Escrevo-lhe esta carta a ouvir "Sodade". Como admirador da sua voz e
dos seus pés descalços, fiquei muito abalado quando soube que,
nem sequer um mês depois do massacre de Israel, cujas imagens percorreram
todo o mundo, vai dar um concerto em Tel Aviv e outro em Jerusalém no
final do mês de Janeiro. Percebo que talvez esses concertos já
estivessem marcados com bastante antecedência. No entanto, não
percebo como é que, depois do que aconteceu, a Cesária vai
continuar a cumprir o seu calendário e a cantar em Israel. Em pouco mais
de três semanas, 1.300 palestinos foram mortos pelo exército
israelense, entre eles, mais de 300 crianças e 400 mulheres e idosos. O
mais triste de tudo isto é que lamentavelmente a grande maioria do povo
de Israel, seja por ignorância, por repressão ou por puro
convencimento, depois do que se passou, continua a favor da ofensiva militar
que executou o seu governo. Além disso, o bloqueio nas passagens
fronteiriças continua a deixar a população palestiniana em
condições subumanas.
Desculpe Cesária, mas não consigo imaginá-la a cantar
"Sodade" enquanto no outro lado do muro ainda cheira a sangue e a
fósforo branco. Quando nas suas
mornas
canta o isolamento e a
diáspora de Cabo Verde, também pensa em países como a
Palestina?
Por tudo o que foi referido, gostaria que a Cesária, a quem tanto admiro
sem idolatrá-la, se pronuncie sobre os dois concertos que vai dar em
Israel. E, no caso de que o rígido programa de concertos valha mais do
que o massacre, gostaria que, quando cantar o tema "Sodade" em Tel
Aviv e em Jerusalém, para além de pensar nas vítimas
cabo-verdianas e israelenses, pense na Palestina, nos palestinos de agora e
nos de antes de 1948.
Despeço-me a ouvi-la cantar "Flor di Nha Esperança":