Desigualdades regionais e sociais em Portugal e
macrocefalia sem qualidade de vida na região de Lisboa

por Eugénio Rosa [*]

O Instituto Nacional de Estatística divulgou recentemente uma publicação importante com o titulo “Um Retrato Territorial de Portugal 2002” que permite analisar, de uma forma fundamentada, a forma como a riqueza, o investimento, o emprego e as remunerações se distribuem pelas diferentes regiões do País.

Utilizando dados constantes desse estudo construímos o quadro I, que se apresenta seguidamente, o qual permite tirar algumas conclusões importantes sobre a realidade económica e social nacional actual, como iremos ver.

Quadro 1.

Se analisarmos os dados referentes ao PIB (riqueza criada ) e à FBCF (investimento realizado) no ano 2001 ( ver colunas 2, 3, 4 e 5 do quadro anterior a contar da esquerda) constantes no quadro anterior, concluímos que a Região de Lisboa e Vale do Tejo (Lisboa VT) contribuiu com 45% da riqueza criada em Portugal naquele ano e absorveu também 45,1% do investimento total realizado no País. E isto apesar de empregar apenas 36,4% da população empregada (ver colunas 6 e 7 do quadro I). A Região Norte com 33,9% da população empregada produziu apenas 28,5% da riqueza criada e absorveu 25,8% do investimento nacional realizado naquele ano. Abaixo, mas já um pouco longe, está a Região Centro com 16,7% da população empregada mas apenas com 14% da riqueza criada e 14% do investido feito em 2001.

Em resumo, é na Região de Lisboa e Vale do Tejo que se concentra uma grande parte do emprego, do investimento e da riqueza criada em Portugal.

PRODUTIVIDADE POR EMPREGADO VARIA MUITO DE REGIÃO PARA REGIÃO

Se dividirmos o PIB (Produto Interno Bruto, coluna 2 do quadro anterior) pelo número total de empregados (coluna 6) obtemos aquilo que é conhecido por produtividade por empregado. E os resultados que se obtêm são os que constam do quadro II que se apresenta seguidamente.

Quadro 2.

Os dado do quadro II mostram que, em 2001, a produtividade por empregado na Região de Lisboa e Vale do Tejo foi 23,7% superior à média nacional, enquanto na Região dos Açores foi inferior em 20,4% à média nacional.

Se tomarmos como base de comparação não a produtividade nacional, mas sim a produtividade média por empregado da região com menor produtividade, que foi a Região Autónoma dos Açores, concluímos que a produtividade da Região de Lisboa e Vale do Tejo foi cerca de 55,4% superior à da RA Açores, enquanto na da Região Norte e Centro a produtividade foi superior apenas em cerca de 5%.

REMUNERAÇÃO MÉDIA POR EMPREGADO VARIA MUITO DE REGIÃO PARA REGIÃO

Mas os dados do quadro I, o primeiro quadro apresentado, permitem tirar outras conclusões sobre a realidade nacional actual também muito importantes.

Assim se dividirmos as Remunerações Totais (dados da coluna 8 ) pelo total de empregados (dados da coluna 6 ) obtemos a remuneração média por empregado, e elas continuam a ser bastante desiguais de região para região como mostram os dados do quadro III que se apresenta seguidamente, e que contem os resultados dessa divisão.

Quadro 3.

Os dados do quadro anterior mostram que a remuneração média na Região de Lisboa e Vale do Tejo era, em 2001, cerca de 22,6% superior à remuneração média nacional (como vimos, a produtividade era superior em 23,7%), enquanto a remuneração média da Região do Centro era inferior à média nacional em cerda de 14,1% (como já se viu, a produtividade era inferior à média nacional em 16,3%).

Se tomarmos como base de comparação não a remuneração média nacional, mas sim a remuneração média por empregado da região com mais baixa remuneração, que foi a Região do Centro, concluímos que a remuneração média da Região de Lisboa e Vale do Tejo era cerca de 42,8% superior à da Região do Centro, enquanto a da Região do Alentejo era também superior mas apenas em 0,5%.

A REPARTIÇÃO DESIGUAL DA RIQUEZA CRIADA É TAMBÉM DIFERENTE DE REGIÃO PARA REGIÃO

Outra questão que os dados do quadro I permitem responder é a seguinte:- Qual é a parcela da riqueza nacional criada todos os anos, medida pelo PIB (Produto Interno Bruto), que é aplicada no pagamento de remunerações, ou seja, que reverte fundamentalmente para os trabalhadores? – Fazendo os cálculos necessários com base nos dados do quadro I é possível responder a esta importante questão não só em relação a todo o País, mas também relativamente a cada uma das regiões. Para isso, basta dividir o valor do PIB pelo valor total das remunerações. Os resultados obtidos constam do quadro IV que se apresenta seguidamente.

Quadro 4.

Os dados do quadro IV mostram que de acordo com o próprio INE, no ano 2001, em Portugal apenas 49,7% da riqueza criada, que é medida pelo PIB, nesse ano no nosso reverteu para os trabalhadores sob a forma de Remunerações.

Para que se possa ficar com uma ideia ainda mais clara do que significam estes valores (são os mais baixos em toda a União Europeia) interessa também dizer que, de acordo também com o INE, no 4º Trimestre de 2003 a população empregada totalizava 5.067.500, sendo trabalhadores por conta de outrem 3.705.400, ou seja, 73%. Os empregadores, para utilizar os termos do INE, eram apenas 324.000, isto é, menos de 6,4%. E como se sabe são fundamentalmente os trabalhadores por conta de outrem que recebem as remunerações:- 73% da população empregada recebe menos de metade da riqueza criada, eis o que significam os números do INE.

Mas se analisarmos esta repartição por regiões, essa análise revela profundas desigualdades como mostram os dados do quadro IV.

Assim, é nas Regiões do Algarve e da Madeira que a desigualdade é maior, já que as remunerações representam apenas 42% da riqueza criada, enquanto na Região dos Açores atinge 54,6%, portanto um valor bastante superior à média nacional: Em Lisboa e Vale do Tejo, a região mais rica do país, aquele valor atinge 49,3%, portanto um valor abaixo da média nacional.

Fica assim claro que as desigualdades na repartição da riqueza criada anualmente no nosso País são grandes não só a nível nacional mas também em cada uma das regiões.

AS CONDIÇÕES DE VIDA TÊM SE AGRAVADO NA REGIÃO DA GRANDE LISBOA

Apesar da Região de Lisboa e Vale do Tejo ser a principal região do País produtora de riqueza, de investimento realizado e de população empregada como mostram os dados do quadro I, no entanto as condições de vida, nomeadamente dos trabalhadores, são muito difíceis.

Para concluir isso comece-se por observar os dados do quadro V que se apresenta seguidamente.

Quadro 5.

Como mostram os dados do quadro V, em 2000, as mulheres representavam 41,5% da população empregada a nível do País e uma percentagem muito semelhante (41,8%) na Região de Lisboa e Vale do Tejo. No entanto a nível da Grande Lisboa já correspondiam a 42,3% da população empregada nesta região e no Concelho de Lisboa já atingiam 44,1%.

Mas se analisarmos a distribuição destas mulheres por sectores de actividades concluímos que elas estão empregados fundamentalmente no sector de serviços. Efectivamente, daquele total e a nível de todo o País, 37,6% estão no Sector Secundário (Indústria) e 61% estão empregados no Sector Terciário (serviços).

No entanto, a nível de regiões a distribuição é muito desigual. Por exemplo, a nível da Grande Lisboa 80,8% de todas as mulheres empregadas nesta região estão nos Serviços e, se nos limitarmos ao Concelho de Lisboa, esse valor já atinge os 91,7%. Em resumo, as mulheres estão empregadas fundamentalmente no Sector Terciário ou de Serviços.

No entanto, como mostram os dados do quadro VI, que se apresenta seguidamente, é precisamente no sector de serviços que a diferença de ganhos entre homens e mulheres é maior no nosso País.

Quadro 6.

Os dados do quadro anterior, referentes a ganhos dos trabalhadores por conta de outrem, revelam que a nível de todo o País a remuneração média das mulheres representava cerca 72,8% a do homens; na Região de Lisboa e Vale do Tejo 71,8%, na Grande Lisboa 72,6% e no Concelho de Lisboa 71,8%.

No entanto, se fizermos a mesma análise em relação aos ganhos médios das mulheres empregadas no Sector de Serviços, que é precisamente o sector onde estão empregadas muito mais do que metade das mulheres empregadas em Portugal, concluímos que aí a diferença de ganhos entre homens e mulheres é muito maior.

Assim, no Sector de Serviços (ver as duas ultimas colunas à direita do quadro V) o ganho médio da mulher representava em relação ao do homem, a nível apenas 70,3%, na Região de Lisboa e Vale do Tejo 68,1%, na Grande Lisboa 69,6% e, no Concelho de Lisboa, apenas 68,8% do ganho médio do homem.

Muitos dos trabalhadores que vivem na região de Lisboa, em que uma parcela muito significativa são mulheres como já vimos, para poderem ter um emprego têm-se de deslocar diariamente do concelho onde residem para o concelho de Lisboa

Como mostram os dado do quadro VII, esta população pendular, ou seja, esta população que todos os dias se desloca casa-trabalho e trabalho-casa dos concelhos vizinhos é composta por centenas de milhares de portugueses, tendo mesmo aumentado entre 1991 e 2001 como revelam também os dados do quadro seguinte.

Quadro 7.

Os dados do quadro VII mostram que a população empregada ou estudante que todos os dias se desloca a Lisboa e que regressa diariamente ao seu concelho de origem que, em 1991, já atingia 351.846 pessoas aumentou ainda mais, entre 1991 e 2001, em mais 18.616 pessoas diariamente.

Efectivamente, a população empregada e estudante residente em Lisboa atingia, em 1991, 289.934 mas, em 2001, já era apenas 224.854. No entanto, no mesmo período, a população empregada ou estudante residente fora do concelho de Lisboa que se desloca diariamente ao concelho de Lisboa aumentou, entre 1991 e 2001, de 351.846 para 370.462

Em percentagem da população que está empregada ou que estuda no concelho de Lisboa, esta população que vem dos concelhos limítrofes passou, entre 1991 e 2001, de 54,8% do total para 62,2% da população total diária de Lisboa.

Assim, os dados do quadro revelam duas tendências muita importantes que se verificam na Região da Grande Lisboa, e que são as seguinte: o concelho de Lisboa está a perder população empregada e estudante (entre 1991 e 2001, perdeu 65.080 habitantes). No entanto essa perda tem sido mais que compensada pelo aumento da população que se desloca diariamente a Lisboa e que tem como origem outros concelhos (em 1991 deslocavam-se 351.846 e , em 2001, já eram 370.4629). Esta diminuição da população que reside em Lisboa, que é uma consequência das condições em Lisboa (carestia, degradação da cidade, desertificação da cidade), e este aumento da população que vem diariamente dos outros concelhos da grande Lisboa está a criar problemas sociais e de qualidade vida muito graves.

UM GIGANTESCO MOVIMENTO PENDULAR DIÁRIO

Como é também resulta dos dados apresentados anteriormente a população que está empregada ou que estuda no concelho onde reside representa apenas uma parcela da população total empregada e estudante de cada concelho, que em alguns concelhos é mesmo inferior a metade da população residente com características semelhantes. É isso que provam os dados constantes do quadro VIII que seguidamente se apresenta.

Quadro 8.

Como mostram os dados do quadro VIII, em 2001 em média apenas 56,4 dos que trabalham ou estudavam o faziam nos concelhos em que residiam. No entanto, este valor médio variava muito de concelho para concelho, atingindo 75,5% em Setúbal e apenas 37% em Odivelas, 44% em Loures e Seixal, 49,4% em Sintra.

Como também mostram os dados do quadro VIII, 581.261 portugueses (1.333.394 – 752.133) que vivem nestes concelhos como não conseguem encontrar ou emprego ou locais para estudar têm-se de deslocar diariamente para outros concelhos, nomeadamente para o concelho de Lisboa, regressando depois, no mesmo dia, ao concelho onde residem.

UM GIGANTESCO MOVIMENTO PENDULAR COM PROFUNDAS CONSEQUÊNCIAS

Este gigantesco movimento pendular diário de 581.261 pessoas, que se dirigem nomeadamente para o concelho de Lisboa (370.462, ou seja, 63,7% tem como destino o concelho de Lisboa) , que depois retorna diariamente à origem (regresso a casa), cria em particular a nível de transportes (mas não só) problemas extremamente complexos e graves que não estão ter a solução adequada agravando de uma inaudita as condições de vida nomeadamente dos trabalhadores e dos seus filhos.

Efectivamente, como consequência da ausência quase total de planeamento neste campo o sistema de transportes que abrange a região da grande Lisboa está cada vez mais caótico (basta analisar o crescimento, entre 1991 e 2001, da população que se desloca do concelho de Sintra e de outros concelhos da mesma subregião para Lisboa constante do quadro VII e rapidamente se compreende o caos que atinge todos os dias a IC19, mas que continua a ser ignorado nos planos do governo), e também como resultado da privatização desenfreada e sem quaisquer exigências que atingiu todas as grandes empresas de transportes públicos desta região os meios utilizados são cada vez mais insuficientes e envelhecidos (a idade média da frota, embora não existam dados publicados, é certamente superior a 20 anos, e muitas daquelas empresas adquirem autocarros já retirados da circulação em empresas congéneres em outros países da União Europeia).

Como consequência de tudo isto trabalhadores e estudantes gastam diariamente em média 2 a 3 horas, ou mesmo mais, nos transportes casa-emprego/escola e vice versa, são transportados em autocarros sem condições e superlotados, as filas de transito alcançam por vezes quilómetros (recorde-se o que se verifica todos os dias na Ponte 25 de Abril, na calçada do Carriche, e na IC19) prolongando desta forma as suas cansativas jornadas de trabalho ou de estudo com reflexos graves na sua rentabilidade e lazer, contribuindo para o agravamento das suas já difíceis condições de vida.

No entanto, embora toda esta grave situação continua a ser de facto e no essencial esquecida nas politicas de terceiro mundo do governo, que prefere a construção faraónica de 10 estádios de futebol num País tão pequeno, com tantas dificuldades financeiras e ocupando o último lugar de desenvolvimento da União Europeia, em vez de investir no melhoramento do sistema de transportes nacional, e nomeadamente nas regiões de grande concentração das populações.

Loures, 14/Mar/2004

[*] Economista. O autor agradece o envio de opiniões sobre este estudo para o endereço electrónico edr@mail.telepac.pt

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