Não se está a dizer a verdade quando se afirma que as propostas
do governo não reduzem significativamente o valor das pensões
No dia 18 Julho, num seminário organizado pela Comissão de
Trabalho e Segurança Social da Assembleia da República em que
participamos a convite do seu presidente, afirmamos que o efeito conjugado da
aplicação de duas propostas do governo factor de
sustentabilidade e nova formula de cálculo da pensão
determinaria uma redução no valor das pensões dos
trabalhadores que se reformarem no futuro que atingiria, em 2030, - 21% e, em
2050, - 34%.
No dia seguinte, o secretário de Estado da Segurança, em
intervenção feita aos órgãos de
comunicação social, procurou confundir afirmando que mesmo com as
medidas do governo as pensões aumentariam embora menos. E utilizou
até um exemplo. Segundo ele, o valor médio das pensões em
Portugal passaria, entre 2006 e 2030, de 418 euros para 516 euros, ou seja, em
24 anos a pensão media dos novos reformados aumentaria 23,4%, isto
é, menos de 1% por ano, o que não deixa já de ser
esclarecedor.
A APLICAÇÃO DO FACTOR DE SUSTENTABILIDADE E DA NOVA FORMULA DE
CÁLCULO DA PENSÃO DETERMINARIA UMA REDUÇÃO MUITO
GRANDE DAS PENSÕES
O quadro I prova que as propostas do governo, se forem aplicadas, determinariam
uma redução muito significativa das novas pensões. Mas
para se poder compreender os dados desse quadro, interessa saber como se
obtêm os valor do "factor de sustentabilidade" e como se
calculou o efeito da aplicação da nova formula do cálculo
da pensão assim o que é a "Taxa de
substituição".
De acordo com o governo, o valor do "factor de sustentabilidade",
obtém-se dividindo o valor da esperança de vida aos 65 anos em
2006, (nº de anos que um português com 65 anos em 2006 se
prevê que viva para além de 2006), pelo valor da esperança
de vida aos 65 anos na data em que o trabalhador se reformará .
Um exemplo, para tornar tudo isto mais claro. Em 2006, a esperança de
vida aos 65 anos deverá rondar os 18 anos e, segundo o governo, ela
deverá aumentar 1 em cada 10 anos. Portanto, em 2016, a esperança
de vida aos 65 anos deverá ser 19 anos, logo dividindo a
esperança de vida aos 65 anos em 2006 (18 anos) pela esperança de
vida em 2016 (19 anos) , obtém-se o valor do chamado factor de
sustentabilidade que é 94,7% (18:19=0,947); em 2026, obtém-se 90%
(18:20=0,9); em 2036, obtém-se 85,7% (18:21=0,857) e, em 2046, apenas
81,8%. Portanto, é este valor que se depois tem de se multiplicar a
pensão que o trabalhador teria direito se não existisse factor de
sustentabilidade. Suponha-se agora que o trabalhador tinha direito a receber
uma pensão de 500 euros se não existisse o factor de
sustentabilidade. No entanto, sendo aplicado o factor de sustentabilidade o
trabalhador, no lugar de receber a pensão de 500 euros, receberá,
em 2016, 473,5 euros (500 x 0,947); em 2026, apenas 450 euros e, em 2046,
somente 406 euros. E o Secretário de Estado da Segurança Social
ainda vem dizer que não se verificaria redução nas
pensões.
Mas a redução do valor da pensão não resultaria
apenas do chamado "factor de sustentabilidade". Ela é
também uma consequência da aplicação da formula de
cálculo da pensão que o governo pretende introduzir logo
após 2007. De acordo com um relatório que o governo anexou ao
Orçamento do Estado para 2006, a aplicação dessa nova
formula determinaria redução no valor das novas pensões
que atingiria -8% em 2020 e, em 2030, cerca de -12%. E foi a partir desse
valores do governo que se obtiveram os valores para os restantes anos
constantes do quadro I.
E são com esses valores que se construiu o quadro I onde, para o
período que vai desde 2008 a 2050, se encontram os valores do
"factor de sustentabilidade", a redução da
pensão devido à introdução da nova formula de
cálculo da pensão que o governo pretende aplicar a partir de
Janeiro de 2007, e a redução total da pensão determinada
pelo efeito conjugado da aplicação do "factor de
sustentabilidade " e da nova formula de cálculo da pensão. E
os resultados não deixam de ser chocantes.
Efectivamente, comos mostram os dados do quadro, em 2010 a
redução na pensão do trabalhador seria de -3%; em 2020, em
-13%; em 2030; de -21%; em 2040, de -28%; e, em 2050, de -34%. O leitor
certamente encontrará no quadro o ano em que se reformará ou um
ano próximo, podendo assim ficar com uma ideia da redução
que sofrerá sua pensão se as propostas do governo forem
aprovadas e aplicadas.
O quadro anterior ainda inclui mais uma coluna a última à
direita com o titulo "Taxa de substituição", que
é também é esclarecedora da redução que
sofrem as pensões com a aplicação das propostas do
governo. Mas para se poder compreender todo o seu significado é
necessário ter presente o seguinte. A taxa de substituição
é a percentagem que o valor da pensão representa em
relação ao salário de referência, que é o
salário com base no qual se calcula a pensão.
Actualmente, a taxa de substituição pode atingir 84%. Isto
significa que se um trabalhador descontar durante 40 anos, ele poderá
ter uma pensão que pode atingir 84% da salário de
referência, já que cada ano de desconto para a segurança
social corresponde a 2,1% do valor da pensão, logo 40 anos vezes 2,1%,
obtém-se 84%.
Admita-se, por ex., que o salário de referência do trabalhador
é de 1000 euros. Se a taxa de substituição é de
84%, isto significa que ele tem direito a uma pensão de 840 euros; mas
se a taxa de substituição for de 55%, isto significa que , embora
tendo uma salário de referência de 1000 euros, o trabalhador
só tem direito a uma pensão de 550 euros.
E os dados da última coluna à direito do quadro I revelam que o
efeito conjugado das duas medidas do governo determinaria que a taxa de
substituição actual que ronda os 84%, desceria em 2020 para 73%,
em 2040 para 60% e, em 2050, para apenas 55%. E o Secretário de Estado
da Segurança Social ainda vem dizer que não se verificaria
redução no valor das pensões com a aplicação
das propostas do governo.
O PRÓPRIO GOVERNO CONFIRMA REDUÇÃO MUITO SIGNFICATIVA DO
VALOR DAS PENSÕES
Na página 52 do documento com o nome "Medidas de Reforma da
Segurança Social", que o governo entregou aos parceiros sociais, o
próprio governo confirma a redução significativa da taxa
de substituição como consequência da
aplicação das suas propostas, ou seja, uma redução
muito grande das pensões, que agora procura negar. O gráfico
seguinte que se encontra disponível nesse documento do governo mostra a
evolução da taxa de substituição entre 2007 e 2050.
Como mostra o gráfico elaborado pelo próprio governo, em 2030, a
taxa de substituição seria de 64%, em 2040 de apenas de cerca de
60% e, em 2050, somente 55%. Isto significa que se o salário de
referência do trabalhador fosse de 1000 euros, a pensão seria, em
2050, apenas de 550 euros. Actualmente, a taxa de substituição
pode atingir 84%. E o governo ainda vem dizer que não se verificaria
baixa nas pensões.
OS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E MESMO DOS
TRABALHADORES DO SECTOR PRIVADO QUE JÁ ESTÃO NA REFORMA SERIAM
PREJUDICADOS PELAS MEDIDADES DO GOVERNO
Todos os trabalhadores que entraram para a Administração
Pública depois de 1 de Setembro de 1993, e já são mais de
300.000, seriam também atingidos pela redução da
pensão. E isto porque, mesmo estando inscritos na CGA, a formula de
cálculo da pensão é a mesma do Regime Geral dos
trabalhadores por conta de outrem do sector privado.
Igualmente os trabalhadores que já estão reformados seriam
atingidos por outra medida do governo. E essa medida refere-se à forma
como as pensões seriam actualizadas no futuro. De acordo com a proposta
do governo, enquanto o crescimento económico não ultrapassasse os
2%, as pensões dos reformados seriam aumentados anualmente da seguinte
forma: (1) Os reformados com pensões inferiores a 1,5 Salário
Mínimo Nacional o aumento anual da pensão seria apenas igual ao
aumento de preços do ano anterior, portanto o poder de compra não
aumentaria; (2) Os reformados com pensões superiores a 1,5
Salário Mínimo Nacional o aumento da pensão seria igual ao
aumento de preços do ano anterior menos 0,5 pontos percentuais, o que
determinaria que se verificaria uma diminuição do poder de compra
da pensão. E recorde-se que o governo nas suas previsões
considera até 2050 uma taxa de crescimento económico de apenas
2%, o que significaria que até 2050 as pensões, em pode de
compra, não aumentariam e, em muitos casos, até diminuiriam. E o
governo, através do secretário de Estado, ainda vem dizer que as
pensões não baixariam se as medidas do governo fossem aplicadas.
19/Julho/2006
[*]
Economista,
edr@mail.telepac.pt
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|