Começa uma nova etapa da luta de classes no Brasil
A oligarquia financeira, os oligopólios e o agronegócio
tomaram a chave do cofre
A crise econômica, social e política brasileira mudou de patamar
com impeachment da presidente Dilma Rousself e a usurpação do
poder por uma gang de oligarcas corruptos, cujos principais personagens
dominam o Parlamento brasileiro, vários escalões da
administração e representam o que há de mais
reacionário e obscurantista na sociedade brasileira. Ao lado dessa gang,
está uma quadrilha sofisticada de ladrões de casaca, que tomaram
de assalto todos os ministérios da área econômica e social
para impor aos trabalhadores uma violenta regressão social e a entrega
do patrimônio público e das riquezas nacionais para os
monopólios nacionais e internacionais. Essa conjuntura representa, ao
mesmo tempo, o desfecho de uma crise política que se vinha arrastando
desde as eleições presidenciais, além do fim de um longo
ciclo de lutas sociais no País iniciado com as greves do final da
década de 70 e início dos anos 80, quando emergiram na cena
política o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos
trabalhadores (CUT),
[1]
além de outras organizações do movimento social.
A crise brasileira também não está dissociada da crise
mais geral do capitalismo e dos métodos que o grande capital
internacional, especialmente a oligarquia financeira, vem executado em
várias partes do mundo para colocar na conta dos trabalhadores todo o
ônus da crise, visando recuperar suas taxas de lucro. Desesperado diante
da crise sistêmica que o castiga por cerca de 10 anos, o capital vem
realizando uma ofensiva mundial contra os fundos públicos,
salários, direitos e garantias dos trabalhadores e, para atingir seus
objetivos, não hesita em restringir as liberdades democráticas,
ampliar a repressão e, discretamente, incentivar grupos fascistas como
uma espécie de
Plano B
caso a situação fuja de seu controle. Se antes medidas dessa
ordem ocorriam apenas nos países da periferia, agora o capital vem
tirando a máscara e executando essa estratégia em vários
países da Europa, onde tem colocado no poder governos fantoches ou
representantes diretos do capital. Mas cada dia amplia-se a
contradição entre os interesses da oligarquia financeira, que
representa menos de 1% da população, e o conjunto dos
trabalhadores e da população em geral, fato que prenuncia um
acirramento da luta de classes de caráter global.
Aqui no Brasil a situação não é diferente. Desde
2003 os governos petistas conseguiram desenvolver uma política que,
voltada fundamentalmente para satisfazer os interesses gerais do grande
capital, também realizou algumas políticas de
compensação social, como o Bolsa Família, o aumento do
salário mínimo e medidas que incentivaram o ingresso da juventude
nas universidades públicas através do programa de cotas e
financiamento estudantil para jovens estudantes das universidades privadas,
cujos recursos transformaram o setor num conglomerado de oligopólios
educacionais. No entanto, a própria crise mundial, aliada à
desaceleração do crescimento da China, com a consequente queda no
preço mundial das
commodities
, além de um conjunto de medidas desastrosas de política
econômica interna, produziram um impacto devastador na economia
brasileira. O Produto Interno Bruto (PIB) médio dos últimos cinco
anos foi reduzido aos menores níveis dos últimos 50 anos e o
desemprego cresceu de maneira avassaladora, atingindo atualmente cerca de 12
milhões de trabalhadores.
É necessário ressaltar ainda que em 2013 ocorreram as
extraordinárias jornadas de luta
, nas quais a juventude, os trabalhadores precarizados e setores da baixa
camada média urbana emergiram em grandes manifestações,
reunindo milhões de pessoas em mais de 600 cidades do País,
reivindicando educação, saúde, transporte e infraestrutura
de qualidade.
[2]
Essa confluência de fenômenos (crise econômica, social,
política e manifestações de massa) acendeu a luz vermelha
para a grande burguesia: o PT já não estava mais conseguindo
administrar o capital e, o que é mais grave para a burguesia,
não tinha mais condições de cumprir o papel de controlador
e apassivador das lutas sociais que vinha desempenhando nos últimos 13
anos de governo. Portanto, era chegada a hora de um governo
puro sangue
do grande capital, que executasse de maneira rápida e profunda os
ajustes regressivos contra os trabalhadores, realizasse o processo de
privatização do que ainda resta de empresas públicas e
entregasse o pré-sal para as corporações transnacionais.
Desenvolveu-se assim no Brasil uma crise completa econômica,
social, política e ética, própria do fim de um longo
ciclo. Esse quadro foi a base material e política que uniu todos os
setores da burguesia brasileira indústria, finanças,
comércio, serviços em geral e agronegócio , em
aliança com a mídia corporativa e amplas áreas do
judiciário, para descartar o Partido dos Trabalhadores e instalar um
governo direto da burguesia, disposto a realizar os ajustes predatórios
de maneira mais veloz do que o PT vinha implementando de maneira mais lenta. A
gravidade da crise não deixava às classes dominantes
espaço para qualquer vacilação em relação
à urgência da implantação dessas medidas. À
luz do dia, a burguesia manobrou as instituições da maneira mais
inescrupulosa possível, articulou a mídia para criar um clima
favorável ao impeachment, mobilizou seus agentes no judiciário e
na Polícia Federal para dar ares de legalidade ao impeachment e
finalmente colocou em movimento o Parlamento, dócil e subserviente
instrumento das classes dominantes, para consumar o rearranjo institucional
burlesco. Estava assim consumada a farsa, com aparência de legalidade,
mas na verdade instalou-se um governo ilegítimo e usurpador. Primeiro,
porque todo o processo envolveu uma manipulação vergonhosa;
segundo porque o presidente interino não teve um voto sequer para ter
legitimidade; e terceiro porque, como se comprovou posteriormente, formou-se um
governo em que a maior parte de seus integrantes está envolvida
até a medula em processos de corrupção e que realizaram o
impeachment para salvar a própria pele em função das
investigações em curso da
Operação Lava a Jato.
[3]
Quem são os personagens da trama?
A crise brasileira é tão profunda que produz impactos até
mesmo no perfil dos representantes da burguesia no governo. As classes
dominantes já tiveram quadros mais qualificados tanto no Parlamento
quanto no Executivo, mas desde a eleição de Fernando Collor, no
início da década de 90, que vem encontrando dificuldades para
extrair de seus próprios funcionários um personagem à
altura para representar seus interesses. No entanto, os personagens desse
governo e seus representantes no Parlamento são tão
desqualificados que mais se assemelham a uma gang mafiosa do que efetivamente a
políticos com respeitabilidade social e política. Bom, mas a
burguesia não tem muito escrúpulo nessa questão da
representação: a burguesia é prática e objetiva, o
que almeja de fato é a defesa de seus interesses. Nesse particular,
apesar da imagem escandalosamente negativa dos parlamentares, estes senhores
têm votado subservientemente todas as medidas de interesses da burguesia.
O governo foi tomado de assalto por duas quadrilhas: os
ladrões de casaca,
representantes da oligarquia parasitária das finanças, que
ocuparam os ministérios da área econômica e social e vem
buscando implantar o ajuste predatório e a entrega do patrimônio
público à iniciativa privada. Esses senhores tentam passar
à sociedade uma aura de respeitabilidade, mas na verdade são os
principais responsáveis pela sangria dos recursos dos fundos
públicos e sua transferência para o capital privado, em
função do pagamento dos juros da dívida interna. Em
paralelo, operam os
ladrões de galinha,
representados no Parlamento e em vários postos da
administração pública, cuja prática é
auferir recursos através da corrupção, das negociatas e do
fisiologismo, tanto para manter o poder das oligarquias nas várias
regiões do País quanto para seu enriquecimento pessoal. No
Parlamento, têm a significativa denominação de
baixo clero,
em virtude de suas limitadas capacidades intelectuais e protagonismo
político nas questões gerais do País, mas em
compensação são vorazes em termos de esperteza quando se
trata de roubar os recursos públicos através da
corrupção.
[4]
Vejamos os seus principais representantes:
O impeachment, por exemplo, foi comandado por Eduardo Cunha, um político
delinquente, que merecia estar muito mais numa cadeia do que na
presidência da Câmara dos Deputados. Recentemente, o Supremo
Tribunal Federal o afastou dessa função e o Conselho de
Ética já encaminhou sua cassação para o
plenário da Câmara Federal. Os 357 deputados que votaram pelo
impedimento da presidente (um terço deles com processos na
justiça) proporcionaram um espetáculo tão bizarro que
custa a acreditar que aquela trupe de boçais seja realmente
representante da população brasileira no Congresso Nacional. As
pessoas costumam argumentar que este Parlamento representa o povo brasileiro
porque foi eleito pela própria população. Essa é
apenas a aparência da questão: como as eleições no
Brasil são dominadas pelo financiamento privado, um parlamentar
só pode se eleger se fizer coligação com o governo e/ou
receber dinheiro das empresas, nos dois casos perdendo inteiramente sua
independência política. Portanto, esse Parlamento não
representa o povo: é a cara das classes dominantes brasileiras, que o
financiaram e o elegeram. A ironia é que alguns daqueles parlamentares
que dedicaram seus votos aos pais, mães, filho e maridos poucos dias
depois tiveram parentes presos pela Polícia Federal por
corrupção em setores da administração
pública. No Senado, apesar do espetáculo do impeachment
não ter sido tão deprimente como na Câmara, mais de duas
dezenas de senadores também são investigados pela Justiça.
Mas se o enredo e consumação do impeachment foram eivados de
manipulações, trapaças e acordos espúrios, a
formação do novo governo não ficou nada a dever ao
espetáculo da Câmara e do Senado. Esse é um governo que
abriga os principais acusados de corrupção da política
brasileira, a começar pelo próprio vice-presidente de Dilma e
agora presidente interino, Michel Temer. Recente
delação premiada,
de um ex-diretor da Transpetro (empresa ligada à Petrobrás),
Sergio Machado, uma espécie de
Caixa 2
do PMDB, caiu como uma bomba no cenário político: Machado
denunciou que Temer foi intermediário de propina no valor de R$ 1,5
milhão (U$ 500 mil) para um apadrinhado seu, candidato a prefeito em
São Paulo em pleito passado. Detalhe burlesco: tudo foi acertado longe
das câmaras, numa base área de Brasília o que, convenhamos,
é um local no mínimo pitoresco para esse tipo de negociata.
Além disso, Temer foi condenado, em definitivo, pelo Tribunal Regional
Eleitoral de São Paulo, sua base eleitoral, a ficar inelegível
por oito anos. Isso sem falar que seu nome consta em várias planilhas de
doações fraudulentas apreendidas pela polícia com
diretores de empreiteiras investigados na
Operação Lava a Jato.
Além disso, em uma troca de mensagem num celular de Leo Pinheiro,
executivo da empreiteira OAS, também apreendido pela polícia,
há um fato estarrecedor: o presidente afastado da Câmara, Eduardo
Cunha, reclamava indignado que Pinheiro havia pago R$ 5 milhões (U$ 1,63
milhão) a Temer, então presidente do PMDB, e estava atrasando
repasse para outros peemedebistas. Este é o homem que neste momento
dirige a República.
Não é segredo para ninguém que Temer é uma
espécie de refém de Eduardo Cunha, pois toda a
articulação para a votação do impeachment na
Câmara Federal foi organizada, articulada e consumada pelo então
presidente da Câmara. Isso com certeza gerou compromissos, tanto que
Cunha continua mantendo grande influência na Câmara e no governo
Temer: o atual líder do governo na Câmara, André Moura,
é um fiel aliado de Cunha. Após o Conselho de Ética
aprovar e recomendar ao plenário a cassação do mandato de
Cunha, este conseguiu (com a ajuda dos parlamentares governistas e
anuência do governo) eleger o relator do recurso de Cunha na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara,
com o objetivo de inviabilizar a cassação do seu mandato, muito
embora Cunha tenha sido recentemente derrotado nesta comissão. Mas o
fato mais escandaloso das relações entre Cunha e Temer e que
demonstra o poder de Cunha junto ao governo foi o próprio presidente
interino ter se encontrado no Palácio, na calada da noite de um domingo,
sem constar da agenda oficial, com Eduardo Cunha. Como a reunião vazou,
o governo se apressou em dizer que era encontro institucional. É muito
estranho um presidente da República recebe no palácio do governo
um deputado afastado da presidência da Câmara, réu em dois
processos pelo Supremo Tribunal Federal e condenado pelo Conselho de
Ética, com incontáveis denúncias de
corrupção e próximo a ser cassado. Só compromissos
muito profundos explicam essa reunião. Mas Temer já disse em
entrevista, para justificar que é um político forte, que estava
acostumado a lidar com bandidos quando era secretário de
Segurança Pública de São Paulo. Bom, essa
declaração faz sentido.
O seu ministério se assemelha a um conglomerado de oligarcas corruptos,
ladrões de casaca e fundamentalistas pentecostais. No sua equipe, por
exemplo, sete integrantes são investigados pela justiça. Em menos
de um mês, três ministros foram afastados em função
das denúncias de corrupção: senador Romero Jucá,
ministro do Planejamento e um dos principais articuladores de impeachment,
denunciado por receber propina de empreiteiras; Henrique Eduardo Alves,
ministro do Turismo, amigo de longa data de Temer, também acusado de
receber propina; e Fabiano Figueiredo, ministro da Transparência.
Ressalte- se que Jucá era o articulador político do governo no
Congresso e antes do impeachment assumiu a presidência do PDMB para
deixar Temer, então presidente, livre para realizar as
articulações e as negociatas que levaram ao impeachment. Fabiano
Silveira, ex-integrante do Conselho Nacional de Justiça e que deveria
zelar pela transparência das ações do governo, caiu porque
foi flagrado em conversas gravadas criticando a Lava a Jato e orientando o
senador Renan Calheiros sobre como se comportar junto à Procuradoria
Geral da República. O ministro da Justiça, conhecido por sua
truculência quando secretário de Segurança de São
Paulo, foi advogado de Cunha e da Transcooper, uma cooperativa de
vans
citada em investigações que apura crime do
Primeiro Comando da Capital,
um grupo de traficantes de drogas muito ativo nas grandes capitais,
especialmente em São Paulo, isso para falar apenas nos principais
acusados.
Na verdade, toda essa crise desvenda a podridão das
instituições brasileiras. As gravações das
delações premiadas que se tornaram públicas revelam que os
senadores Renam Calheiros, Romero Jucá e José Sarney,
ex-presidente da República, estavam se articulando para tirar a
presidente Dilma e colocar em seu lugar Michel Temer, como forma de se
conseguir, a partir da posse do novo presidente, a paralisação da
Operação Lava a Jato,
que eles consideravam que estava indo longe demais e que poderia atingir
praticamente toda a cúpula política tanto do partido que estava
no governo quanto os da oposição. O impeachment seria assim uma
espécie de tábua de salvação de todos eles. A
corrupção entre as altas cúpulas de todos os partidos da
ordem é tamanha que recentemente o procurador geral da República
pediu publicamente a prisão de Renam Calheiros, presidente do Senado,
Romero Jucá, ex-ministro de Temer, José Sarney, ex-presidente do
Brasil e Eduardo Cunha por estarem articulando manobras para atrapalhar as
investigações. Foram salvos na bacia das almas pelo Supremo
Tribunal Federal, que negou o pedido de prisão, sem antes deixar de
registrar que o comportamento desses figurões não era adequado.
Mas como a cada dia aparece uma denúncia nova, mais bombástica
que a anterior, ainda vamos ter muitas surpresas nessa novela burlesca.
À sombra dessa conjuntura pantanosa estão os verdadeiros
operadores da oligarquia financeira, do grande capital, do agronegócio e
do imperialismo. Na área econômica ponteiam os delegados diretos
do mercado financeiro, os mais radicais na ortodoxia neoliberal, a
começar pelo ministro da Fazenda, Henrique Meireles. Ex-presidente do
Banco de Boston, é um monetarista que fez carreira no sistema financeiro
privado internacional. Quando esteve no governo, nos dois mandatos do
período Lula, sempre se destacou por ser partidário ativo dos
juros altos, sendo o mais ortodoxo da equipe ministerial. O Banco Central, o
principal instrumento de execução da política
monetária, foi capturado pela banca: Ilan Goldfajn, nomeado presidente,
é banqueiro do Itaú e um ortodoxo militante. A diretoria que
nomeou no Banco Central reúne a fina flor do rentismo
institucionalizado: o diretor de política monetária é
Reinaldo Le Grazie, do Bradesco, que antes era responsável no banco pela
administração de fortunas dos clientes rentistas e que agora vai
dar continuidade a essa política na administração
pública. A área de política econômica e assuntos
internacionais estão a cargo, respectivamente, de Carlos Viana e Thiago
Berriel, ambos da PUC do Rio, uma espécie de pequena Chicago carioca. Na
Petrobrás, a maior empresa estatal do País, está Pedro
Parente, um privatista radical, foi o homem do apagão no governo FHC e
atualmente está sendo processado por improbidade administrativa.
Além desses personagens do rentismo, pode-se destacar ainda um dos
principais homens do imperialismo no Brasil, José Serra, que atualmente
está no Ministério das Relações Exteriores para
alinhar a política internacional do Brasil aos Estados Unidos, desmontar
o processo de integração latino-americana e atrapalhar os BRICs.
Na Casa Civil está uma espécie de primeiro-ministro, Eliseu
Padilha, velha raposa política do PMDB, acostumado aos bastidores da
pequena política de Brasília, tanto que era conhecido na era FHC
como "Eliseu Quadrilha". Padilha está envolvido nas
denúncias de corrupção e teve seus bens bloqueados pelo
Ministério Público Federal. Também estão envolvidos
em denúncias de corrupção o ministro da
Educação, Mendonça Filho e Gedel Vieira Lima, ministro da
Secretaria de Governo e velhos conhecidos nas denúncias de
corrupção. O setor agropecuário é comandado por um
grande latifundiário do setor de soja, Blairo Maggi e na Saúde
está um conhecido lobista da medicina privada. Há ainda um
aspecto bem singular da equipe de Temer: em seu ministério não
há uma única mulher, nenhum negro, num País onde mulheres
e negros são maioria na população brasileira.
Um ataque brutal contra os trabalhadores
Um dos motes estratégicos do programa desse governo para justificar os
ataques aos trabalhadores e à soberania nacional é a balela que o
Brasil não cabe na Constituição de 1988 e os direitos
sociais também não cabem no orçamento, como sugere o
documento-base do PMDB
(Ponte para o Futuro),
que orienta as ações governamentais: "Na forma como
está desenhada na Constituição e nas leis posteriores (a
sistemática orçamentária, EC), que resulta em excessiva
rigidez nas despesas, torna o desequilíbrio fiscal permanente e cada vez
mais grave ... Assim, a maior parte das despesas públicas tornou-se
obrigatória, quer haja recursos ou não. Daí a
inevitabilidade dos déficits quando os recursos previstos não se
realizam, ou porque as receitas foram superestimadas, ou porque houve
retração na atividade econômica, portanto perda de
receitas".
[5]
Para estes senhores, as conquistas da Constituinte, elaboradas num duro
embate após a queda da ditadura, atrapalham a competitividade das
empresas, inviabilizam a economia de mercado e garantem direitos à
população que o País não pode pagar. Ou seja, as
conquistas sociais inscritas na Constituição estão em rota
de colisão com o apetite voraz da oligarquia rentista e dos
oligopólios e as liberdades democráticas são um empecilho
à ordem neoliberal.
Em outras palavras, caso essa equipe se mantenha no poder após a
consumação do impeachment no Senado, estaremos diante de um
governo claramente antinacional e antipopular, um governo ilegítimo e
usurpador, sem o respaldo do voto da população para exercer o
poder político e sem legitimidade para reorganizar a economia no
interesse das oligarquias regionais, dos rentistas e dos oligopólios
nacionais e internacionais. Um governo frágil porque a qualquer momento
seus ministros e o próprio presidente podem perder seus empregos em
função das denúncias de corrupção, mas
profundamente perigoso tanto porque não deve satisfações
à população, tendo em vista que não pode se
viabilizar eleitoralmente (o presidente está inelegível por oito
anos), quanto principalmente porque poderá realizar qualquer tipo de
medida antipopular para agradar as classes dominantes e ao imperialismo e se
manter no poder. Para isso, tem o apoio de uma maioria parlamentar, da
mídia corporativa e do mercado, apesar de rejeitado pela maioria da
população, conforme recentes pesquisas de mercado. A continuidade
desse governo, para os trabalhadores, significa um vôo cego para a
barbárie.
Até agora já foram realizadas um conjunto de medidas regressivas
nas áreas econômica e social, mas o pior ainda está por
vir: o governo espera apenas o desfecho do impeachment para aplicar seu
verdadeiro programa, porque aí estaria com as mãos livres para
realizar o ataque direto aos trabalhadores e viabilizar a política
entreguista. Vejamos as principais medidas tomadas até agora e aquelas
já anunciadas e que estão em discussão no Parlamento. O
governo extinguiu o Fundo Soberano e sacou todos os recursos (R$2 mil
milhões) para abater a dívida interna. Também definiu que
o BNDEs (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)
deverá devolver ao Tesouro, em três anos, R$ 100 mil
miilhões (U$ 33 mil milhões), recursos que foram repassados ao
Banco para viabilizar investimentos empresariais. Estes recursos também
servirão para abater a dívida. Ao colocar na presidência do
Banco uma conhecida militante privatista, Maria Silvia Bastos, que já
cumpriu funções no governo FHC, o objetivo é mudar
radicalmente o papel da instituição, passando de agente de
fomento do desenvolvimento industrial para operador e financiador do projeto de
privatizações, como ocorreu no governo do PSDB, entre 1994 e
2002.
O governo também vai cortar 4 mil cargos de confiança na
administração pública, como parte do chamado
esforço para equilibrar as contas públicas e pretende acabar com
a estabilidade do funcionalismo público e os acordos que levaram ao
aumento real do salário mínimo. Quer também aumentar de
20% para 30% a
Desvinculação das Receitas da União (DRU).
Isso significa que agora o governo poderá utilizar livremente
até 30% do orçamento da União, mesmo em
relação às verbas de setores protegidos por dispositivos
constitucionais, como saúde e educação.
[6]
Na prática, as autoridades econômicas podem remanejar livremente
recursos da saúde e educação para pagar, adivinhem quem:
os compromissos dos juros dívida interna. O governo também enviou
ao Congresso projeto de emenda constitucional de ajuste fiscal de longo prazo,
no qual fixa um limite rígido para os gastos públicos por cerca
de 20 anos, podendo ser revisto após o nono ano de
implementação, período no qual esses gastos se
manterão inalterados, podendo ser corrigidos apenas pela
inflação, o que na prática significa um congelamento dos
gastos públicos. A ambição dos representantes do
parasitismo financeiro e dos oligopólios nacionais e internacionais
[7]
é tão grande e às vezes bizarra que o presidente da
Confederação Nacional da Indústria (CNI) sugeriu que a
jornada de trabalho fosse estendida para 80 horas semanais, algo muito
próximo ao que era vigente no período da escravidão. Vale
lembrar que esses balões de ensaio buscam amaciar a
população, tornar corriqueira a barbárie, de forma a
reduzir os impactos das medidas vindouras. Ao mesmo tempo é uma jogada
esperta: eles sabem que esse é um governo que pode durar no
máximo mais dois anos e meio, mas as reformas a serem aprovadas
amarram todos os governos futuros a essa política ultraliberal. Ao mesmo
tempo, significa uma importante sinalização para o mercado, que
sempre desejou ter no governo uma equipe econômica que tivesse a coragem
de defender abertamente seus interesses sem grandes necessidades de prestar
contas à população.
Temer também anunciou que vai apoiar o projeto de Lei de
Responsabilidade Fiscal para as estatais e fundos de pensão, pelo qual
25% dos membros dos Conselhos de Administração devem ser
independentes. O governo justifica a medida alegando que esses dirigentes
deverão ser nomeados por critérios técnicos e
meritocráticos, sem vínculos políticos, de forma a poderem
alocar de maneira eficiente os recursos dessas instituições.
[8]
Na prática, quer colocar gente da iniciativa privada e do mercado
financeiro para gerir uma parcela significativa dos recursos públicos
nacionais e os fundos dos trabalhadores (que atualmente possuem
patrimônio de R$ 445 mil milhões U$148 mil milhões)
para servir aos interesses do mercado financeiro. Ou seja, a raposa cuidando do
galinheiro: o mercado financeiro passará a gerir centenas de milhares de
milhões de reais dos trabalhadores e do povo brasileiro. Há ainda
a possibilidade concreta de ser aprovada a independência do Banco
Central. Mas as joias da coroa que o governo Temer está preparando, caso
se consuma o impeachment da presidente Dilma, é a entrega do
Pré-Sal às petroleiras imperialistas, a reforma trabalhista, a
reforma da previdência e o programa de privatizações.
Entrega do Pré-sal:
O volume de petróleo até agora encontrado nas bacias do
pré-sal está calculados em R$ 20 milhões de milhões
(U$ 6,8 milhões de milhões), um botim bastante apetitoso para o
capital internacional petroleiro. Temer já anunciou que vai apoiar um
projeto que já foi aprovado no Senado, por proposta de Serra e com apoio
de Dilma (agora está na Câmara Federal), que altera as regras de
exploração do petróleo do pré-sal. Pelas normas
atuais, a Petrobrás tem exclusividade na exploração de 30%
em todos os poços de petróleo, mas se o projeto for aprovado na
Câmara a companhia estatal perde a exclusividade e o petróleo
brasileiro passará a ser explorado pelas multinacionais. Para realizar
tal tarefa, nomeou para a presidência da Patrobrás,
responsável por 13% do PIB, Pedro Parente, um privatista radical.
Mal assumiu o posto, já pilota um projeto de venda de ativos que, mesmo
ainda sigiloso, já se pode dizer que os estão de olho nas
companhias subsidiárias da Patrobrás como a Liquigás,
usinas térmicas, Transportadora Sudeste, Transpetro e BR Distribuidora,
campos de petróleo em produção ou em fase de
exploração, além das concessões de
exploração de novos campos pelas multinacionais. Também
está ainda na agenda a redução ou mesmo o fim da
política de conteúdo nacional,
pela qual a Petrobrás passou a comprar equipamentos de empresas
nacionais, como forma de incentivar a indústria local. Como entreguistas
contumazes, eles acusam essa política de compras como uma questão
ideológica do governo anterior, que viola a competição e
causa prejuízos à empresa. Se essa agenda se consumar,
será um golpe duro na soberania nacional, tendo em vista que o
monopólio estatal do petróleo foi uma conquista do povo
brasileiro, após grandes manifestações de massas nas ruas,
ainda na década de 50, e foi exatamente este monopólio que
possibilitou ao País se tornar autossuficiente em petróleo. Com
pré-sal, o País deverá se transformará num grande
exportador petroleiro, tendo em vista os vastos depósitos descobertos
nos últimos anos.
Reforma da Previdência:
A questão da previdência no Brasil é um dos casos mais
dramáticos no qual uma mentira repetida muitas vezes termina virando
verdade. Diariamente, todos os meios de comunicação, jornalistas
ignorantes ou a serviço do mercado financeiro, empresários e
banqueiros repetem estridentemente que a Previdência é
deficitária, que o déficit aumenta a cada ano, que a
população está envelhecendo e, por isso, é
necessário uma reforma da previdência para evitar uma
insolvência no futuro. Com esse discurso, as classes dominantes tentam
capturar parcela expressiva dos recursos da Previdência definidos pela
Constituição de 1988. Nas discussões daquele
período, os Constituintes decidiram incorporar à
previdência os milhões de trabalhadores rurais que não
pagavam a Previdência e, portanto, não recebiam os
benefícios previdenciários. Para tanto, criaram a
Seguridade Social,
da qual fazem parte a Previdência, assistência social e
saúde e definiram regras do financiamento, que inclui os recursos dos
trabalhadores, dos empregadores e do governo, além de tributos
específicos, como a CSLL (Contribuição Social Sobre o
Lucro Líquido) e a CONFINS (Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social), além de outras receitas,
visando dar sustentabilidade de longo prazo à previdência
brasileira. Ocorre que, desde meados da década de 90, as classes
dominantes lutam para recapturar esses recursos mediante uma série de
falsificações, desonestidade contábil e
manipulação midiática. Nessa ofensiva já
conseguiram realizar duas contra-reformas previdenciárias, uma no
governo FHC e outra no governo Lula, sempre retirando direitos dos
trabalhadores e desviando os recursos da seguridade social para pagamento dos
juros da dívida interna. Eles alegam que a previdência é
deficitária e, com o envelhecimento da população, seu
financiamento se tornará insustentável. Para justificar essa
inesperada e hipócrita preocupação com o futuro dos
pensionistas, os oligarcas realizam um argumento falacioso ou uma conta pela
metade,
isolando a Previdência
da
Seguridade Social
e comparando apenas os recursos arrecadados das contribuições de
patrões e empregados
com as
despesas previdenciárias,
sem levar em conta os recursos dos tributos da seguridade social, criados
justamente para dar sustentabilidade ao sistema previdenciário. Por essa
metodologia falsificada, a previdência se torna permanentemente
deficitária. Mas quando as receitas da seguridade social são
computadas, obtém-se um superávit nas contas
previdenciárias. Por exemplo, o superávit foi de R$68 mil
milhões (U$22 mil milhões) em 2013 e R$56 mil milhões
(U$18 mil milhões) em 2014,
[9]
isso sem levar em conta que os recursos previdenciários foram
reduzidos em função da política de
desonerações e renúncias fiscais realizadas pelo governo,
das diversas modalidades de sonegação previdenciária e da
fuga de receitas em função do processo recessivo. Para se ter uma
ideia de quanto o governo desvia da Seguridade Social para pagar a
dívida interna, é importante observarmos os cálculos do
economista Eduardo Fagnani, da Unicamp: "Só em 2012 a DRU retirou
da Seguridade Social R$52,6 mil milhões (U$17 mil milhões). O
acumulado, para o período 2005-2012 totaliza R$286 mil milhões
(U$95 mil milhões)".
[10]
Mas nada disso é observado pela mídia corporativa. Como essas
informações não são divulgadas para a
população, permanece a versão fantasiosa dos
déficits crescentes na previdência e, com essa farsa
contábil, os rentistas vão reduzindo cada vez mais os direitos e
proventos dos pensionistas. Também querem ainda desvincular os reajustes
do salário mínimo dos reajustes dos aposentados. Na verdade, seu
objetivo maior é a privatização da previdência, como
ocorreu no Chile de Pinochet.
Reforma Trabalhista:
Outro dos grandes objetivos desse governo é o desmonte da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi promulgada ainda
na década de 40 pelo governo de Getúlio Vargas. Uma parcela
expressiva dos direitos dos trabalhadores já foi retirada no
período FHC (e outra flexibilizada nos governos petistas), mas
ninguém teve força suficiente para desmontar a CLT, tarefa que
agora o governo Temer busca atingir. O centro da questão é
aprovar no Congresso uma reforma definindo que aquilo que for
acordado
entre trabalhadores e empresários se sobrepõe ao que está
legislado.
Ou seja, os acordos realizados em cada empresa ou cada setor de
produção estão acima da legislação da CLT ou
da Constituição. Numa conjuntura de recessão e desemprego,
com a ofensiva patronal contra direitos e garantias dos trabalhadores, isso
seria um prato cheio para a implantação da barbárie
social. A que nível chegou o capitalismo brasileiro: desesperados diante
da crise econômica, querem tirar dos trabalhadores direitos que foram
conquistados por seus avós. Além do desmonte da CLT, as classes
dominantes também querem a implantação das
terceirizações, visando não só rebaixar os
salários, mas também desorganizar o mercado de trabalho, destruir
o movimento sindical e criminalizar as lutas sociais. Nessa ofensiva,
não será surpresa se iniciarem ainda uma campanha contra o
pagamento do 13º. salário, uma conquista que vem desde a
década de 60; extinção do pagamento das férias com
um terço a mais de salário, como determina a
legislação atual; redução do período de
férias para menos de 30 dias; e até mesmo cortes no pagamento do
descanso semanal remunerado. Ate agora nenhuma autoridade do governo assumiu
essas três ultimas agendas, mas os balões de ensaios estão
circulando diariamente nas redes sociais. Como dizia minha avó, onde tem
fumaça tem fogo.
Política de privatizações:
Durante o governo FHC, o governo privatizou a grande maioria das empresas
públicas, envolvendo quase todo o setor de
telecomunicações, grande parte do setor elétrico, bancos
estaduais, siderurgia, entre outros. E nos governos petistas operou-se as
privatizações disfarçadas sob o rótulo de
concessões
à iniciativa privada. Pelo menos em relação às
quatro grandes empresas estatais nenhum governo reuniu forças para
entregá-las à iniciativa privada: a Petrobrás, o Banco do
Brasil, a Caixa Econômica Federal e os Correios e Telégrafos. Mas
essa equipe de Temer vai procurar de todas as formas realizar a tarefa
não concluída por FHC. A ordem no governo é privatizar o
que for possível o mais rápido que se puder. Temer já
anunciou que vai adotar medidas para facilitar a venda das empresas do setor
elétrico que não foram privatizadas na era FHC, ao mesmo tempo em
que está transferindo para os consumidores a conta decorrente dos
acordos realizados com o Paraguai ainda no governo Lula, através do qual
o Brasil aumentou a remuneração paga pela energia fornecida ao
Brasil pela Itaipu Binacional. Também já foi sancionada pelo
presidente a abertura do setor aéreo, através do qual o capital
estrangeiro pode adquirir as empresas nacionais. Mas o objetivo central do
governo é a privatização das grandes estatais. Essa tarefa
ainda não foi publicizada porque aguardam o desfecho do impeachment, mas
é a missão desse governo usurpador. No entanto, essa é uma
tarefa difícil: FHC ensaiou privatizar a Petrobrás, chegando
inclusive a tentar mudar o nome da empresa para
Petrobrax
para facilitar sua venda, mas foi obrigado a recuar em função da
grande reação de setores sociais e políticos do
País. A privatização do Banco do Brasil também
é uma tarefa difícil não só em função
de seu tamanho (é o maior banco do País), mas porque se trata de
uma instituição pública fundada ainda no período
colonial. E a Caixa Econômica Federal também apresenta grandes
dificuldades, em função do seu porte e também porque
é gestora do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e dos
financiamentos do programa de habitação. Da mesma forma, os
Correios e Telégrafos têm grande prestígio junto à
população pela qualidade dos serviços que proporciona.
Portanto, qualquer movimento do governo no sentido da
privatização dessas empresas vai gerar grandes conflitos sociais.
As elites estão brincando com fogo
Na verdade, as classes dominantes brasileiras, ao iniciarem o processo de
impeachment, com as manobras e manipulações de todos conhecidas,
em meio às denúncias de corrupção que atingem toda
a institucionalidade, desencadearam um processo que podem não ter
condições de controlar. Estão brincando com fogo. Numa
conjuntura de elevada tensão social, com o descontentamento das massas
em consequência do caos urbano, das precárias
condições de saúde, dos baixos salários, do
desemprego, da corrupção generalizada, da crise de
representatividade e da desmoralização das
instituições, querer implantar a ferro e fogo a agenda neoliberal
predatória que esta sendo anunciada é como colocar gasolina na
fogueira. Vai acirrar de tal maneira a luta de classes que não
será surpresa para ninguém a emergência de
conflagrações sociais em várias regiões do
País, especialmente nas grandes metrópoles. Como registra
recente nota política do PCB: com o impeachment da presidente Dilma e a
ascensão do novo governo ilegítimo, a luta de classe mudou de
patamar no Brasil, tornando mais aberto o conflito entre capital e trabalho,
que era ofuscado pela política de apassivamento, cooptação
e despolitização implementada pelo Partido dos Trabalhadores.
Vale recordar ainda que estamos vivenciando o dramático fim de um ciclo
de lutas sociais que se iniciou no final da década de 70 com as greves
do ABC, no qual a classe operária emergiu com força e
combatividade, criando organizações próprias e
contribuindo de maneira decisiva para o fim do regime militar. Também
é fundamental compreender que a partir de 2013, com as
extraordinárias jornadas de junho, a juventude e os trabalhadores
precarizados emergiram na cena política com manifestações
de massa, por fora das instituições sindicais e políticas,
iniciando-se assim, ainda de maneira embrionária, um novo ciclo de lutas
sociais no Brasil. Portanto, estamos vivendo na atual conjuntura aquele
intervalo gramsciano no qual o velho está morrendo, o novo está
emergindo mas ainda não se consolidou e, nesse vazio, surgem os
monstros, entendido aqui como os elementos mais inesperados,
imponderáveis ou bizarros da conjuntura, mas também esse é
um período cheio de oportunidades. Como todo final de processo, o
desfecho desse ciclo poderá parir um conjunto de fenômenos novos
na realidade brasileira:
a)
O primeiro deles é o esgotamento das organizações que
cresceram e se desenvolveram durante o ciclo anterior, como o Partido dos
Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), para falar
apenas nos dois principais. Essas organizações poderão
até ainda continuar vivas, como o MDB continuou vegetando na forma desse
PMDB degenerado atual, mas perderão sua alma, sua capacidade de
transformar, serão apenas caricatura do que foram no passado, sem
possibilidade de se reinventarem porque serão incapazes de realizar uma
autocrítica sincera dos erros estratégicos e táticos que
cometeram durante o período de governo, tais como a renúncia
à construção de uma nova correlação de
forças baseada nos setores populares; a adesão ao modus operandi
da velha política até se envolver abertamente com a
corrupção; a cooptação e
burocratização do movimento sindical e social; a
conciliação de classe e as alianças com a escória
da política; e o apassivamento e despolitização geral dos
trabalhadores e da juventude. Essas organizações estão
vinculadas de tal maneira à ordem e à institucionalidade que se
torna praticamente impossível uma virada de mesa na atual conjuntura,
pois os movimentos que realizaram durante o período de governo as
tornaram prisioneiras de seu próprio destino.
b)
A emergência do novo ciclo ainda não consolidado vai produzir uma
conjuntura inteiramente nova na realidade brasileira. Como todo início
de ciclo, em que ainda não se forjou uma organização
catalisadora do novo processo, sua dinâmica é confusa e
contraditória, mas as lutas de junho de 2013 estão produzindo um
conjunto de atores e lutas sociais com enorme combatividade e originalidade.
É só recordarmos as
ocupações vitoriosas dos estudantes secundaristas paulistas
contra o governo reacionário do PSDB,
há mais de 20 anos no poder em São Paulo. Essas
manifestações estão inspirando outras
ocupações de secundaristas em várias regiões do
País. Os estudantes secundaristas das escolas públicas são
os filhos do proletariado brasileiro, porque só os filhos dos
proletários estudam em escolas públicas, uma vez que os filhos da
classe média alta e da burguesia estudam em colégios privados.
Esses jovens estão debutando na luta social e trazendo formas de lutas e
experiências novas de organização das lutas sociais. Vale
ressaltar ainda que no Brasil a entrada em cena do proletariado na luta social
e política sempre foi antecedida das lutas da juventude. Foram as lutas
da juventude que anteciparam a abolição da escravatura e a
proclamação da República; o movimento dos tenentes na
revolução de 1930; o movimento estudantil nas lutas pelas
reformas de base; e o movimento pela reconstrução da UNE antes
das greves do ABC. Podemos dizer que as lutas atuais da juventude podem ser
prenúncio da entrada em cena do proletariado, de forma a dar um novo
rumo na história de nosso País. Ressalte-se ainda que o
número de greves vem aumentando desde 2013, o que indica que algo
está movendo no interior do proletariado brasileiro.
c) O terceiro dos fenômenos é o resultado da fusão dos dois
anteriores e podemos dizer que está se expressando num complexo e
doloroso processo de reorganização da esquerda. Ninguém
pode errar nesse momento de crise: um erro pode custar caro às
organizações sociais e políticas. Isso explica a
implosão que ocorreu recentemente no PSTU (Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado), quando mais de 700 militantes orgânicos se
desligaram da organização. Processos mais reduzidos estão
sendo verificados também em organizações menores. Mas o
grande drama vai ocorrer com as bases do Partido dos Trabalhadores, que
estão frustradas e confusas, não se sentem representadas pela
cúpula do partido, mas em contrapartida não têm a menor
possibilidade de ganhar por dentro a direção do partido.
Vão procurar um novo rumo com o desfecho do impeachment. O PC do B se
organiza mais como uma empresa que como uma organização
política, dado o elevadíssimo número de profissionais
burocratizados na organização e nas administrações
públicas federais, estaduais e municipais, sendo este um fator limitador
de dissidências. Em tempos de crise ninguém quer ficar sem
trabalho. Mesmo assim, com o fim do ciclo, pagará caro sua
opção pela institucionalidade eleitoral. E os militantes mais
jovens das ocupações secundaristas irão amadurecer e
buscar uma opção para se organizar politicamente. Com certeza o
próximo ciclo que se abre será um desafio para a
reconstrução da esquerda.
Realmente, o Brasil vive atualmente uma conjuntura complexa e difícil.
Estamos diante de um governo impopular, desmoralizado, interessado a prestar
bons serviços aos seus patrocinadores. Um governo que está
disposto a implementar a agenda neoliberal a qualquer custo, no menor
espaço de tempo possível, mesmo que para isso tenha que se
utilizar da lei antiterrorismo, diga-se passagem aprovada pelo governo do PT,
da criminalização dos movimentos sociais e da repressão
aberta contra os trabalhadores e a juventude. Por outro lado, cresce a
indignação na sociedade, muito embora ainda difusa, contra o
governo, fato que se expressa nos protestos tanto das ruas quanto nas torcidas
de futebol nos estádios, nos espetáculos musicais e teatrais e
nos
escrachos
[11]
de parlamentares e ministros do governo nos aeroportos, dentro de
aviões, em eventos públicos. Se essas manifestações
já ocorrem num momento em que o governo ainda não tomou as
medidas mais duras, imaginem o que vai acontecer quando o governo mostrar sua
verdadeira face, após a interinidade. Estamos nos aproximando de um
momento de acirramento da luta de classes e possivelmente de uma
repressão muito dura contra os trabalhadores e os movimentos sociais,
pois dificilmente essas medidas serão realizadas sem luta, mas
também poderemos estar diante da possibilidade da
construção de uma nova correlação de forças
favorável aos trabalhadores.
Na verdade, o desfecho dessa conjuntura complexa e volátil é uma
obra aberta porque não está garantido a nenhuma das forças
fundamentais da sociedade brasileira, a burguesia e o proletariado e as
forças de esquerda, a vitória nessa conjuntura. Se a burguesia
nesse momento tem a iniciativa, controla os poderes institucionais, o poder
econômico e os aparatos militares, isso pode não significar grande
coisa diante de levantes sociais de massa. Afinal, o outro lado, o proletariado
e a juventude, também estão jogando e representam uma
força avassaladora se colocados em movimento. Mas nesse processo de
novas lutas é fundamental fugir da órbita das velhas
organizações que estão morrendo com o ciclo em que se
forjaram e, especialmente, das armadilhas do lulismo, que busca colocar as
lutas das ruas a serviço da disputa eleitoral em 2018, na qual nem Lula
sabe se será candidato. É fundamental buscar construir um caminho
que rejeite tanto a conciliação de classe quanto a direita. A
construção desse terceiro campo é o caminho mais
difícil, mas é o único que pode construir uma alternativa
dos trabalhadores para a crise. Tudo leva a crer que no médio prazo
teremos uma disputa aberta entre o proletariado e a juventude contra a
burguesia e todo o seu aparato. O resultado desse processo vai depender da
capacidade das organizações políticas e sociais de
encontrarem pontos em comum, tanto do ponto de vista orgânico quanto
programático. Uma boa ideia nesse sentido é a proposta de
construção de um grande
Bloco de Lutas,
a ser consolidado num encontro nacional dos trabalhadores e do movimento
popular, que reúna as organizações políticas e os
movimentos sociais classistas e seja capaz de forjar um programa mínimo
que possa colocar em movimento os trabalhadores, a juventude e o povo pobre dos
bairros na luta pelas transformações sociais e pelo poder popular
a partir de suas reivindicações concretas contra o ajuste fiscal,
o ataque aos direitos dos trabalhadores e pensionistas, o pagamento dos juros e
amortizações da dívida interna, por terra, trabalho e
moradia, em defesa do patrimônio nacional. Essas propostas, vinculadas
à vida cotidiana dos trabalhadores, poderão colocar em movimento
milhões de pessoas nas ruas, locais de trabalho, moradia e estudo e
levar a um processo que nos tire da crise e abra possibilidade para uma
transição no interesse dos trabalhadores.
[1] O Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos
Trabalhadores (CUT) foram fundados, respectivamente, em 1980 e 1983.
[2] Para maior compreensão das jornadas de junho de 2013, ver Costa,
Edmilson.
Brasil: extraordinárias jornadas de lutas
. Constante em resistir.info.
[3] Investigação realizada pelo judiciário de Curitiba,
sob a liderança do juiz Sergio Moro, cujos resultados até agora
vem demonstrando a podridão das instituições brasileiras
em praticamente todas as áreas. Parlamentares, executivos empresariais e
dirigentes políticos em geral vêm sendo denunciados ou presos. A
cada dia o País é surpreendido por uma nova
delação premiada
envolvendo novos personagens das instituições políticas e
empresariais envolvidos em escândalos de corrupção. Caso as
investigações continuem não será surpresa o
envolvimento ou prisão dos principais personagens dos partidos da ordem,
bem como do Executivo nacional.
[4] Essa classificação da equipe de Temer se assemelha ao que
foi sugerido pelo jornalista Mauro Lopes, dos Jornalistas Livres, em artigo
sobre os gestores da crise, no qual dividiu a equipe do governo em duas turmas:
os barões de casaca e os barões das galinhas (21/5/2016). Optamos
por ser menos sutil em relação à equipe governamental.
Acesso em 20 de junho de 2016.
[5] PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro): Uma ponta para
o futuro. Documento-Base com as propostas para a reforma econômica
brasileira. Acesso em 20 de junho de 2006.
[6] A Constituição brasileira, aprovada na Assembleia
Constituinte de 1988, definiu percentuais rígidos para gastos em
saúde e educação, que teoricamente não poderiam ser
modificados na proposta orçamentária. Mas no Brasil sempre se
dá um jeitinho para burlar os direitos dos trabalhadores. No governo FHC
foi aprovada uma emenda constitucional que permitiu ao Executivo poder utilizar
livremente 20% do orçamento de acordo com seus objetivos
políticos, sob o pretexto de criação de um Fundo de Social
de Emergência (FSE). Posteriormente, esse processo foi institucionalizado
com a aprovação da DRU (Desvinculação das Receitas
da União), com o mesmo percentual de 20%. Agora este governo quer elevar
o percentual para 30%. Isso significa que o governo poderá remanejar
até 30% das verbas sociais (educação, saúde, etc)
para pagar os juros da dívida interna.
[7] Apesar da política governamental ser gerida em função
dos compromissos da dívida interna, portanto da oligarquia financeira,
os monopólios nacionais e internacionais e o agronegócio, mesmo
em períodos de recessão, não perdem dinheiro, pois os
recursos ociosos que não podem ser destinados ao investimento produtivo
são aplicados no mercado de títulos do governo com retornos
bastante expressivos, dado as elevadas taxas de juros, funcionando assim como
um colchão de proteção e uma válvula de escape para
todos em tempos difíceis.
[8] Hoje, a representação nas direções dos fundos
de pensão dos trabalhadores das estatais é paritária entre
trabalhadores e governo
[9] Entrevista com Denise Gentil ao site da revista
Brasileiros
(15/2/2016), professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudiosa
da Previdência Social e que em sua tese de doutoramento desmonta as
falsidades dos o argumentos de que a Previdência brasileira é
deficitária. Acesso em 20/5/2016.
[10] Fagnani, Eduardo. Artigo escrito para a Plataforma Política
Social. Caminhos para o Desenvolvimento, em 21/2/2016. Acesso em maio de 2016.
[11] Manifestações, geralmente bem humoradas, realizadas pela
juventude, inicialmente em frente à residência de torturadores,
mas agora também em frente à casa de articuladores do
impeachment, nos aeroportos e locais públicos.
[*]
Doutorado em Economia pela Unicamp, com
pós-doutoramento no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
mesma instituição. É autor, entre outros, de
A globalização e o capitalismo contemporâneo
(Expressão Popular) e
A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil
(Edições ICP). É membro do Comitê Central do
Partido Comunista Brasileiro (PCB), diretor
do Instituto Caio Prado Junior e um dos editores da revista teórica
Novos Temas.
O original encontra-se em
pcb.org.br/portal2/11624
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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