Colômbia entrega a soberania

por La Jornada (editorial)

Os esbirros uribistas entregam 'Sonia', algemada, aos seus homólogos bushianos. A extradição da presumível guerrilheira Omaira Rojas, feita pelo governo da Colômbia para os Estados Unidos, denota a que grau chegou a liquidação da soberania dessa república sul-americana, envolvida num conflito cada vez mais confuso em que participam organizações políticas armadas, bandos de narcotraficantes, esquadrões paramilitares e o próprio governo, empenhado numa estratégia contra insurreccional que inclui a violação maciça de direitos humanos. As fronteiras entre os protagonistas esbatem-se, as confrontações armadas sobrepõem-se, e uma das consequências mais trágicas desta confusão é a perda da independência do Estado e a sua confessa incapacidade para exercer acções de soberania elementar como seria, neste caso, a diligente aplicação da justiça à extraditada.

Não é a primeira vez que um quadro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) é extraditado para os Estados Unidos. No final do ano passado, Ricardo Palmera, aliás Simón Trinidad, foi entregue à justiça estadunidense para responder por acusações de narcotráfico e sequestro. Quanto a Omaira Rojas, aliás Sonia, foi capturada no povoado de Peñas Coloradas, no Caguán Médio, onde se estabeleceu a “zona desmilitarizada” no âmbito das fracassadas conversações de Paz entre as FARC e o governo do ex-presidente Andres Pastraña em Fevereiro do ano passado, numa espectacular operação nocturna em que participaram centenas de efectivos militares apoiados por uma dezena de helicópteros. Todo este aparato justificava-se pelas acusações que as autoridades civis e militares mantinha contra Rojas: responsável por ataques contra bases militares, cérebro de vários sequestros, organizadora da remessa de 600 toneladas anuais de cocaína para os Estados Unidos e Europa e administradora de “metade” das receitas das FARC, calculadas por fontes oficiais em “60 mil milhões de dólares”.

No entanto, depois de manter mais de um ano a suposta narcoguerrilheira na prisão de segurança máxima de Valledupar, o governo de Alvaro Uribe acabou por a entregar aos Estados Unidos, onde um tribunal da comarca de Columbia a requer “por exportação para os Estados Unidos de cinco quilos de cocaína”. Independentemente da veracidade ou da falsidade das acusações contra Rojas, é dificilmente concebível que as instituições colombianas, neste caso, tenham sido incapazes de esclarecer e castigar acusações tão graves como as que foram referidas por fontes oficiais do país sul-americano e que, em vez disso, Santafé de Bogotá delegue os seus poderes nos tribunais estadunidenses que, segundo o vice-presidente Francisco Santos, poderão demonstrar, no processo contra Sonia, “que hoje as FARC são um grande cartel de droga”, o que, segundo o mais elementar senso comum, teria que ser demonstrado pelo governo da Colômbia.

Nesta reflexão não vem à colação o debate sobre se a velha organização rebelde colombiana mantém, ou não, vínculos com o contrabando de estupefacientes. Em todo o caso, o conceito de narcoterrorismo, criado na década passada por Washington com propósitos claramente intervencionistas e tendo a Colômbia como objectivo, constitui uma hipocrisia e uma simulação, na medida em que as organizações que se dedicam à produção, transporte e distribuição de cocaína têm uma presença financeira e um poder de infiltração e cooptação capazes de permear todo o espectro político, económico, social, religioso e desportivo daquele e de outros países, incluindo aqui também o México e os Estados Unidos. Num passado recente, na Colômbia, falou-se de narcoparlamentares, narcomilitares e de narco-empresários. No nosso país [México] as narcolimusines oferecidas pelos chefes da droga a diversas paróquias constituíram um escândalo rápida e providencialmente esquecido. E se houvesse que, de uma forma qualquer, baptizar a lavagem de lucros dos cartéis, que se realiza principal e maioritariamente no sistema financeiro estadunidense, teria que se inventar o termo narcoWall Street. Mas as autoridades de Washington, servilmente coadjuvadas pelas da Colômbia, apenas têm olhos para a narcoguerrilha, porque isso constitui o perfeito alibi para a manutenção de uma presença militar ofensiva e de ingerência em terras colombianas.

As extradições de Palmera e de Rojas são, em todo o caso, precedentes perigosos e vergonhosos que não devem repetir-se em país algum da América Latina. Há uma década, Carlos Menem propôs que todas as nações da região renunciassem às suas respectivas moedas nacionais e que adoptassem o dólar como divisa corrente, e impôs a proposta no seu próprio país, com a paratização do peso argentino àquela moeda. Hoje, a acção do governo de Alvaro Uribe parece conter implícita a seguinte mensagem para os latino-americanos: atirem para o lixo as vossas instituições de investigação e aplicação da justiça e enviem os presumíveis delinquentes aos Estados Unidos para que aí sejam julgados. Neste caso, a soberania soma-se às vítimas da complexa guerra que se desenrola na Colômbia.

O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2005/mar/05/050310/edito.php.
Tradução de JPG.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

12/Mar/05