Os bastidores dissimulados do circo europeu contra Chávez
por Maxime Vivas
Em 15 de Maio de 2007 uma aliança maioritária entre partidos da
direita europeia, PPE, ALDE, UEN com o ITS (grupo político fascista,
nomeadamente de Jean-Marie et Marine Le Pen) conseguiu, contra a opinião
de todos os outros partidos, que uma "Resolução do
Parlamento Europeu sobre a Venezuela" seja posta na ordem do dia para ser
votada.
Esta resolução afirma que a não renovação da
licença hertziana da cadeia de televisão RCTV condena este meio
de comunicação social que emprega 3000 assalariados a
desaparecer, que o "encerramento deste meio" contradiz o direito da
impressa a jogar o seu papel de contra-poder, que o governo venezueliano deve
garantir uma informação pluralista e fazer respeitar a liberdade
de expressão. Apela também ao diálogo entre o governo e a
RCTV. Por fim, pede ao Tribunal Superior de Justiça da Venezuela que
anule o mais brevemente possível o decreto que não renova a
licença de difusão à RCTV.
Esta resolução da direita e da extrema direita parlamentar
europeia (grupos maioritários) está cheia de erros, pois: a RCTV
não vai desaparecer (será privada da via hertziana), os
assalariados continuarão com o seu emprego, o pluralismo de
informação é garantido na Venezuela como em nenhuma outra
parte da América Latina; e mais, os incessantes convites ao
diálogo em 2005 e 2006 feitos pela CONATEL receberam sempre a negativa
da RCTV
Só se pode aceitar esta resolução se se aceitar três
postulados:
1. Uma cadeia de televisão privada que tenha obtido uma licença
para 20 anos beneficia de facto duma licença perpétua.
2. Uma cadeia de televisão privada que apele ao golpe de Estado contra
um presidente eleito, que desrespeite as leis (publicidade clandestina, fraude
fiscal, desrespeito pelas quotas de produção nacional,
introdução de imagens subliminais em emissões para a
juventude
[1]
, etc), que recuse todo o diálogo com as autoridades pode EXIGIR essa
renovação.
3. O Tribunal Superior de Justiça da Venezuela não deve, como
organismo independente (independente também da Europa) e de acordo com a
legislação do seu país, pronunciar-se com alma e
consciência sobre a decisão, mas sim "anulá-la".
Esta moção é culpada de omissão, pois a RCTV pode
transmitir livremente por cabo, satélite ou internet. Centenas de
cadeias que, por todo o mundo, transmitem destas maneiras NÃO SÃO
ENCERRADAS.
Esta resolução mostra uma solicitude para com hipotéticos
despedidos venezuelanos que a mesma direita não mostra para com empresas
licenciadas na Europa que encerram DE VERDADE tão só pela vontade
do seu patrão.
Esta resolução faz-nos lembrar que não houve
moção análoga quando, durante o golpe de Estado de Abril
de 2002, os meios de comunicação social venezuelanos, cuja
licença não se encontrava à data caduca, foram brutalmente
encerrados, completamente, sem pré-aviso, enquanto que jornalistas foram
presos, torturados, e quando, mais tarde, toda a informação sobre
o falhanço do putsch desapareceu dos ecrãs para esconder o facto.
Esta resolução faz-nos pensar sobre o que se passaria se
amanhã uma televisão francesa apelasse ao exército para
derrubar Sarkozy, propagasse as maiores mentiras para o ajudar nesse sentido,
organizasse uma marcha contra o Eliseu, convivesse com atiradores na rua,
aprovasse quem dissolvesse o Parlamento e a maioria das
Instituições estatais, interditasse os sindicatos, demitisse
todos os altos funcionários, perseguisse os jornalistas não
putschistas. Se tudo isto acontecesse, bater-se-iam os nossos parlamentares
signatários para que fosse permitido a essa televisão demonstrar
durante mais 20 anos o seu tão particular amor pela democracia? Caso
não, mostrariam que o que admitem para a Venezuela lhes parece indigno
para a França, descobrindo com isso o seu espírito
neocolonialista.
Esta resolução sugere-nos que, uma vez que os nossos meios de
comunicação e as nossas televisões privilegiam uma certa
corrente de pensamento (o director adjunto da campanha de Sarkozy encontrava-se
cooptado pela direcção da TF1), seria útil votar uma outra
tão preocupada como esta pela liberdade de expressão e pelo
pluralismo, mas destinada à Europa.
Esta resolução é alimentada por informações
trazidas a Estrasburgo por Marcel Granier, patrão da RCTV, apoiado por
Robert Ménard da RSF. Foi o socialista francês Jean-Pierre Cot,
antigo presidente do grupo socialista que conseguiu que se convidasse Marcel
Granier ao Parlamento Europeu dois meses atrás. Ao princípio os
socialistas europeus pediram a inscrição desta questão na
ordem do dia. Mais tarde, divididos, vacilaram e acabaram por se pronunciar
contra a inscrição da moção na ordem do dia sobre
as urgências sobre os direitos do homem, para, por fim, se juntarem ao
compromisso de esquerda e votarem contra a moção da direita.
Jean-Marie Cavada oficialmente insistiu muito junto das instâncias do
Parlamento Europeu para que o caso da RCTV fosse inscrito na ordem do dia sobre
as urgências sobre os direitos do homem (ao mesmo nível portanto
que os massacres, os desaparecimentos forçados ou a tortura). Em 21 de
Maio o deputado francês verde Alain Lipietz propõs uma outra
moção, menos marcada que a do PPE, mas sobre umas suas
declarações anteriores após uma viagem à Venezuela
onde visitou estúdios de televisão (entre outros Vive TV) podendo
construir uma opinião acertada da qual prestou contas com honestidade. A
sua moção lamentava que esta decisão estabeleça
"um precedente" e solicitava que o caso da RCTV fosse examinado no
seio de delegações e comissões competentes do Parlamento
Europeu.
Desde Paris o senador socialista Jean-Luc Mélechon, amigo da Venezuela,
falava aos parlamentares socialistas franceses e europeus. De um pouco por toda
a parte outros amantes da verdade e da liberdade interpelavam
responsáveis socialistas (entre outros Fabius, que não disse nem
palavra).
O grupo de esquerda GUE/NGL (que agrupa os comunistas e os verdes
nórdicos) apresentou uma resolução insistindo no direito
soberano do governo venezuelano de regular o seu espaço audiovisual e da
sua obrigação constitucional de não permitir
monopólios e concentrações nos meios de
comunicação social.
No fim de contas, após uma intensa actividade deste grupo, um
compromisso foi assinado sobre uma moção alternativa do GUE/NGL,
do PSE (grupo do partido socialista europeu) e dos verdes.
Este compromisso considera que a não renovação da
licença de difusão VHF pela RCTV por parte do órgão
regulador do espaço hertziano da Venezuela foi justificada pelo apoio
dessa televisão à tentativa de golpe de Estado militar em 2002,
ao embargo petrolífero de 2003 e pelo seu comportamento parcial aquando
do referendo revocatório de 2004, assim como pelas
violações repetidas da legislação sobre a
protecção da infância, a protecção da imagem
da mulher e dos indígenas. Notar que a questão do pluralismo e da
liberdade de expressão na América Latina e (veja-se a
malícia) na União Europeia deve ser tratado no quadro dum
diálogo construtivo com as estruturas de cooperação
parlamentares existentes entre a UE e a América latina tal como com os
representantes dos governos e da sociedade civil. Consequentemente, pede
às delegações e comissões competentes do Parlamento
Europeu para pegarem nesta questão. Pede às autoridades da
Venezuela, em nome da imparcialidade do Estado, de velar pela não
concentração dos meios de comunicação social, pela
sua qualidade, pelo pluralismo da informação e pelo respeito
pelas normas em vigor.
Apela aos meios de comunicação social venezuelanos privados e
públicos por um tratamento objectivo e imparcial da vida política
venezuelana; apoia os meios que asseguram o pluralismo e a legalidade
democrática. Toma nota do anúncio do governo venezuelano de
assumir estritamente as decisões do poder judicial a respeito da RCTV; e
de pedir a todos os partidos que façam o mesmo.
Este ponto último é importante: o Supremo Tribunal de
Justiça pronunciou-se em 23 de Maio rejeitando o recurso da RCTV. A
supressão dum canal de emissão duma televisão putschista
é portanto não só legítimo, mas também legal
na Venezuela. A distinção faz-se entre o papel de contra-poder e
o da encarnação do poder.
Sentindo vir o vento, os grupos de direita mudaram no último instante a
sua resolução num "compromisso final" que não
apela já ao tribunal para resolver o caso, mas que declara
antecipadamente que a decisão deste é nula por "não
ter respeitado o prazo legal para estatuir".
Outra versão dos Repórteres sem Fronteiras é a do
comunicado que "lamenta" a decisão do Tribunal porque "a
licença era válida até 2022". Fábula inventada
por Marcel Granier que nenhum parlamentar europeu achou útil ter em
conta. A RSF precisa além disso que enviou representantes à
Venezuela para apoiar a RCTV e encontrar-se com os meios de
comunicação social e as autoridades envolvidas.
Esta decisão da Justiça tem por que deixar mudos os nossos
parlamentares europeus, que já o estavam aquando da supressão
pela nossa CSA da licença da TV6 em 1987 e da Al Manar em 2004, pela
intimação de 21 de Maio de 2007 por parte da CSA à
Eutelstat de não difundir mais a Al Jazeera, pela
revogação em Espanha da concessão da TV Laciana em 2004 e
da TV Catolica em 2005, o encerramento da TeleAsturias em Março de 2007,
pela revogação no Reino Unido da licença da One TV, da
Actionworld e da StarDateTV24 em 2006, da Look4love2 em 2007.
De qualquer forma, tendo-se em conta apenas a sua vigilância em
relação à América Latina, vê-se claramente
uma selecção: em Abril de 2007 o Peru encerrou duas cadeias de
televisão por infracções à
legislação. Em 2003, El Salvador revogou a concessão da
Salvador Network. Mais a norte, no continente americano? Em 1999 o
Canadá revoga a concessão da Country Music Television (CMT). Em
1969 os Estados Unidos revogam a concessão da WLBT-TV, em 1981 a da
WLNS-T, em 1998 a da Daily Digest e em 1999 a da FCC Yanks Trinity License.
A resolução da direita do parlamento europeu contra a Venezuela
foi sorrateiramente votada em 24 de Maio, sem quorum, passando ao lado do
procedimento para com as urgências sobre os direitos do homem,
constituído por assuntos consensuais sobre a defesa das liberdades
fundamentais.
De 785 deputados só 65 estavam presentes. A aprovação
conseguiu-se com 43 a favor contra 22 contra.
Jean-Marie Cavada nem se dignou a descer do seu gabinete ao hemiciclo para
assistir ao debate ou participar na votação das
resoluções... Entre os poucos deputados franceses presentes na
votação encontravam-se Pervenche Bérés (PSE) e o
comunista Francis Wurtz (GUE/NGL).
Este voto é, tal como o reconhecem sem dificuldade parlamentares de
direita nos corredores de Estrasburgo, "um voto político".
O objectivo é de facto punir um país que pretende recuperar as
suas riquezas naturais, ajudar outros países da região a
libertarem-se da miséria e do Império, um país que acaba
de se retirar do FMI e do Banco Mundial e que projecta criar um Banco do Sul.
À cabeça desse país está um homem que ganha
eleição atrás de eleição, levado pelo seu
povo, apesar da violência de meios de comunicação social
pertencendo essencialmente à oposição.
PS: A resolução final da direita e da extrema direita já
não falava da RCTV como "condenada" a desaparecer mas de
"em risco" de desaparecer. Longa é a senda que serpenteia
diante das verdades evolutivas. Na altura em que escrevo estas linhas (25 de
Maio, 10 horas em Caracas) já não tenho possibilidade de saber a
lista dos deputados que votaram a resolução. Não duvido
que os leitores a obterão e a adicionarão como comentário
a este artigo.
Notas de resistir.info: O sítio web do Parlamento Europeu não
informa os nomes dos
deputados que votaram a favor e contra esta resolução. A
referida resolução foi
proposta
pelos seguintes elementos:
Fernando Fernández Martín, Daniel Hannan, Sérgio Marques,
José Ribeiro e Castro, Bogus³aw Sonik, Charles Tannock, Zuzana
Roithová e Bernd Posselt, em nome do PPE-DE Group; Jean-Marie Cavada,
Sarah Ludford e Marios Matsakis, em nome do ALDE Group; Roberta Angelilli,
Mieczys³aw Edmund Janowski, Wojciech Roszkowski, Marcin Libicki e
Bogus³aw Rogalski, em nome do UEN Group.
[1]
Verifiquei pessoalmente, em extractos passados de modo lento, a presença
dessas imagens. Entre Junho e Dezembro de 2006 a RCTV foi culpada de 652
infracções diversas.
O original encontra-se em
http://www.legrandsoir.info/article.php3?id_article=5085
. Tradução de DF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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