A OPA da Sonae sobre a PT-Telecom
O que é, porque razão foi possível, consequências e
objectivos
RESUMO DESTE ESTUDO
Cerca de 74,2% do capital da PT já se encontra em mãos de
estrangeiros. Para além disso, o grupo Estado, representado pela CGD e
pelo Instituto de Participações Financeiras do Estado, possui
apenas 7,02 % do capital da PT. Esta situação, resultante de um
processo de privatização em que a defesa dos interesses de
desenvolvimento do País e de uma empresa estratégica estiveram
totalmente ausentes, ligada ainda ao facto da dispersão do capital por
múltiplas entidades que estão mais interessadas em ganhar
dinheiro do que numa orientação estratégica que coloque
esta grande empresa ao serviço do País, criou as
condições que tornaram possível a OPA contra a PT.
Embora a OPA da Sonae ainda não se tenha concretizado, a PT já
está a sofrer consequências, estando a sua gestão bloqueada
em muitos aspectos. Assim, como consta do ponto 11 do anúncio da OPA, a
Sonae,
apoiando-se numa interpretação alargada do artº 181 do
Código de Valores Mobiliários, pretende que a
administração apenas se limite à gestão corrente,
dita "gestão normal".
O desmembramento da PT, através da venda de alguns dos seus mais
importantes activos (rede de cobre ou de cabo; venda de
participações internacionais, fusão da TMN e Optimus,
etc), que faria a PT desaparecer, eventualmente até o nome, parece ser o
grande objectivo da Sonae, pois assim eliminaria o seu concorrente mais
importante na área das telecomunicações. Este
desmembramento tornaria certamente inviáveis, sob o ponto de vista
económico e financeiro, áreas importantes da empresa para o
desenvolvimento do País e para prestação de um
serviço público, nomeadamente aquelas em que estão afectos
mais trabalhadores (ex.: inovação, rede fixa). Este
desmembramento, que se traduziria pela venda de activos importantes da PT
também seria imposta pela lógica financeira férrea,
já que a Sonae com a concretização da OPA ficaria
altamente endividada (mais de 15.000 milhões de euros), a que se
juntariam as dividas da PT de muitos milhões. E para cumprir os
compromissos resultantes de tais dividas com aquela dimensão, a Sonae
teria de vender activos importantes da PT.
Para além do serviço público que presta e da
inovação que impulsiona, os trabalhadores também poderiam
ser gravemente afectados pelo desmembramento da PT. E isto porque podia suceder
que os novos proprietários, com o objectivo de "rentabilizar"
áreas de negócio que hoje funcionam apoiadas nas áreas
mais rentáveis, procedessem a elevados despedimentos, e que pudessem
surgir dificuldades para pagar a divida de cerca de 2.400 milhões de
euros (480 milhões de contos) que a PT tem para com o Fundo de
Pensões, que assegura o pagamento de pensões aos seus
trabalhadores, e garantir o financiamento do Plano de Saúde, pois as
áreas com mais trabalhadores são as consideradas, sob o ponto de
vista económico e financeiro, como as menos rentáveis. .
É ainda possível aos accionistas da PT e principalmente ao Estado
impedir que a OPA avance, e defender esta empresa estratégica para o
desenvolvimento do País . Para isso basta que não aprovem na
Assembleia Geral a possibilidade de que um accionista, exercendo actividades
concorrentes com PT como é a Sonae, possa ter mais de 10% do seu capital
como permite o artº 9 dos Estatutos da PT. Igualmente, de acordo com o
artº 14 dos mesmo Estatutos, o Estado, sozinho, pode impedir essa
aprovação com base no poder que decorre das acções
da categoria A, ou seja, da chamada
"golden share"
que possui.
Finalmente, há ainda um outro aspecto importante que tem passado
despercebido à opinião pública e aos media. Alguns
órgãos de comunicação divulgaram que se a OPA se
concretizasse os principais accionistas actuais iriam obter uma mais-valia de
5.000 milhões de euros, ou seja, de 1.000 milhões de contos. O
que ninguém ainda mencionou é que, se isto for verdade, este
"lucro" de 1.000 milhões de contos não pagará
nada de impostos. É uma espécie de euromilhões
multiplicado muitas vezes. E isto porque de acordo a alínea a) do
nº2 do artº 10º do Código do IRS estão
excluídas do pagamento de impostos "as mais-valias provenientes da
venda de acções detidas pelos seus titulares mais de 12
meses". A injustiça fiscal que existe em Portugal é mais uma
vez flagrante e chocante.
|
Os media têm estado cheios de noticias da OPA da
Sonae
sobre a
PT-Telecom
. Muitas dessas noticias são contraditórias e mesmo
opostas. Num dia afirma-se uma coisa para desdizer no dia seguinte. É
evidente que os diferentes grupos económicos que lutam entre si para
obter o controlo desta empresa estratégica utilizam os meios de
comunicação social nessa luta de "informação e
contra informação". E a maior parte deles presta-se
objectivamente a esse serviço. Os elogios a Belmiro de Azevedo, à
sua "inteligência", à sua "iniciativa e
visão", ao seu "génio financeiro", ao
"capitalista patriótico que investe em Portugal e tem
confiança na Economia Portuguesa", etc, etc, multiplicam-se nos
media. O próprio governador do Banco de Portugal, Victor
Constâncio, veio "enriquecer" este coro acrítico de
elogios afirmando: é "um sinal positivo"; "contribui para
que todos os agentes económicos acreditem na economia" (
Jornal de Noticias,
11/02/2006). Parece que já está esquecido o episódio com
o BPA nos anos oitenta, com o Totta & Açores durante o governo Guterres,
e com a Somague depois da declaração de um conjunto de
capitalistas portugueses sobre a necessidade de manter em mãos
portuguesas os centros de decisão. O capital não tem
pátria, a sua pátria são os lucros.
Desta forma, o acessório substitui o essencial, ocultando-se e passando
para segundo plano, porque razão esta OPA foi possível, quem
são os responsáveis pela criação das
condições que a tornaram possível, quais poderão
ser os verdadeiros objectivos desta OPA, e quais serão as
consequências prováveis para o País e para os trabalhadores
do seu eventual sucesso.
É por todas estas razões que, no meio deste massacre
diário de informação e contra-informação
levada a cabo pelos órgãos de informação, muitos
deles ao serviço dos grupos económicos em confronto pelo controlo
da PT, interessa separar a mentira da verdade, o essencial do acessório,
para compreender o que está verdadeiramente em jogo nesta OPA da Sonae
sobre a PT. E isso é muito importante para os trabalhadores, porque o
que está em jogo não é apenas a luta pelo controlo da
maior empresa portuguesa por parte de grandes grupos económicos.
É isso e muito mais. Este estudo pretende ser um contributo nesse
sentido.
O QUE É UMA OPA E A AQUISIÇÃO POTESTATIVA DAS
ACÇÕES REMANESCENTES?
Uma OPA (Operação Pública de Aquisição)
é uma operação de bolsa pelo qual uma sociedade pretende
adquirir uma participação importante numa outra empresa,
nomeadamente o seu domínio, comprometendo-se a adquirir, por um
determinado preço, todas as acções que os seus detentores
pretendam vender. No caso concreto da OPA da Sonae sobre a PT-Telecom, e se ela
for aceite pela
CMVM
(Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários), pela entidade reguladora a
ANACOM
e se não tiver a oposição da
AdC
(Autoridade da Concorrência), a Sonae compromete-se a adquirir todas as
acções àqueles que possuam acções da PT e
queiram vender, pelo preço de 9,5 euros cada uma, e em
relação às obrigações convertíveis em
acções compromete-se a pagar por cada uma delas 5000 euros.
Os proprietários das acções e obrigações
não são obrigados a vendê-las, no entanto se quiserem
vender, a Sonae seria obrigado a comprá-las pelo preço que
ofereceu. E uma das condições impostas pela Sonae, que consta do
seu anuncio preliminar, é que essa obrigação de compra
só existirá, se existirem detentores de acções
interessados em vender que permitam à Sonae obter 50,01% do capital da
PT. Se esta condição não se verificar, a Sonae não
é obrigada a comprar e, consequentemente, a OPA morre.
Apesar dos detentores das acções e obrigações
não serem obrigados a vender, no entanto existe no anuncio da Sonae uma
ameaça com o objectivo de criar a insegurança e
forçá-los à vender. E essa ameaça consta do ponto
13 do anúncio da Sonae: no caso de obter mais de 90% das
acções, a Sonae "admite recorrer ao mecanismo de
aquisição potestativa previsto no artº 194 do Código
dos Valores Mobiliários"? E o que significa isto? A Sonae pode
obrigar aqueles que não querem vender a vender à força, e
por um preço que pode até ser inferior a 9,5 euros por
acção. E isto porque, de acordo com o manual de "Respostas
às perguntas frequentes dos investidores da Comissão do Mercado
de Valores Mobiliários (CMVM), em relação às
acções remanescentes, ou seja, aquelas que a Sonae não
comprar durante a OPA, "uma vez efectuada a escritura pública e o
registo da aquisição potestativa, a totalidade dessas
acções passam a estar inscritas na conta do adquirente (neste
caso a Sonae), deixando, por conseguinte, de estar inscritas na conta dos
anteriores titulares", sendo "o valor do preço depositado
à ordem de cada titular das acções adquiridas". E o
preço já não é o da OPA. Segundo o artº 188 do
Código dos Valores Mobiliários é o maior preço
registado "nos seis meses anteriores à data de
publicação do anuncio da OPA", ou "o preço
médio ponderado apurado durante o mesmo período"; portanto,
em qualquer caso, um preço inferior a 9,5 euros por acção
da OPA.
UMA PRIVATIZAÇÃO SEM TER EM CONTA OS INTERESSES DO PAÍS E
UMA EMPRESA TOTALMENTE SUBORDINADA AOS GRANDES GRUPOS ECONÓMICOS
Uma privatização que não teve em conta os objectivos
estratégicos do desenvolvimento do País está a determinar
o aparecimento crescente de situações, que atingem níveis
de escândalo, em empresas estratégicas e fundamentais para o
desenvolvimento e independência do País.
Em primeiro lugar, foi o caso da GALP, onde já instalada a ENI
(italiana), com uma posição quase dominante. Seguiu-se depois o
caso da EDP, onde a concorrente IBERDROLA, uma das grandes empresas espanholas
do sector da energia, já se encontra instalada no coração
da EDP, por acção de Pina Moura, ministro das
privatizações do governo de Guterres, que consegue actualmente
incompreensivelmente associar a defesa dos interesses desta multinacional
espanhola à de deputado do PS de Sócrates.
E agora é a PT, a mais antiga (foi criada em 1877) e maior empresa
portuguesa. Ela e' fundamental para o desenvolvimento do País.
A politica de privatizações ignorou totalmente estes interesses
e nao se preocupou com a defesa de uma empresa estratégica.
Recorde-se que 84,48% do capital da PT foi privatizado
em quatro fases entre 1995 a 2000, ou seja, durante os
governos do PSD de Cavaco Silva e do PS de Guterres.
A seguir, mais 11,5% foram privatizados numa 5ª fase, em 2001, já no segundo
governo do PS
de Guterres, com Pina Moura. Assim, como consequência de uma politica de
privatizações desta natureza, foi criada uma situação frágil que tornou
possível o lançamento de uma OPA e, em caso de sucesso, o seu consequente
desmembramento e mesmo destruição. Para se poder compreender de uma forma
mais clara quais as condições essenciais que tornaram possível a OPA da
Sonae sobre a PT, observem-se os dados do quadro I.
QUADRO I Repartição actual do capital da PT-Telecom
Repartição do Capital por países ou região
|
% do Capital
|
Portugal
|
25,8%
|
Europa Continental
|
29,8%
|
Inglaterra e Irlanda
|
8,1%
|
EUA
|
32,4%
|
Outros
|
3,9%
|
TOTAL
|
100,0%
|
Repartição do capital pelos principais accionistas
|
% do Capital
|
1- PORTUGUESES
|
|
Grupo BES
|
8,36%
|
CGD
|
5,14%
|
Cinvest
|
2,58%
|
Patrick Monteiro de Barros
|
2,04%
|
Instituto Financeiro do Estado Português
|
1,88%
|
SUBTOTAL
|
20,00%
|
2- ESTRANGEIROS
|
|
Telefónica
|
9,96%
|
Brandes Investiments Partners
|
8,53%
|
Capital Group Companies
|
5,60%
|
Grupo Fidelity
|
2,09%
|
SUBTOTAL
|
26,18%
|
Fonte: sítio web da
PT-Telecom
A primeira conclusão importante que se tira dos dados do quadro I,
é que a maioria do capital da PT, precisamente 74,2%, já se
encontra em mãos de estrangeiros, e que apenas 5,8% das
acções (25,8% - 20%) é que estarão nas mãos
de pequenos accionistas portugueses .
A segunda conclusão importante, é que o chamado "grupo
Estado", que neste caso concreto inclui a CGD e o Instituto Financeiro do
Estado Português, não tem uma posição importante na
empresa (possui apenas 7,02% do Capital) que permita impedir qualquer medida
visando quer o domínio da empresa por estrangeiros quer o
lançamento de OPA´s, como a da Sonae, que tem como objectivo
desmembrar a empresa para, depois, a destruir, pelo menos com as
características que tem actualmente, que fazem a sua força e
competitividade, como se irá procurar mostrar.
A fragmentação do capital da PT em partes muito pequenas, como os
dados do quadro revelam, facilita operações visando o
domínio da empresa, nomeadamente porque a esmagadora maioria dos
accionistas em situações como estas não estão
preocupados que a empresa assuma um papel estratégico no desenvolvimento
do País, mas sim em ganhar dinheiro, por isso estão dispostos a
vender as acções a quem pague mais.
Finalmente, como consequência da entrega da PT a grandes grupos
económicos privados em que a sua componente de serviço
público foi esquecida, em que os interesses dos consumidores foram
ignorados, em que a qualidade do serviço tem-se degradado, em que
preços têm aumentado, em que a satisfação dos
interesses dos grandes grupos é dominante (actualmente a PT é
dominada a nível de gestão pelo grupo BES), em que a
gestão tem-se caracterizado por decisões com consequências
graves para a PT, fragilizou a PT tornando-a também presa fácil
de uma OPA hostil como a lançada pela Sonae.
A PT JÁ ESTÁ A SOFRER CONSEQUÊNCIAS DA OPA DA SONAE
Embora a OPA da Sonae ainda esteja no domínio das
intenções como iremos mostrar, pois nem a Comissão de
Mercado de Valores Imobiliários, nem a Autoridade da Concorrência,
nem os seus accionistas de pronunciaram, mesmo assim a PT já se encontra
fortemente bloqueada e limitada a nível de gestão.
Efectivamente, de acordo com o artº 182 do Código dos Valores
Mobiliários, a PT "a partir do momento em que tome conhecimento da
decisão de lançamento de aquisição que incida sobre
mais de um terço dos valores mobiliários da respectiva categoria
e até ao apuramento dos resultados ou até à
cessação, em momento anterior, do respectivo processo, o
órgão da administração da sociedade visada (da PT)
não pode praticar actos susceptíveis de alterar de modo
relevante a situação patrimonial da sociedade e que possam
afectar de modo relevante os objectivos anunciados pelo oferente", neste
caso a Sonae.
E o número 11 do anuncio da OPA enumera de uma forma taxativa aquilo que
a Sonae considera que a administração da PT não pode
já realizar um conjunto de actos (ex.: emitir acções e
obrigações, amortizar ou extinguir acções, adquirir
ou onerar acções, adquirir ou vender participações
sociais ou activos de valor superior a 100 milhões de euros, preencher
vagas ou substituir membros dos corpos sociais, praticar quaisquer actos que
não sejam de gestão normal ou que consubstanciam incumprimento do
dever de neutralidade do órgão de administração,
provocar alterações patrimoniais desfavoráveis
relevantes, divulgar factos susceptíveis de influenciar de modo
significativo a avaliação das acções até
hoje não trazidos a público, etc), alguns deles que até
extravasam o que consta da lei.
E esta situação pode durar vários meses como iremos
mostrar. É evidente que esta paralisia a nível da gestão
da PT terá elevados custos para a empresa.
Neste campo interessa ainda referir que de acordo com a alínea c) do
nº2 do artº 181 do Código dos Valores Mobiliários, a
Administração da PT está obrigada, "a partir da
publicação do anuncio preliminar e até ao apuramento do
resultado da oferta, informar os trabalhadores, directamente ou através
dos seus representantes, sobre o conteúdo dos documentos de oferta".
A OPA DA SONAE AINDA NÃO É EFECTIVA, REDUZINDO-SE AO
ANÚNCIO
Para além do anúncio já feito, a OPA da Sonae sobre a PT
para se poder concretizar tem de cumprir uma série de procedimentos que
ainda não foram realizados e que levam ainda vários meses.
Assim, de acordo com o artº 114 do Código de Valores
Mobiliários, a Sonae terá de obter o registo prévio da
oferta pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários
(CMVM), tendo para isso 20 dias a contar da data do anúncio, ou seja,
até
27 de Fevereiro. Depois a CMVM tem 8 dias para decidir (artº 118 do
Código). Seguidamente, para obter o registo definitivo necessita de
obter a declaração de não oposição da
Autoridade da Concorrência (AdC). Esta tem 30 dias para o fazer, podendo
alargar para 90 dias se considerar que a complexidade da operação
assim o exige. A ANACOM terá também de se pronunciar. E as
contagens destes prazos são interrompidas se qualquer destas entidades
pedir dados ou esclarecimentos à Sonae.
Para além disso, no próprio anuncio da OPA, a Sonae coloca uma
série de condições, cuja não
verificação impedirá a sua concretização.
E essas condições prévias, cuja satisfação
exige, são as seguintes: abdicação por parte do Estado, ou
seja, pelo governo da chamada
"golden share"
que tem na PT; a "desblindagem" dos Estatutos da PT; a
obtenção de, pelo menos, 50,1% do capital da PT. Como as duas
primeiras condições serão analisadas seguidamente, vai-se
evitar repetições neste ponto.
O OBJECTIVO DA SONAE PARECE SER O DE DESMEMBRAR E MESMO DESTRUIR A SUA
PRINCIPAL CONCORRENTE NA ÁREA DAS TELECOMUNICAÇÕES
A análise objectiva quer das declarações feitas pela Sonae
aos media quer da situação económica e financeira deste
grupo leva à conclusão de que o objectivo final de Belmiro de
Azevedo é desmembrar e mesmo destruir a PT que é a sua principal
concorrente num mercado estratégico para a Sonae, que são as
telecomunicações.
Assim, como a Sonae já afirmou publicamente (veja, por ex.,
Jornal de Negócios,
de 08/02/2006) se a OPA tiver sucesso, ela pretende vender uma das redes da PT
(de cabo ou de cobre), fundir a TMN com a Optimus, que tem sido um fracasso
para a Sonae, para assim obter o domínio de 63% do mercado de
telemóveis, e vender participações internacionais da PT,
nomeadamente a que tem no Brasil com a Telefónica espanhola (Vivo).
Para se poder compreender as verdadeiras consequências para a PT desta
estratégia, interessa ter presente que muitos das áreas da PT
só se mantém (rede fixa, inovação, etc) devido
às sinergias que se obtém com a existência das
várias áreas de negócio na PT. Efectivamente, a TMN e a
rede de cabo são as áreas mais lucrativas da PT. A sua retirada
da PT determinaria que as outras áreas rede fixa,
inovação, etc deixassem de ter possibilidades de
financeiramente sobreviverem. O desmembramento da PT significaria a sua morte,
e o papel fundamental, como centro de inovação e de
prestação de um serviço público.
Embora nunca o tenha sido plenamente, devido à ausência de
definição, por parte do governo, de orientações
estratégicas para esta empresa como a própria lei o estabelece, e
como o Tribunal de Contas o afirma no seu Relatório nº 31/2004,
2ª Secção (Auditoria Dividendos e Remunerações
de Capitais Sector Empresarial do Estado, págs. 25 e 26), a PT
devia estar para Portugal como a NOKIA está para a Finlândia; ou
seja, para além de ser uma prestadora de um serviço
público essencial, ela devia assumir também o papel de motor de
inovação que arrastasse muitas outras empresas. O pouco que a PT
tem realizado neste campo, tem sido feito pela PT-Inovação.
É tudo isto que a Sonae quer desmembrar ou mesmo destruir.
Para além de pretender eliminar a principal concorrente na área
das telecomunicações, existem razões económicas e
financeiras que "obrigarão" a Sonae a desmembrar a PT e a
vender activos importantes desta empresa. De acordo com o
"Relatório e Contas 30 de Setembro de 2005" da Sonae,
SGPS, SA, que se encontra disponível no seu sítio web, "o
endividamento liquido consolidado do grupo" atingia em 30 de Setembro
3.336 milhões de euros, tendo aumentado 270 milhões de euros
desde 30 de Setembro de 2004 (páginas 20-22). Se juntarmos a este valor
o empréstimo obtido do Santander para financiar a OPA cerca de
12.000 milhões de euros obtém-se mais de 15.000
milhões de euros (3.007 milhões de contos). É uma divida
muito grande para qualquer empresa, que terá de ser paga num prazo curto
(os media informaram que o financiamento do Santander terá de ser pago
em 7 anos). É evidente que isso só será possível
com a venda de importantes activos da PT, ou seja, com o seu desmembramento e
mesmo destruição. É lógica financeira
férrea que também contribuirá para isso, e o
carácter predador de muitas aquisições capitalistas em que
o mais importante é o ganho financeiro.
CONSEQUÊNCIAS PROVÁVEIS DO DESMEMBRAMENTO DA PT PARA OS
TRABALHADORES
De acordo com o "Relatório de Sustentabilidade partilhar
valor 2004", o grupo PT tinha 29.483 trabalhadores, sendo 15.107
em Portugal. Deste último total, 8.311 estavam afectos à rede
fixa. É evidente, que se a empresa fosse desmembrada, e a rede fixa
vendida, uma grande parte destes trabalhadores poderão ser
profundamente afectados, até despedidos. Não se pode esquecer que
a rentabilização e a reestruturação capitalista das
empresas passam normalmente por elevados despedimentos de trabalhadores. E o
capitalista Belmiro de Azevedo não é diferente.
Para além de tudo isto existe ainda o Fundo de Pensões que
não está totalmente provisionado (em 8 de Outubro de 2005, o
Diário de Noticias
divulgou que segundo Zeinal Bava, administrador financeiro da empresa de
telecomunicações "o Fundo de Pensões da Portugal
Telecom tem um buraco que ronda os 2.400 milhões de euros", ou
seja, 480 milhões de contos) e o Plano de saúde. É
evidente que o desmembramento da empresa criaria eventualmente riscos elevados
quer em relação ao pagamento da elevada divida da PT quer
à continuidade do Plano de Saúde, quer ainda ao emprego da
maioria dos trabalhadores em Portugal está afecto à rede fixa,
è rede de telemóveis, áreas de negócio que a Sonae
já declarou aos media que eventualmente poderia ser vendida ou fundida.
O ESTADO E OS ACCIONISTAS PODEM IMPEDIR A OPA DA SONAE SOBRE A PT SE O QUISEREM
De acordo com o nº1 do artº 9 dos Estatutos da PT, "os
accionistas que exerçam, directa ou indirectamente, actividade
concorrente com a actividade desenvolvida pelas sociedades em
relação de com a Portugal Telecom, SGPS, SA, não podem ser
titulares, sem prévia autorização da Assembleia Geral, de
acções ordinárias representativas de mais de 10% do
capital social da sociedade".
Como a Sonae é concorrente da PT, por ex., na área dos
telemóveis (Optimus e TMN), se a Assembleia dos Accionista da PT
não autorizar, a Sonae não poderá adquirir mais de 10% das
acções da PT, e então a OPA morre logo à
nascença. É por esta razão, que a Sonae no ponto 10 do
anuncio da OPA coloca como condição prévia para a sua
realização, a obtenção da autorização
da Assembleia Geral (alínea b) e a alteração do Estatuto
da PT "de modo que não subsista qualquer limite à contagem
de votos quando emitido por um só accionista, em nome próprio ou
como representante de outro" (alínea c do mesmo ponto); portanto,
se estas condições impostas pela Sonae, constante do anuncio da
OPA, não forem aceites pelos actuais accionistas, ou seja, se os
Estatutos da PT não forem "desblindados", a OPA não
avança.
Por outro lado, o nº2 do artº 14 dos Estatutos da PT estabelece o
seguinte: as deliberações da Assembleia Geral da PT "sobre a
eleição da Mesa da Assembleia Geral, e dos membros do Conselho
Fiscal; sobre "a aplicação dos resultados do
exercício", sobre "a criação e
manutenção de agencias ou delegações"; sobre
a "
autorização para que accionistas que exerçam actividade
concorrentes possam ser titulares de mais de 10% do capital social da sociedade
"; sobre " os objectivos gerais e princípios fundamentais das
politicas da sociedade"; sobre a "definição de
"princípios da politica de participações" e
sobre "as respectivas aquisições e
alienações"; repetindo, as deliberações que
envolvam todas estas matérias "não serão aprovadas,
em primeira convocação ou em convocações
subsequentes, contra a maioria dos votos correspondentes às
acções da categoria A".
E as acções da categoria A, que são conhecidas pela
"golden share",
são detidas pelo Estado. Portanto, se o governo decidir não dar
o seu acordo a que um sócio exercendo actividades concorrentes com a PT,
como é a Sonae, possa ser titular de mais de 10% das
acções da PT, a OPA morre logo à nascença. Mas
terá o governo PS de Sócrates a coragem para defender uma empresa
estratégica para o desenvolvimento do País e os interesses de
Portugal ? É o que se vai ver no futuro.
[*]
Economista,
edr@mail.telepac.pt
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|