Plano "Mais Brasil" (para banqueiros)
por Maria Lucia Fattorelli
[*]
e Rodrigo Ávila
Recentemente, Bolsonaro entregou ao Senado um pacote batizado de "Plano
Mais Brasil", contendo três novas Propostas de Emenda à
Constituição PEC nº 186, 187 e 188/2019.
O pacote deveria ser chamado de "Mais Brasil para Banqueiros", pois
as medidas escancaram o privilégio dos gastos com a chamada
dívida pública, que nunca foi auditada como manda a
Constituição de 1988.
Para que sobrem mais recursos para os gastos com a questionável
dívida pública, os investimentos sociais urgentes para o
país são postos de lado, consolidando ainda mais a
posição do Estado brasileiro a serviço do grande capital
rentista ou seja, de grandes bancos e investidores.
Tais medidas pretendem inserir na Constituição Federal mais
restrições ainda aos Direitos Sociais, acompanhadas de mais
garantias aos rentistas, enquanto vemos o aumento do número de
bilionários, e o lucro dos bancos bate novo recorde a cada trimestre.
No Chile, essa redução de políticas públicas e a
ausência do Estado em áreas essenciais para a garantia de
serviços públicos à população tem sido a
causa das grandes manifestações que acabaram obrigando o governo
a rever tais políticas e passar a priorizar algumas demandas do povo.
O Pacote de Guedes/Bolsonaro ameaça diretamente conquistas
históricas da população, fragilizando o artigo 6º da
Constituição, que garante Direitos Sociais a todos os brasileiros
e brasileiras. Se aprovado o pacote, esse artigo ficará condicionado a
um "equilíbrio fiscal intergeracional", ou seja, só
terá que ser cumprido após o pagamento dos gastos com a
questionável dívida pública.
O pacote prevê também que leis, atos ou decisões judiciais
que impliquem despesa somente produzirão efeitos quando houver a
"respectiva e suficiente dotação
orçamentária". Tal limite nunca existiu para os
privilegiados gastos com a dívida pública: se necessário,
ocorre a emissão e venda de novos títulos públicos para o
pagamento de juros nominais da dívida, apesar de ser inconstitucional
(art. 167, III)!
Também fazem parte do pacote a redução de salário
dos servidores públicos em até 25%, assim como diversos
impedimentos a quaisquer benefícios para os servidores.
Por outro lado, além dos gastos financeiros com a dívida
continuarem sem limite ou controle algum, o pacote ainda deixa explícita
a utilização do estoque de centenas de bilhões de reais da
Conta Única do Tesouro (vinculados a áreas sociais) para
pagamento da dívida pública, confirmando a denúncia feita
pela Auditoria Cidadã da Dívida, de que o governo tem muito
dinheiro em caixa, mas essa montanha de dinheiro é reservada somente
para o pagamento da dívida pública.
O pacote acaba com os Planos Plurianuais e o Orçamento Anual,
estabelecendo-se o "Orçamento Plurianual", o que
aumentará ainda mais a blindagem de recursos para o pagamento aos
privilegiados rentistas.
O governo assume que a dívida ocupa o centro das decisões
econômicas, e todas as demais políticas fiscais dependerão
de sua "sustentabilidade", como previsto textualmente: "A
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
conduzirão suas políticas fiscais de forma a manter a
dívida pública em níveis que assegurem sua
sustentabilidade" e que "A elaboração e a
execução de planos e orçamentos devem refletir a
compatibilidade dos indicadores fiscais com a sustentabilidade da
dívida".
Nesse sentido, o pacote aumenta o arrocho fiscal para privilegiar a
dívida. Em vez de auditar a questionável dívida (que
até o TCU já declarou que não serviu para investimentos no
país); estabelecer juros negativos, e direcionar recursos para
investimentos produtivos que gerem crescimento socioeconômico, o governo
reza na cartilha do retrógrado "Pensamento Único" que
corta investimentos sociais, aplica contra-reformas como a da
previdência, e privatiza tudo para transferir recursos aos privilegiados
rentistas.
O cumprimento de todas as exigências desse pacote será monitorado
por um novo órgão que está sendo criado: Conselho Fiscal
da República, formado pelo Presidente da República, da
Câmara, do Senado, do STF, do TCU, três governadores e três
prefeitos. É o fim do federalismo, pois estados e municípios
perdem a sua autonomia e ainda ficarão amarrados às
limitações absurdas impostas pelo pacote.
Apesar de ser apresentado como uma recuperação do Pacto
Federativo, o pacote prevê também o fim da
compensação das perdas dos estados com a Lei Kandir e das
ações judiciais relativas ao tema, em troca de um suposto recurso
a mais para estados e municípios. Porém, tal recurso adicional
é apenas uma promessa vaga, pois ele ainda será condicionado
à execução de determinadas políticas que não
se encontram detalhadas no pacote. Quais políticas? Seria o ajuste
fiscal? A implementação de outras reformas da previdência?
A privatização de mais empresas estatais? O corte de
investimentos sociais?
Outro absurdo é a disputa entre os direitos sociais: União,
Estados, DF ou municípios terão que escolher entre aplicar em
saúde ou educação. Segundo o pacote, se os entes federados
aplicarem em saúde mais que o piso exigido, poderão deduzir este
valor do piso de recursos destinados à educação, e
vice-versa. Com o congelamento do teto, essas áreas sociais terão
que disputar recursos, o que significa redução nos recursos
destas áreas sociais essenciais.
O pacote ainda corta medidas destinadas à redução das
desigualdades regionais. Por exemplo, desobriga o poder público de
investir prioritariamente na expansão de sua rede de ensino na
localidade em que haja falta de vagas, ou de aplicar no Nordeste
(preferencialmente no semi-árido) no mínimo 50% do valor
destinado a irrigação no país.
Essa breve análise do pacote mostra mais uma vez que o Sistema da
Dívida precisa ser enfrentado, pois não há limite para os
privilégios dos rentistas que, além de tudo isso, querem se
apoderar diretamente dos impostos que pagamos por meio da chamada
"Securitização de
Créditos
Públicos" (PLP 459/2017 e PEC 438/2018)!
A ferramenta eficaz para enfrentar esse privilégio abusivo do Sistema da
Dívida é a auditoria integral, realizada com ampla
transparência e participação da sociedade que tem pago essa
elevada conta!
07/Janeiro/2020
[*]
Coordenadora nacional da "Auditoría da Dívida
Cidadã",
www.auditoriacidada.org.br
O original encontra-se em
http://www.cadtm.org/Plano-Mais-Brasil-escancara-privilegio-da-Divida
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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