Cinquenta anos após o golpe de 1964
por PCB
O Brasil do final da década de 1950 e início dos anos 1960
vivenciava uma crise de consolidação e de crescimento do
capitalismo no país, resultante do próprio processo de
acumulação acelerado pelo modelo econômico implantado por
Juscelino Kubitschek. O Estado brasileiro garantiu a infraestrutura
necessária ao pleno desenvolvimento capitalista, com a montagem recorde
dos setores mais dinâmicos da estrutura industrial brasileira,
capitaneados, dentre outras, pelas empresas automobilísticas, de
construção naval e mecânica pesada, majoritariamente
controladas por capitais externos. A expansão capitalista era obtida com
o aumento da produtividade industrial, com a incorporação de
novas tecnologias facilitada pela abertura ao capital estrangeiro e o
aprofundamento da exploração da força de trabalho.
Se esta política foi capaz de promover um alto grau de
desnacionalização da economia brasileira, ao mesmo tempo
não significou contradição aberta com os interesses dos
capitalistas nacionais, pois propiciou a formação de um
núcleo de empresas associadas aos grupos multinacionais instalados no
Brasil. Esse quadro acabou projetando a burguesia brasileira associada ao
capital internacional a uma posição de destaque dentre as demais
frações da classe dominante que compunham o Estado no chamado
"pacto populista", até então mantido com base no
equilíbrio entre elas. Os setores mais dinâmicos da burguesia
brasileira queriam distância de qualquer projeto nacionalista que, de um
lado, rejeitasse ou limitasse a presença do capital estrangeiro no
país e, de outro, favorecesse ou não impedisse a
mobilização crescente da classe trabalhadora e das massas
populares por seus direitos.
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento do capitalismo requeria uma nova onda de
expansão produtiva, com o aprofundamento do processo de
concentração de capital, a ser implementado por meio da
expulsão do mercado das empresas menos poderosas e, portanto, menos
competitivas. Logo, estava se dando uma crise de superacumulação
do capital ou de superprodução, típica da fase monopolista
do capitalismo. No início da década de 1960, a existência
de um governo como o de João Goulart, identificado com propostas
desenvolvimentistas nos marcos de um "capitalismo nacional
autônomo" e que, em função de suas origens
históricas, era obrigado a dialogar com as lideranças sindicais,
significava claramente um obstáculo às pretensões da
grande burguesia integrada de forma subalterna ao capital internacional,
disposta, então, a tomar de assalto o poder de Estado, para fazer valer
plenamente seus interesses.
Por outro lado, verificava-se no período a participação
ativa de amplas camadas de trabalhadores urbanos e rurais nos embates
políticos, atraindo setores de camadas médias, com destaque para
estudantes e intelectuais. Se a ampliação da
mobilização popular não colocava imediatamente em xeque a
ordem capitalista, não deixava de representar uma séria
ameaça aos interesses das frações de classe burguesas
ligadas aos bancos, à grande indústria e ao latifúndio.
Isto levava a uma conjuntura de crescente tensão, com o governo de
João Goulart sendo pressionado por todos os setores da luta
política e sofrendo um esvaziamento de poder e autoridade.
A resposta dos grupos capitalistas mais articulados no período,
constituídos pela burguesia industrial, financeira e
latifundiária, foi a preparação de um movimento
reacionário para conter de pronto a ameaça que vinha das massas
trabalhadoras. O golpe de estado de 1964, além de ter representado uma
ação repressiva no sentido de esmagar e desbaratar as
forças populares em ascensão, também teve por objetivo o
rearranjo das forças políticas no núcleo central do poder,
ao afastar as frações burguesas consideradas ultrapassadas, do
ponto de vista do modelo de desenvolvimento econômico que se pretendia
aprofundar, visando à consolidação do capitalismo
monopolista no país, para o que seria necessário radicalizar a
expropriação da classe operária, em níveis ainda
mais violentos do que praticados anteriormente.
A ação golpista encontrou tímida resistência do
conjunto do movimento sindical e popular. A linha política adotada pelo
PCB, que influenciava amplos setores do movimento operário, na
prática desarmava a militância para o enfrentamento à onda
reacionária que tomava vulto a partir da difusão da ideologia
anticomunista e do discurso do "perigo vermelho" pregados pelas
associações empresariais e entidades como o IPES e o IBAD,
aparelhos privados da hegemonia capitalista, além dos aparatos
tipicamente coercitivos, como o Exército e a Escola Superior de Guerra,
o que terminou contagiando parcelas significativas das camadas médias,
atraindo-as para o apoio ao golpe de 1964.
As interpretações equivocadas da realidade brasileira, ainda
vista como marcada por resquícios "feudais" e a
definição da estratégia da revolução
brasileira como nacional-democrática, a prever a aliança dos
trabalhadores com uma "burguesia nacional" pretensamente indisposta
com o imperialismo, fizeram com que os comunistas, assim como as principais
lideranças dos grupos envolvidos nas lutas pelas reformas, subestimassem
a preparação dos grupos fundamentais da classe dominante em
direção ao golpe de estado. O PCB, com a Declaração
de Março de 1958, entendia ser necessário lutar pela
consolidação e ampliação da legalidade
democrática, partindo da premissa segundo a qual era possível
interferir mais diretamente no processo de mudanças vivido pela
sociedade, organizando as pressões populares sobre o Estado e conduzindo
a revolução brasileira por meios pacíficos. A dificuldade
de associar a realidade brasileira da época à de uma sociedade
capitalista madura levou a conclusões contraditórias, como a de
apostar num projeto de revolução nacional-democrática,
etapa ainda a ser realizada antes da revolução socialista. Na
prática, a condução do processo ficou em mãos de
setores da burguesia que não tinham pretensões de promover
grandes mudanças no quadro social e econômico brasileiro.
No entanto, após a instalação da ditadura e depois de um
período de dispersão, em função de ter subestimado
a possibilidade de golpe, o PCB foi capaz de articular instrumentos para a
construção da resistência nos espaços
possíveis, buscando ampliar a luta no sentido da retomada do movimento
de massas, ao mesmo tempo em que participava da criação de uma
grande força oposicionista congregada na frente democrática. Na
década de 1980, os setores moderados da oposição burguesa
liberal negociaram a transição pelo alto na direção
da democracia formal, e o amplo movimento de luta contra a ditadura não
foi capaz de aprofundar a mudança no rumo de uma alternativa
anticapitalista para o Brasil.
O PCB, ao participar ativamente da resistência contra a ditadura e mesmo
corretamente não tendo aderido à luta armada por entender
que essa forma de luta não era compatível com a
correlação de forças , pagou um alto custo por essa
jornada de lutas: centenas de militantes comunistas foram presos, torturados,
assassinados e exilados. Antes de implementar a "abertura lenta, segura e
gradual", e depois de derrotar as organizações que
recorreram à luta armada, a ditadura concentrou-se numa violenta
empreitada de liquidação do PCB.
No início de 1973, o dirigente regional do PCB Célio Guedes foi
morto com um tiro na nuca nas dependências do Cenimar no Rio de Janeiro.
No ano de 1974, foram assassinados os dirigentes nacionais Davi Capistrano da
Costa, morto com requintes de crueldade; José Roman, operário;
João Massena, metalúrgico; Luiz Ignácio Maranhão
Filho, jornalista; Walter de Souza Ribeiro, oficial do Exército e ativo
militante das lutas pela paz. Também foi morto neste ano o professor de
História e presidente do sindicato dos professores do Rio de Janeiro
Afonso Henrique Martins Saldanha.
No ano de 1975 a repressão seria ainda mais violenta contra o PCB,
eliminando os membros do Comitê Central Elson Costa, líder da
greve dos caminhoneiros em Minas Gerais; Hiran de Lima Pereira; Nestor Veras,
líder das lutas camponesas; Itair Veloso, operário da
construção civil; o jornalista e advogado Orlando da Silva Rosa
Bomfim Júnior; o jornalista e advogado Jayme Amorim de Miranda; o
dirigente da juventude comunista José Montenegro de Lima. Seus corpos
nunca foram encontrados até hoje. E mais: morreram sob torturas o
gráfico Alberto Aleixo, o tenente da PM de São Paulo José
Ferreira de Almeida, o coronel reformado José Maximino de Andrade Netto,
o comerciário Pedro Jerônimo de Souza. Fechando o ano de 1975, a
repressão assassinou, sob tortura, Vladimir Herzog, professor da USP e
jornalista, militante da base cultural do PCB em São Paulo. No ano
seguinte, ainda tombariam, vítimas da ditadura, a militante Neide Alves
Santos e o operário metalúrgico Manoel Fiel Filho,
responsável pela distribuição do jornal
Voz Operária
nas fábricas da Moóca, em São Paulo.
Na sua reorganização, após a volta dos anistiados em 1979,
o Comitê Central eleito em 1982 levou o Partido para o caminho da
conciliação de classes, insistindo em manter a política de
frente democrática, que tinha sido correta até então
mas já estava ultrapassada , ao invés de promover
uma inflexão para alianças à esquerda.
Superado o período ditatorial, 30 anos da chamada
redemocratização da vida política nacional foram incapazes
de alterar o quadro fundamental de uma sociedade marcada pela profunda
desigualdade social, em que os governos de plantão tudo fazem para
garantir os altos lucros das empresas, dos bancos e do latifúndio,
plenamente integrados ao capitalismo internacional e retomando o aparato
repressivo dos tempos de ditadura para conter, com todo o terror de Estado, a
ameaça ao poder burguês identificada nas
manifestações populares e na luta de classes. Isso porque mudou a
forma da hegemonia burguesa, com o restabelecimento da legalidade
democrática, mas o sistema capitalista em nada foi alterado,
aprofundando cada vez mais a desigualdade e a exclusão social.
A transição pelo alto que conduziu o processo de passagem da
ditadura para a democracia formal burguesa garantiu a impunidade dos
torturadores e assassinos que atuaram a serviço do regime,
possibilitando que hoje a tortura e a execução sumária de
pessoas em sua maioria, trabalhadores pobres, marginalizados pela
sociedade de mercado continue a ser uma prática adotada pela
polícia em todo o país.
Aos 92 anos de existência, o PCB, vivendo hoje o processo de
reconstrução revolucionária, reconhece os erros cometidos
no passado e exalta os acertos, destacando o papel heroico de todos os quadros
do Partido que lutaram contra a ditadura, sobretudo daqueles que pagaram com
sua própria vida o compromisso histórico com a
transformação da realidade brasileira e a revolução
socialista.
PELA REVOGAÇÃO DA LEI DE ANISTIA, COM A PUNIÇÃO DOS
TORTURADORES, ASSASSINOS E COLABORADORES DO REGIME DITATORIAL
PELA REVOGAÇÃO DA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL E DA PORTARIA
DO MINISTÉRIO DA DEFESA, QUE PROMOVE A VOLTA DOS MILITARES À
REPRESSÃO DOS MOVIMENTOS POPULARES.
PELA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS.
COM O PODER POPULAR, RUMO AO SOCIALISMO!
Comitê Central do PCB.
01/Abril/2014
O original encontra-se em
pcb.org.br/...
Esta nota política encontra-se em
http://resistir.info/
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