A OPA da Sonae sobre a PT-Telecom

O que é, porque razão foi possível, consequências e objectivos

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

Cerca de 74,2% do capital da PT já se encontra em mãos de estrangeiros. Para além disso, o grupo Estado, representado pela CGD e pelo Instituto de Participações Financeiras do Estado, possui apenas 7,02 % do capital da PT. Esta situação, resultante de um processo de privatização em que a defesa dos interesses de desenvolvimento do País e de uma empresa estratégica estiveram totalmente ausentes, ligada ainda ao facto da dispersão do capital por múltiplas entidades que estão mais interessadas em ganhar dinheiro do que numa orientação estratégica que coloque esta grande empresa ao serviço do País, criou as condições que tornaram possível a OPA contra a PT.

Embora a OPA da Sonae ainda não se tenha concretizado, a PT já está a sofrer consequências, estando a sua gestão bloqueada em muitos aspectos. Assim, como consta do ponto 11 do anúncio da OPA, a Sonae, apoiando-se numa interpretação alargada do artº 181 do Código de Valores Mobiliários, pretende que a administração apenas se limite à gestão corrente, dita "gestão normal".

O desmembramento da PT, através da venda de alguns dos seus mais importantes activos (rede de cobre ou de cabo; venda de participações internacionais, fusão da TMN e Optimus, etc), que faria a PT desaparecer, eventualmente até o nome, parece ser o grande objectivo da Sonae, pois assim eliminaria o seu concorrente mais importante na área das telecomunicações. Este desmembramento tornaria certamente inviáveis, sob o ponto de vista económico e financeiro, áreas importantes da empresa para o desenvolvimento do País e para prestação de um serviço público, nomeadamente aquelas em que estão afectos mais trabalhadores (ex.: inovação, rede fixa). Este desmembramento, que se traduziria pela venda de activos importantes da PT também seria imposta pela lógica financeira férrea, já que a Sonae com a concretização da OPA ficaria altamente endividada (mais de 15.000 milhões de euros), a que se juntariam as dividas da PT de muitos milhões. E para cumprir os compromissos resultantes de tais dividas com aquela dimensão, a Sonae teria de vender activos importantes da PT.

Para além do serviço público que presta e da inovação que impulsiona, os trabalhadores também poderiam ser gravemente afectados pelo desmembramento da PT. E isto porque podia suceder que os novos proprietários, com o objectivo de "rentabilizar" áreas de negócio que hoje funcionam apoiadas nas áreas mais rentáveis, procedessem a elevados despedimentos, e que pudessem surgir dificuldades para pagar a divida de cerca de 2.400 milhões de euros (480 milhões de contos) que a PT tem para com o Fundo de Pensões, que assegura o pagamento de pensões aos seus trabalhadores, e garantir o financiamento do Plano de Saúde, pois as áreas com mais trabalhadores são as consideradas, sob o ponto de vista económico e financeiro, como as menos rentáveis. .

É ainda possível aos accionistas da PT e principalmente ao Estado impedir que a OPA avance, e defender esta empresa estratégica para o desenvolvimento do País . Para isso basta que não aprovem na Assembleia Geral a possibilidade de que um accionista, exercendo actividades concorrentes com PT como é a Sonae, possa ter mais de 10% do seu capital como permite o artº 9 dos Estatutos da PT. Igualmente, de acordo com o artº 14 dos mesmo Estatutos, o Estado, sozinho, pode impedir essa aprovação com base no poder que decorre das acções da categoria A, ou seja, da chamada "golden share" que possui.

Finalmente, há ainda um outro aspecto importante que tem passado despercebido à opinião pública e aos media. Alguns órgãos de comunicação divulgaram que se a OPA se concretizasse os principais accionistas actuais iriam obter uma mais-valia de 5.000 milhões de euros, ou seja, de 1.000 milhões de contos. O que ninguém ainda mencionou é que, se isto for verdade, este "lucro" de 1.000 milhões de contos não pagará nada de impostos. É uma espécie de euromilhões multiplicado muitas vezes. E isto porque de acordo a alínea a) do nº2 do artº 10º do Código do IRS estão excluídas do pagamento de impostos "as mais-valias provenientes da venda de acções detidas pelos seus titulares mais de 12 meses". A injustiça fiscal que existe em Portugal é mais uma vez flagrante e chocante.

Os media têm estado cheios de noticias da OPA da Sonae sobre a PT-Telecom . Muitas dessas noticias são contraditórias e mesmo opostas. Num dia afirma-se uma coisa para desdizer no dia seguinte. É evidente que os diferentes grupos económicos que lutam entre si para obter o controlo desta empresa estratégica utilizam os meios de comunicação social nessa luta de "informação e contra informação". E a maior parte deles presta-se objectivamente a esse serviço. Os elogios a Belmiro de Azevedo, à sua "inteligência", à sua "iniciativa e visão", ao seu "génio financeiro", ao "capitalista patriótico que investe em Portugal e tem confiança na Economia Portuguesa", etc, etc, multiplicam-se nos media. O próprio governador do Banco de Portugal, Victor Constâncio, veio "enriquecer" este coro acrítico de elogios afirmando: é "um sinal positivo"; "contribui para que todos os agentes económicos acreditem na economia" ( Jornal de Noticias, 11/02/2006). Parece que já está esquecido o episódio com o BPA nos anos oitenta, com o Totta & Açores durante o governo Guterres, e com a Somague depois da declaração de um conjunto de capitalistas portugueses sobre a necessidade de manter em mãos portuguesas os centros de decisão. O capital não tem pátria, a sua pátria são os lucros.

Desta forma, o acessório substitui o essencial, ocultando-se e passando para segundo plano, porque razão esta OPA foi possível, quem são os responsáveis pela criação das condições que a tornaram possível, quais poderão ser os verdadeiros objectivos desta OPA, e quais serão as consequências prováveis para o País e para os trabalhadores do seu eventual sucesso.

É por todas estas razões que, no meio deste massacre diário de informação e contra-informação levada a cabo pelos órgãos de informação, muitos deles ao serviço dos grupos económicos em confronto pelo controlo da PT, interessa separar a mentira da verdade, o essencial do acessório, para compreender o que está verdadeiramente em jogo nesta OPA da Sonae sobre a PT. E isso é muito importante para os trabalhadores, porque o que está em jogo não é apenas a luta pelo controlo da maior empresa portuguesa por parte de grandes grupos económicos. É isso e muito mais. Este estudo pretende ser um contributo nesse sentido.

O QUE É UMA OPA E A AQUISIÇÃO POTESTATIVA DAS ACÇÕES REMANESCENTES?

Uma OPA (Operação Pública de Aquisição) é uma operação de bolsa pelo qual uma sociedade pretende adquirir uma participação importante numa outra empresa, nomeadamente o seu domínio, comprometendo-se a adquirir, por um determinado preço, todas as acções que os seus detentores pretendam vender. No caso concreto da OPA da Sonae sobre a PT-Telecom, e se ela for aceite pela CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), pela entidade reguladora – a ANACOM – e se não tiver a oposição da AdC (Autoridade da Concorrência), a Sonae compromete-se a adquirir todas as acções àqueles que possuam acções da PT e queiram vender, pelo preço de 9,5 euros cada uma, e em relação às obrigações convertíveis em acções compromete-se a pagar por cada uma delas 5000 euros.

Os proprietários das acções e obrigações não são obrigados a vendê-las, no entanto se quiserem vender, a Sonae seria obrigado a comprá-las pelo preço que ofereceu. E uma das condições impostas pela Sonae, que consta do seu anuncio preliminar, é que essa obrigação de compra só existirá, se existirem detentores de acções interessados em vender que permitam à Sonae obter 50,01% do capital da PT. Se esta condição não se verificar, a Sonae não é obrigada a comprar e, consequentemente, a OPA morre.

Apesar dos detentores das acções e obrigações não serem obrigados a vender, no entanto existe no anuncio da Sonae uma ameaça com o objectivo de criar a insegurança e forçá-los à vender. E essa ameaça consta do ponto 13 do anúncio da Sonae: no caso de obter mais de 90% das acções, a Sonae "admite recorrer ao mecanismo de aquisição potestativa previsto no artº 194 do Código dos Valores Mobiliários"? E o que significa isto? A Sonae pode obrigar aqueles que não querem vender a vender à força, e por um preço que pode até ser inferior a 9,5 euros por acção. E isto porque, de acordo com o manual de "Respostas às perguntas frequentes dos investidores da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), em relação às acções remanescentes, ou seja, aquelas que a Sonae não comprar durante a OPA, "uma vez efectuada a escritura pública e o registo da aquisição potestativa, a totalidade dessas acções passam a estar inscritas na conta do adquirente (neste caso a Sonae), deixando, por conseguinte, de estar inscritas na conta dos anteriores titulares", sendo "o valor do preço depositado à ordem de cada titular das acções adquiridas". E o preço já não é o da OPA. Segundo o artº 188 do Código dos Valores Mobiliários é o maior preço registado "nos seis meses anteriores à data de publicação do anuncio da OPA", ou "o preço médio ponderado apurado durante o mesmo período"; portanto, em qualquer caso, um preço inferior a 9,5 euros por acção da OPA.

UMA PRIVATIZAÇÃO SEM TER EM CONTA OS INTERESSES DO PAÍS E UMA EMPRESA TOTALMENTE SUBORDINADA AOS GRANDES GRUPOS ECONÓMICOS

Uma privatização que não teve em conta os objectivos estratégicos do desenvolvimento do País está a determinar o aparecimento crescente de situações, que atingem níveis de escândalo, em empresas estratégicas e fundamentais para o desenvolvimento e independência do País.

Em primeiro lugar, foi o caso da GALP, onde já instalada a ENI (italiana), com uma posição quase dominante. Seguiu-se depois o caso da EDP, onde a concorrente IBERDROLA, uma das grandes empresas espanholas do sector da energia, já se encontra instalada no coração da EDP, por acção de Pina Moura, ministro das privatizações do governo de Guterres, que consegue actualmente incompreensivelmente associar a defesa dos interesses desta multinacional espanhola à de deputado do PS de Sócrates.

E agora é a PT, a mais antiga (foi criada em 1877) e maior empresa portuguesa. Ela e' fundamental para o desenvolvimento do País. A politica de privatizações ignorou totalmente estes interesses e nao se preocupou com a defesa de uma empresa estratégica. Recorde-se que 84,48% do capital da PT foi privatizado em quatro fases entre 1995 a 2000, ou seja, durante os governos do PSD de Cavaco Silva e do PS de Guterres. A seguir, mais 11,5% foram privatizados numa 5ª fase, em 2001, já no segundo governo do PS de Guterres, com Pina Moura. Assim, como consequência de uma politica de privatizações desta natureza, foi criada uma situação frágil que tornou possível o lançamento de uma OPA e, em caso de sucesso, o seu consequente desmembramento e mesmo destruição. Para se poder compreender de uma forma mais clara quais as condições essenciais que tornaram possível a OPA da Sonae sobre a PT, observem-se os dados do quadro I.

QUADRO I – Repartição actual do capital da PT-Telecom
Repartição do Capital por países ou região % do Capital
Portugal 25,8%
Europa Continental 29,8%
Inglaterra e Irlanda 8,1%
EUA 32,4%
Outros 3,9%
TOTAL 100,0%
Repartição do capital pelos principais accionistas % do Capital
1- PORTUGUESES  
Grupo BES 8,36%
CGD 5,14%
Cinvest 2,58%
Patrick Monteiro de Barros 2,04%
Instituto Financeiro do Estado Português 1,88%
SUBTOTAL 20,00%
2- ESTRANGEIROS  
Telefónica 9,96%
Brandes Investiments Partners 8,53%
Capital Group Companies 5,60%
Grupo Fidelity 2,09%
SUBTOTAL 26,18%
Fonte: sítio web da PT-Telecom

A primeira conclusão importante que se tira dos dados do quadro I, é que a maioria do capital da PT, precisamente 74,2%, já se encontra em mãos de estrangeiros, e que apenas 5,8% das acções (25,8% - 20%) é que estarão nas mãos de pequenos accionistas portugueses .

A segunda conclusão importante, é que o chamado "grupo Estado", que neste caso concreto inclui a CGD e o Instituto Financeiro do Estado Português, não tem uma posição importante na empresa (possui apenas 7,02% do Capital) que permita impedir qualquer medida visando quer o domínio da empresa por estrangeiros quer o lançamento de OPA´s, como a da Sonae, que tem como objectivo desmembrar a empresa para, depois, a destruir, pelo menos com as características que tem actualmente, que fazem a sua força e competitividade, como se irá procurar mostrar.

A fragmentação do capital da PT em partes muito pequenas, como os dados do quadro revelam, facilita operações visando o domínio da empresa, nomeadamente porque a esmagadora maioria dos accionistas em situações como estas não estão preocupados que a empresa assuma um papel estratégico no desenvolvimento do País, mas sim em ganhar dinheiro, por isso estão dispostos a vender as acções a quem pague mais.

Finalmente, como consequência da entrega da PT a grandes grupos económicos privados em que a sua componente de serviço público foi esquecida, em que os interesses dos consumidores foram ignorados, em que a qualidade do serviço tem-se degradado, em que preços têm aumentado, em que a satisfação dos interesses dos grandes grupos é dominante (actualmente a PT é dominada a nível de gestão pelo grupo BES), em que a gestão tem-se caracterizado por decisões com consequências graves para a PT, fragilizou a PT tornando-a também presa fácil de uma OPA hostil como a lançada pela Sonae.

A PT JÁ ESTÁ A SOFRER CONSEQUÊNCIAS DA OPA DA SONAE

Embora a OPA da Sonae ainda esteja no domínio das intenções como iremos mostrar, pois nem a Comissão de Mercado de Valores Imobiliários, nem a Autoridade da Concorrência, nem os seus accionistas de pronunciaram, mesmo assim a PT já se encontra fortemente bloqueada e limitada a nível de gestão.

Efectivamente, de acordo com o artº 182 do Código dos Valores Mobiliários, a PT "a partir do momento em que tome conhecimento da decisão de lançamento de aquisição que incida sobre mais de um terço dos valores mobiliários da respectiva categoria e até ao apuramento dos resultados ou até à cessação, em momento anterior, do respectivo processo, o órgão da administração da sociedade visada (da PT) não pode praticar actos susceptíveis de alterar de modo relevante a situação patrimonial da sociedade e que possam afectar de modo relevante os objectivos anunciados pelo oferente", neste caso a Sonae.

E o número 11 do anuncio da OPA enumera de uma forma taxativa aquilo que a Sonae considera que a administração da PT não pode já realizar um conjunto de actos (ex.: emitir acções e obrigações, amortizar ou extinguir acções, adquirir ou onerar acções, adquirir ou vender participações sociais ou activos de valor superior a 100 milhões de euros, preencher vagas ou substituir membros dos corpos sociais, praticar quaisquer actos que não sejam de gestão normal ou que consubstanciam incumprimento do dever de neutralidade do órgão de administração, provocar alterações patrimoniais desfavoráveis relevantes, divulgar factos susceptíveis de influenciar de modo significativo a avaliação das acções até hoje não trazidos a público, etc), alguns deles que até extravasam o que consta da lei.

E esta situação pode durar vários meses como iremos mostrar. É evidente que esta paralisia a nível da gestão da PT terá elevados custos para a empresa.

Neste campo interessa ainda referir que de acordo com a alínea c) do nº2 do artº 181 do Código dos Valores Mobiliários, a Administração da PT está obrigada, "a partir da publicação do anuncio preliminar e até ao apuramento do resultado da oferta, informar os trabalhadores, directamente ou através dos seus representantes, sobre o conteúdo dos documentos de oferta".

A OPA DA SONAE AINDA NÃO É EFECTIVA, REDUZINDO-SE AO ANÚNCIO

Para além do anúncio já feito, a OPA da Sonae sobre a PT para se poder concretizar tem de cumprir uma série de procedimentos que ainda não foram realizados e que levam ainda vários meses.

Assim, de acordo com o artº 114 do Código de Valores Mobiliários, a Sonae terá de obter o registo prévio da oferta pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), tendo para isso 20 dias a contar da data do anúncio, ou seja, até 27 de Fevereiro. Depois a CMVM tem 8 dias para decidir (artº 118 do Código). Seguidamente, para obter o registo definitivo necessita de obter a declaração de não oposição da Autoridade da Concorrência (AdC). Esta tem 30 dias para o fazer, podendo alargar para 90 dias se considerar que a complexidade da operação assim o exige. A ANACOM terá também de se pronunciar. E as contagens destes prazos são interrompidas se qualquer destas entidades pedir dados ou esclarecimentos à Sonae.

Para além disso, no próprio anuncio da OPA, a Sonae coloca uma série de condições, cuja não verificação impedirá a sua concretização. E essas condições prévias, cuja satisfação exige, são as seguintes: abdicação por parte do Estado, ou seja, pelo governo da chamada "golden share" que tem na PT; a "desblindagem" dos Estatutos da PT; a obtenção de, pelo menos, 50,1% do capital da PT. Como as duas primeiras condições serão analisadas seguidamente, vai-se evitar repetições neste ponto.

O OBJECTIVO DA SONAE PARECE SER O DE DESMEMBRAR E MESMO DESTRUIR A SUA PRINCIPAL CONCORRENTE NA ÁREA DAS TELECOMUNICAÇÕES

A análise objectiva quer das declarações feitas pela Sonae aos media quer da situação económica e financeira deste grupo leva à conclusão de que o objectivo final de Belmiro de Azevedo é desmembrar e mesmo destruir a PT que é a sua principal concorrente num mercado estratégico para a Sonae, que são as telecomunicações.

Assim, como a Sonae já afirmou publicamente (veja, por ex., Jornal de Negócios, de 08/02/2006) se a OPA tiver sucesso, ela pretende vender uma das redes da PT (de cabo ou de cobre), fundir a TMN com a Optimus, que tem sido um fracasso para a Sonae, para assim obter o domínio de 63% do mercado de telemóveis, e vender participações internacionais da PT, nomeadamente a que tem no Brasil com a Telefónica espanhola (Vivo).

Para se poder compreender as verdadeiras consequências para a PT desta estratégia, interessa ter presente que muitos das áreas da PT só se mantém (rede fixa, inovação, etc) devido às sinergias que se obtém com a existência das várias áreas de negócio na PT. Efectivamente, a TMN e a rede de cabo são as áreas mais lucrativas da PT. A sua retirada da PT determinaria que as outras áreas – rede fixa, inovação, etc – deixassem de ter possibilidades de financeiramente sobreviverem. O desmembramento da PT significaria a sua morte, e o papel fundamental, como centro de inovação e de prestação de um serviço público.

Embora nunca o tenha sido plenamente, devido à ausência de definição, por parte do governo, de orientações estratégicas para esta empresa como a própria lei o estabelece, e como o Tribunal de Contas o afirma no seu Relatório nº 31/2004, 2ª Secção (Auditoria Dividendos e Remunerações de Capitais – Sector Empresarial do Estado, págs. 25 e 26), a PT devia estar para Portugal como a NOKIA está para a Finlândia; ou seja, para além de ser uma prestadora de um serviço público essencial, ela devia assumir também o papel de motor de inovação que arrastasse muitas outras empresas. O pouco que a PT tem realizado neste campo, tem sido feito pela PT-Inovação. É tudo isto que a Sonae quer desmembrar ou mesmo destruir.

Para além de pretender eliminar a principal concorrente na área das telecomunicações, existem razões económicas e financeiras que "obrigarão" a Sonae a desmembrar a PT e a vender activos importantes desta empresa. De acordo com o "Relatório e Contas – 30 de Setembro de 2005" da Sonae, SGPS, SA, que se encontra disponível no seu sítio web, "o endividamento liquido consolidado do grupo" atingia em 30 de Setembro 3.336 milhões de euros, tendo aumentado 270 milhões de euros desde 30 de Setembro de 2004 (páginas 20-22). Se juntarmos a este valor o empréstimo obtido do Santander para financiar a OPA – cerca de 12.000 milhões de euros – obtém-se mais de 15.000 milhões de euros (3.007 milhões de contos). É uma divida muito grande para qualquer empresa, que terá de ser paga num prazo curto (os media informaram que o financiamento do Santander terá de ser pago em 7 anos). É evidente que isso só será possível com a venda de importantes activos da PT, ou seja, com o seu desmembramento e mesmo destruição. É lógica financeira férrea que também contribuirá para isso, e o carácter predador de muitas aquisições capitalistas em que o mais importante é o ganho financeiro.

CONSEQUÊNCIAS PROVÁVEIS DO DESMEMBRAMENTO DA PT PARA OS TRABALHADORES

De acordo com o "Relatório de Sustentabilidade – partilhar valor – 2004", o grupo PT tinha 29.483 trabalhadores, sendo 15.107 em Portugal. Deste último total, 8.311 estavam afectos à rede fixa. É evidente, que se a empresa fosse desmembrada, e a rede fixa vendida, uma grande parte destes trabalhadores poderão ser profundamente afectados, até despedidos. Não se pode esquecer que a rentabilização e a reestruturação capitalista das empresas passam normalmente por elevados despedimentos de trabalhadores. E o capitalista Belmiro de Azevedo não é diferente.

Para além de tudo isto existe ainda o Fundo de Pensões que não está totalmente provisionado (em 8 de Outubro de 2005, o Diário de Noticias divulgou que segundo Zeinal Bava, administrador financeiro da empresa de telecomunicações "o Fundo de Pensões da Portugal Telecom tem um buraco que ronda os 2.400 milhões de euros", ou seja, 480 milhões de contos) e o Plano de saúde. É evidente que o desmembramento da empresa criaria eventualmente riscos elevados quer em relação ao pagamento da elevada divida da PT quer à continuidade do Plano de Saúde, quer ainda ao emprego da maioria dos trabalhadores em Portugal está afecto à rede fixa, è rede de telemóveis, áreas de negócio que a Sonae já declarou aos media que eventualmente poderia ser vendida ou fundida.

O ESTADO E OS ACCIONISTAS PODEM IMPEDIR A OPA DA SONAE SOBRE A PT SE O QUISEREM


De acordo com o nº1 do artº 9 dos Estatutos da PT, "os accionistas que exerçam, directa ou indirectamente, actividade concorrente com a actividade desenvolvida pelas sociedades em relação de com a Portugal Telecom, SGPS, SA, não podem ser titulares, sem prévia autorização da Assembleia Geral, de acções ordinárias representativas de mais de 10% do capital social da sociedade".

Como a Sonae é concorrente da PT, por ex., na área dos telemóveis (Optimus e TMN), se a Assembleia dos Accionista da PT não autorizar, a Sonae não poderá adquirir mais de 10% das acções da PT, e então a OPA morre logo à nascença. É por esta razão, que a Sonae no ponto 10 do anuncio da OPA coloca como condição prévia para a sua realização, a obtenção da autorização da Assembleia Geral (alínea b) e a alteração do Estatuto da PT "de modo que não subsista qualquer limite à contagem de votos quando emitido por um só accionista, em nome próprio ou como representante de outro" (alínea c do mesmo ponto); portanto, se estas condições impostas pela Sonae, constante do anuncio da OPA, não forem aceites pelos actuais accionistas, ou seja, se os Estatutos da PT não forem "desblindados", a OPA não avança.

Por outro lado, o nº2 do artº 14 dos Estatutos da PT estabelece o seguinte: as deliberações da Assembleia Geral da PT "sobre a eleição da Mesa da Assembleia Geral, e dos membros do Conselho Fiscal; sobre "a aplicação dos resultados do exercício", sobre "a criação e manutenção de agencias ou delegações"; sobre a " autorização para que accionistas que exerçam actividade concorrentes possam ser titulares de mais de 10% do capital social da sociedade "; sobre " os objectivos gerais e princípios fundamentais das politicas da sociedade"; sobre a "definição de "princípios da politica de participações" e sobre "as respectivas aquisições e alienações"; repetindo, as deliberações que envolvam todas estas matérias "não serão aprovadas, em primeira convocação ou em convocações subsequentes, contra a maioria dos votos correspondentes às acções da categoria A".

E as acções da categoria A, que são conhecidas pela "golden share", são detidas pelo Estado. Portanto, se o governo decidir não dar o seu acordo a que um sócio exercendo actividades concorrentes com a PT, como é a Sonae, possa ser titular de mais de 10% das acções da PT, a OPA morre logo à nascença. Mas terá o governo PS de Sócrates a coragem para defender uma empresa estratégica para o desenvolvimento do País e os interesses de Portugal ? É o que se vai ver no futuro.

[*] Economista, edr@mail.telepac.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
14/Fev/06