O Novo Aeroporto de Lisboa e a escassez de petróleo
por Demétrio Carlos Alves
[*]
1- Introdução
2- Influência do preço dos combustíveis na procura do transporte aéreo
3- O transporte aéreo e as companhias low-cost
4- Os custos do petróleo e seus derivados impactos sobre o transporte aéreo e infra-estruturas aeroportuárias
1- INTRODUÇÃO
A questão do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) tem sido muito discutida,
mas estas discussões têm incidido quase exclusivamente nas
questões 1) da localização; 2) da oportunidade do
investimento face a restrições económicas e
orçamentais e 3) da problemática ambiental no próprio
sítio da sua implantação.
Contudo, há outras vertentes que têm estado praticamente ausentes
do debate público. Uma delas é absolutamente fundamental:
trata-se da questão energética no mundo pós Pico
Petrolífero
(peak oil).
A outra é a questão ambiental no que respeita ao impacte
atmosférico dos gases de escape dos aviões.
O preço do querosene é decisivo para as companhias aéreas.
Para a TAP, por exemplo, no ano de 2006 os resultados poderiam variar entre um
valor negativo de dez milhões de euros e um valor positivo de 50
milhões, consoante o preço do combustível.
Entretanto, os consultores internacionais a que as companhias de
aviação e outros entidades recorrem não gostam de dar
más notícias às administrações. E por isso,
ainda há um ano atrás, insistiam em que os preços do
combustível iriam
descer!
Isso levou muitas administrações a não fazerem
"oil hedging",
a actuarem na expectativa de que o combustível
iria baixar. Como tal coisa não aconteceu, algumas companhias perderam
muitos milhões de euros e de dólares.
Este texto pretende chamar a atenção para este aspecto crucial:
o mundo pós Pico Petrolífero será muito diferente daquele
que conhecemos. Portanto, doravante constitui um enorme erro
metodológico efectuar previsões de tráfego aéreo a
partir de projecções dos dados do passado anterior ao Pico.
Há fortíssimas suspeitas de que foi exactamente isso o que se fez
quanto às previsões de tráfego do aeroporto de Lisboa.
Há que refaze-las a fim de determinar quando, como, onde e com que
dimensão deverá ser um NAL. Se é que deverá, de
facto, ser construído.
2- INFLUÊNCIA DO PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS NA PROCURA DO
TRANSPORTE AÉREO
A procura de transportes aéreos está intimamente ligada ao
nível das tarifas, à frequência e à diversidade de
ligações.
[1]
Nas tarifas aéreas já hoje se verifica a incidência de uma
Taxa de Combustível, variável consoante o tipo de voo, a classe
em que o passageiro viaja e outras circunstâncias. No entanto, sob o
comando das grandes companhias, ainda não se verifica uma
repercussão completa do preço dos combustíveis nas
tarifas. Isso acontece porque os ganhos de produtividade conseguidos, a
liberalização e a concorrência têm pressionado nesse
sentido.
O custo do combustível representa cerca de vinte a trinta por cento dos
custos operacionais do transporte aéreo de carga.
[2]
Portanto, um aumento significativo do querosene (Jet 1) nos próximos
dez anos representará um forte impacte nas tarifas aéreas. Nem o
possível aumento da eficiência energética dos
aviões, nem a intensificação dos cortes nos custos
operacionais e financeiros das companhias evitarão esta tendência.
Além disso, deve-se mencionar que não existe margem de manobra
para os governos reduzirem a carga fiscal sobre os combustíveis
aeronáuticos pela simples razão de que sobre eles não
incidem impostos.
Com a introdução do super avião a jacto A380 da Airbus, e
outras aeronaves igualmente eficientes, espera-se que as exigências de
jet fuel para uma frota gradualmente renovada serão reduzidas à
taxa 2% ao ano. Assim, aumentos de 4,5% ao ano no tráfego de
passageiros e de 5,9% no tráfego de mercadorias resultariam em aumentos
de 2,5% e 3,9%, respectivamente, no consumo de jet fuel.
Apesar dos grandes melhoramentos, o transporte aéreo é o que mais
altas intensidades energéticas apresenta. Não é
provável que deixe de ser assim no futuro, até porque não
se vislumbram tecnologias alternativas críveis num horizonte temporal de
dez ou vinte anos.
3- O TRANSPORTE AÉREO E AS COMPANHIAS
LOW-COST
O auge das companhias aéreas "baixo custo" na Europa,
incentivadas por políticas fiscais muito amigáveis, vem
contribuindo para a intensificação do tráfego aéreo
(além da presença de gases nocivos nas camadas superiores da
atmosfera). As
"low-cost"
tomam o lugar de meios de transporte menos poluentes e mais eficientes para
percursos curtos, como o transporte ferroviário. Naturalmente que os
serviços prestados por esta companhias são muito
apetecíveis para os cidadãos necessitados de baixos preços
e rapidez nas ligações. Mas, muito provavelmente, não
poderemos num futuro próximo continuar a incrementar a velocidade das
deslocações, salvo em casos especiais.
Essas empresas têm proliferado apesar da histeria quanto ao chamado
terrorismo internacional. Apenas na Alemanha
[3]
operam cerca de dez companhias comerciais, que oferecem viagens para as mais
importantes cidades do país e destinos turísticos atraentes, a
preços extraordinariamente baixos.
Estas companhias são, aparentemente, o
fast-food
dos céus.
Para a costa mediterrânica francesa, pode-se voar de Colónia ou
Frankfurt, por preços inferiores a US$ 20, ida e volta. Essas empresas
(como Easyjet, Ryanair e Germanwings) podem permitir-se semelhantes tarifas
graças às generosas subvenções que recebem de
governos nacionais, que se negam a taxar o combustível para avião.
Os governos regionais europeus, na sua corrida de competição
entre cidades, isentam de impostos as companhias aéreas de "baixo
custo", a fim de as atrair para os seus aeroportos locais. Esta
política levou à modernização de pequenos
aeroportos daqui a ideia de
Alverca
, junto ao Tejo. Simultaneamente, as
companhias reduzem os seus custos graças às reservas pela
Internet, ao uso de apenas um tipo de avião, que exige menos
manutenção, e à utilização de um
mínimo de pessoal de bordo.
Apesar da crescente evidência sobre os efeitos ambientais perniciosos do
tráfego aéreo, os governos não conseguem elaborar uma
política racional sobre a matéria. O tráfego aéreo
mundial produz anualmente emissões superiores a 600 milhões de
toneladas de dióxido de carbono, o principal desses gases, além
de NOx. Especialistas ingleses
[4]
, prevêem que em 2015 metade da destruição anual da camada
de ozono será causada pelo tráfego aéreo comercial. A
Comissão Real Britânica sobre a Poluição Ambiental
estimou, em 2002, que as emissões da aviação comercial
são "o maior contribuinte para o aquecimento do planeta", e
pediu urgência aos governos para a elaboração de
políticas que privilegiem o uso do comboio.
De todos os meios de transporte, o aéreo é o que mais consome
combustível e produz mais emissões atmosféricas. Uma
viagem aérea de ida e volta Paris-Marselha contribui com 150
quilos/passageiro de gases com efeito estufa (para quem acredita no
aquecimento global, não está mal). No entanto, com a mesma
viagem feita em comboio essa emissão não passaria de três
quilos.
Ao longo das últimas décadas os motores dos aviões
evoluíram muito, tornando-se menos poluentes e menos ruidosos. Mas, o
aumento do tráfego aéreo, decorrente de um extraordinário
abaixamento de custos operacionais devido a agressivas e refinadas
técnicas de gestão, aliadas a medidas crescentes de
liberalização anulou esse progresso técnico.
Entre 2005 e 2030 serão consumidos uns 5 mil milhões de toneladas
de jet fuel. Levando em conta as perdas nas refinarias (91%) isto dá um
equivalente de 5,6 mil milhões de toneladas de produto com um
conteúdo de carbono de 85,5%. Na sua queima produzir-se-ão 17,4
mil milhões de toneladas de dióxido de carbono.
4- OS CUSTOS DO PETRÓLEO E SEUS DERIVADOS IMPACTES SOBRE O
TRANSPORTE AÉREO E INFRA-ESTRUTURAS AEROPORTUÁRIAS
As linhas aéreas americanas consumiram 18,5 mil milhões de
galões
[5]
(84,1 mil milhões de litros) em 2004. Daqui pode-se deduzir que
aproximadamente 20% da produção de refinados é
constituída por jet fuel para a aviação civil.
Os produtos refinados mundiais representaram 77 milhões barris/dia em
2004, extraídos de 80 milhões de barris de petróleo bruto
com uma eficiência média de refinaria de 96%. Os destilados
médios totalizaram 27,7 milhões de barris/dia; ora considerando
20% obtém-se um consumo de jet fuel de aviação de 2,0 Gb
(mil milhões de barris) ou 240 milhões de toneladas.
Por outro lado, a Airbus previu que o tráfego de passageiros consumiria
180 milhões de toneladas em 2004. Dado que o tráfego aéreo
de mercadorias absorveria os outros 60 milhões de toneladas, teremos um
total
de 240 milhões de toneladas ou 2 Gb para transporte aéreo de
passageiros e carga, excluindo a utilização militar.
Se dermos como aceitável que o
pico petrolífero mundial
ocorrerá cerca de 2007
[6]
, e assumindo que os desempenhos das refinarias permitem que 7,2% da
produção de petróleo bruto seja processada para jet fuel
com uma eficiência térmica de 91%, então, dos 600 Gb da
produção de petróleo regular, mais todos os
disponíveis entre este momento e 2030, teremos que 40 Gb (6400 mil
milhões de litros) de jet fuel seriam produzidos. Partindo do
princípio que 25% deste total seria dedicado ao tráfego de carga,
ficariam cerca de 30 Gb (4800 mil milhões de litros)disponíveis
para o tráfego global de passageiros. Ora
isto significa, ainda segundo o autor supra citado, que até ao ano 2030,
apenas 60% dos passageiros e 45% das expectativas do mercado poderão ser
satisfeitas.
Mas, bastante tempo antes, as encomendas de novos aviões serão
canceladas e os previstos aumentos de eficiência não serão
realizados, de modo que a proporção de aeronaves velhas
aumentará.
As previsões do Departamento de Transporte do Reino Unido e da Airbus, e
muitos outros organismos públicos e privados, não consideraram,
até aqui, as implicações da escassez do recurso
combustível nas suas projecções do tráfego
aéreo. Quanto mais elevada for a taxa de esgotamento das reservas
limitadas de petróleo, mais cedo se dará o intenso
decréscimo das viagens aéreas de trabalho e de turismo,
designadamente porque as tarifas também aumentarão
significativamente.
A actual espiral dos preços do petróleo arrasta a
indústria aeronáutica e as companhias de aviação
para domínios de grande incerteza. Esta é uma das
conclusões de um estudo preparado pelo Instituto para a Análise
de Segurança Global (IAGS), apresentando-o antes dos líderes
mundiais da industria aeronáutica se terem reunido em Beijing em Maio
2006
[7]
. O relatório apresenta, ainda, visões optimistas num quadro de
um intenso controlo do mundo por parte do ocidente.
O relatório, aponta para uma perspectiva severa e grave para o futuro.
Sugere que os preços do petróleo, pairando actualmente em torno
dos $75 / barril poderiam duplicar se uma combinação de eventos
infelizes acontecessem. Se o barril passar a custar US$ 100, o Jet Fuel
passará para cerca de 3 USD/galão, e um passageiro que voasse
"coast to coast" teria que suportar mais US$ 50.
Em Portugal, e de uma forma muito intensa, os custos da factura
energética são já tremendos, como se poderá
constatar no Quadro 4. Se seguíssemos a tendência apontada pelo
Gráfico 1, embora esta ilação não seja rigorosa,
teríamos o petróleo a US$ 80 por barril daqui por doze meses.
Os preços a que são vendidos os combustíveis de
avião, principalmente o Jet A1, são preços spot, variando
significativamente de contrato para contrato e de aeroporto para aeroporto.
Actualmente, em Portugal, o valor médio andará nos 0,565
euros/litro, o que é apenas cerca de 0,15 euros acima do custo. Se
tivermos em conta que se consumiram (produziram) em Portugal 9,6 milhões
de toneladas ou 12 mil milhões de litros de JP 1 (ou Jet A1) em 2005,
teremos uma "factura" de cerca de 6,8 mil milhões de euros.
Segundo a revista
General Aviation
os preços do Jet A1 variaram, consoante as circunstâncias
contratuais, entre 1,5 e 0,5 euros/litro, nos vários aeroportos
europeus, entre 2003 e 2005.
De acordo com o US Department of Energy os preços spot do Jet Fuel
mantiveram-se estáveis nos EUA durante cerca de 17 anos, até
2004, à volta de US$ 0,63 por galão (ou seja, 0,11
euros/litro!!!). Recentemente subiu acima de um dólar por galão o
que, mesmo assim, significa um valor comparado muito baixo, ou seja, cerca de
0,30 euros/litro.
Com o aumento dos preços da gasolina e do gasóleo verifica-se
já, em Portugal, uma diminuição sensível do consumo
nos últimos meses. Contudo, o consumo do Jet A1 tem continuado sem
quebras.
Há, claramente, uma prática de preços favoráveis
à aviação civil. Contudo, ela dificilmente se
manterá no futuro devido à previsível
continuação da escalada dos preços dos combustíveis
em geral, assim como devido à questão ambiental,
Perante o crescimento do tráfego aéreo, particularmente de
passageiros, verificado no passado recente, os governos concluem que seria
necessário construir mais aeroportos. Num ambiente de crise é
apetecível chegar a esta conclusão, tanto mais quanto ela
poderá não significar grande ónus para Orçamento do
Estado. Mas venham os recursos do Estado ou do sector privado, quem acaba por
pagar as contas do maus investimentos é sempre a economia nacional.
Investir num aeroporto que poderá jamais chegar ao
break even
é um empreendimento de alto risco. A inauguração do NAL
está prevista para 2015, ou seja, uns oito anos após o Pico
Petrolífero. Será possível que o crescimento do
tráfego de passageiros suba conforme a previsão mostrada no
gráfico
(ver figura 6)
do Parsons-FCG Consortion? Ou de acordo com o gráfico
(figura 7)
elaborado Jean Chevalier da consultora Aéroports de Paris (AdP)?
Não apreciamos especialmente a ideia de ter que voar menos no futuro
mas essa forte possibilidade coloca-se de uma forma
incontornável. Será, de certa forma, um regresso ao passado.
Até há umas poucas dezenas de anos atrás as viagens
aéreas não estavam massificadas, eram raras e caras. Esta
"desmassificação" terá obviamente
consequências para projectos como o do NAL, seja qual for a sua
localização. Isto tem necessariamente de ser considerado.
É indispensável avaliar se, de facto, o crescimento de
passageiros e cargas vai ser aquele em que se fundamentaram os estudos que
justificam a necessidade de um NAL, atendendo só às
questões quantitativas.
A problemática energética não é uma campanha de
meros pessimistas infundamentados, que agitam o fantasma do Pico do
Petróleo, e o expectável aumento dos preços do
crude.
Já hoje, entidades insuspeitas de qualquer conotação
política oposta ao neoliberalismo alertam para a muito provável
escalada de preços, como a Goldman Sachs Group, que prevê US$ 105
por barril em 2010, e Matthew Simmons, especialista, ex-conselheiro do
presidente Bush, que previa, em Janeiro de 2006, que o barril subirá
para US$ 200 a 250 em poucos anos.
É muito difícil "make predictions, especially about the
future". No entanto, afigura-se de liminar prudência aferir bem
esta questão, antes de avançar obstinadamente em
direcção à construção do NAL, na Ota ou em
qualquer outro sítio. De facto, se ao invés de termos 20
milhões de passageiros em 2020 tivermos apenas 15 milhões ou
menos, isso terá que ser tido em conta!
Não está em causa a seriedade e competência dos peritos
nacionais e internacionais que estimaram os crescimentos de passageiros
previstos para a Portela, registados nos gráficos abaixo
(ver figuras 6 e 7).
Não é, de facto, fácil fazer
turning points
desta natureza, dando más notícias aos governantes e apontando
para abrandamentos continuados nos crescimentos. O tipo da economia dominante
dá-se mal com esses cenários. Mas é necessário
colocar de uma forma séria essa hipótese. Não se devem
cometer erros como, por exemplo, aquele que se cometeu quando se construiu uma
central termoeléctrica a fuelóleo no momento em que estava a
acontecer o primeiro choque petrolífero (Setúbal 1974).
Assim, podemos concluir com segurança que a questão do NAL
está ainda carecida de ponderações complementares antes de
se avançar com a sua concretização.
Não será necessário gastar muitos meses e muito dinheiro
para avaliar os problemas colocados. Sabemos que não é
razoável hesitar e prolongar o tempo de decisão nestas
matérias. Impõe-se, contudo, que esses estudos sejam feitos com
competência, isenção e autonomia e que os seus
autores considerem a realidade do Pico Petrolífero. È
indispensável, a seguir, uma discussão institucional aberta e
democrática.
Julho/2006
Notas
1- Fleming and Ghobrial, citados por Simões, André Filipe;
Transporte Aéreo Brasileiro; COPPE/UFRJ
2- IAGS- Institute for the Analysis of Global Security; The Oil Crisis and its
Impact on the Air Cargo Industry; outras fontes referem-se a pesos de
trinta e cinco
por cento no transporte de passageiros
3- Júlio Godoy, IPS, Tierramérica
4- Ecologist Concept
5- John Busby, Esgotamento do petróleo, tráfego aéreo e
construção de novos aeroportos,
http://resistir.info/energia/petroleo_aeroportos.html
6- John Busby, ibidem; sabe-se que esta questão é muito discutida
actualmente.
7- High Oil Prices Endanger Future of Airline Industry; Gal Luft, IAGS
Referências:
http://www.naer.pt/portal/page/portal/NAER/
www.maquinistas.org/pdfs_ruirodrigues/OTAVIAVEL.pdf
[*]
Do Gabinete de Planeamento Estratégico da Câmara Municipal de Setúbal.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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