Demitam-nos!
por Daniel Vaz de Carvalho
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Temos de remover os economistas (neoliberais e neoclássicos) das suas
posições de poder e influência. Tira-los dos bancos
centrais, ministérios, comunicação social, universidades,
onde quer que eles estejam e espalhem a sua perniciosa ignorância. Eles
não fazem a mínima ideia do que estão a falar e fazem por
ignorar toda a evidência que contradiz as suas teorias. (p.2-3)
De acordo com o mito capitalista todo o progresso está dependente dos
capitalistas. Eles são os únicos capazes de conduzirem a
iniciativa e os grandes esquemas. (
) Sem eles nós cairíamos
na estagnação e as nossas sociedades colapsariam na anarquia.
Todos os déspotas, monarcas e imperadores através dos tempos
venderam esta história. (p.133)
in Sack the economists
[1]
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1- O pensamento neoliberal: uma pseudo ciência económica
Os economistas a que Geoff Davies se refere são os neoliberais e os
neoclássicos. Trata-se de uma obra que à semelhança de
outros trabalhos, por exemplo de Mike Whitney, Michael Hudson, Paul Craig
Roberts, James Petras, J. Stiglitz, só mencionando não marxistas,
não deixam pedra sobre pedra do edifício neoliberal, o
capitalismo atual, na sua fase senil, incapaz de dar solução aos
problemas que cria.
Para G. Davies o pensamento neoliberal está centrado no mercado
livre e no direito dos mais ricos fazerem e dizerem o que mais lhes
agrada. Liberdade, mas apenas para alguns e sem
responsabilidade.
A aversão neoliberal à intervenção do Estado na
economia, o facto de serem os bancos privados a criarem moeda e controlarem o
crédito, com os bancos centrais a trabalharem a seu favor, levou a que
os economistas e propagandistas do sistema comparem a ação do
governo à gestão de uma boa dona de casa. Isto pode de facto
ocorrer se o Estado deixa de ter o poder de emitir moeda, ficando dependente
dos interesses de quem a emite. Na UE, países que cederam o poder de
criar dinheiro ao BCE, aceitando o euro, é de facto possível irem
à falência. (p.184)
A economia vigente, nega a possibilidade de acontecimentos que na
realidade ocorrem. Ficam sempre surpreendidos quando algo adverso (como uma
recessão) na realidade acontece. E quando finalmente sentem que a sua
posição não pode ser mantida não reexaminam as suas
ideias, não consideram que há uma falha na sua lógica ou
teoria. Simplesmente, mudam de assunto (John K. Galbraith) (p.5)
A economia dominante é um conjunto incoerente de
abstrações matemáticas, que não consideram a
observação empírica e sem útil analogia com que
é observável, além de falsa interpretação da
história e fontes, racionalizando práticas arcaicas de
dívida e tomando os desejos por realidades. O desempenho medíocre
da era neoliberal não deverá, pois, ser uma surpresa. (p.142) Em
termos simples: não passa de uma pseudociência. (p.49)
A ciência requer algo mais que matemática, embora esta seja
essencial. Requer comparar as implicações da teoria com a
observação dos fenómenos. O neoliberalismo é
pré-científico, é tão útil para as
sociedades como a cosmografia ptolemaica que, a maior parte do tempo, dava
indicações erradas sobre a posição dos planetas.
(p.209)
A ideologia é velha: os ricos e poderosos sabem mais, os restantes de
nós estão aqui para os servir. A versão atual desta
ideologia chama-se neoliberalismo. Defende mercados livres e
governo mínimo: precisamente o bilhete para os ricos e poderosos fazerem
o que entendem. (p.3)
Em outubro de 2008, Greenspan reconhecia que o edifício intelectual
visando proteger as instituições financeiras e os acionistas
tinha colapsado. O que não o impediu de mais tarde
argumentar contra moderadas propostas para regular o sector financeiro
(p.27)
Admitem imperfeições no mercado, contudo não
é correto descrever como imperfeições ou mesmo
aberrações a causa da miséria de
milhões e milhões de pessoas devido ao mau funcionamento dos
mercados financeiros. (p.34) Na realidade as
imperfeições são comuns e atualmente a regra.
(p.69)
Segundo o fundamentalismo vigente os mercados proporcionam
indicações que corrigem os preços e os levam a um
ótimo antes que se desviem demasiado. Assim as bolhas especulativas
nunca poderiam existir.(p.14) Para o dogma se manter inalterado culpam-se os
governos e as despesas sociais.
Ao simples bom senso a volatilidade dos mercados deveria parecer
suspeita. Será possível um mercado funcionar convenientemente,
ser eficiente, sendo volátil? (p.95) Na realidade, o
investimento produtivo não pode manter-se se os investidores
são inconstantes e desviam o seu dinheiro para qualquer outra parte sem
aviso, mas é justamente isto que os mercados financeiros promovem de
forma geral. (p.103) Conclusão, a ideologia neoliberal, não tem
fundamento (p.60-62)
O problema com a teoria neoclássica é que a mão
invisível do mercado só funciona se nenhuma entidade
dominar o mercado. Ora, as distorções provocadas pelos
monopólios, tornam os que os controlam obscenamente ricos e poderosos,
até à fusão fascista de grandes negócios e governo.
2 O domínio da finança e o insustentável
equilíbrio económico
A teoria prediz que o equilíbrio geral é o estado mais eficiente
que uma economia pode alcançar. Ou seja, a sociedade obtém o
máximo de bens e serviços que dados recursos e esforços
podem fornecer (p.37). Para tal é necessário serem estabelecidas
as condições de mercado eficiente, que levariam o mercado de
capitais próximo do seu estado de equilíbrio óptimo, na
ausência de perturbações externas. (p.37-39)
Se isto fosse verdade preços e salários seriam sempre justos,
haveria pleno emprego e as crises dos mercados seriam impossíveis. Ora,
o que está mais que provado é que por mais complexos que sejam os
modelos matemáticos de equilíbrio não são capazes
de traduzir o funcionamento dinâmico de uma economia afastada do
equilíbrio teórico. (p.47)
E uma das razões é a existência de empresas que dominam os
mercados: os monopólios e os oligopólios. A própria
competição torna-se um fator de desequilíbrio que
não conduz ao equilíbrio óptimo, mas a que algumas grandes
empresas dominem o mercado.
Os economistas neoclássicos lutam desesperadamente para salvar o
equilíbrio geral, mas o problema não tem
solução. Nas condições do mundo real há
demasiadas fontes de instabilidade que conduzem as modernas economias para
muito longe do equilíbrio.
Há muitos outros fatores que afastam as economias das
condições de equilíbrio teórico. Este
pressupõe completa, adequada, atempada e fiável
informação quanto às condições do mercado.
Tal não acontece, não só porque as condições
de instabilidade tornam praticamente impossível prever o futuro, como os
próprios defensores do sistema o confessam, ao justificarem os erros das
suas decisões e previsões.
Acresce a instabilidade devido à fraude e à
corrupção, que o próprio sistema promove e protege, bem
como a não interferência nos mercados, que seria
sempre ineficiente.(p.59-61) O sistema monetário atualmente existente
também é um profundo desestabilizador das economias e altamente
suscetível de práticas de extorsão e
manipulação.(p.160) A ideologia neoliberal exalta o mercado e
escarnece do controlo centralizado do governo, contudo o valor do dinheiro, as
regras para a sua emissão e os juros que lhe estão associados
dependem de autoridades centrais. (p.165)
Para tirar os bancos do impasse para onde a sua gestão os levou,
milhões de milhões foram neles despejados. Na UE esta
recapitalização foi responsabilidade dos governos,
algo a que na terminologia neoliberal se aplica a suja palavra de
socialismo. Porém, depois disto, os banqueiros voltaram de
novo a ganhar milhões e a empobrecida classe média foi alvo de
austeridade como se tivessem auferido tais milhões. (p.26)
A dívida privada é excluída das análises, pois
considera-se que a dívida de uns é crédito de outros. A
forma como o dinheiro é criado também é excluída
pois considera-se que apenas facilita as trocas, como um lubrificante para a
economia. (p.32)
Desde a crise financeira a conversa foi sempre acerca da necessidade dos
governos cortarem no seu endividamento, para equilibrar os orçamentos e
as economias recuperarem. O curioso é que a dívida privada era
muito maior que a dívida pública na maior parte dos países
e ainda é. Na realidade, foi a insustentável divida privada que
causou a crise. (p.165) Em Portugal a dívida privada correspondia em
2012 a 225% do PIB.
Despejar dinheiro para bolhas especulativas não é investimento.
Na realidade, o sector financeiro não necessita abranger mais que uns
poucos por cento da economia Em vez disso domina a economia produtiva em
detrimento de todas as pessoas. A atitude do sector financeiro perante a crise
assemelha-se à daquele indivíduo que matou os pais e depois pede
clemência por ser órfão.(p.22-23)
Uma estimativa recente aponta para 4 milhões de milhões de
dólares como o montante transacionado diariamente nos mercados globais
de capital. Ou seja em duas semanas equivale ao PIB mundial num ano. Apenas 1%
ou 2% daquele valor é alocado a investimento eficiente, (p.98-99) 98% da
atividade do mercado financeiro é parasitária. (p.101) Contudo, o
que se propala é que os mercados financeiros na sua forma atual
são essenciais e desempenham um papel real, positivo e importante na
economia global.
Longe de levar os mercados ao equilíbrio, o movimento especulativo
continuamente os desestabiliza. Nos EUA, o sector financeiro representava em
1995, 34% de todos os lucros empresariais, valor que passou para 45% em 2011.
(p.100 - 101)
3 O mito capitalista
O mito capitalista tornou-se incompatível até com as teorias que
o suportam. De facto estas baseiam-se em que os mercados são sempre
competitivos e nenhuma empresa será suficientemente grande para
distorcer o mercado. (p.135) Na realidade, a distorção atingiu
tal nível que passaram a ser demasiado grandes para falirem,
inventando-se os riscos sistémicos para subordinar os
interesses de toda a comunidade aos seus interesses egoístas,
frequentemente obscuros.
O mito capitalista é um absurdo, uma insensatez. No mito capitalista os
capitalistas acumulam uma grande quantidade de dinheiro (capital) e reinvestem.
No mundo atual, os capitalistas, especulam com ativos e cobram juros. Assim,
endividamentismo
deveria ser o nome mais apropriado para o regime atual, em vez de capitalismo.
(p.17)
Com base nestes mitos enormes montantes da riqueza são transferidos para
os mais ricos por mecanismos que não podem ser justificados pela honesta
ação do mercado. Mecanismos artificiais (além da
especulação) como subsídios e benefícios fiscais,
reduções de impostos, concorrência fiscal entre
países, estão a drenar a riqueza dos pobres e da classe
média para os ricos.
As privatizações foram outro mecanismo para artificialmente criar
monopólios e aumentar o poder e a riqueza da camada mais rica.
Resultaram geralmente em serviços piores e mais caros, devido aos cortes
nos custos e lucros para os acionistas. (p.70-71).
A perceção comum de que os ricos ficam mais ricos, os
pobres mais pobres, as crescentes desigualdades, mostram a patologia
central do capitalismo moderno.(p.118) A desigualdade tem um significativo
efeito, não apenas na qualidade social, mas também no
comportamento da economia. As sociedades desiguais são mais conflituosas
e o rendimento não é gasto ou investido tão
criteriosamente como nas sociedades mais iguais. (p.84)
A família Walton, dona dos Walmart, é a mais rica dos EUA,
à custa dos seus fornecedores e dos seus trabalhadores. Detém
tanta riqueza como 30% dos cidadãos mais pobres do país.(p.124)
Nos EUA entre 1979 e 2009 a produtividade aumentou 154%, os salários
apenas 13%, no entanto mais 55% para os 20% topo e menos 4% para os 20 da base.
O postulado neoliberal do "gotejamento"
(tricke down),
(ainda recentemente exposto pela ministra das Finanças, ao afirmar que
em Portugal a classe média era penalizada porque havia poucos ricos)
não tem qualquer base real, pelo contrário. As crescentes
desigualdades e o seu efeito no crescimento económico são
até reconhecidos pelo FMI, sem que daí advenham quaisquer
consequências para a alteração das políticas.
(p.142)
4 A democracia subvertida
Havendo democracia real, a sociedade poderá corresponder aos desejos da
maioria e a economia ser ajustada para suportar essa forma de sociedade. A
economia será uma parte subordinada da sociedade. (p.7-8)
A estratégia neoliberal é cortar impostos aos mais ricos (e
grande capital); o défice público daqui resultante, vai servir de
desculpa para cortar serviços sociais que beneficiariam os pobres e a
classe média. (p.134) Estratégia que permite aos ricos capturar a
riqueza da sociedade e, através do seu poder económico, corromper
políticos e subverter a democracia.
A democracia foi enfraquecida e frequentemente subvertida pelos mais ricos. O
aumento da hostilidade internacional que acompanhou estas mudanças tem
sido usado como desculpa para reduzir drasticamente os direitos civis e
aumentar o poder dos mais ricos e poderosos. (p.198)
Países são intimidados e molestados por gigantescas
multinacionais. A plutocracia está de volta. (p.204) Por outras
palavras, os atuais mecanismos económicos criaram uma grande quantidade
de pobreza e de opressão. (p.208)
Os neoliberais têm pronto um conjunto de acusações e frases
feitas para atirar a quem quer que questione as suas vias. (p.193) Questionar a
grande concentração de riqueza é considerado luta de
classes. Questionar as políticas de ligação aos EUA
é atribuído a elementos anti-americanos.
Assassínios de caracter, ameaças de ações legais,
difamação, absolutas mentiras são usadas rotineiramente.
(p.200 201)
Tudo isto foi encorajado pela esquerda dominante, que perdeu o seu
caminho no turbilhão dos anos 70. Falamos de liberais como Tony Blair,
enquanto a direita se torna cada vez mais extrema. (p.201)
5 As propostas e algumas conclusões
Para G. Davies a imposição de taxas sobre as
transações financeiras pode trazer alguns benefícios,
porém a intenção é mais obter algum rendimento do
que estabilizar esses mercados e permitir um equitativo e eficiente
funcionamento dos mercados, terão poucos efeitos a longo prazo.
Mas não devemos desprezar os mercados e tornar-nos socialistas, afirma.
O problema não são os mercados em si, são os mercados
à solta,
sem controlo. (p.66) Os mercados têm de ser geridos evitando os
comportamentos nefastos sendo esse o papel do governo. (p.71) Para atingir os
objetivos de justiça social e económica sem intenso
domínio governamental sobre a propriedade e a gestão, talvez os
socialistas comecem a ver os benefícios de uma gestão sensata dos
mercados. (p.217)
Os governos devem desempenhar as funções que legitimamente
expressem a vontade e o querer coletivo dos cidadãos. (p.35) Assim, o
coro depreciando a interferência na economia pode ser
ignorado. Devemos concentrar-nos de forma criativa nas formas de gerir as
economias com intervenções mais eficazes. (p.73)
Os equilíbrios individuais e sociais seriam encontrados no
equilíbrio entre competição e cooperação.
(p.198) O investimento deverá ser feito através da
poupança. (p.191) Patrões e trabalhadores unidos, parece, ser o
lema de G. Davies, tornando os trabalhadores acionistas. (p.117)
G. Davies tem uma clara visão das falhas fundamentais do capitalismo
neoclássico e neoliberal, orientando-se para uma economia baseada na
regulação dos mercados, transcendendo o socialismo e o
capitalismo. (p.201)
Uma falha do seu pensamento é considerar o socialismo como oposto ao
mercado e confundi-lo com comunismo, algo que nunca existiu,
excetuando o chamado comunismo primitivo ou algumas comunidades isoladas.
G. Davies compreende que os partidos da social-democracia/socialismo reformista
estão tão comprometidos com o neoliberalismo como a direita.
Põe-se então a questão: que forças sociais podem
levar à mudança necessária à
resolução dos problemas que aponta? Restam as forças
políticas que se reclamam do marxismo, mas obviamente não
só, todos os patriotas e democratas, capazes de se unirem num programa
de salvação, na realidade de libertação nacional,
que objetivamente irá ao encontro dos interesses de todas as camadas
não monopolistas.
Simplesmente, é bom que as pessoas se deem conta, e não tenham
medo das palavras, as mudanças apontadas por Davies, apesar de defender
outro capitalismo, implicam a Revolução.
Revolução, em termos marxistas, significa a
introdução de mudanças qualitativas na esfera
política, social e económica. Alterações
determinantes nas formas de propriedade, quer no sector privado quer no social
ou público; na gestão económica (quem controla) nas formas
democráticas (participação ativa das massas populares).
Se estas alterações, ou antes, se a superação das
formas sociais tornadas obsoletas e nefastas se faz de forma pacifica, depende
apenas, como sempre através dos séculos, da resistência da
classe exploradora e opressora.
O autor é um cientista da
hard science,
professor emérito de geofísica da Universidade Nacional da
Austrália sabe portanto reconhecer e interpretar devidamente a
realidade. O seu livro merece uma leitura completa.
[1] Geoff Davies,
Sack the Economists - and Disband their Departments
, Bwm Books, Canberra, 2014, 220 p., ISBN: 9780992360368
Esta resenha encontra-se em
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