É CLARO QUE SOUBE
É claro que viveste e eu soube É claro que morreste e eu soube
Mas tanto me custou desPedir-me Mas tanto me impediu de te rever É claro
que nem telefonei à Aida Pensei em redimir-me com uma carta sem
pêsames Logo que a resPIRAção autorizasse os meus dedos a
escreVer o teu nome É claro que continuas meu companheiro O da vida
esperada O da morte inesperada Não te vou recorDar os tempos em que os
sonhos eram ilegais e que tu e outros legalizaram Cumprindo o deVer das armas
que raramente se usam para sonhar É claro que viveste e eu soube
É claro que morreste e eu soube Estou em Agosto e quero dizer
àqueles que te apeLidaram de louco Que realmente bem vistas as coisas
Só um louco é justo Só um louco é herói
Só um louco é poeta E tu Companheiro Cometeste a louCura de aMar
o teu Povo Num tempo em que outros Às claras e em segredo Se punham ao
serViço do eu e do medo
Recordamos a tua gravata aos ventos da Ibéria Os teus gestos de um Novo
Estio na hora de aproFunDar o sonho ou vogar à superfície Depois
de Setembro Depois de Março Depois do Passado É claro que viveste
e eu soube É claro que morreste e eu soube É claro que exististe
antes de nascer e que existirás depois de morrer Porque não
és somente um nome a fixar na História mas um nome para
transforMar a História Soubeste ser Português e ser Universal
Soubeste ser General e ser Soldado Soubeste ser Engenheiro e ser
Operário Assim Foste o Governante a quem chamámos Chamaremos
Companheiro Porque tu foste propriedade e não proprietário de
multidões Porque o teu sonho não foi anDar aos ombros das
multidões Mas anDar com as multidões aos ombros Além disso
Companheiro Foste um General com Biblioteca Por isso Poetas Escritores Pintores
Cantores te dedicaram as elegias inaugurais
É claro que viveste e eu soube É claro que morreste e eu soube
Porque eu já sabia que eras o Vasco da Índia Que fora ignOrada em
todas as partidas Eu sabia que declaraste ALMADA o Novo Promontório O
das especiarias de cravos O das caraVelas sem escravos Foi então que os
senhores de muitos séculos se ALVOroçaram com o Adamastor O
Gonçalvismo Sim Senhor E claMARam por socorro aos restantes Senhores do
Mundo Foi então que perceberam que se aproximava No meio de Camponeses e
SolDados Artistas Professores Funcionários Operários e
Marinheiros Cristãos e Ateus com fé no Homem A tempestade temida
pelos Geógrafos desde o desenho dos primeiros mapas Temiam eles Ainda
temem que o sol não inunde apenas as praias
E que à beira-mar irrompa um arco-íris
ProclAmando
Existe
Um Mês chAmado Abril
Existe
Um Homem chAmado Vasco
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ENTRE AS FLORES DE JUNHO
As tuas cinzas jazem num canteiro No último combate com a fatalIdade No
derradeiro encontro das Quatro Estações Assim te semeaste nos
Jardins da Terra Assim respondeste às bandeiras nos túmulos numa
tarde de sol para todos nós Entre as flores de Junho
Álvaro
Saiu uma nuvem de adeus No crematório Entre as jacarandás
Vestidas de roxo
Álvaro
Tu sabias que eras pó criaDor Tu sabias que eras breve mas jamais ausEnte
Álvaro
Não vale a pena dizer que não morreste Vale a pena dizer o que
deve ser dito Que nos ensinaste a viVer e a morrer
Álvaro
Não repetirei os passos da tua vida Não recontarei os passos da
tua morte Somente lembrarei que a História da Humanidade e a
História de Portugal estiveram no teu cortejo e bem se vê que
continuarão a precisar do teu nome Para escreVer o nome do Homem
Álvaro
Lámpara Marina em cada anoitecer Na melancolia recliNada nas janelas de
Lisboa
Álvaro
Dir-te-ei Continuas presEnte no mundo Embora te tenhas ausentado em Junho
Álvaro
Nunca será em vão chOrar por ti Mas cantaremos todos os dias
Até que amanhã seja já hoje
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