos e que não a substituiu por nada que
fosse competente e decente. Os britânicos levam a sério este
problema. Chamam-lhe democracia e quiseram recuperá-la de forma mais
integral, quiseram ter um maior controlo sobre a sua vida colectiva.
Não se esqueça o leitor que tiveram e têm de enfrentar o
chamado projecto medo, comandado por economistas, os mesmos que garantiam antes
da crise financeira, iniciada em 2007-2008, que vivíamos na grande
moderação, que os mercados financeiros liberalizados eram o alfa
e ómega do progresso e que o euro era a boa moeda para a UE (dois
terços dos economistas britânicos inquiridos defenderam tal
posição em 1999). Este referendo assinalou o merecido
descrédito público da economia convencional. Garantiram e
garantem que seria o caos. Esqueceram-se que, para os de baixo, o caos é
há muito o outro nome das suas vidas.
O leitor sabe que agora é "ai", que as agências
vão descer a notação; "ui", que a
Grã-Bretanha vai ficar mais pobre por causa da
desvalorização da libra. As agências de
notação são irrelevantes para Estados monetariamente
soberanos e que estão endividados na sua própria moeda. As taxas
de juro relevantes são determinadas pelo Banco Central e nunca, repito,
nunca, há problemas de insolvência para Estados deste tipo. Os que
operam nos mercados no fundo sabem isso.
Quanto à desvalorização da libra, desde que esta seja
controlada, e sê-lo-á, também pela acção das
forças de mercado, enquadradas pela natural cooperação
entre bancos centrais, pode ser um estímulo para a economia
britânica, como foi durante a crise, ajudando-a num ajustamento há
muito visto como necessário: desfinanceirizar, reduzindo o peso da City,
e promover sectores mais produtivos. Para isso, ajudará a maior margem
de manobra, por exemplo em termos de política industrial, obtida, a
prazo, graças à saída da UE. Mas isso não é
o mais importante: mais liberal ou menos liberal, será ainda mais o
parlamento a decidir formalmente. O leitor sabe que isso se chama democracia e
ainda se lembra como foi por cá, num breve período, antes de as
regras do mercado interno fazerem sentir todos os seus efeitos, e sobretudo
antes do euro. Pelo menos nessa altura convergíamos com as economias
europeias.
E agora o leitor pergunta: e nós? Nós precisamos de aprender com
o nosso mais velho aliado. O quê? Que o pelotão da frente
não nos serve: precisamos de sair do euro de forma negociada,
idealmente, e, entre outras, obter excepções às regras do
mercado interno. Em suma, recuperar instrumentos de política industrial,
comercial, cambial ou orçamental. Tudo numa UE de geometria
variável, de menu, com menos poder de Bruxelas e mais poder dos Estados.
Caso contrário, o nosso futuro será mais do mesmo:
declínio das forças produtivas da nação, da energia
vital de um país esvaziado. O leitor não quer isso, eu sei. Tem,
temos, é de ter a coragem de querer o que tanta falta faz.
27/Junho/2016
[*]
Professor Auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
investigador do Centro de Estudos Sociais e co-autor do blogue
Ladrões de Bicicletas
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O original encontra-se em
Jornal de Negócios
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Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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