por Maria Lucia Fattorelli
[*]
O PLP 19/2019 que será votado hoje
[NR]
na Câmara transformará o Banco Central do Brasil (BC) em um supra
órgão, autônomo em relação a todos os
poderes, acima de tudo e de todos!
Aquelas pessoas "de confiança do mercado" designadas para
ocupar os cargos de presidente e diretores do BC ficarão
intocáveis e terão mais poder que qualquer outra autoridade no
país: comandarão a nossa moeda e a política
monetária do país como quiserem!
O BC deveria estar sendo responsabilizado pela crise fabricada desde 2014
O Tesouro Nacional (TN) gastou quase 3 milhões de milhões de reais
para financiar a política monetária do Banco Central (BC) em 10
anos, sendo que os títulos públicos doados pelo TN ao BC, bem como
os juros incidentes sobre tais títulos, têm sido usados
principalmente para a generosa remuneração da sobra de caixa dos
bancos que, só em juros, custou mais de R$ 1 TRILHÃO aos cofres
públicos nos últimos 10 anos.
Além desse imenso dano aos cofres públicos, tal
operação gera escassez de moeda e tem sido a responsável
pela prática de juros de mercado elevadíssimos no Brasil,
amarrando toda a economia, pois em vez de emprestar às empresas e
famílias, os bancos preferem direcionar sua sobra de caixa para o BC e
receber os juros garantidos diariamente!
Isso explica porque o PLP 19/2019 dá ao Banco Central uma verdadeira
CARTA BRANCA para definir todas as características das
operações com títulos públicos, como se ele fosse o
"emissor", o que é vedado pela legislação do
país.
Este artifício que o PLP 19/2019 quer legalizar vem sendo denunciado
há vários anos pela entidade Auditoria Cidadã da
Dívida (ver
bit.ly/3tEyeMB
e
bit.ly/3jxWaws
), tendo em vista a falta de amparo legal da remuneração da
sobra de caixa dos bancos, que tem custado caro ao país, aumentado a
concentração de renda e elevado as taxas de juros de mercado,
além de ter sido a principal operação responsável
pela crise econômica que enfrentamos desde 2015 (ver
bit.ly/3liKWeM
e
bit.ly/2MRXluw
).
A URGÊNCIA DEVERIA SER INTERROMPER ESSA POLÍTICA MONETÁRIA
SUICIDA E EXIGIR QUE O BANCO CENTRAL ATUE EM FAVOR DO BRASIL E NÃO DOS
BANCOS!
Mas a urgência na pauta da Câmara é outra: o PLP 19/2019 o
Banco Central passa a ser controlado, de vez, por
aqueles que a instituição deveria fiscalizar, e a política
monetária suicida ficará ainda mais blindada pelos interesses do
mercado financeiro.
Além de flagrantemente inconstitucional, com vício de iniciativa
(Art.61 §1º, II), trata-se de proposta extremamente perigosa, que ao
passar o controle da moeda e a política monetária do país
para as mãos dos bancos, atenta contra os objetivos fundamentais da
República, contra a democracia e contra a nossa soberania!
Diretoria do BC INTOCÁVEL empurra os prejuízos para a sociedade
De acordo com o PLP 19/2019, o presidente e diretores do BC só
poderão ser demitidos se quiserem ou adoecerem, pois, ainda que sejam
acusados de fraudes, só poderão ser demitidos depois de
condenados, ou seja, depois de todo o trâmite judicial até a
condenação e estabelecimento de pena. E, no caso de desempenho
insuficiente, a iniciativa terá que ser do Conselho Monetário
Nacional (CMN), ou seja, do próprio BC. E ainda dependerá de
maioria absoluta no Senado! Tudo sob controle da banca!
O Conselho Monetário Nacional é composto apenas pelo presidente
do BC e pelo ministro da Economia e um subordinado seu. Na prática,
é o próprio presidente do BC que leva ao CMN todas as propostas
relacionadas à política monetária do país.
Quanto vai custar o PLP 19/2019?
Ao dar um verdadeiro CHEQUE EM BRANCO para os representantes dos bancos que
dirigirão o Banco Central, além de autorizar o Banco Central
tomar todas as decisões relacionadas à remuneração,
limites, prazos, formas de negociação e outras
condições nas negociações com títulos
públicos federais, como se ele fosse o próprio emissor, ao
arrepio da LRF, o PLP também dá liberdade total ao BC para
definir todas as condições com operações com
derivativos.
Tudo isso mediante regulamentação editada pelo próprio BC!
Isso significa dar "cheque em branco" para o Banco Central para
seguir com sua política monetária suicida que provocou a crise
que enfrentamos desde 2014, e realizando as escandalosas
operações sigilosas de Swap Cambial, que geraram prejuízo
de dezenas de bilhões em 2020, e não têm servido para
controlar a moeda, tendo em vista que
o Real foi a moeda que mais se desvalorizou este ano
no mundo.
Tudo isso significa grave incompatibilidade orçamentária e
financeira, completamente desconsiderada pelo Congresso no PLP 19/2019,
afrontando o art. 113 do ACDT da Constituição, a LRF e demais
normas restritivas editadas pela própria Câmara dos Deputados, que
exigem que os projetos de lei apresentem estimativa de custo e fontes de
financiamento.
Tais restrições são lembradas somente na hora de barrar o
auxílio emergencial e outros investimentos sociais!
E QUEM VAI PAGAR A CONTA? Os prejuízos do Banco Central são
cobertos pelo Tesouro, conforme Art. 7º da LRF, ou seja, seja lá
qual for o dano, sem qualquer limite ou teto, ele é transferido para
nós, que teremos que pagar a "dívida pública"
gerada para cobrir tais prejuízos! E como essa "dívida"
tem sido paga? Com a entrega do nosso patrimônio público em
privatizações insanas; contrarreformas (Trabalhista, da
Previdência e agora a Administrativa, a PEC 32), além de
modificações legais que prejudicam direitos sociais para
privilegiar o pagamento dessa dívida, como a EC 95 (teto de gastos), a
PEC 186 (gatilho para cortar salários), entre várias outras.
ILUSÕES do PLP 19/2019
Entre os motivos levantados pelos favoráveis à
aprovação do PLP 19/2019, está a alegação de
que o
BC cuidaria também do "emprego",
o que na realidade consta do parágrafo único do art. 1º do
PLP 19/2019 como algo secundário, uma mera intenção, e
não como uma obrigação.
Outra ilusão propagada é a de que o
"as metas de política monetária serão estabelecidas
pelo Conselho Monetário Nacional
, competindo privativamente ao Banco Central do Brasil conduzir a
política monetária necessária para cumprimento das
metas estabelecidas", conforme art. 2º do PLP 19/2019.
Ora, quem compõe o Conselho Monetário Nacional é apenas o
presidente do BC, o ministro da Economia e um subordinado. Portanto, na
prática, quem faz as metas é o próprio BC!
Quem diz que o BC terá o mesmo nível de outros ministérios
não leu o art., 6º do PLP 19/2019, que fala textualmente da
"ausência de vinculação a Ministério, de
tutela ou de subordinação hierárquica,
pela
autonomia
técnica, operacional, administrativa e financeira, pela investidura a
termo de seus dirigentes e pela estabilidade durante seus mandatos, bem como
pelas demais disposições constantes desta Lei Complementar ou de
leis especiìficas
destinadas à sua implementação".
Adicionalmente, o BC ficará à margem de todos os sistemas de
controle, contabilidade pública etc e utilizará "sistemas
informatizados próprios, compatíveis com sua natureza
especial", entre outros aspectos.
Apesar de toda essa "autonomia", o Banco Central não se
responsabiliza por seus
prejuízos que, segundo Art. 7º da Lei de Responsabilidade Fiscal,
são transferidos e arcados pelo Tesouro Nacional, ou seja, por todos
nós!
Outra ilusão é a
"prestação de contas" que se resume, segundo o
Art. 11 do PLP 19/2019, à apresentação,
a posteriori,
de mero relatoìrio de inflaça˜o
e relatoìrio de estabilidade financeira, explicando as
decisões tomadas no semestre anterior. Porém, a liberdade e
autonomia para decidir à vontade sobre todas as operações
está garantida no art. 7º do PLP 19/2019.
COMO MINORAR O DANO?
Se quiserem, os deputados federais podem minorar um pouco o dano provocado pelo
PLP 19/2019, conforme algumas sugestões a seguir.
Deveriam minorar a extensão do cheque em branco que está sendo
dado aos bancos. Para isso deveriam suprimir do inciso XII do art. 10 da Lei
nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, incluído pelo Art. 7º do
PLP 19/2019, a expressão
"consoante remuneração, limites, prazos, formas de
negociação e outras condições estabelecidos em
regulamentação por ele editada, sem prejuízo do disposto
no art. 39 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000".
Deveriam também impedir a tentativa de legalização das
escandalosas e sigilosas operações de "swap cambial",
suprimindo o trecho que o PLP 19/2019 está inserindo na Lei 4.595/64 e
que deixa o órgão à vontade para realizar tais
operações. Assim, os deputados deveriam suprimir o trecho de seu
Art. 7º que autoriza o Banco Central (BC) a
"efetuar, como instrumento de política cambial,
operações de compra e venda de moeda estrangeira e
operações com
instrumentos derivativos no mercado interno, consoante
remuneração, limites, prazos, formas de negociação
e outras condições estabelecidos em regulamentação
por ele editada".
Deveriam também suprimir a alínea "a" do inciso II do
art. 13 do PLP 19/2019, que tenta revogar o seguinte trecho da Lei 4.595/1964:
Lei 4.595/64:
Art. 3º A política do Conselho Monetário Nacional
objetivará:
I Adaptar o volume dos meios de pagamento ás reais necessidades
da economia nacional e seu processo de desenvolvimento;
II Regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo
os surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna ou
externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios
oriundos de fenômenos conjunturais;
III Regular o valor externo da moeda e o equilíbrio no
balanço de pagamento do País, tendo em vista a melhor
utilização dos recursos em moeda estrangeira;
Conforme vem sendo denunciado desde a CPI [Comissão Parlamentar de
Inquérito] da Dívida Pública na Câmara dos
Deputados, em 2010, a forma de definição das taxas de juros no
país viola a Lei 4.595, em seu art. 3º inciso II.
Segundo o referido dispositivo, o controle da inflação deve se
dar não somente por meio da política monetária (ou seja,
somente via redução na quantidade de moeda em
circulação e altas taxas de juros, como é hoje, conforme
definido no questionável Decreto 3.088/1999, o que tem provocado e
aprofundado crises econômicas no país
bit.ly/3tEyeMB
).
O art. 3º inciso II da Lei 4.595 que o PLP 19/2019 visa revogar estabelece
que o controle da inflação deve também
"prevenindo ou corrigindo as depressões econômicas e outros
desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais",
ou seja, impedindo a alta absurda de preços administrados pelo
próprio governo ou, por exemplo, prevenindo as altas de preços de
alimentos, priorizando a agricultura familiar ao invés do setor
primário exportador (que conta ainda com isenção de ICMS).
É absurdo que tenhamos inflação de alimentos em um
país como o Brasil.
O PLP 19/2019 tenta revogar também a obrigação do Conselho
Monetário Nacional de "Adaptar o volume dos meios de pagamento
às reais necessidades da economia nacional e seu processo de
desenvolvimento". Desta forma, o PLP 19/2019 tenta legalizar a
política criminosa de escassez de moeda (executada por meio das chamadas
"operações compromissadas", ou seja, a
remuneração da sobra de caixa dos bancos) que gerou a crise que
se arrasta desde 2015.
Portanto, se deputados(as) desejarem minorar os danos e defender as contas
públicas e a economia do país, eles podem modificar pelo menos
esses trechos acima indicados. Se não o fazem, estão
descaradamente e conscientemente privilegiando os interesses do mercado
financeiro em detrimento do interesse público!
O Banco Central precisa ser fiscalizado e auditado permanentemente
O Banco Central deve ser submetido a procedimentos de auditoria e
fiscalização por parte da CGU, com participação
social, devendo ser também obrigatória a divulgação
ampla do nome ou razão social e CPF/CNPJ dos beneficiários das
operações compromissadas e operações de swaps
cambiais ou instrumentos congêneres que venham a ser criados,
discriminando-se os valores pagos anualmente a cada um.
Temos visto discursos de que o referido PLP 19/2019 visaria aproximar o Banco
Central do Brasil (BC) do formato de "independência" existente
em outros países.
No entanto, o PLP 19/2019 não traz uma linha sequer sobre a necessidade
de controle das atividades exercidas pelo BC. A "prestação
de contas" se resume, segundo o Art. 11 do PLP 19/2019, à
apresentação,
a posteriori,
de mero relatoìrio de inflação
e relatoìrio de estabilidade financeira, relatando as
decisoÞes já tomadas no semestre anterior. Porém, a
liberdade e autonomia para decidir à vontade sobre todas as
operações está garantida no art. 7º do PLP 19/2019,
como uma carta branca.
Tendo em vista que os prejuízos anuais do Banco Central são
transferidos ao Tesouro Nacional (Art. 7º da LRF) e arcados por toda a
sociedade, é necessário garantir uma constante vigilância
da atuação do órgão, pelo poder público e
com participação da sociedade. Afinal, se vamos pagar a conta,
temos direito de conhecer que conta é essa e a AUDITORIA é a
ferramenta que possibilita isso.
Até nos Estados Unidos da América do Norte o FED é
constantemente fiscalizado pelo Departamento de Contabilidade Governamental,
órgão semelhante à CGU aqui no Brasil, como se pode ver,
por exemplo, em relatório disponível em
www.gao.gov/products/GAO-11-696
. Ora, se querem aproximar o BC do que existe em outros países, teriam
que deixar clara a necessidade de constante auditoria e
fiscalização do BC, com participação social.
É HORA DE VIRAR O JOGO
Arthur Lira e líderes partidários foram notificados
extrajudicialmente e, portanto, não poderão alegar, no futuro,
que desconheciam os imensos danos inseridos no PLP 19/2019, assim como no PL
3.877/2020 (ver
bit.ly/3p52BrR
e
bit.ly/3a4l8R4
) e, portanto, a responsabilidade pela aprovação de tais projetos
poderá ser cobrada.
Ainda que destruam tudo, teremos que seguir lutando para reconstruir o que
está sendo destruído, ainda mais porque esse estrago ocorre em
cenário de corrupção endêmica,
descarada compra de votos para a presidência da Câmara por R$3 mil milhões
[cerca de 600 mil] para cada um e desrespeito aos direitos humanos, pois
enquanto choramos a morte de
mais de 233.000 pessoas acometidas de Covid e mais de 80 milhões de
desempregados passando fome sem o Auxílio Emergencial, assistimos
à vergonhosa, inescrupulosa e inconstitucional priorização
da entrega do Banco Central aos bancos como um "cheque em branco"!
10/Fevereiro/2021
[NR] A votação já se consumou. Na câmara baixa do
parlamento o projecto foi aprovado por 355 deputados, com votos contra de 114.
[*]
Economista, auditora.
Ver também:
Os abutres financeiros querem a chave do cofre Notas para um debate sobre a independência do Banco Central do Brasil
O original encontra-se em
auditoriacidada.org.br/...
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
.