A ditadura militar no Brasil (1964-1985) e o massacre contra o PCB
por Milton Pinheiro
[*]
Para Neide Alves Santos, comunista morta pela ditadura
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Só vos peço uma coisa: se sobreviverdes a esta época,
não vos esqueçais!
Não vos esqueçais nem dos bons, nem dos maus.
Juntai com paciência as testemunhas daqueles que tombaram por eles e por
vós.
Um belo dia, hoje será o passado, e falarão numa grande
época e nos heróis anônimos que criaram a história.
Gostaria que todo mundo soubesse que não há heróis
anônimos.
Eles eram pessoas, e tinham nomes, tinham rostos, desejos e esperanças,
e a dor do último entre os últimos não era menor do que a
dor do primeiro, cujo nome há de ficar.
Queria que todos esses vos fossem tão próximos como pessoas que
tivésseis
Conhecido como membros da sua família, como vós mesmos.
Julius Fuchik
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No dia quatro de novembro, a militância revolucionária brasileira
compareceu à Alameda Casa Branca, em São Paulo, ao local onde foi
assassinado o líder comunista Carlos Marighella, para prestar-lhe mais
uma homenagem. É um ato coberto por um grande simbolismo, com a
presença de históricos militantes da causa revolucionária
no Brasil, mas também, com a presença daqueles que representam,
nos dias atuais, a luta e o desejo da nossa classe em prosseguir fazendo
história e perseverando na luta pela revolução socialista.
Marighella, heróico combatente contra a ditadura burgo-militar, tombou
nesta data pela cilada covarde da repressão, em 1969. No entanto,
não tombaram seus sonhos e ideias. Homens e mulheres, juventude
aguerrida e trabalhadores, continuam em marcha para confeccionar no palmilhar
do dia-a-dia, a esperança do mundo emancipado da
exploração do homem pelo homem.
Mas, ao voltar-me para Carlos Marighella, nesta justa homenagem, desperto para
a luta sem trégua dos seus camaradas do Partido Comunista Brasileiro
(PCB), operador político no qual Marighella foi militante, parlamentar e
dirigente durante 33 anos da sua vida, saindo dele, por divergência na
forma de enfrentar a ditadura burgo-militar, dois anos antes de ser
assassinado.
O ódio de classe exercitado pela burguesia durante todo o século
XX contra o PCB foi levado às últimas consequências pela
ditadura militar: eles prenderam, torturaram e mataram os militantes mais
destacados de um operador político que teve seus erros no
pré-1964, mas que resolveu articular uma ampla luta de massas contra a
ditadura burgo-militar, e por isso pagou um gigantesco preço, que foi
regado com sofrimento e sangue de seus militantes.
Logo no primeiro momento, quando se estabeleceram as trevas golpistas que
cortaram as luzes da democracia em construção, no último
dia de março de 1964, a burguesia e seu aparato militar/policial
repressivo partiu para cima dos comunistas. Era a bota de chumbo pisando o sol
da liberdade, começaram a ceifar as vidas da vanguarda comunista. E a
primeira vítima foi o estivador e sindicalista,
Antogildo Pascoal Viana (AM)
, assassinado no dia 08 de abril de 1964, seguiram-se a ele, ainda em 1964, os
seguintes camaradas: o operário eletricista e sindicalista
Carlos Schirmer (MG)
, no dia 1º de maio;
Pedro Domiense de Oliveira (BA)
, sindicalista e líder dos posseiros urbanos, assassinado no dia 07 de
maio;
Manuel Alves de Oliveira (SE)
, militar assassinado no dia 08 de maio; o gráfico e sindicalista
Newton Eduardo de Oliveira (PE)
foi morto em 1º de setembro; o líder camponês
João Alfredo Dias (PB)
, conhecido como "nego fubá", sapateiro e ex-vereador, foi
sacrificado pela repressão em 07 de setembro; ainda no dia da
pátria, também foi assassinado o líder camponês e
presidente das ligas camponesas de Sapé,
Pedro Inácio de Araújo (PB)
; no dia 15 de novembro a ditadura matou o gráfico,
Israel Tavares Roque (BA)
e no final do ano de 1964 e/ou começo de 1965, o marítimo
catarinense
Divo Fernandes D'oliveira.
Ao todo, em 1964, a ditadura matou 29 militantes que lutavam contra o
arbítrio, sendo nove do PCB. Esses dados podem não conter
desaparecimentos e algumas mortes estranhas, não computadas diretamente
à repressão. Mas, com certeza, em virtude da ação
criminosa do estado ditatorial naquele momento.
Em 1965, a sanha assassina da ditadura matou o ex-militar, que havia
participado das lutas dos tenentes com Luiz Carlos Prestes,
Severino Elias de Melo (PB)
. E em 10 de outubro de 1969, matou
João Roberto Borges de Souza (PB)
, que era líder estudantil e vice-presidente da União Estadual
dos Estudantes da Paraíba.
O recrudescimento da ditadura avançou após o AI-5 em 1968, uma
parte importante da esquerda brasileira, rompida com o PCB, enfrentava as
trevas de armas na mão, sofrendo o massacre da ditadura. O PCB,
consciente da necessidade de colocar as massas no processo de
resistência, desenvolvia seu trabalho.
No decorrer de 1971, o terror da ditadura matou muitos revolucionários.
Novamente voltou a eliminar comunistas do PCB. Já no dia 02 de fevereiro
era assassinado o sindicalista
José Dalmo Guimarães Lins (AL)
; o ex-militar, ex-bancário e funcionário da Embratel
Francisco da Chagas Pereira (PB)
está desaparecido desde 05 de agosto; e o sapateiro comunista,
organizador de trabalhadores do garimpo em Jacundá (PA),
Epaminondas Gomes de Oliveira (MA)
foi assassinado em 20 de agosto.
Em 1972 foram mortos pela repressão, o militante secundarista
Ismael Silva de Jesus (GO)
no dia 09 de agosto (torturado até a morte) e
Célio Augusto Guedes (BA)
, dentista de histórica família de comunistas baianos
(irmão de Armênio Guedes), que trabalhou diretamente com Prestes e
exerceu várias funções dentro do partido. Foi morto em 15
de agosto, sob tortura, após ser preso na fronteira do Brasil com o
Uruguai.
O herói da segunda guerra
José Mendes de Sá Roriz (CE)
, líder dos combatentes, e que salvou da morte no campo de Batalha o
marechal Cordeiro de Farias, teve seu filho e neta seqüestrados pelo
Exército, que exigiam, sob tortura do filho, a prisão dele para
liberar os reféns. O comunista se entregou ao marechal Cosme de Farias.
No entanto, foi assassinado na mais cruel tortura no dia 17 de fevereiro de
1973.
Mas o pior ainda estava por vir. A ditadura fascista iria caçar os
comunistas brasileiros, aprofundava-se em 1974 uma longa
perseguição, planejada para liquidar o PCB, cuja política
de resistência democrática se consolidava na frente ampla contra o
regime. No começo do ano, em 19 de março, foram assassinados
Davi Capistrano da Costa (CE)
e
José Roman (SP)
. O primeiro era um importante dirigente comunista, militar, havia participado
do levante de 1935, quando foi preso por sua participação. Fugiu
de Ilha Grande e foi lutar, em 1936, na Espanha ao lado dos republicanos como
brigadista internacionalista. Participou de forma heróica na batalha de
Ebro, que ocorreu entre julho e outubro de 1938. Ainda em 1938, foi para a
França onde lutou na resistência a ocupação do
nazismo. Foi preso pelos nazistas e por ser estrangeiro, não foi
executado no primeiro momento, mas foi levado para o campo de Gurs, na Alemanha
hitlerista. Quando foi libertado pesava 35 quilos. Voltou ao Brasil, foi preso
novamente em Ilha Grande, e com a democratização se elegeu
deputado estadual por Pernambuco, em 1947. David Capistrano foi eleito para o
CC no IV congresso em 1954. Com a instalação da ditadura saiu do
Brasil e ao voltar, foi preso e assassinado.
O metalúrgico José Roman era um destacado militante
operário, foi preso ao ir buscar David Capistrano em Uruguaiana.
O massacre continuava em 1974. O dia 03 de abril seria marcado por uma grande
tragédia, foram mortos três heróis do povo brasileiro. O
operário metalúrgico
João Massena Melo (PE)
foi preso em São Paulo e assassinado pela repressão. O dirigente
metalúrgico foi vereador pelo Distrito Federal, em 1947, e deputado
estadual pelo estado da Guanabara, em 1962. Era membro do CC do PCB e seu corpo
continua desaparecido.
Nas mesmas condições também foi preso e morto
Luiz Ignácio Maranhão Filho (RN)
. Jornalista, deputado estadual eleito em 1958 pelo Rio Grande do Norte,
visitou Cuba a convite de Fidel Castro, era membro do CC do PCB. O jornalista e
dirigente comunista esteve preso em vários momentos da história
republicana. E o oficial do Exército
Walter de Souza Ribeiro (MG)
, ativo militante das lutas pela paz, era membro do CC do PCB e atuava na
estrutura interna do partido.
O professor de História,
Afonso Henrique Martins Saldanha (PE)
, foi morto em 08 de dezembro em virtude das torturas que sofreu na cadeia. Foi
presidente do sindicato dos professores da cidade do Rio de Janeiro por dois
mandatos, sendo cassado no segundo mandato, antes mesmo de tomar posse. Era um
militante destacado das bandeiras comunistas no movimento docente.
No ano de 1975, a repressão seria mais violenta ainda com o PCB. Logo no
dia 15 de janeiro, dois lutadores da causa dos trabalhadores são
eliminados em São Paulo.
Elson Costa (MG)
, membro do CC do PCB e líder da greve dos caminhoneiros em Minas Gerais
foi preso e assassinado, até hoje seu corpo continua desaparecido. E
Hiran de Lima Pereira (RN)
, preso e assassinado nas mesmas circunstâncias. Membro do CC do PCB foi
importante quadro da vida pública, sendo secretário de
Administração de Miguel Arraes na prefeitura de Recife. Em
seguida, no dia 04 de fevereiro, era preso e assassinado no Rio de Janeiro, o
jornalista e advogado
Jayme Amorim de Miranda (AL)
. Grande organizador das lutas operárias e de massas pelo Brasil, foi
preso várias vezes e sofreu tentativa de homicídio. Esteve na
URSS e exerceu intensa atividade na imprensa comunista, seu corpo até
hoje não foi encontrado.
Em abril, foi preso e assassinado o líder camponês
Nestor Veras (SP)
. Organizador das lutas camponesas que teve intensa presença entre os
trabalhadores sem terra, foi fundador e responsável pelo jornal
Terra Livre
e dirigente da ULTAB. Era membro do CC do PCB e seu corpo está
desaparecido até hoje. No mês de maio, no dia 25, era preso e
assassinado o operário da construção civil,
Itair José Veloso (MG)
. Líder operário foi primeiro sapateiro e depois passou a atuar
na construção civil, sendo eleito dirigente do Sindicato dos
Trabalhadores da Construção Civil de Niterói e Nova
Iguaçu, e foi eleito secretário-geral da Federação
dos Trabalhadores da Construção Civil. Itair Veloso esteve
através de delegações sindicais na URSS e China. Membro do
CC do PCB, seu corpo continua desaparecido.
No segundo semestre, em 07 agosto morria
Alberto Aleixo (MG)
em virtude da tortura. Estava preso desde janeiro e não resistiu aos
maus tratos, foi um militante gráfico, sendo responsável pela
gráfica do partido e exerceu uma longa jornada de trabalho na imprensa
comunista. Era irmão do vice-presidente de Costa e Silva, Pedro Aleixo.
No dia seguinte, 08 de agosto, era assassinado sob tortura o tenente da PM de
São Paulo,
José Ferreira de Almeida (SP)
. Policial militar da reserva exercia uma intensa atividade na PM paulista e
integrava o grupo interno de militares do PCB. No dia 18, ainda no mês de
agosto, morria em virtude das torturas o coronel reformado da PM/SP,
José Maximino de Andrade Netto (MG)
, que havia sido cassado em 1964. O militante comunista foi preso em 11 de
agosto de 1975 e sofreu intensa tortura, até morrer em um hospital de
Campinas. Também fazia parte do coletivo de militares do partido.
A repressão continuava caçando o PCB. No dia 17 de setembro, o
dirigente do partido no estado do Ceará,
Pedro Jerônimo de Souza (CE)
, comerciário que se encontrava preso desde 1975, foi morto sob tortura.
Pouco tempo depois, no dia 29 de setembro era preso e assassinado o dirigente
da juventude comunista,
José Montenegro de Lima (CE)
. Ativo dirigente estudantil, foi diretor da UNETI, contribuiu para formular as
posições do PCB na área juvenil. Teve grande
participação na articulação de organismos da
juventude internacional no Brasil (FMJD). Seu corpo não foi localizado
até hoje.
Quando chegou o mês de outubro a ditadura fez outra vítima, agora,
o destacado dirigente comunista
Orlando da Silva Rosa Bomfim Júnior (ES)
. Foi preso e assassinado sob tortura no dia 08, seu corpo ainda não foi
encontrado. Orlando Bomfim foi jornalista e advogado, tendo sido vereador do
PCB por Belo Horizonte, em 1947. Era membro do CC e exerceu intensa atividade
jornalística. Para fechar o ano de 1975, a repressão assassinou,
sob tortura,
Vladimir Herzog (Croácia)
, no dia 25 de outubro. Herzog era professor da USP e jornalista, militante da
base cultural do PCB em São Paulo, foi assassinado após se
apresentar no DOI-CODI para prestar depoimento.
A ditadura dava sinais de exaustão, as eleições municipais
de 1976 corriam risco de ser canceladas e a política do PCB
começava a ser vitoriosa na ampla frente democrática. Mas a
repressão ainda ceifaria as vidas de comunistas naquele ano. No dia 07
de janeiro era morta a militante comunista
Neide Alves Santos (RJ)
. Essa mulher de convicção profunda foi a única comunista,
do PCB, morta pela ditadura. Era militante do setor de propaganda e atuava
juntamente com Hiran de Lima Pereira. Ela havia sido presa em 06 de fevereiro
de 1975 e encaminhada para DOI-CODI/SP e depois para o DOPS/RJ, foi encontrada
morta em via pública com sevícias por todo o corpo. Dez dias
depois da morte de Neide, era assassinado sob tortura, no dia 17, o
operário metalúrgico
Manoel Fiel Filho (AL)
, que era responsável pela distribuição da
Voz Operária
nas fábricas da Mooca. Foi preso no dia 16, levado para o DOI-CODI/SP e
assassinado em seguida.
No dia 29 de setembro, ainda em 1976, era assassinado sob tortura o
operário
Feliciano Eugênio Neto (MG)
. Histórico militante comunista realizou tarefas com Maurício
Grabois e Carlos Danielli, foi operário da CSN e vereador em Volta
Redonda. Após ser cassado foi ser operário no ABC paulista. Era
responsável pela distribuição da
Voz Operária
no estado de São Paulo, até ser preso em 02 de outubro de 1975.
Em 1977, o PCB teve seu último militante assassinado pela ditadura. No
dia 30 de setembro era morto sob tortura, nas dependências da 1ª CIA
da PE do Exército no Rio de Janeiro, o professor
Lourenço Camelo de Mesquita (CE)
. Ativista muito conhecido, exercia sua militância no comitê do
partido na Estação Ferroviária da Leopoldina.
O PCB foi massacrado de 1973 a 1976 por uma operação realizada
pelo Exército, tratava-se da "Operação Radar",
que tinha como objetivo liquidar o histórico operador político
dos comunistas brasileiros. Essa era uma das medidas impostas pela
geopolítica arquitetada por Golbery do Couto e Silva, para flexibilizar
a ordem política brasileira.
Foram 39 militantes assassinados, nas mais diversas modalidades, desde o
primeiro momento do golpe até o começo da chamada
"distensão" do regime militar. Para além dessas mortes,
o PCB teve centenas de presos que passaram pela mais atroz tortura, sem falar
nas dezenas de exilados que foram viver o desterro em várias partes do
mundo.
Porque tanto ódio da burguesia a este partido? Talvez seja
possível responder: o PCB luta ao lado da nossa classe, não tem
nenhum acontecimento que diga respeito aos interesses dos trabalhadores na
história do Brasil que não tenha tido a
participação decidida dos comunistas. O sangue dos militantes do
PCB tingiu de vermelho as bandeiras das lutas operárias de 1922
até 1977. A luta do PCB é pela revolução socialista
no Brasil. Superados os equívocos da sua formulação, pois
errou porque lutou, o PCB quer estar ao lado de todos aqueles que lutam pela
emancipação humana na vanguarda da revolução
brasileira. O ódio da burguesia é contra as ideias do socialismo
e contra o partido que luta para operar essa tarefa histórica.
Vida longa aos heróis da revolução brasileira que tingiram
com seu sangue a bandeira da liberdade.
São Paulo, 04 de novembro de 2012.
[*]
Professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB), diretor do
Instituto Caio Prado Jr.
(ICP), editor da revista
Novos Temas
e membro do CC do
Partido Comunista Brasileiro
(PCB).
Artigo elaborado a partir de pesquisas realizadas nos arquivos do IEVE,
CEDEM/UNESP, AEL/UNICAMP, no Arquivo Público do Estado de São
Paulo e nos dados da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
Políticos.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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