O modelo da propaganda revisitado
Em
A fabricação do consentimento: A economia política dos media
(Manufacturing Consent: The Political Economy of the Mass Media)
(Pantheon, 1988) Noam Chomsky e eu avançámos um "modelo de
propaganda" como quadro para a análise e o entendimento de como os
media de referência dos EUA trabalham e porque actuam como o fazem.
Estávamos há muito impressionado pela regularidade com que os
media operam dentro de suposições restritas, dependendo
fortemente e acriticamente de fontes de informação da elite e
participando em campanhas de propaganda que ajudam os interesses da elite. Ao
tentam explicar porque eles assim o fazem procurámos factores
estruturais como as únicas raízes possíveis deste
comportamento sistemático e padrões de desempenho.
O modelo de propaganda estava e está em contraste nítido com as
explicações prevalecentes do comportamento e desempenho dos media
de referência
(mainstream)
tanto a liberal como a conservadora. Estas abordagens subestimam
factores estruturais, pressupondo geralmente sua pouca importância ou
impacto positivo devido à multiplicidade de agentes e, portanto,
competição e diversidade. Os analistas liberais e conservadores
enfatizam a conduta jornalística, a opinião pública e as
fontes de notícias como as principais variáveis determinantes.
Contudo, os analistas são inconsistentes a este respeito. Quando
discutem sistemas de media em estados comunistas ou autoritários, a
ideia de que jornalistas ou opinião pública podem suprimir a
força daqueles que possuem e controlam os media é afastada como
absurda e considerada mesmo uma apologia da tirania.
Também há uma diferença característica entre as
implicações políticas do modelo de propaganda e a
sabedoria convencional. Se factores estruturais modelam o contorno vasto do
desempenho dos media e se esse desempenho é incompatível com uma
cultura política verdadeiramente democrática, então
é necessária uma mudança básica na propriedade,
organização e propósito dos media para alcançar uma
democracia genuína. Nas análises convencionais uma tal
perspectiva é politicamente inaceitável e argumentos em seu apoio
raramente são sujeitos a debate.
Neste artigo descreverei o modelo de propaganda, tratarei de algumas das
críticas que foram apontadas contra ele e discutirei como o modelo se
mantém aproximadamente uma década após a sua
publicação.
[1]
Também apresentarei alguns exemplos de
como o modelo de propaganda pode ajudar a explicar a natureza da cobertura
pelos media de tópicos políticos importantes na década de
1990.
O modelo de propaganda
O que é o modelo de propaganda e como funciona? Os factores estruturais
cruciais decorrem do facto de que os media dominantes estão firmemente
inseridos no sistema de mercado. Eles são negócios à
procura de lucro, possuídos por pessoas muito ricas (ou outras
companhias); são financiados em grande medida por anunciantes que
são também entidades em busca do lucro e que querem que os seus
anúncios apareçam num ambiente propício às vendas.
Os media também estão dependentes do governo e de grandes firmas
de negócios como fontes de informação, e tanto a
eficiência como considerações políticas, e
frequentemente interesses sobrepostos, fazem com que um certo grau de
solidariedade prevaleça entre o governo, grandes media e outros
negócios corporativos. O governo e grandes negócios nao-media
também estão melhor posicionados (e são suficientemente
ricos) para serem capazes de pressionar os media com ameaças de retirada
de publicidade ou licenças de TV, processos por difamação
e outros modos de ataque directo e indirecto. Os media também
estão constrangidos pela ideologia dominante caracterizada por forte
anti-comunismo antes e durante a era da Guerra Fria e foi mobilizada muitas
vezes para evitar que os media de criticassem ataques a pequenos estados
rotulados como comunistas.
Estes factores estão todos ligados, reflectindo a capacidade em
múltiplos níveis de poderosas entidades de negócios,
governamentais e colectivas (ex.: Business Roundtable; U.S. Chamber of
Commerce; lobbies industriais e grupos de frente) para exercer poder sobre o
fluxo de informação. Notámos que os cinco factores
envolvidos propriedade, publicidade, fontes, crítica e ideologia
anti-comunista actuam como "filtros" através dos quais
a informação deve passar e que individualmente e muitas vezes de
modo cumulativo eles ajudar a moldar as escolhas dos media. Enfatizámos
que os filtros actuam principalmente através da acção
independente de muitos indivíduos e organizações; estas
frequentemente, mas nem sempre, partilham uma visão comum de
questões e interesses semelhantes. Em suma, o modelo de propaganda
descreve sistema de controle e processamento via mercado descentralizado e
não-conspiratório, embora por vezes o governo ou um ou mais
actores privados possam tomar iniciativas e mobilizar a
manipulação coordenada da elite de uma questão.
Campanhas de propaganda podem ocorrer só quando em consonância com
os interesses daqueles que controlam e administram os filtros. Exemplo: todos
estes administradores aceitam a visão de que a medida de força do
governo polaco sobre o sindicato Solidariedade em 1980-81 era extremamente
valiosa em termos de notícia e merecia severa coordenação;
enquanto os mesmos interesses não acharam que a igualmente brutal medida
de força do governo militar turco contra os sindicatos na Turquia, cerca
da mesma época, fosse valiosa em termos de noticiário ou
repreensível. Neste último caso, o governo dos EUA e a comunidade
de negócios gostava da posição anti-comunista do governo
militar e da abertura de portas em política económica; e a medida
de força contra os sindicatos turcos tinha o mérito de
enfraquecer a esquerda e manter salários baixos. No caso polaco, pontos
de propaganda podiam ser marcados contra um governo apoiado pelos
soviéticos e podia ser exprimida preocupação por
trabalhadores cujos salários não eram pagos pelos patrões
do Mundo Livre!
A adaptação desta dicotomia a interesses corporativos e à
ideologia anti-comunista é óbvio.
Utilizámos os conceitos de vítimas "valiosas" e
"não valiosas" para descrever esta
dicotomização, com um traço de ironia, pois o tratamento
diferencial era claramente relacionado com vantagens políticas e
económicas ao invés de qualquer coisa como valor real. De facto,
os sindicalistas polacos rapidamente deixaram de ser valiosos quando o
comunismo foi derrubado e os trabalhadores estavam a lutar contra um regime
neoliberal orientado pelo ocidente. Agora, o trabalho de operários
polacos, tal como aquele de operários turcos, já não passa
através dos filtros do modelo de propaganda. Ambos são
vítimas sem valor nesta altura.
Nunca afirmámos que o modelo de propaganda explica tudo ou que mostra a
omnipotência dos media e eficácia completa na
manufacturação do consentimento. É um modelo de
comportamento e desempenho
dos media, não dos seus
efeitos.
Apontámos explicitamente para os media alternativos, para fontes de
informação das bases e para o cepticismo público acerca da
veracidade dos media como limites importantes quanto à eficácia
dos media no serviço de propaganda e instámos ao apoio e
utilização mais eficaz destas alternativas. Frequentemente
apontámos para o desacordo do público geral para com os media e a
elite quanto à moralidade da Guerra do Vietname e a desejabilidade do
assalto à Nicarágua na década de 1980 (dentre outros
assuntos). O poder do sistema de propaganda dos EUA repousa na sua capacidade
para mobilizar um consenso da elite, dar a aparência de consentimento
democrático e criar bastante confusão, incompreensão e
apatia na população geral a fim de permitir que os programas da
elite sigam em frente. Também enfatizámos o facto de que muitas
vezes há diferenças dentro da elite, o que abre espaço
para algum debate e mesmo ataques ocasionais (mas muito raros) sobre as
intenções, bem como os meios tácticos de a elite
alcançar os seus fins.
Embora o modelo de propaganda fosse geralmente bem recebido na esquerda, alguns
queixaram-se de um impulso alegadamente pessimista e da
implicação de que não havia esperança de
ultrapassar as disparidades. Uma objecção estreitamente
relacionada era a sua inaplicabilidade a conflitos locais onde a possibilidade
de resistência efectiva era maior. Mas o modelo de propaganda não
sugere que vitórias locais e mesmo maiores sejam impossíveis,
especialmente onde as elites estão divididas ou têm interesse
limitado numa questão. Exemplo: a cobertura de questões como
controle de armas, oração nas escolas e direito ao aborto pode
muito bem receber um tratamento mais variado do que, digamos, comércio
global, tributação e política económica.
Além disso, campanhas bem organizadas em favor do trabalho, direitos
humanos ou organizações ambientais a combaterem contra
negócios locais abusivos podem por vezes obter cobertura positiva dos
media. De facto, gostaríamos de pensar que o modelo de propaganda sugere
mesmo onde e como activistas podem melhor empregar seus esforços para
influenciar a cobertura dos media de referência de certas questões.
O modelo sugere que os media de referência, como
instituições da elite, habitualmente estruturam as
notícias e permitem o debate só dentro dos parâmetros dos
interesses da elite; e que quando a elite está realmente preocupada e
unificada e/ou quando cidadãos comuns não estão
conscientes do seu próprio interesse numa questão ou estão
imobilizados pela propaganda eficaz, os media servirão interesses da
elite de forma intransigente.
Críticas dos liberais e académicos "de esquerda"
Muitos liberais e um certo número de analistas académicos
à esquerda não gostaram do modelo de propaganda. Alguns deles
consideraram repugnante uma condenação generalizada de um sistema
no qual desempenham um papel respeitado. Para eles, trata-se de um sistema
basicamente são, suas desigualdades de acessos são
lamentáveis mas toleráveis, seu pluralismo e
competição respondem efectivamente a exigências do
consumidor. No modo pós-modernista, as análises globais e
soluções globais são rejeitadas e ridicularizadas; lutas
individuais e pequenas vitórias são enfatizadas, mesmo por
pensadores nominalmente de esquerda.
Muitas das críticas efectuadas mal escondem a ira. E na maior parte o
modelo de propaganda foi descartado com uns poucos clichés superficiais
(conspiratório, simplista, etc) sem a mínima
apresentação do modelo ou sujeição do mesmo a um
teste de evidência. Deixem-me discutir brevemente algumas das
críticas principais.
Teoria da conspiração.
Explicámos em
Manufacturing Consent
que análises críticas como a nossa inevitavelmente provocariam
gritos de teoria da conspiração e, num esforço
fútil para impedir isto, dedicámos várias páginas
do prefácio a mostrar que o modelo de propaganda é melhor
descrito como um "sistema guiado pelo mercado" e explicitamente
rejeitámos a conspiração. Os críticos convencionais
(mainstream)
não podiam abandonar a acusação, parcialmente porque
sabiam que acusar falsamente uma crítica radical de teoria da
conspiração não lhes custaria nada e parcialmente por
causa da sua suposição superficial de que uma vez que os media
abrangem milhares de jornalistas e companhias "independentes"
qualquer consideração de que eles seguem uma "linha do
partido" ao serviço do estado deve repousar sobre uma
conspiração assumida. (De facto ela pode resultar de uma
crédula aceitação generalizada de notas oficiais para a
imprensa, crenças comuns internalizadas, temor de represália por
análises críticas, etc) O modelo de propaganda explica o
comportamento e desempenho dos media em termos estruturais e concentra-se num
incomensurável desvio de atenções
(red herring).
Todos nós sabemos que os media e os jornalistas enganam-se em conjunto
alguns sem dúvida internalizam uma linha de propaganda como
verdade, alguns podem saber que é falsa, mas o caso é
inescrutável e irrelevante.
Falha em considerar o profissionalismo e objectividade dos media.
O professor de comunicações Daniel C. Hallin argumentou que
falhámos em considerar a maturidade do jornalista profissional, o qual,
afirmou ele, é "central para o entendimento de como operam os
media". Hallin também declarou que na protecção e
reabilitação da esfera pública "o profissionalismo
é certamente parte da resposta".
[2]
Mas o profissionalismo e as regras da objectividade são difusas,
flexíveis, e manifestações superficiais de um poder mais
profundo e de controle de relacionamentos. O profissionalismo ascendeu no
jornalismo naqueles anos em que o negócio dos jornais estava a tornar-se
menos competitivo e mais dependente da publicidade. O profissionalismo
não era um movimento antagonista dos trabalhadores contra os
proprietários da imprensa, mas era activamente encorajado por muitos
destes últimos. Ele deu uma insígnia de legitimidade ao
jornalismo, assegurando ostensivamente aos leitores que as notícias
não seriam influenciadas pelos preconceitos dos proprietários,
anunciantes ou dos próprios jornalistas. Em certas circunstâncias
proporcionou um grau de autonomia, mas o profissionalismo também
internalizou alguns dos valores comerciais mais queridos dos
proprietários dos media, com confiar em fontes oficiais baratas como
fonte de notícias críveis. Como observou Ben Bagdikian, o
profissionalismo tornou os jornalistas inconscientes quanto aos compromissos
com a autoridade que estão constantemente a fazer. Mesmo Hallin
reconhece que o jornalismo profissional pode permitir algo próximo do
controle governamental total via dominação das fontes.
Apesar de Hallin afirmar que o modelo de propaganda não pode explicar o
caso da cobertura dos media das guerras na América Central na
década de 1980, onde houve considerável hostilidade interna
às políticas de Reagan, de facto o modelo da propaganda funcionou
ali extremamente bem, ao passo que o foco de Hallin sobre o
"profissionalismo" fracassou abissalmente. Hallin reconheceu que
"a administração foi capaz mais frequentemente do que
não de prevalecer na batalha para determinar o molde dominante da
cobertura televisiva", "os padrões vastos de moldagem da
narrativa podem ser quase inteiramente responsabilizados pela
evolução da política e do debate da elite em
Washington" e "declarações coerentes de visões
alternativas da ordem mundial e da política dos EUA raramente apareceram
nos noticiários".
[3]
Isto é exactamente o que o modelo da propaganda prognosticaria. E se,
como sustentou Hallin, uma maioria do público se opusesse à
visão da elite, que espécie de "profissionalismo"
permite uma virtualmente completa supressão das questões tal como
a maioria o percebe?
Hallin menciona uma "perspectiva alternativa emergente" na reportagem
sobre El Salvador um enquadramento nos "direitos humanos"
que "nunca avançou". O modelo da propaganda pode
explicar porque nunca avançou; Hallin não. Com 700 jornalistas
presentes nas eleições salvadorenhas de 1982, alegadamente
"muitas vezes cépticos" quanto à integridade eleitoral,
porque é que isto resultou numa "vitória de
relações públicas" para a administração
e uma grande falsificação da realidade (como descrito no
Manufacturing Consent
)?
[4]
Hallin não explicou isto. Ele nunca mencionou o Gabinete de Diplomacia
Pública ou o despedimento do repórter Raymond Bonner e o trabalho
das máquinas de blindagem
(flak).
Ele nunca explicou o fracasso dos media em informar mesmo uma minúscula
fracção dos crimes dos contras na Nicarágua e os
esquadrões da morte de El Salvador e da Guatemala, em contraste com a
sua inflação de malfeitorias sandinistas e duplos padrões
na reportagem sobre a eleição da Nicarágua de 1984. Dadas
as divisões da elite e a hostilidade pública à
política de Reagan, a subserviência dos media foi fenomenal e
comprovadamente excedeu aquilo que o modelo da propaganda podia ter antecipado.
[5]
Fracasso em explicar a oposição e resistência continuadas.
Tanto Hallin como o historiador Walter LaFeber (numa revista no
New York Times
) apontaram a continuada oposição à política de
Reagan na América Central como de certo modo incompatível com o
modelo. Estes críticos deixaram de compreender que o modelo de
propaganda é acerca de como os media funcionam, não quão
eficazes são. Pela lógica desta forma de crítica, se
muitos soviéticos não engolissem os escritos do
Pravda
isto demonstraria que este não estava ao serviço da propaganda
do estado.
Modelo de propaganda demasiado mecânico, funcionalista, ignora a
existência de espaço, contestação e
interacção.
Este conjunto de críticas está no cerne das
reacções negativas dos analistas sérios à esquerda
do centro, tais como Philip Schlesinger, James Curran, Peter Golding, Graham
Murdoch e John Eldridge, bem como de Hallin. Destes críticos, só
Schlensinger tanto resume os elementos do nosso modelo como discute a nossa
prova. Ele reconhecer que os estudos de caso apresentam casos impressionantes,
mas acaba no fim por considerar "uma visão altamente determinista
de como os media operam complementado por uma concepção
funcionalista directa da ideologia".
[6]
Especificamente, deixámos de explicar os pesos a serem dados aos nossos
cinco filtros; não permitimos influências externas, não
apresentámos uma "análise completa dos modos pelos quais
opera-se a dinâmica económica para estruturar tanto a amplitude
como a forma das apresentações da imprensa" (citando Graham
Murdoch); e apesar de avançar "um modelo de efeitos poderosos"
admitimos que o sistema não é todo-poderoso, o que põe em
questão nosso determinismo.
A crítica do modelo de propaganda por ser determinista ignora
várias considerações importantes. Qualquer modelo envolve
elementos deterministas, de modo que isto é um espantalho a menos que os
críticos também mostrem que o sistema não é
logicamente consistente, opera sobre premissas falsas ou que o poder
previsional das variáveis determinantes é fraco. Os
críticos muitas vezes reconhecem que os estudos de caso que
apresentámos são poderosos, mas não mostram onde o alegado
determinismo conduz ao erro nem tão pouco apresentam ou apontam modelos
alternativos que cumprissem melhor essa tarefa.
[7]
O modelo de propaganda trata de conjuntos de eventos extraordinariamente
complexos e pretende só oferecer um quadro de análise vasto que
exige modificação conforme os muitos locais e factores especiais
e pode ser inteiramente não aplicável em alguns casos. Mas
eles oferece uma percepção em numerosos casos importantes que
têm efeitos vastos e força ideológica cumulativa, é
defensável a menos que um melhor modelo seja proporcionado.
Habitualmente os críticos sabiamente apegam-se a generalidades e
não apresentam qualquer pormenor crítico e modelo alternativo;
quando apresentam alternativas, os resultados não são
impressionantes.
[8]
A crítica do modelo de propaganda por funcionalismo também
é dúbia e os críticos por vezes parecem apelar a mais
funcionalismo. O modelo descreve um sistema no qual os media servem a elite,
mas por processos complexos incorporados dentro do modelo como meios pelos
quais os poderosos protegem os seus interesses naturalmente e sem
conspiração aberta. Isto pareceria um dos méritos do
modelo de propaganda; ele mostra uma dinâmica e um sistema auto-protector
em operação. A mesma comunidade corporativa que influencia os
media através do seu poder como proprietário, financiador
dominante (publicidade) e uma fonte importante de notícias subscreve
também o Accuracy in Media e o American Enterprise Institute para
influenciar os media através da importunação e do
fornecimento de peritos "saudáveis". Críticos do
funcionalismo do modelo de propaganda, como Eldridge e Schlensinger,
contraditoriamente apontam para o mérito de análise que focam
sobre "como fontes organizam estratégias dos media" para
atingirem seus fins. Aparentemente é admirável analisar
estratégias micro-corporativas para influenciar os media, mas focar
sobre esforços corporativos globais para influenciar os media
juntamente com os efeitos complementares de milhares de estratégias
locais é funcionalismo ilegítimo!
Também não é verdade que o modelo de propaganda não
implique constrangimentos sobre proprietários/administradores dos media.
Nós explicámos claramente as condições que os
afectam quando os media são relativamente abertos ou fechados
principalmente desacordos entre a elite e a medida em que outros grupos na
sociedade estão interessados em, informados acerca e organizados para
combater acerca de tais questões. Mas o modelo de propaganda não
parte da premissa de que uma economia política crítica
formulará cabalmente a análise do
locus
do controle dos media e os mecanismos pelos quais os poderosos são
capazes de dominar o fluxo de mensagens e limitar o espaço de partes
contestantes. Os limites do seu poder certamente são importantes, mas
porque deveriam eles vir em primeiro lugar, excepto como um meio de minimizar o
poder dos interesses dominantes, inflacionar os elementos de
contestação e pretender que os marginalizados têm mais
poder do que realmente possuem?
Relevância reforçada do modelo de propaganda
As mudanças dramáticas na economia, indústrias e
políticas de comunicação durante a última
década tenderam a reforçar a aplicabilidade do modelo de
propaganda. Os primeiros dois filtros propriedade e publicidade
tornaram-se ainda mais importantes. O declínio da
rádio-televisão pública, o aumento do poder corporativo e
do seu alcance global, e as fusões e centralização dos
media tornaram as considerações básicas mais dominantes. A
competição para atender anunciantes tornou-se mais intensa. As
redacções foram incorporadas mais a fundo nos impérios
corporativos transnacionais, com recursos reduzidos e ainda menos entusiasmo
das administrações pelo jornalismo de investigação
que desafiaria a estrutura do poder. Em suma, a autonomia profissional dos
jornalistas foi reduzida.
Alguns argumentam que a Internet e as novas tecnologias de
comunicação estão a romper a camisa de força sobre
o jornalismo e abrem uma era sem precedentes de media democrática
interactiva. Não há evidência a suportar esta visão
quanto ao jornalismo e à comunicação de massa. De facto,
alguém poderia argumentar que as novas tecnologias estão a
exacerbar o problema. Elas permitem às empresas de media contrair as
equipes enquanto atingem maiores produções e tornam
possíveis sistemas de distribuição global, reduzindo
portanto o número de entidades de media. Embora as novas tecnologias
tenham grande potencial para a comunicação democrática,
deixadas ao mercado há pouca razão para esperar que a Internet
sirva finalidades democráticas.
O terceiro e quarto filtros as fontes e a blindagem
(flak)
também foram fortalecidas como mecanismo de influência da
elite. Uma redução nos recursos dedicados ao jornalismo significa
que aqueles que subsidiam os media através do fornecimento de fontes
para copiar ganham maior alavancagem. Além disso, trabalhos de pessoas
como Alex Carey, John Stauber e Sheldon Rampton ajudaram-nos a ver como a
indústria das relações públicas tem sido capaz de
manipular a cobertura de imprensa de questões em favor da América
corporativa. A indústria de RP entende como utilizar
convenções jornalísticas a fim de atender os seus
próprios fins. Estudos de novas fontes revelam que uma
proporção significativa das notícias tem origem na
indústria das RP. Há hoje, numa contagem conservadora, mais de 20
mil agentes de RP a trabalharem para adulterar as notícias do que
jornalistas a escrevê-las.
O quinto filtro ideologia anti-comunista estará
possivelmente enfraquecido pelo colapso da União Soviética e do
socialismo global, mas isto é facilmente compensado pela maior
força ideológica da crença no "milagre do
mercado" (Reagan). Agora há uma fé quase religiosa no
mercado, pelo menos entre a elite, de modo que sem considerar as
evidências, mercados são assumidos como benévolos e
mecanismos de não-mercado são suspeitos. Quando a economia
soviética estagnou na década de 1980, isto foi atribuído
à ausência de mercados; quando a Rússia capitalista
desintegrou-se na década de 1990 isto verificou-se porque
políticos e trabalhadores não estavam a permitir que os mercados
operassem a sua mágica. O jornalismo internalizou esta ideologia.
Acrescente-se a isto o quinto filtro, num mundo onde o poder global das
instituições de mercado faz com que quaisquer outras
opções além do mercado pareçam utópicas,
dá-nos um pacote ideológico com imensa força.
O modelo de propaganda aplica-se extremamente bem ao tratamento dos media do
North American Free Trade Agreement (NAFTA), à subsequente crise
mexicana e ao colapso de 1994-95. Mais uma vez houve uma divisão aguda
entre as preferências dos cidadãos comuns e a elite e comunidade
de negócios, com pesquisas de opinião a mostrarem firmemente
maiorias substanciais a oporem-se ao NAFTA e ao salvamento
(bailout)
de investidores em títulos mexicanos mas a elite estava a favor.
A cobertura dos noticiários dos media, a selecção de
"peritos" e as colunas de opinião foram distorcidas
consequentemente; o seu julgamento era que os benefícios do NAFTA eram
óbvios, acordados por todas as autoridades qualificadas em que só
demagogos e "interesses especiais" a ele se opunham. Meg Greenfield,
editorialista do
Washington Post,
explicou o enorme desequilíbrio na sua coluna: "Na rara
ocasião em que colunistas da esquerda, direita e centro estão
todos de acordo... não acredito que seja correcto criar um
equilíbrio artificial onde não existe nenhum".
[9]
Mas com a maioria do público a opor-se ao NAFTA, a unidade pró
NAFTA entre os sabichões simplesmente realçou o enorme
viés de tais sabichões. Pode ser valioso observar que as
corporações de media transnacionais têm um auto-interesse
diferente nos acordos comerciais globais, pois elas estão entre as sua
primeiras beneficiárias.
O viés pró corporativo e anti-trabalho dos media de
referência também foi evidente nas denúncias editoriais
(tanto no New York Times como no Washington Post) de tentativas do movimento
trabalhista no sentido de influenciar votações sobre o NAFTA, sem
qualquer crítica comparável do lobbying e RP corporativo ou
governamental (estado-unidense e mexicano). Depois de ter louvado o modesto
movimento trabalhista e os acordos de protecção ambiental
tardiamente acrescentados ao NAFTA, os media então deixaram de
acompanhar sua aplicação e, de facto, quando o trabalho tentou
utilizar suas disposições para impedir ataques à
organização sindical no México, a imprensa ignorou o caso
ou ridicularizou-o como "agressão" trabalhista.
[10]
Com o colapso mexicano iniciado em Dezembro de 1994, os media deixaram claro
que o NAFTA não devia ser culpado e, num virtual fileira cerrada,
apoiaram o salvamento
(bailout)
mexicano (dos investidores), apesar dos inquéritos de opinião
quanto à maciça e generalizada oposição
pública. Peritos e media reiteradamente explicaram que o mérito
do NAFTA era o de ter "trancado o México dentro [do NAFTA] de modo
a que não pudesse recorrer a controles para proteger-se da severa
deflação. Eles abstraíram-se da natureza profundamente
anti-democrática desta tranca.
[11]
Tal como é sugerido pelo tratamento do NAFTA e do direito do trabalho a
participar nos seus debates, o modelo de propaganda aplica-se tanto a
questões internas como estrangeiras. O trabalho tem estado acossado nos
Estados Unidos durante os últimos quinze anos, mas dificilmente se
saberia isto a partir dos media de referência. A anulação
de certificações de sindicatos, a utilização de
trabalhadores de substituição e as longas e debilitantes greves
como aquela que envolveu a Caterpillar foram tratadas de um modo muito contido.
E numa notável ilustração da aplicabilidade do modelo de
propaganda, à longa greve dos mineiros de Pittston foi concedida muito
menos atenção do que à greve de mineiros na União
Soviética.
[12]
Durante anos os media dispuseram da evidência de que a maioria dos
cidadãos comuns estavam a sair-se mal na Nova Ordem Económica
Mundial mas consideraram ser isso de interesse marginal; eles
"descobriram" esta questão só sob o ímpeto dos
clamores populistas de Pat Buchanan, da extrema-direita.
A cobertura das "guerras da droga" é bem explicada pelo modelo
de propaganda.
[13]
Na controvérsia de 1992-93 do seguro de saúde, os media
recusaram-se a tomar a sério a opção do pagador
único
(single-payer),
apesar do aparente apoio público generalizado e da eficácia do
sistema no Canadá, o que servia muito bem os interesses do complexo de
seguros e serviços médicos. A informação e
comentários acríticos dos media sobre a alegada urgência de
contenção fiscal e de um orçamento equilibrado nos anos
1992-96 ajustava-se bem ao desejo da comunidade de negócios de reduzir o
orçamento social e enfraquecer a regulamentação,
culminando no Contract with America.
[14]
A aplicabilidade do modelo de propaganda neste e em outros casos parece clara.
Nota final
Em retrospectiva, talvez devêssemos ter deixado mais claro que o modelo
de propaganda era acerca do comportamento e do desempenho dos media, com
efeitos incertos e variáveis. Talvez devêssemos ter explicado com
mais pormenor as forças concorrentes tanto dentro como fora dos media e
as condições sob as quais estas provavelmente são
influentes. Mas nós claramente abordámos estes pontos e é
bastante possível que nada do que pudéssemos ter feito teria
impedido de sermos etiquetados como teóricos da
conspiração, deterministas rígidos e negadores da
possibilidade de que o povo possa resistir (mesmo quando apelávamos
à resistência).
O modelo de propaganda ainda parece um quadro muito viável para analisar
e entender os media de referência talvez ainda mais do que em
1988. Como observado anteriormente na referência à América
Central, ele frequentemente ultrapassa as expectativas da subserviência
dos media à propaganda governamental. E ainda estamos à espera de
que os nossos críticos apresentem um modelo melhor.
1. Noam Chomsky analisa algumas destas críticas no seu
Necessary Illusions
(Boston: South End, 1989), appendix l.
2. Daniel C. Hallin,
We Keep America on Top of the World: Television Journalism and the Public Sphere
(London: Routledge, 1994), 13, 4.
3. Hallin,
We Keep America on Top of the World
, 64, 74, 77.
4. Hallin,
We Keep America on Top of the World
, 72.
5. Para documentação irrefutável sobre esta
subserviência extraordinária, ver Chomsky,
Necessary Illusions
, 197261.
6. Philip Schlesinger, "From Production to Propaganda?"
Media, Culture and Society
11, no. 3 (1989): 283306.
7. Deveria ser observado que os estudos de caso em
Manufacturing Consent
são apenas uma pequena porção daqueles que Chomsky e eu
fizemos, os quais suportam a análise do modelo de propaganda. Uma
menção especial deveria feita àqueles que cobrem o
Médio Oriente, a América Central e o terrorismo. Ver
especialmente
Necessary Illusions, The Fateful Triangle
(London: Pluto, 1983) e
Pirates & Emperors
(Montreal: Black Rose, 1987) de Chomsky, bem como o meu
The Real Terror Network
(Boston: South End, 1982) e (with Gerry O'Sullivan)
The Terrorism Industry
(New York: Pantheon, 1989).
8. De facto, a única tentativa de apresentar um modelo alternativo foi a
de Nicholas Lemann no
New Republic
. Para uma análise deste esforço, ver
Necessary Illusions
,145-48, de Chomsky.
9. Howard Kurtz, "The NAFTA Pundit Pack,"
Washington Post
, November 19, 1993.
10. Para uma discussão ver Edward Herman, "Labor Aggression in
Mexico,"
Lies of Our Times
(December 1994): 67.
11. Para discussões do tratamento pelos media do NAFTA e do colapso
mexicano, ver Thea Lee, "False Prophets: The Selling of NAFTA,"
Economic Policy Institute, 1995; Edward Herman, "Mexican Meltdown: NAFTA
and the Propaganda System," Z (September 1995).
12. Jonathan Tasini, "
Lost in the Margins: Labor and the Media
,"
EXTRA!
(Summer 1990).
13. Ver Noam Chomsky,
Deterring Democracy
(London: Verso, 1991), 11421.
14. "Health Care Reform: Not Journalistically Viable,"
EXTRA!
JulyAugust 1993); John Canham-Clyne, "
When 'Both Sides' Aren't enough: The Restricted Debate over Health Care Reform
,"
EXTRA!
JanuaryFebruary 1994).
[*]
Economista, falecido em Novembro/2017. Muitas das suas obras estão
aqui
.
O original encontra-se em
monthlyreview.org/2018/01/01/the-propaganda-model-revisited
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