O curioso caso do silêncio da esquerda sobre Julian Assange
por John Pilger e Dennis J Bernstein
[*]
Numa comunicação recente entre Randy Credico (produtor de
rádio e apoiante de Assange) e Adam Schiff (membro do Comité
Judiciário da Câmara dos Representantes), o temor de Assange de
prisão e extradição para os EUA foi confirmado pelo
líder da histeria Russia-gate.
Credico recebeu a seguinte resposta de Schiff após a reunião com
a equipe do congressista, na qual Credico tentava ligar Assange a Schiff:
"Nosso comité estaria desejoso de entrevistar Assange quando ele
estiver sob a custódia dos EUA e não antes".
Dennis Bernstein conversou com John Pilger, um amigo próximo e apoiante
de Assange em 29 de Maio. A entrevista começou com a
declaração de Bernstein apresentada por Pilger no Fórum
Esquerda no último fim-de-semana em Nova York num painel dedicado a
Assange intitulado: "Russia-gate e WikiLeaks".
Declaração de Pilger
"Há um silêncio entre muitos que se consideram esquerda. O
silêncio é Julian Assange. Quando todas as falsas
acusações caíram por terra, quando todas as
falsificações sujas se mostraram ser trabalho de inimigos
políticos, Julian levanta-se vingado como um dos que revelaram um
sistema que ameaça a humanidade. O vídeo Dano Colateral, os
registos de guerra do Afeganistão e do Iraque, as
revelações do Cablegate, as revelações da
Venezuela, as revelações dos email de Podesta ... este são
apenas algumas das tempestades de verdade bruta que explodiram através
das capitais das potências opressoras. A falsificação do
Russia-gate, a conivência de uma media corrupta e a vergonha de um
sistema legal que persegue os que contam a verdade e não foi capaz de
conter a verdade bruta das revelações da WikiLeaks. Eles
não venceram, ainda não, e eles não destruíram o
homem. Só o silêncio das pessoas boas permitirá que
vençam. Julian Assange nunca esteve tão isolado. Ele precisa do
vosso apoio e da vossa voz. Agora mais do que nunca é tempo de exigir
justiça e o direito de livre expressão para Julian. Obrigado.
Dennis Bernstein:
Continuamos a nossa discussão do caso de Julian Assange, agora na
embaixada equatoriana na Grã-Bretanha. John Pilger, é bom
conversar consigo outra vez. Mas é uma tragédia profunda, John, o
modo como eles estão a tratar Julian Assange, este jornalista e editor
prolífero de quem muitos outros jornalistas dependeram no passado. Ele
foi deixado totalmente no frio para defender-se por si próprio.
John Pilger:
Nunca vi algo assim. Há uma espécie de silêncio
misterioso em torno do caso de Julian Assange. Julian foi inocentado de todos
os modos possíveis e ainda está isolado como poucas pessoas
estão nestes dias. Ele está desligado das próprias
ferramentas da sua actuação, não lhe são permitidos
visitantes. Estive em Londres recentemente e não pude vê-lo,
embora falasse com pessoas que o tinham visto. Rafael Correa, o antigo
presidente do Equador, disse recentemente que encarava o que estão agora
a fazer a Julian como tortura. Foi o governo Correa que deu refúgio
político a Julian, o qual foi agora traído pelo seu sucessor, o
governo liderado por Lenin Moreno, o qual está outra vez absorvido pelos
Estados Unidos conforme a tradição, com Julian como pião e
vítima.
Deveria ser um "Herói constitucional"
Mas realmente isto deve-se basicamente ao governo britânico. Embora ele
ainda esteja numa embaixada estrangeira e realmente tenha a nacionalidade
equatoriana, o seu direito de passagem para fora da embaixada deveria ser
garantido pelo governo britânico. O Grupo de Trabalho sobre
Detenções Arbitrárias das Nações Unidas
(
Working Group on Arbitrary Detention
) deixou isso claro. A Grã-Bretanha tomou parte numa
investigação, a qual determinou que Julian era um refugiado
político e que uma grande perversão da justiça lhe fora
imposta. É muito bom que esteja a fazer isto, Dennis, porque mesmo nos
media não convencionais há este silêncio acerca de Assange.
As ruas do lado de fora da embaixada estão virtualmente vazias, mas
deveriam estar cheias de pessoas a dizerem estamos consigo. Os
princípios envolvidos neste caso são claríssimos. O
número um é o da justiça. As injustiças feitas a
este homem são legião, tanto em termos do falso processo sueco
como agora no facto de que ele deve permanecer na embaixada e não pode
deixá-la sem ser preso, extraditado para os Estados Unidos e acabar num
buraco infernal. Mas é também acerca da liberdade de
expressão, acerca do nosso direito a saber, o qual está
cristalizado na Constituição dos Estados Unidos. Se a
Constituição fosse adoptada literalmente, Julian seria realmente
um herói constitucional. Ao invés disso, entendo a
acusação que eles estão a tentar cozinhar como uma
acusação de espionagem! É demasiado ridículo. Esta
é a situação tal como a vejo, Dennis. Não é
uma situação feliz, mas sim uma situação a que o
povo deveria acorrer rapidamente.
DB: Os seu irmãos jornalísticos parecem-se com os seus
perseguidores. Eles querem apoiar aberrações como o congressista
Adam Schiff do Russia-gate e como Mike Pompeo, os quais gostariam de ver
Assange na prisão para sempre ou mesmo executado. Como é que
responde a jornalistas que actuam como perseguidores, alguns dos quais
utilizaram o seu material para escrever notícias? Este é um tempo
terrível para o jornalismo.
JP:
Você está absolutamente certo. É um tempo terrível
para o jornalismo. Nunca vi uma coisa assim na minha carreira. Dito isto,
não é novo. Sempre houve um chamado media
mainstream
o qual realmente representa o grande poder nos media. Isto sempre existiu,
particularmente nos Estados Unidos. O Prémio Pulitzer deste ano foi
concedido a
The New York Times
e
The Washington Post
por caça a feiticeiras em torno do Russia-gate! Eles foram louvados
pela "profundidade das suas investigações". As suas
investigações não mostraram nem um fragmento de prova real
a sugerir qualquer intervenção russa séria na
eleição de 2016.
Tal como Webb
O caso Julian Assange recorda-me o caso Gary Webb. Bob Parry foi um dos poucos
apoiantes de Gary Webb nos media. A série "Aliança
negra" de Webb continha evidência de que o tráfico de
cocaína estava em curso com a conivência da CIA. Posteriormente
Webb foi perseguido por colegas jornalistas e, incapaz de encontrar trabalho,
acabou por cometer suicídio. O Inspector-Geral da CIA justificou-o
posteriormente. Agora, Julian Assange está muito distante de atentar
contra a sua própria vida. A sua resiliência é
notável. Mas ele ainda é um ser humano e tem sido massacrado.
Provavelmente o que é mais duro para ele é a absoluta hipocrisia
das organizações noticiosas como
The New York Times,
o qual publicou "Registos de guerra" e "Cablegate" da
WikiLeaks,
The Washington Post
e
The Guardian,
os quais tomaram uma vingança deliciosa a atormentar Julian. Mas a sua
cobertura de Snowden deixou-o em Hong Kong. Foi a WikiLeaks que conseguiu tirar
Snowden de Hong Kong e pô-lo em segurança.
Profissionalmente, considero isto uma das coisas mais repugnantes e imorais que
já vi na minha carreira. A perseguição a este homem por
enormes organizações de media que extraíram grandes
benefícios da WikiLeaks. Um dos grandes atormentadores de Assange, Luke
Harding de
The Guardian,
ganhou muito dinheiro com uma versão Hollywood de um livro que ele e
David Lee escreveram e no qual basicamente atacam a sua fonte. Suponho que seja
preciso ser psiquiatra para entender tudo isto. O meu entendimento é que
muitos destes jornalistas estão envergonhados. Eles percebem que
WikiLeaks fez o que eles deveriam ter feito há muito tempo e que
é dizer-nos como os governos mentem.
DB:
Uma coisa que me perturba muito é o modo como a imprensa corporativa
ocidental especula acerca do envolvimento russo na eleição
estado-unidense de 2016, que foi um golpe
(hack)
através de Julian Assange. Qualquer investigador sério desejaria
saber quem seria motivado para isso. E ainda a possibilidade de que possa ser a
dúzia ou mais de pessoas irritadas que foram trabalhar para a
máquina da Clinton e aprenderam dali de dentro que o DNC [Comité
Nacional Democrático] fazia tudo para se livrar de Bernie Sanders...
isto não faz parte da narrativa!
Oitocentas mil revelações sobre a Rússia
JP:
O que aconteceu a Sanders e o modo como ele foi esmagado pela
organização da Clinton, toda a gente sabe que isto é a
notícia. E agora temos o DNC a processar a WikiLeaks! Há uma
espécie de elemento farsesco nisto. Quero dizer, nada disto veio dos
russos. Que a WikiLeaks de algum modo estivesse na cama com os russos é
ridículo. A WikiLeaks publicou cerca de 800 mil grandes
revelações acerca da Rússia, algumas delas extremamente
críticas do governo russo. Se você for um governo e fizer algo
inconveniente ou estiver a mentir ao seu povo e a WikiLeaks obtiver os
documentos para mostrá-lo, eles publicarão não importa
quem seja você, seja dos Estados Unidos ou da Rússia.
DB:
Randy Credico, devido ao seu trabalho e à sua decisão de dedicar
uma série de artigos à perseguição de Julian
Assange recentemente encontrou-se ele próprio sob ataque. Ele foi a um
churrasco para a imprensa na Casa Branca e, depois de ter uma linda
discussão com o congressista Schiff, ele gritou: "E sobre Julian
Assange?" A sala estava cheia de reporters mas Randy foi atacado e
arrastado para fora. Era como se toda a gente ali ficasse embaraçada ao
reconhecer que um dos seus irmãos estava a ser brutalizado.
JP:
Randy gritou algumas verdades. Isto é muito semelhante ao que aconteceu
a Ray McGovern. Ray é um antigo membro da CIA mas um homem com
princípios. Posso sugerir que agora ele é um renegado.
DB:
Era histérico observar estes quatro guardas armados que se mantiveram a
gritar "Pare de resistir, pare de resistir!" enquanto lhe batiam de
modo infernal!
JP:
Penso que a imagem de Ray a ser arrastado foi particularmente tocante. Estes
quatro pesos-pesados, obviamente jovens mal treinados a tratarem Ray com
grosseria, o qual tem 78 anos. Para mim houve algo extremamente
emblemático quanto a isso. Ele enfrentou até ao desafio o facto
de que a CIA estava prestes a entregar a sua liderança a uma pessoa que
fora encarregada das torturas. É tanto chocante como surreal, o que
naturalmente o caso Julian Assange também é. Mas o jornalismo
real deveria ser capaz de penetrar o chocante e o surreal e contar a verdade.
Há demasiado conluio agora, com todos estes desenvolvimentos sombrios e
ameaçadores. É quase como se a palavra "jornalismo"
estivesse a tornar-se deteriorada.
DB:
Há certamente um bocado de conluio quanto a Israel. Assim, a palavra
"conluio" é bastante apropriada.
JP:
Esse é o conluio final. Mas é conluio através do
silêncio. Nunca houve um conluio como este entre os EUA e Israel. Isto
sugere uma outra palavra e esta é "imunidade". Há uma
imunidade moral, uma imunidade cultural, uma imunidade geopolítica, uma
imunidade legal e certamente uma imunidade dos media. Vemos o tiroteio sobre
mais de 60 pessoas no dia da inauguração da nova embaixada dos
EUA em Jerusalém. Israel tem algumas das mais perversas
munições experimentais do mundo e eles dispararam-nas sobre o
povo estava a protestar contra a ocupação da sua pátria e
tentava recordar o povo da Nakba e o direito de retorno. Nos media isto foi
descrito como "choques". Embora aquilo se tornasse tão mau que
The New York Times numa edição posterior mudou a manchete da sua
primeira página para dizer que Israel estava realmente a matar pessoas.
Um momento raro, na verdade, em que a imunidade, o conluio, foi interrompido.
Toda a conversa sobre o Irão e armas nucleares sem qualquer
referência à maior potência nuclear no Médio Oriente.
DB:
O que você diria acerca das contribuições feitas por Julian
Assange nesta era de censura e covardia no jornalismo? Onde é que isto
entra no quadro?
JP:
Penso que representa algo de modo fundamental para a informação.
Se remontar à época em que a WikiLeaks começou, quando
Julian estava assente no seu quarto de hotel em Paris começando a montar
tudo, uma das primeiras coisas que ele escreveu foi que há uma
moralidade na transparência, que temos o direito de conhecer o que
aqueles que pretendem controlar as nossas vidas estão a fazer em
segredo. O direito a conhecer o que os governos estão a fazer em nosso
nome em nosso favor ou no nosso prejuízo é o nosso
direito moral. Julian sentia isso muito apaixonadamente. Houve momentos em que
ele podia ter-se comprometido ligeiramente a fim de possivelmente ajudar na sua
situação. Houve vezes em que lhe disse: "Por que você
simplesmente suspende aquilo por um momento e concorda com isso?".
Naturalmente, eu sabia antecipadamente o que seria a sua resposta e esta era
"não". A enorme quantidade de informação que
veio da WikiLeaks, particularmente nos últimos anos, representou um
extraordinário serviço público. Eu estava a ler outro dia
na WikiLeaks um telegrama de 2006 da Embaixada dos EUA em Caracas dirigido a
outras agências na região. Isto foi quatro anos depois de os EUA
tentarem livrar-se de Chavez através de um golpe. Ali se pormenorizava
como a subversão deveria actuar. Naturalmente, eles vestiam isso como um
trabalho de direitos humanos e assim por diante. Eu lia este documento oficial
a pensar como a informação contida nele valia por anos da
espécie de reportagem distorcida vinda da Venezuela. Também nos
recorda que a chamada "intromissão" da Rússia nos EUA
é apenas insensatez. A palavra "intromissão" não
se aplica à espécie de acção implicada neste
documento. Ela é a intervenção nos assuntos de outro
país.
A WikiLeaks tem feito isso por todo o mundo. Ela dá às pessoas a
informação a que elas têm direito. Elas têm o direito
de descobrir a partir dos chamados "Registos de guerra"
("War Logs")
a criminalidade das nossas guerras no Afeganistão e no Iraque. Elas
têm o direito de descobrir acerca do Cablegate. Foi quando, numa
observação da Clinton, soubemos que a NSA estava a reunir
informação pessoal sobre membros do Conselho de Segurança
das Nações Unidas, incluindo os números dos seus
cartões de crédito. Você pode ver porque Julian Assange fez
inimigos. Mas ele também deveria ter um enorme número de amigos.
Isto é informação crítica pois ela nos diz como o
poder funciona e nunca aprenderemos o suficiente acerca disso. Penso que a
WikiLeaks abriu um mundo de transparência e deu substância à
expressão "direito a conhecer". Isto deve explicar porque ele
é tão atacado, porque está tão ameaçado.
Para a grande potência o inimigo não são tipos do Taliban,
somos nós.
DB:
E quem pode esquecer a divulgação do
filme
"Assassinato colateral" de Chelsea Manning?
JP:
Essa espécie de coisa não é incomum. O Vietname pretendia
ser a guerra aberta, mas realmente não era. Não havia as
câmaras em torno. É na verdade informação chocante
mas ela informa o povo e devemos agradecer à coragem de Chelsea Manning
por isso.
DB:
Sim, e graças a isso ele ficou sete anos em confinamento
solitário. Eles querem processar Assange e talvez enforcá-lo nas
vigas do Congresso, mas e quanto a Judith Miller e
The New York Times
que põem o ocidente em guerra? São infindáveis os
exemplos horrendos do que passa por ser jornalismo, em contraste com a
admirável contribuição feita por Julian Assange.
11/Junho/2018
[*]
Dennis J. Bernstein: jornalista da Pacifica Radio Network, autor de
Follow the Money
e
Special Ed: Voices from a Hidden Classroom,
dbernstein@igc.org.
O original encontra-se em
www.mintpressnews.com/silence-julian-assange/243665/
Este diálogo encontra-se em
https://resistir.info/
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