Não há instalações militares na cidade de
Tskhinvali. De facto, não há ali quaisquer objectivos militares.
É um centro industrial com serrarias, fábricas de manufacturas e
áreas residenciais. É também o lar de 30 mil ossetianos
do Sul. Quando o presidente georgiano Mikheil Saakashvili ordenou que a cidade
fosse bombardeada por aviões de guerra e artilharia pesada na
última quinta-feira, ele sabia que estaria a matar centenas de civis nas
suas casas e arredores. Mas ele ordenou o bombardeamento ainda assim.
Não houve "Batalha de Tskhinvali", isso é outra
ficção. Uma batalha implica que há uma força
opositora que resiste ou retalia. Não foi o caso ali. O
exército georgiano entrou na cidade sem oposição. Afinal
de contas, como podem civis desarmados travar unidades armadas? A maior parte
das pessoas da cidade já fugiu para a Rússia através da
fronteira ou escondeu-se nas suas caves enquanto os tanques e veículos
blindados disparavam sobre qualquer coisa que se movesse.
O que se verificou na Ossétia do Sul em 7 de Agosto não foi uma
invasão ou um sítio, foi um massacre. O povo não tinha
maneira de se defender contra um exército moderno plenamente equipado.
Foi um crime de guerra.
Em menos de 24 horas, o exército russo foi deslocado para a zona de
guerra e expulsou o exército georgiano sem um combate. Michael Binyon
colocou isto assim no
London Guardian:
"O ataque foi rápido, penetrante e mortal o suficiente
para por os georgianos em fuga num pânico humilhante".
Na verdade, os georgianos fugiram com uma tal pressa que muitas das suas armas
foram deixadas para trás. Foi uma derrota completa, mais um olho negro
para os conselheiros dos EUA e Israel que treinaram a corja de criminosos a que
chamam de exército georgiano. Em breve vendedores nas ruas de
Tskhinvali estarão a apregoar armas que foram abandonadas com um sinal
de zombaria: "M-16 do exército georgiano, nunca utilizado,
abandonado".
No momento em que o exército era expulso, a área central estava
engolfada em chamas e os corpos daqueles que foram mortos por franco atiradores
juncavam as ruas e os passeios. Muitas das pessoas que ficaram para
trás eram simplesmente demasiado velhos ou doentes. Ao invés
disso, eles amontoaram-se nas suas caves à espera de que o
bombardeamento cessasse. Foi um banho de sangue. O único hospital da
cidade foi alvejado deliberadamente e destruído; mais um crime de
guerra. No fim do dia, mais de 2000 pessoas estavam mortas numa
operação que foi claramente concebida com a assistência do
Bush da Casa Branca. Bush considera Saakashvili como o seu principal cliente
na região; eles são amigos. Ele é o instrumento da
América para tarefas sujas no Cáucaso. A missão de
Saakashvili era fazer com que Putin super reagisse militarmente e demonstrasse
aos aliados europeus que a Rússia ainda representa uma ameaça
à sua segurança nacional. Felizmente, muitos europeus vêem
a artimanha e sabem que o conflito teve origem em Washington.
Na sua maior parte, os americanos ainda estão no escuro quanto ao que
realmente aconteceu na semana passada. Há um grande vídeo posto
a circular na Internet por um cidadão russo que vive nos EUA desde
há 10 anos. Ele resume o papel dos media estado-unidenses com grande
precisão. Diz ele: "Os media ocidentais especialmente a
CNN está a alimentá-lo com excremento de cavalo. A
Rússia não invadiu a Geórgia primeiro". O youtube
pode ser visto aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=0c26Q-qxDEA
A cobertura dos media ocidentais tem sido péssima. Quase todo artigo e
notícia de TV começa com acusações de
agressão russa, escondendo o facto de que o exército georgiano
bombardeou e invadiu a capital da Ossétia do Sul um dia antes de o
primeiro tanque russo ter cruzado a fronteira. No momento em que os russos
chegaram, a cidade já era um matadouro e milhares de pessoas estavam
mortas.
Estes factos não estão em discussão por aqueles que
acompanharam os desenvolvimentos quando eles se verificaram. Agora os media
estão a rever os factos para instilar percepções no
público, assim como eles ficcionaram as armas de
destruição maciça no Iraque. Muitas pessoas pensam que a
imprensa aprendeu a sua lição depois de se ter revelado que
utilizou informação falsa a fim de preparar o caminho para a
guerra no Iraque. Mas isso não é verdade. Os media corporativos
especialmente a Fox New, CNN e PBS (o presunçoso canal que se
finge liberal) continua a operar como o braço de propaganda do
Pentágono. É vergonhoso.
Num referendo em 2006, 99% dos ossetianos do Sul disseram apoiar a
independência em relação à Geórgia. Votaram
95% dos eleitores e a votação foi monitorada por 34 observadores
internacionais do ocidente. Nenhum contestou os resultados. A
província tem estado sob a protecção de forças de
manutenção da paz russas e georgianas desde 1992 e tem sido um
estado independente de facto desde então. Se Putin aplicasse o mesmo
padrão de Bush no Kosovo, ele declararia unilateralmente a
Ossétia do Sul como independente da Geórgia e então
rir-se-ia para as Nações Unidas (Se é bom para os
kosovares é bom para os ossetianos). Mas Putin e o recém-eleito
presidente russo Dmitry Medvedev tomaram uma atitude conciliatória em
relação à comunidade internacional e tentaram resolver a
questão através de canais diplomáticos.
Ainda assim, a operação da Rússia na Ossétia do Sul
acendeu uma tempestade de fogo no establishment político dos EUA e tanto
democratas como republicanos estão a exigir que a Rússia
"receba uma lição". Condoleeza Rice voou para
Tíflis na sexta-feira e ordenou às tropas de combate russas que
se retirassem da Geórgia imediatamente. Saakashvili culminou os
comentários de Rice dizendo que as tropas russas eram "assassinos a
sangue frio" e "bárbaras". Chega de
reconciliação.
A retórica hiperbólica de Saakashvili foi seguida por um
anúncio surpresa da Polónia de que havia aprovado planos de Bush
para instalar o Escudo de Defesa de Mísseis
(Missile Defense Shield)
na Europa do Leste. O sistema é suposto defender a Europa da
possibilidade de ataques dos chamados "estados vilões" como o
Irão, mas o Kremlin sabe que isto é destinado a neutralizar seu
arsenal nuclear.
O novos "escudo" será integrado num sistema de armas nuclear
mais vasto dos EUA, colocando a maior parte das armas letais do mundo a apenas
umas poucas centenas de milhas da capital da Rússia. É uma
ameaça clara à segurança nacional da Rússia e nada
diferente de armas nucleares em Cuba.
O presidente Medvedev fez esta declaração depois de ouvir a
decisão da Polónia: "Tal decisão demonstra
claramente tudo o que dissemos recentemente. A instalação de
novas forças anti-mísseis na Europa é destinada à
Federação Russa".
Foi o presidente Ronald Reagan, o bem amado dos neoconservadores, que decidiu
remover armas nucleares de alcance curto do teatro europeu. Agora,
ironicamente, é o seu herdeiro ideológico, George W. Bush, que
está em vias de recomeçar a Guerra Fria colocando um sistema
nuclear de alta tecnologia junto ao perímetro da Rússia. O Bush
mais jovem já quebrou o compromisso do seu pai com Mikail Gorbachev de
nunca expandir a NATO para além da Alemanha. Actualmente, Bush
está a pressionar a fim de ganhar para a NATO dois antigos estados
soviéticos, a Ucrânia e a Geórgia. Se forem aprovados,
então qualquer futura disputa com a Rússia contraporá os
Estados Unidos e a Europa contra Moscovo. Não é de admirar que
Putin esteja a tentar sabotar o processo.
A administração Bush tem estado a planear uma
confrontação com a Rússia há mais de um ano. De
facto,
Raw Story
relatou operações conduzidas pelos militares em 14 de Julho de
2008 que provavelmente foram um ensaio geral para o actual conflito. Segundo a
Raw Story:
"Na segunda-feira (14 de Julho) tropas dos EUA começaram
exercícios militares próximos à fronteira russa na
Ucrânia ex-soviética e estavam prontos para
lançá-los na Geórgia, em meio a relações
tensas entre Moscovo e Washington. Uma cerimónia que inaugurava o
exercício Sea Breeze-2008 NATO foi afastada da costa ucraniana do Mar
Negro devido a protestos anti-NATO e uma reacção de
responsáveis na Rússia. A Sea Breeze-2008 inclui forças
da Arménia, Azerbaijão, Bélgica, Grã-Bretanha,
Canadá, Dinamarca, França, Geórgia, Alemanha,
Grécia, Letónia, Macedónia e Turquia... Os
exercícios militares conjuntos EUA-Geórgia serão
efectuados na base militar Vaziani, a menos de 100 quilómetros da
fronteira russa com um total de 1650 soldados a participarem".
Assim, parece que a administração Bush, a trabalhar em conjunto
com o Pentágono, tinha planos de contingência para tratar de um
ataque repentino com a Geórgia. A questão real é se:
planearam eles iniciar estas hostilidade para avançar a sua
própria agenda regional? Ninguém sabe ao certo.
Agora que o exército de Geórgia treinado pelos americanos foi
humilhado frente ao mundo, Bush tenta desesperadamente salvar a face pedindo
que à Rússia que permita a US Air Force entregar ajuda
humanitária através de aviões militares C-17 a dezenas de
milhares de georgianos que foram deslocados no combate.
[*]
fergiewhitney@msn.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/whitney08162008.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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