Sócrates falta à verdade quando afirma que não foram
apresentadas alternativas às suas propostas para a Segurança
social
Com uma arrogância e autismo crescente, o 1º ministro
Sócrates afirmou que as oposições não tinham
alternativas às suas ""propostas para uma reforma estrutural
da Segurança Social". Tal afirmação não
corresponde à verdade. Para concluir isso, basta recordar o Projecto de
Lei nº 156/X, publicado na Separata 30/X do Diário da Assembleia da
República, com o titulo "Diversificação das Fontes
A nova forma de contribuição para a Segurança
Social, com base no Valor Acrescentado Bruto" apresentado pelo PCP em
Outubro de 2005 na Assembleia da República que o grupo parlamentar do PS
rejeitou, sem permitir qualquer discussão, por indicação
do governo.
As propostas apresentadas pelo 1º ministro, pelo menos as mais graves,
não são originais. O governo limitou-se a copiá-las,
apressadamente e sem estudar as suas consequências, do Relatório
Económico sobre Portugal da OCDE de 2006. Na pág. 55 deste
relatório, no capitulo com o titulo "Fazendo face à
pressão do envelhecimento da população", pode-se ler
o seguinte: "Mudanças mais radicais devem ser encaradas, tais como:
(1) A diminuição da taxa de substituição (o que
significa redução das pensões de reforma); (2) E/ou
aumento da idade de reforma decorrente da subida da esperança de vida;
(3) Para além disso, afirma a OCDE, algumas distorções
devem ser corrigidas como a de um trabalhador ter direito a um valor
mínimo de pensão, pois isso desincentiva o trabalhador a
trabalhar mais de 30 anos. Portanto, como muitas vezes tem acontecido
infelizmente para Portugal, a ânsia de "ser aluno", de cumprir
as recomendações de organismos estrangeiros, pouco conhecedores
das realidades concretas nacionais, levou o actual governo a apresentar as suas
"propostas para uma reforma estrutural da Segurança Social"
que não exige nenhum esforço financeiros às empresas nem
toca nos lucros escandalosos dos grandes grupos económicos.
A PROPOSTA DO GOVERNO NÃO GARANTE A SUSTENTABILIDADE
A LONGO PRAZO DA SEGURANÇA SOCIAL COM PENSÕES DIGNAS
As propostas apresentadas por Sócrates, para além de revelarem
uma profunda insensibilidade social, pois poupa os patrões de qualquer
esforço financeiro sobrecarregando mais uma vez, sempre, e só os
trabalhadores, não responde tecnicamente a um problema grave que
enfrenta actualmente a Segurança Social. E esse problema é uma
consequência da redução percentual da base de
cálculo das contribuições das empresas para a
Segurança Social, que resulta das contribuições
continuarem a ser calculadas com base apenas nas remunerações tal
como sucedia há cerca de 50 anos quando o sistema foi criado. E dessa
data até ao presente o mundo e as empresas mudaram profundamente, facto
esse que não é entendido pelo actual governo. Para que se possa
compreender rapidamente o problema que a Segurança Social enfrenta a
médio a e longo, observe-se o quadro I construído com dados
publicados pelo Banco de Portugal.
Cada trabalhador produz um determinado valor anual de riqueza o chamado
PIB por empregado em que uma parte reverte para ele sob a forma da
remuneração que recebe e a outra parcela fica directamente para a
empresa. Como as contribuições das empresas são calculadas
apenas com base nas remunerações, tudo aquilo que não
são remunerações, apesar de reverter para a empresa,
não entra para a base de cálculo das contribuições
das empresas para a Segurança Social. E como mostram os dados do quadro
I, a parcela da riqueza que está excluída do pagamento de
contribuições para a Segurança Social correspondia, em
1953, a 51 euros por trabalhador mas, em 2004, já correspondia a 15.815
euros, ou seja, 310 vezes mais do que em 1953. As dificuldades que a
Segurança Social poderá enfrentar a médio e longo prazo
resulta fundamentalmente disso, ou seja, de uma parcela importante e crescente
da riqueza criada em cada empresa por cada trabalhador não está
sujeita à chamada Taxa Social Única, ou seja, não
contribui para a Segurança Social. E nenhuma das propostas apresentadas
por Sócrates aborda e resolve esta questão. E a razão
é clara: é que este governo não quer mexer nos lucros
escandalosos obtidos pelas grandes empresas e grupos económicos.
UMA GRANDE DESIGUALDADE ENTRE AS EMPRESAS DETERMINADA PELO SISTEMA DE
CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES QUE O GOVERNO PRETENDE MANTER
Para além do problema referido, que põe em causa a médio e
a longo prazo a sustentabilidade da Segurança Social, o actual sistema
de cálculo das contribuições das empresas com base apenas
nas remunerações cria também grandes desigualdades entre
as empresas, quando se mede o valor dessas contribuições
utilizando a percentagem que representam da riqueza criada por cada uma delas,
como mostram os dados o Banco de Portugal constantes do quadro II que se
apresenta seguidamente".
Com excepção dos valores da Banca que são também do
Banco de Portugal, os valores anteriores foram obtidos na "Central de
Balanços" do Banco de Portugal, e são valores de empresas
médias, ou seja, valores médios do agregado de cada subsector, a
maioria deles repartidos ainda em dois grupos: (1) Grupo constituído por
Pequenas e Média Empresas (PME); (2) Grupo constituído pelas
"Outras Empresas" , que são as maiores empresas do subsector
analisado.
E na "Central de Balanços do Banco de Portugal obteve directamente,
em relação ao ano de 2004, os dados do VAB, ou seja, da riqueza
criada; os "Custos de Pessoal"; o número de trabalhadores; e o
valor do "Activo Liquido". E tudo isto relativamente à empresa
média do subsector e, dentro de cada um destes, a empresa média
de cada grupo.
É certo que os "Custos de Pessoal" inclui mais despesas que
não são remunerações, como são os
subsídios de alimentação, várias despesas dos
administradores, que não entram actualmente no cálculo das
contribuições das empresas para a Segurança Social. No
entanto, os valores dos "Custos de Pessoal", que são os
únicos valores disponíveis desta natureza, cujo critério
utilizado para os determinar é semelhante em todas as empresas,
permite conhecer, com reduzida margem de erro, a desigualdade de tratamento que
o actual sistema de cálculo das contribuições com base
apenas nas remunerações cria entre empresas, pois possibilita
determinar o valor das "Contribuições das empresas para a
Segurança Social". E depois, com base no valor assim obtido,
calcular a percentagem que estas "contribuições"
representam do VAB de cada empresa, ou seja, da riqueza criada pela empresa.
E são os dados assim obtidos que constam do quadro II. E como se conclui
rapidamente, a percentagem que as contribuições assim calculadas
representam do VAB varia muito de subsector para subsector, e dentro de cada
subsector entre as PME e o grupo de "Outras empresas", grupo este que
é constituído pelas maiores empresas do subsector.
Assim, a percentagem que as contribuições das empresas para a
Segurança Social representa do VAB, ou seja, da riqueza criada varia
entre 17,5% no subsector das "Pescas" e 4,4% nas maiores empresas do
sector das "Telecomunicações". Isto significa que estas
últimas empresas entreguem à Segurança Social para o
pagamento das suas contribuições apenas 4,4% da riqueza que
criam, enquanto as empresas da "Pesca" são obrigadas a
entregar 17,5% da riqueza que criam, ou seja, quase quatro vezes mais.
Se a análise for feita dentro do mesmo subsector observa-se, na maior
parte dos casos, uma grande desigualdade entre o grupo das PME e o grupo de
"Outras empresas" que é constituído pelas maiores
empresas do subsector. Por ex., no subsector das
"Telecomunicações" as PME entregam, em média,
14,6% do seu VAB à Segurança Social para pagar as suas
contribuições (23,75% do valor das remunerações),
enquanto as grandes empresas entregam apenas à Segurança Social
4,4% do seu VAB para pagar as suas contribuições à
Segurança Social, ou seja, 3,6 vezes menos. A Banca, se estivesse a
pagar contribuições à Segurança Social por todos os
seus trabalhadores, o que não acontece, entregaria apenas 7,2% do seu
VAB. Para além disso, os dados constantes do quadro II, relativos ao
valor do "Activo Liquido por trabalhador" mostra que existe uma
correlação negativa entre este valor e a percentagem do VAB que
é entregue à Segurança Social, ou seja, quanto maior
é o valor do activo liquido por trabalhador menor é a
percentagem entregue à Segurança Social, o que indicia que
são fundamentalmente as empresas de capital intensivo e, nomeadamente,
as empresas dos grandes grupos económicos os mais beneficiados com o
actual sistema de cálculo das contribuições das empresas
com base apenas nas remunerações.
É também esta profunda desigualdade que o governo pretende manter
com as suas "cinco propostas", as quais visam apenas agravar ainda
mais as condições de vida dos trabalhadores e dos reformados,
propostas essas que não garantem a sustentabilidade a médio e a
longo prazo da Segurança Social, porque não responde tecnicamente
ao problema mais grave que enfrenta actualmente a Segurança Social, que
é o estreitamente, em percentagem do VAB, da sua base contributiva.
OS EFEITOS PREVISIVEIS DAS PROPOSTAS DO GOVERNO
A principal proposta apresentada por Sócrates o chamado factor de
sustentabilidade traduz-se, como confessou o 1º ministro, na
diminuição da pensão em pelo menos 5% em cada 10 anos, a
que se deve juntar uma outra redução da pensão resultante
de uma outra das cinco propostas que seria, em média, superior a 2,5%
para 80 em cada 100 trabalhadores devido à passagem da pensão
calculada com base nas melhores remunerações de dez dos
últimos 15 anos para o sistema de cálculo tendo como base toda a
carreira contributiva.
Assim, o trabalhador que se reforme daqui a 10 anos teria uma
redução na sua pensão de, pelo menos, 7,5%; daqui a 20
anos 12,5%; daqui a 30 anos pelo menos 17,5%; e os que entrarem agora para o
mercado de trabalho teriam, quando se reformarem, uma redução
superior a 22,5% na pensão. Em alternativa, ou teriam de trabalhar mais
tempo (os que reformassem daqui a 10 anos, mais cinco meses, daqui 20 anos mais
10 meses; daqui a 30 anos mais 15 meses; daqui a 40 anos mais 20 meses, etc,),
ou então aumentar mais o desconto feito apenas nos seus salários.
E tenha-se presente que isto são as contas iniciais feitas por este
governo, cujos estudos referidos por Sócrates na sua
intervenção ninguém ainda conhece apesar de se ter
comprometido publicamente a entregá-los à Assembleia da
República. E isto porque introduzido o principio que a sustentabilidade
da segurança social deverá ser garantida exclusivamente à
custa dos trabalhadores, então é de prever que daqui a poucos
anos este governo, ou outro, utilizando a mesma justificação
o cenário macro económico alterou-se venha dizer
que a redução da pensão necessária para garantir a
sustentabilidade já não é 5% por cada 10 anos mas sim 10%
ou 15% por cada período de 10 anos ou que, em alternativa, não se
tenha de trabalhar mais 5 meses por cada período de 10 anos mas sim um
ano, ou mesmo um ano meio por cada período de 10 anos, ou então
que os trabalhadores descontem para a Segurança Social muito mais do que
estavam a descontar. Portanto aceite e introduzido o principio, a porta fica
aberta para todas as manipulações baseadas em pretensos estudos
de comissões técnicas.
E neste campo as previsões oficiais são continuamente desmentidas
pela realidade (recorde-se as previsões do governo, do Banco de Portugal
e da União Europeia sobre o crescimento do PIB, que mudam quase todos os
meses). Para além disso, a experiência já mostrou que o
governo não cumpre o que promete. Recorde-se a história do
aumento dos impostos IVA e Imposto sobre os Combustíveis- que
Sócrates afirmou que não seriam aumentados, e que a 1ª
medida que tomou foi aumentá-los, com a "habilidade" de ter
aumentado o ISP de forma que a sua concretização se faça
através de sucessivas subidas em vários anos para assim poder
dizer que só tomou uma vez a decisão de aumentar. Interessa ainda
recordar o compromisso público tomado pelo 1º ministro de que as
alterações no Estatuto de Aposentação dos
trabalhadores da Administração Pública não iriam
determinar carreiras longas, mas depois apresentou uma proposta de lei, que foi
aprovada pelo grupo parlamentar do PS sem qualquer debate, a qual determina
para mais de 90% dos 440.000 trabalhadores abrangidos por ela, para poderem
receber a pensão completa, terão de trabalhar para além
dos 65 anos ou ter mais de 40 anos de serviço. Interessa igualmente
recordar as repetidas declarações de Vieira da Silva, quer na
campanha eleitoral quer já como ministro do Trabalho e da Solidariedade
Social, de que a idade de reforma não seria aumentada, e agora o governo
de que faz parte apresentou um conjunto de propostas em que uma alternativa
é precisamente o aumento da idade de reforma .
Em relação à sustentabilidade da Segurança Social a
médio e longo prazo, a questão que se coloca é a seguinte:
ou alarga-se a base contributiva das empresas através de uma taxa ou de
um imposto sobre a riqueza criada por elas que está isenta do pagamento
de contribuições para a Segurança Social, pelo menos das
grandes empresas de capital e conhecimento intensivo, ou então reduz-se
as pensões, aumenta-se a idade de reforma e sobe-se os descontos dos
trabalhadores sacrificando mais uma vez estes e os reformados? O governo,
através das propostas que apresentou, mostrou que a sua
opção de classe é proteger, nomeadamente as grandes
empresas, em particular os grandes grupos económicos, pois a sua
proposta não determina qualquer esforço financeiro (é
nulo) para eles. A "sustentabilidade" de que fala o governo é
feita exclusivamente à custa dos trabalhadores e dos reformados.
14/Maio/2006
[*]
Economista,
edr@mail.telepac.pt
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