Venezuela: Reforma e Revolução
por Alí Rodríguez Araque
[*]
Este domingo, 2 de Dezembro, o povo venezuelano irá às urnas mais
uma vez para defender o processo democrático e participativo contemplado
na sua Constituição, enquanto os sectores ligados aos centros de
poder imperiais tentam novamente subverter a ordem interna no país.
Qual é a razão para que a oposição desencadeie hoje
essa campanha histérica mais histérica do que de costume
perante as mudanças revolucionárias que estão a
verificar-se no país? Qual é a razão porque, não
só a partir dos poderosos meios de comunicação internos
como também à escala mundial, desencadeou-se uma campanha de
enormes dimensões, que colocou o tema Venezuela, dia após dia, a
cada instante, perante a opinião pública internacional?
Já não se trata de razões como no passado, quando a
Venezuela era notícia devido às suas grandes riquezas
petrolíferas ou por conquistar os concurso Miss Universo ou Miss Mundo
pela beleza das suas mulheres, e sim de outras razões que despertam
tanto o interesses dos povos do mundo como também a
preocupação, a angústia crescente das oligarquias, tanto
da América Latina como as imperiais, estas últimas em especial.
A que obedece este conflito?
O dia 27 de Fevereiro de 1989 constituiu uma das expressões mais
dramáticas e sangrentas da crise do sistema político,
económico e social da Venezuela, que não foi alheia à onda
neoliberal que percorreu todo o mundo, com força particular na
América Latina. O processo de concentração da riqueza, de
expropriação literal da imensa maioria dos venezuelano, teve como
ponto de partida o problema da distribuição da renda petroleira,
da qual a Venezuela depende para o bem e para o mal. Para o bem, porque
graças a ela é possível melhorar as
condições de vida da população. Para o mal, porque
estamos submetidos aos vai e vens dos preços petrolíferos no
mundo, que nem sempre dependem da decisão e da vontade dos países
produtores de petróleo e sim de circunstâncias muitas vezes
alheias às suas próprias decisões. O que está hoje
a ocorrer é um exemplo: os altos preços do petróleo
não dependem de que a Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP) aumente ou diminua a
produção. Pode aumentar a produção e ainda assim
os preços continuarão em níveis elevados pelas
condições de instabilidade existentes no mundo, como são
os conflitos no Iraque, Afeganistão, as ameaças contra o
Irão, a grave circulação no mercados de futuros que
também agarraram os mecanismos dos preços do petróleo,
dentre outros factores.
Como se exprimiu na Venezuela?
O maior interesse dos países proprietários do petróleo
é a renda que possam obter pela sua exploração. E no caso
específico essa renda é gerada pelos royalties que se cobram pelo
acesso ao recurso petrolífero, pelos impostos que qualquer Estado
soberano hoje cobra no mundo, e pelos lucros que gera o investimento
empresarial, naqueles casos em que os países contam também com
empresas petrolíferas.
O neoliberalismo introduziu-se no sector petrolífero venezuelano, de tal
modo que se viram abatidas as contribuições na rubrica de
royalties, foram reduzidos ou eliminados os impostos e privatizada a empresa
nacional petrolífera da Venezuela.
Firmaram-se contratos que representaram uma verdadeira traição
à Pátria, porque esses royalties de 1/6, que implicavam 16,6 por
cento, reduziram-se a um por cento. Em alguns contratos, inclusive, a zero por
cento. O imposto sobre a renda reduziu-se de 67,7 por cento para 34 por cento.
E desenvolveu-se uma estratégia tendente a asfixiar a PDVSA para
obrigá-la à privatização.
O triunfo de Hugo Chávez provocou um corte radical com essa
estratégia neoliberal de traição aos melhores interesses
da Venezuela que, como consequência da forte queda dos rendimentos,
defendia a expansão da produção, política que
representava o desgaste da OPEP. Quando a Venezuela aumentou a sua
produção, outros países fizeram o mesmo, provocando a
inundação do mercado de petróleo. Caíram os
preços. No caso da Venezuela, o cabaz petrolífero chegou aos
sete dólares por barril, tendo este um alto componente de produtos
derivados que lhe acrescentam valor, o que quer dizer que estávamos a
vender petróleo a cinco dólares ou menos, em alguns casos abaixo
do custo de produção. Estas medidas geram sérios
transtornos no seio da OPEP, que se viu enfraquecida e ameaçada na sua
própria existência.
Hugo Chávez pôs fim a essa política. Desde o início
da sua campanha, em 1988, o Presidente colocou a necessidade de recuperar o
espírito nacional e de que se tomasse um conjunto de medidas destinadas
a recuperar o controle da nação sobre os seus recursos
petrolíferos. Tais propostas provocaram enorme frustração
e desgostos entre os centros imperiais que viam na Venezuela a possibilidade de
resolver ao preço mínimo, quase como prenda, seus abastecimentos
de petróleo.
Aí está a origem fundamental do problema, ainda que haja outros
factores importantes de ordem político. Na medida em que um país
demonstra que é capaz de manter uma posição soberana, de
actuar de acordo com o mandato do seu povo e não a favor dos
desígnios dos centros de poder, na mesmo medida desencadeia a
fúria imperial.
Desde então, contra a Venezuela iniciou-se toda uma rebelião
imperial com todos os poderosos meios ao seu alcance. Desenvolveram toda uma
estratégia que inclui a busca da desestabilização no plano
interno e o isolamento no plano internacional.
Estão desesperados
Essa estratégia que vêm desenvolvendo os grandes impérios e
as oligarquias, tendentes da desestabilizar no plano interno e a isolar-nos no
plano internacional, demonstra o seu desespero, que tem expressão
táctica a cada momento. Qual é a que utilizaram agora frente
à Reforma Constitucional? Desestabilizar o povo na base da uma intensa
campanha de mentiras, como por exemplo:
Que com esta Reforma a Venezuela avançar rumo a uma ditadura. O
fundamento da oposição parte da possibilidade estabelecida na
Reforma de que o Presidente possa ser reeleito continuamente.
Dizem que isso é perpetuar um indivíduo no poder. Mas ocultam
dois pormenores: E se na eleição o povo quiser eleger outro
Presidente o que se passa?
Outra variante pode ser que saia reeleito Hugo Chávez. Na Venezuela
existe, como um facto único no mundo, a figura do poder
revogatório, a qual incorporou o próprio Presidente na
Constituição de 1999. Em que país do mundo há essa
possibilidade? Em alguns existe a figura da revogação, mas
não para os presidentes nem para os primeiros-ministros. Mas
além disso, na Europa, em 17 países têm exactamente o mesmo
artigo na sua Constituição.
Outro argumento da oposição é a abolição da
propriedade privada. Até agora a única forma de propriedade que
continha a Constituição, incluindo a de 99, era a propriedade
privada. A proposta de Reforma mantém a propriedade privada e introduz
quatro outras formas de propriedade (mista, pública, comunal,
socialista).
Essas propostas foram aprovadas pela Assembleia Nacional e agora vão a
Referendo.
Agora começaram a dizer que avançamos para um regime comunista e
que vamos tirar o Pátrio Poder aos pais. Mais desrespeito à
inteligência, até ao senso comum dos venezuelanos.
Volteiam a realidade, põem-na de patas para cima. Mentem
descaradamente. Naturalmente isso não os levará a lugar algum,
apenas ao fracasso.
O que vai acontecer neste 2 de Dezembro
Nestes momentos estão a combinar-se factores de
perturbação, utilizando estudantes de classes acomodadas,
principalmente de universidade privadas, e também de algumas
universidade públicas onde a velha esquerda converteu-se agora em
direita rançosa, como acontece, desgraçadamente, na nossa muito
querida Universidade Central da Venezuela. Utilizam-nos, apesar de não
serem em grande número na Venezuela há neste momento mais
de 15 milhões de estudantes pois não passarão de
três a cinco mil estudantes, mas fazem muito ruído porque contam
com o amparo da televisão, da imprensa, da rádio e o
acompanhamento das grandes corporações, como é o caso da
CNN, por exemplo, e de outros poderes mediáticos do mundo.
Na terça-feira passada, 27 de Novembro, estava reunido um certo
número de estudantes da Universidade Católica de Caracas. A
Globovisión publicou a notícia de que os estudantes estavam
cercados pelas forças repressivas de Chávez. Por acaso estava no
lugar o vice-ministro do Interior, Tarek El-Aissami, e teve que esclarecer que
não havia nem um polícia sequer. Mas já então a
televisão espanhola estava a dizer que os estudantes democráticos
estavam cercados na Universidade Católica Andrés Bello, de
Caracas. Ou seja, além disso estão coordenados para a mentira,
não só dentro do país como no mundo. No Chile repetiam a
notícia e naturalmente através da CNN, convertida em factor
multiplicador da mentira que se expele da Venezuela.
Estão a buscar desesperadamente um morto, como ocorreu em Abril de 2002,
provocado por franco-atiradores colocados por eles mesmos, para acusar o
governo de utilizar a repressão e de derramamento de sangue. Em
Valência, na passada segunda-feira, 26 de Novembro, um grupo de
trabalhadores ia a uma fábrica e havia um grupo de oposicionistas a
obstruírem a via. Dispararam contra o veículo que pretendia
passar, feriram numa perna um rapaz de 19 anos. Não queriam
deixá-lo passar, nem sequer para o hospital. E como eles tentaram,
agrediram-nos, deram mais dois tiros no rapaz e mataram-no. Mas não
só o mataram, cuspiram-no, pisotearam-no e agrediram os restantes que
viajavam com ele. É a típica expressão do ódio
fascista, nazista, do qual está dolorosamente impressa a história.
Uma vez vencidas estas fases de impedir o Referendo ou adiá-lo, ambas
fracassadas, agora a táctica dos inimigos do povo venezuelano é
combinar uma política de apelar às pessoas para votar pelo
NÃO, e ao mesmo tempo provocar a maior abstenção
possível. O objectivo é que depois do Referendo, quando triunfar
o SIM, dizer que a votação do NÃO, mais a
abstenção, é maioria, e em consequência que o povo
está contra a Reforma Constitucional. Porque já o disseram: que
a partir do 2 de Dezembro, ganhem ou percam, continuariam nas suas tentativas
para derrubar o governo legítimo e constitucional da Venezuela e,
sobretudo, o processo bolivariano.
Assim, espera-nos uma nova vitória neste domingo 2 de Dezembro. Uma vez
mais se imporá a verdade.
02/Dezembro/2007
[*]
Embaixador da República Bolivariana da Venezuela em Cuba
O original encontra-se em
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=59930
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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