Os desafios do socialismo do século XXI na Venezuela
por William I. Robinson
[*]
entrevistado por Chronis Polychroniou
[**]
1- Há histórias alarmantes vindo da Venezuela. A fronteira
está a aquecer, está a verificar-se infiltração,
nova base militar colombiana próxima à fronteira, o acesso dos
EUA a várias novas base na Colômbia e subversão constante.
Será que o regime se preocupa com uma possível invasão? Se
sim, quem está para intervir?
O governo venezuelano está preocupado acerca de uma possível
invasão estado-unidense e certamente uma invasão sem rodeios
não pode ser descartada. Contudo, penso que os EUA estão a
prosseguir uma estratégia de intervenção mais refinada que
podíamos denominar guerra de atrito. Já vimos esta
estratégia em outros países, tais como na Nicarágua na
década de 1980, ou mesmo no Chile sob Allende. É o que no
léxico da CIA é conhecido como
desestabilização,
e na linguagem do Pentágono é chamado
guerra política
o que não significa que não haja componente militar. Isto
é uma estratégia contra-revolucionária que combina
ameaças militares e hostilidades com operações
psicológicas, campanhas de desinformação, propaganda
negra, sabotagem económica, pressões diplomáticas,
mobilização de forças da oposição
política dentro do país, execução de
provocações e o atear de confrontações violentas
nas cidades, manipulação de sectores insatisfeitos e a
exploração de queixas legítimas entre a
população. A estratégia é hábil em
aproveitar dos próprios erros e limitações da
revolução, tais como corrupção, clientelismo e
oportunismo, os quais devemos reconhecer que são problemas sérios
na Venezuela. É hábil também em agravar e manipular
problemas materiais, tais como escassez, inflação dos
preços e assim por diante.
O objectivo é destruir a revolução tornando-a não
funcional, pela exaustão da vontade da população em
continuar a lutar para forjar uma nova sociedade e, deste modo, minar a base
social de massa da revolução. De acordo com a estratégia
dos EUA a revolução deve ser destruída fazendo com que
entre em colapso por si mesma, pela minagem da notável hegemonia que o
chavismo e o bolivarianismo foram capazes de alcançar dentro da
sociedade civil venezuelana ao longo da última década. Os
estrategas dos EUA esperam provocar Chavez de modo a que tome a
posição de transformar o processo socialista democrático
num processo autoritário. Na visão destes estrategas, Chavez
finalmente será removido do poder através de um certo
número de cenários produzidos pela guerra de atrito constante
seja através de eleições, de um putsch militar
interno, um levantamento, deserções em massa do campo
revolucionário, ou uma combinação de factores que
não podem ser antecipados.
Neste contexto, as bases militares na Colômbia proporcionam uma
plataforma crucial para operações de inteligência e
reconhecimento contra a Venezuela e também para a
infiltração militar contra-revolucionária, a sabotagem
económica e grupos terroristas. Estes grupos de
infiltração destinam-se a perturbar mas, mais especificamente, a
provocar reacções do governo revolucionário e sincronizar
a provocação armada com toda a gama de agressões
políticas, diplomáticas, psicológicas, económicas e
ideológicas que fazem parte da guerra de atrito.
Além disso, a simples ameaça de agressão militar dos EUA
que as bases em si próprias representam constitui uma poderosa
operação psicológica estado-unidense destinada a elevar as
tensões dentro da Venezuela, forçar o governo a
posições extremistas ou a "gritar lobo", e fortalecer
as forças internas anti-chavistas e contra-revolucionárias.
Entretanto, é importante verificar que as bases militares fazem parte de
uma estratégia mais ampla dos EUA em relação a toda a
América Latina. Os EUA e a direita na América Latina
lançaram uma contra-ofensiva para reverter a viragem para a esquerda ou
a chamada "Maré Rosa". A Venezuela é o epicentro de um
emergente bloco contra-hegemónico na América Latina. Mas a
Bolívia e o Equador e mais generalizadamente os florescentes movimentos
sociais e forças políticas de esquerda da região
são igualmente alvos desta contra-ofensiva tal como a Venezuela. O golpe
em Honduras deu ímpeto a esta contra-ofensiva e fortaleceu a direita e
as forças contra-revolucionárias. A Colômbia tornou-se o
epicentro regional da contra-revolução realmente um
bastião do fascismo século XXI.
2- A "Revolução Bolivariana" de Chavez tem sido muito
popular entre os pobres. Poderia delinear como tem mudado a sociedade
venezuelana desde que Chavez chegou ao poder?
Em primeiro lugar, vamos reconhecer que a Revolução Bolivariana
colocou o socialismo democrático na agenda mundial depois de
atravessarmos um período na década de 1990 em que muitos ficavam
mesmo alarmados em falar de socialismo, quando parecia que o capitalismo global
havia atingido o pico da sua hegemonia e quando alguns na esquerda compravam a
tese do "fim da história".
A Revolução Bolivariana deu às massas pobres e em grande
medida afro-caribenhas a sua voz pela primeira vez desde a guerra da
independência do colonialismo espanhol. O governo Chavez reorientou
prioridades para a maioria pobre. Ele foi capaz de utilizar os rendimentos do
petróleo, em particular, para desenvolver saúde,
educação e outros programas sociais que tiveram resultados
dramáticos na redução da pobreza, eliminando virtualmente
a iliteracia e melhorando a saúde da população.
Organizações internacionais e agências de recolha de dados
têm reconhecido estas notáveis realizações sociais.
Contudo, como alguém que visita a Venezuela regularmente, eu diria que a
mudança mais fundamental desde que Chavez chegou ao poder não
é a destes indicadores sociais mas sim o despertar político e
sócio-psicológico da maioria pobre um vasto processo
popular de mobilização das bases, expressão cultural,
participação política e participação no
poder. A velha elite e a burguesia foram parcialmente substituídas no
Estado e do poder político formal embora não inteiramente.
Mas o medo real e o ressentimento dos velhos grupos dominantes, o pânico
e o seu ódio contra Chavez é porque eles sentiram deslizar do seu
domínio a capacidade confortável de exercer
dominação cultura e sócio-psicológica sobre as
classes populares como o fizeram durante décadas, mesmo séculos.
Naturalmente, ali ainda há outros muitos mecanismos através dos
quais a burguesia e os agentes políticos do ancien regime são
capazes de exercer sua influência, particularmente através dos
mass media que em grande medida ainda estão nas suas mãos... e
eis porque as "batalhas nos media" na Venezuela desempenham um papel
tão proeminente.
Dito isto, há toda espécie de problemas e
contradições internas na Revolução Bolivariana.
3- Quão generalizados são os planos de
nacionalização sob Chavez e há alguma evidência
até agora de que eles levam aos resultados desejados?
A grande mudança económica óbvia foi a
recuperação do petróleo do país para um projecto
popular e mesmo que haja ainda uma burocrática oligarquia PDVSA.
Outras empresas chaves, tais como a siderurgia, foram nacionalizadas. E o
sector cooperativo com todos os seus problemas tem-se estendido.
No entanto, vamos ser claros: o poder económico ainda está em
grande medida nas mãos da burguesia.
Recordemos que a revolução venezuelana é a única em
que o velho Estado reaccionário não foi "esmagado" como
em outras revoluções. A estratégia da
revolução tem sido erguer novas instituições
paralelas e também tentar "colonizar" o velho Estado. Mas o
Estado venezuelano ainda é em grande medida um Estado capitalista. A
questão chave é como pode um projecto de
transformação avançar enquanto opera através de um
Estado corrupto, clientelista, burocrático e muitas vezes inerte legado
pelo antigo regime? Se forças revolucionárias e socialistas
chegam ao poder dentro de um processo político capitalista como
você confronta o Estado capitalista e os travões que ele coloca
nos processos transformativos? De facto, na Venezuela, e também na
Bolívia e alhures, as instituições do Estado prevalecentes
muitas vezes actuam para constranger, diluir e cooptar lutas de massas vindas
de baixo.
Do meu ponto de vista, na Venezuela a maior ameaça à
revolução não vem da oposição
política de direita mas sim da chamada direita
"endógena" ou "chavista" e pertencente ao bloco
revolucionário, incluindo elites do Estado e responsáveis
partidários, desenvolverão um interesse mais profundo em defender
o capitalismo global do que na transformação socialista.
4- A revolução tem prosseguido durante mais de uma década.
Está a amadurecer ou está a atingir uma etapa de declínio
e deformação?
Eu não diria, em resposta à sua pergunta, que a
revolução está em "declínio" ou
"deformação". De preferência, precisamos ser mais
expansivos na nossa análise histórica e mesmo reflexão
teórica sobre o que é avançar nesta conjuntura
histórica do capitalismo global do século XXI e da sua crise. A
viragem à esquerda na América Latina começou como uma
rebelião contra o neoliberalismo. Os regimes pós neoliberais
empreenderam suaves reformas redistributivas e nacionalizações
limitadas, particularmente de recursos energéticos e serviços
públicos que anteriormente haviam sido privatizados. Eles foram capazes
de reactivar a acumulação. Mas o pós-neo-liberalismo que
actualmente não caminha em direcção a uma profunda
transformação socialista, está rapidamente a atingir os
seus limites.
O processo bolivariano enfrenta contradições, problemas e
limitações, tal como todos os projectos históricos! Eu
diria que tanto a revolução venezuelana como os processos
boliviano e equatoriano podem estar a rebelar-se contra os limites da reforma
redistributiva dentro da lógica do capitalismo global, especialmente
considerando a actual crise do capitalismo global. O anti-neoliberalismo que
não desafia mais fundamentalmente a própria lógica do
capitalismo choca-se contra limitações que podem agora ter sido
atingidas.
Pode ser que a melhor ou a única defesa da revolução seja
radicalizar e aprofundar o processo revolucionário, pressionar pelo
avanço de transformações estruturais que vão
além da redistribuição. O facto é que a burguesia
venezuelana pode ter sido deslocada em parte do poder político mas ainda
detém grande parte do controle económico. Romper aquele controle
económico implica uma mudança mais significativa na propriedade e
nas relações de classe. Isto por sua vez significa romper a
dominação do capital, do capital global e dos seus agentes
locais. Isto naturalmente é uma tarefa hercúlea. Não
há um caminho claro de avanço e cada passo gera novas
contradições complexas e nós górdios. É
claro que estes são assuntos que toda a Esquerda Global deve encarar.
Recordemos as lições da Nicarágua e de outras
revoluções. Alianças multi-classe geram
contradições desde que a etapa da lua-de-mel da reforma
redistributiva e dos programas sociais fáceis alcancem o seu limite.
Então as alianças multi-classe começam a entrar em colapso
porque há contradições fundamentais entre distintos
projectos e interesses de classe. Nesse ponto uma revolução deve
definir mais claramente o seu projecto de classe; não apenas no discurso
ou na política mas na transformação estrutural real.
A um nível mais técnico poderíamos dizer que as
contradições geradas pela tentativa de romper a
dominação do capital global não são uma falha da
revolução. A Venezuela ainda é um país capitalista
no qual a lei do valor, da acumulação de capital, está
operativa. Esforços para estabelecer uma lógica contrária
uma lógica da necessidade social e da distribuição
social chocam-se contra a lei do valor. Mas numa sociedade capitalista
violar a lei do valor lança tudo na loucura, gerando muitos problemas e
novos desequilíbrios que a contra-revolução é capaz
de aproveitar. Isto é o desafio para qualquer revolução
orientada para o socialismo dentro do capitalismo global.
01/Fevereiro/2010
[*]
Professor de Sociologia, Universidade da Califórnia Santa
Bárbara
[**]
Editor do diário grego
Eleftherotypia
O original encontra-se em
http://www.zmag.org/znet/viewArticle/23797
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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