O populismo: antecâmara do fascismo (2)
por Daniel Vaz de Carvalho
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Fariseus, limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior
está cheio de rapina e maldade. Insensatos!. Lucas, 11 - 39
Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão e
não reparas na trave que está na tua própria vista.
Lucas, 6 - 41
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4 O POPULISMO "ERUDITO"
O populismo é uma máscara. Eis algumas: a do justicialista, a do
moralista, a do "erudito". A ciência económica do
populismo "erudito", resume-se a que salários e pensões
têm de descer, direitos laborais serem suprimidos a
"flexibilização" para os lucros subirem e se
tornarem "atrativos para o capital". Além disto são
incapazes de acertar ou cumprir as suas próprias previsões.
Escutados sem contraditório e mesmo com veneração, a
comunicação social controlada exibe uma legião de
propagandistas alinhados com o fundamentalismo neoliberal, cuja
erudição se manifesta prioritariamente em manipular dados
económicos.
No seu catecismo está inscrito como dogma que tudo que é
público é mau, ineficiente. O que dá lucro deverá
ser privatizado, quanto aos sectores socialmente apoiados, terão
rentabilidade garantida à custa do OE e dos preços aos utentes.
É esta a sua versão de eficiência: monopólios,
oligopólios, capitalismo rentista a coberto da concorrência
"livre e não falseada".
Entregar as funções económicas do Estado a interesses
privados, liquidar as funções sociais, são objetivos
prosseguidos pelo governo anti Constituição PSD/CDS,
insistentemente veiculados como "mudança de paradigma",
"reformas" e "ímpeto reformista".
Do alto da sua arrogância o populismo "erudito" manipula dados.
Para "provar" a insustentabilidade do sistema de pensões
inclui neste grupo apoios sociais que não fazem parte do sistema
contributivo. São as prestações sociais para minorar a
miséria provocada pelo sistema capitalista a centenas de milhares de
pessoas. Apesar disto afirmam:
"as pensões e salários pagos pelo Estado ultrapassam os 70%
da despesa pública, logo é aí que se tem que cortar".
Estes "sábios" mentem, ao omitir que naquele valor está
incluída receita de impostos e contribuições
[1]
.
Não deixa de espantar o afã com que defendem como "sem
alternativa", medidas que fomentam o desemprego, o empobrecimento, a
exclusão do sistema produtivo, pelo desemprego e pela
emigração, de centenas de milhares de trabalhadores.
As despesas do Estado, desde que orientadas por adequado plano económico,
como a Constituição prescreve, representam consumo e
investimento, mas estes objetivos são relegados perante o desiderato de
"honrar os nossos compromissos, custe o que custar", para
com a agiotagem financeira, revestida com a dignidade do deus
"mercados". Perante isto, as funções sociais do Estado e
direitos laborais, fundamentos da própria cidadania,
são considerados "privilégios" e
apresentados como vícios de subsídio dependência do povo
português
tese racista, cara ao populismo "erudito".
Concentrando atenções nas pequenas regalias dos menos
favorecidos, incutem-se sentimentos sociais negativos para escamotear, as
rendas e lucros monopolistas, os SWAP, as PPP e concessões, em que os
interesses do Estado e dos contribuintes são defraudados. Tal como
são ignoradas as abismais remunerações dos corpos
executivos das empresas privatizadas e dos oligopólios, a
corrupção, a livre circulação de capitais, as
regras da UE totalmente inadequadas ao nosso desenvolvimento económico e
social. Os escandalosos benefícios fiscais aos grandes grupos
económicos são verdadeiras evasões fiscais legalizadas.
[2]
O rigor orçamental alicerçado na ditadura burocrática da
UE é a roupagem para um crescimento baseado em altos lucros e baixos
salários, afinal características estratégicas do fascismo
salazarista.
Revestindo os paramentos de uma falsa ciência económica
construída na base de axiomas que a evidência demonstra errados,
[3]
os populistas "eruditos" assumem a missão de convencer
cidadãos impreparados, levados pelo medo dos "mercados", de
que "não há alternativas" e devem submeter-se à
"superior capacidade intelectual" dos "eruditos" e
às políticas de saque do neoliberalismo
5 O POPULISMO JUSTICIALISTA E O MORALISTA
Podíamos designar estas formas de populismo, como populismo farisaico.
Esmera-se em trocar o essencial pelo acessório e assume com falsa
superioridade ares moralistas contra os "políticos, todos
eles". O ataque aos abusos costuma ser uma forma de dissimular os
objetivos do populismo.
Actua de dedo em riste na procura de culpados a eliminar: o "Estado
despesista", o "consumir acima das possibilidades", os
sindicalistas "que só querem que se ganhe mais trabalhando
menos". Abusos, embora irrelevantes em termos financeiros, são
ampliados como causas primordiais dos défices, as rendas monopolistas e
os juros agiotas ignorados ou menorizados.
As incitáveis exceções de alguns abusos são feitos
regra e generalizados para justificar rigorosas e burocráticas formas de
controlo e cortes no social. Pelos mesmos critérios, os
benefícios fiscais seriam retirados à banca, grande parte dela
estaria nacionalizada e a funcionar segundo critérios de
maximização dos benefícios sociais.
O discurso contra os "políticos", mas não contra as
políticas, favorece e iliba a oligarquia, é meio caminho andado
para modelos fascizantes. Os deputados são atacados como tal, não
pelo que concretamente propõem, aprovam ou rejeitam. O objetivo é
deixar as pessoas vazias de conceitos, disponíveis para absorver o que o
populista lhe apresenta como "novo paradigma" e como
solução.
Fazem-se campanhas contra "os políticos" "que
vão para a AR dormir", promove-se a redução do
número de deputados, para tornar irrelevante a oposição
às políticas de direita e defraudar o sufrágio universal.
Gente ignorante ou de má-fé, compara o número de deputados
em Portugal com os do poder central em Estados federais ou regionalizados.
As taxas de abstenção mostram que mais de 60% do eleitorado faz
por ignorar o que se passa na AR: os avanços do populismo, são
retrocessos da democracia. Foram difundidas mentiras sobre a AR em que o
restaurante VIP, normalmente para convidados e visitas, em particular
internacionais, era associado ao preço da cantina normal para
funcionários e deputados. Apesar do desmentido a mentira continuou a
circular.
Omite-se que a AR tem funções de soberania e
representação externa. As despesas da AR incluem o pagamento aos
seus funcionários e a manutenção do edifício. Ora,
as despesas da AR representam no OE de 2014 apenas 0,12% da despesa; 0,17% em
2013. Compare-se com os juros da dívida que se prevê atingirem
este ano quase 10% da despesa. O que não parece incomodar tão
indignados cidadãos.
Foi divulgado como escandaloso um aumento de 91,8% do vencimento dos deputados
para 2014. Na realidade, incluíam no vencimento dos deputados a
reposição dos subsídios de férias e Natal dos
funcionários. O vencimento daqueles não aumentava. Esta manobra
de manipulação dos números mostra o nível dos
populistas. A boçalidade destes ataques tem um cariz análogo aos
ataques dos fascistas à República democrática.
O populismo não se inibe de criticar o governo da direita, mas é
uma armadilha. No fundo, a crítica reside em o governo não ser
nesses casos tão de extrema-direita como pretendem. Daí os
ataques descabelados contra a Constituição e a defesa das
políticas da troika. Nisto se resume o seu "inconformismo".
As empresas municipais são atacadas: "não servem para nada e
têm Administradores a auferir milhares de euros". Ora, se há
corrupção e nepotismo ele vem dos partidos que têm
governado o país à direita, porém o que é proposto
é a destruição de serviços públicos e a sua
entrega a monopólios privados caso das águas. A
máscara moralista de indignação pela
corrupção tem sempre um ponto fraco: escusam-se a algo que
belisque o grande capital.
6- POPULISMO: A VIA NEOFASCISTA
A coberto do descalabro das políticas de direita o populismo cavalga o
descontentamento torna-se uma via para o neofascismo. Procura destruir a
organização do Estado democrático definido na
Constituição, para estabelecer configurações
políticas antidemocráticas e corruptas: neofascismo por via
neoliberal. Utiliza à velha maneira do fascismo salazarento a hipocrisia
puritana, promovida por gente que sempre se identificou com os "partidos
responsáveis", mas que vai dizendo na oportunidade o que à
oligarquia mais convenha.
O populismo é sempre uma ameaça às liberdades
democráticas. O objetivo da direita/extrema-direita, de que este governo
é expressão, é ter uma Constituição em que
direitos, liberdades, garantias, separação dos poderes mesmo
constitucionalmente consignados, estejam sempre condicionados pela
"lei", isto é, pela vontade do governo, á velha maneira
salazarista, como recentemente a dirigente do PSD, sra. Teresa Leal Coelho
expressou.
É isto que reivindicam. Maiorias obtidas com base na propaganda e na
mentira, uma "democracia" cristalizada em formalismos, estabelecendo
um Estado repressivo sobre os trabalhadores, ao serviço dos interesses
privados, de que as revisões do Código do Trabalho são
já um instrumento.
A lógica populista é simples: pegue-se em dois fenómenos
que ocorrem simultaneamente, um deles é uma preocupação da
generalidade das pessoas, o outro algo que vai contra as reais
intenções populistas, torne-se um causa do outro, faça-se
por ignorar que a verdadeira causa reside num terceiro fenómeno que
não é mencionado. A veemência das afirmações
substitui a verdade dos factos. A ideia é voltar o descontentamento das
pessoas contra a democracia e os democratas.
Verdadeiramente o populismo não tem programa. Promove a imbecilidade
coletiva para defender a grande corrupção. Usa o irracional, a
mentira, o insulto, a vociferação que esconde o vazio de
conteúdos e as verdadeiras intenções. É a
boçalidade ao serviço do ódio e da divisão.
Qualquer que seja a sua máscara está sempre ao serviço da
exploração: é uma antecâmara do fascismo.
Prometem ao povo felicidade e abundância em troca de não
participar, não se envolver coletivamente na defesa dos seus interesses
e direitos. Basicamente dizem: têm o capitalismo, conformem-se, sejam
felizes com o que lhes dão ou desapareçam.
Dizia Bertold Brecht que não há passo para a frente mais
difícil de dar para um povo que o retorno à razão.
É este o drama que o populismo traz aos povos. Contra isto só
há uma solução: "Resistir sempre. Muitas vezes teria
sido mais fácil desistir. Teria sido poupada a murros e pontapés.
Mas não te deixes abater. Sê mais forte. Não desistas.
Nunca, nunca desistas."
[4]
Sim, e resistir, significa: 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.
NOTAS
[1]
Falácias e mentiras sobre pensões
, por António Bagão Félix . Sobre este tema, também
em resistir.info os artigos de Eugénio Rosa.
[2] Talvez os "Incentivos Fiscais à I&D Empresarial" expliquem
coisas inexplicáveis, tais como os 160 investigadores do Grupo
José de Mello, SGPS, ou os 144 investigadores do Grupo Porto Editora, ou
os 131 investigadores do BCP, ou os 100 investigadores da Liberty Seguros, ou
os 100 investigadores do Barclays Bank, ou os 232 trabalhadores afetos a I&D do
BPI, ou os 32 investigadores do BANIF, todos em 2011. Mesmo para a PT,
será razoável aceitar o valor de 208 milhões de euros de
investimento em I&D em 2012? Como é isto compaginável, por
exemplo, com os 71 investigadores do Instituto de Soldadura e Qualidade, os 69
investigadores da BIAL, ou os 44 investigadores da EID-Empresa de
Investigação e Desenvolvimento de Eletrónica, entidades
que efetivamente desenvolvem atividades de I&D. (segundo texto do eng. Fernando
Sequeira)
[3] Ver
Os tabus e as alternativas
[4] Do livro
3096 Dias
, Natasha Kampush, Ed. ASA, p. 147, 185.
Relato da menina austríaca sequestrada dos 10 aos 18 anos por um
neonazi, sofrendo como uma prisioneira de campo de concentração.
[*]
Autor de "Girassóis", uma história de antes,
durante e depois do 25 de Abril. A obra pode ser obtida na secção
livros para descarregamento
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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