A Colômbia sob a pressão de "criminosos de paz" (2)
A primeira parte deste artigo encontra-se
aqui
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...em nome dos comandantes militares do antigo Estado-Maior Central das FARC,
comandantes das frentes e das colunas, afetados pela traição do
Acordo de Paz de Havana perpetrada pelo Estado, reiteramos, de uma forma
autocrítica, que foi um grave erro ter entregado armas a um Estado
trapaceiro, confiantes na boa fé do parceiro. Que ingenuidade
não nos termos lembrado das sábias palavras de nosso
comandante-em-chefe Manuel Marulanda Vélez, que nos advertiu que as
armas eram a única garantia de cumprimento desses acordos.
Jesús Santrich, ex-comandante das FARC
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Santrich tomou conhecimento desses rumores. E descobre que, apesar das ordens
da JEP, continua preso. Ele anunciou sempre a cor. Em nenhum caso
sofrerá o destino do seu camarada Ricardo Palmera Pineda (conhecido como
"Simón Trinidad"),
preso em 2 de janeiro de 2003, no Equador, entregue por Uribe, um ano
depois, aos Estados Unidos, e enterrado vivo durante 60 anos numa prisão
de alta segurança, no meio do deserto, no Colorado. Absolvido pelos
tribunais norte-americanos depois dos três primeiros julgamentos (dois
por narcotráfico e um por tomada de reféns), Simón
Trinidad foi finalmente condenado por pertencer ao Secretariado (o
Estado-Maior) das FARC de que não era membro! ,
responsável pela
"tomada de reféns"
de três mercenários norte-americanos em missão de
espionagem e capturados pela guerrilha, depois de esta ter abatido o seu
avião, em fevereiro de 2003. Num mundo normal, estes homens são
classificados como
"prisioneiros de guerra" ...
Mergulhado neste precedente e como ele mais tarde confirmará ao senador
de esquerda Iván Cepeda, Santrich tenta suicidar-se, abrindo as veias.
Quando, na tarde do dia 17, acontece o simulacro da sua
libertação, as dezenas de câmaras que o aguardam no
portão da prisão filmam um homem meio comatoso e, sobretudo,
após a chegada da polícia, de surpresa, a sua
detenção imediata.
O Procurador, em seguida, afirma ter novas provas contra ele. Elementos que ele
nunca comunicou à JEP e provenientes da
"testemunha protegida"
Marlon Marín e da
"cooperação internacional"
dos Estados Unidos. Esta tentativa de
"julgamento-expresso"
fracassará. Em 29 de maio, de uma vez por todas, o Supremo
Tribunal ordenou a imediata libertação de Santrich e interrompeu
qualquer tentativa de extraditá-lo.
Pode, a partir daí, considerar-se que
"tudo está bem no melhor dos mundos".
A primeira decisão que permitiu tal abordagem foi a do Conselho
de Estado. Este considerou que Santrich manteve a sua investidura como
deputado, na medida em que, se ele não tinha tomado posse e ocupado o
seu lugar ao assumir o cargo na nova Assembleia, em 20 de julho de 2018, foi
por uma razão de força maior tinha sido preso! O Supremo
Tribunal de Justiça confirmou que Santrich era deputado e acrescentou
que, portanto, a sua acusação por
"narcotráfico"
só poderia ser julgada por si. Pelo que, em 10 de junho, Santrich
pôde finalmente prestar juramento no cargo de vice-presidente da
Assembleia e, em 11 de junho, sentar-se pela primeira vez como membro do
Parlamento.
No entanto, o cozinhado nauseabundo que o precedeu provocou, em profundidade,
uma tripla movimentação, com consequências ainda
imprevisíveis: uma divisão no seio da FARC; uma crise
institucional no coração do poder; um inquietante
enfraquecimento das esperanças de paz.
Desafiando a palavra do Estado quando os assinou, os Acordos de Paz foram
constantemente modificados unilateralmente, através dos mais altos
tribunais (Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal de Justiça) e da
maioria de direita do Congresso. Em detrimento da reintegração
social e económica dos insurgentes e das reformas necessárias
para superar a injustiça estrutural que provocou o conflito. Juntando-se
à campanha de terror realizada através do assassinato seletivo e
diário de dirigentes sociais, a ofensiva dos Estados Unidos (via
DEA) e da dupla
"Duque-Uribe"
(através de Néstor Humberto Martínez) contra
Santrich, tornou claro que as fações mais arcaicas da direita
colombiana (e
"yanquee")
apostavam na política do quanto pior melhor.
Causalidade, finalidade, consequências ... Desde a prisão do seu
"camarada"
Santrich, em abril de 2018, o emblemático Iván
Márquez (de seu nome verdadeiro Luciano Marín Arango), primeiro
dos negociadores das FARC em Havana, denuncia
"uma montagem"
e anuncia que, na ausência de garantias suficientes, ele
próprio não tomará posse do seu assento senatorial, em
julho: o Ministério Público e a DEA, segundo ele, e com
métodos semelhantes, pretendem acusá-lo pelo mesmo tipo de
delitos. Márquez insta os ex-guerrilheiros agrupados nos vinte e quatro
Espaços Territoriais de Treino e Reincorporação (ETCR) a
"exigir a libertação imediata de Santrich"
e a
"defender a implementação dos acordos".
Por outro lado, o ex-comandante-em-chefe dos rebeldes e atual
líder do novo partido FARC, Rodrigo Londoño Echeverri (mais
conhecido por seu nome de guerra de Timoleón Jiménez ou
Tymoshenko), apela à calma e pede ponderação.
Uma primeira e clara divisão aparece quando Márquez deixa
Bogotá e se junta à ex-base de guerrilheiros do ETCR de Miravalle
(Caquetá), antes de passar à clandestinidade. Lá,
encontrou Hernán Darío Velásquez Saldarriaga
(também conhecido como
"El Paisa")
e Henry Castellanos Garzón
R("omaña")
e outros ex-comandantes de primeira linha em rutura. Sem pertencer de
nenhum modo à minoria de ex-insurgentes que se recusaram a depor as
armas, seja por razões políticas ou para se entregar a atividades
mafiosas, eles manifestam-se regularmente em mensagens, como a de 25 de
dezembro de 2018
"Nós realmente agíamos como cegos quando não
queríamos ver os inúmeros antecedentes de traição
desta oligarquia, depois da assinatura de episódios de paz"
ou a que, no final de janeiro de 2019, denuncia a
agressão dos Estados Unidos, com a cumplicidade de Duque, contra a
Venezuela bolivariana.
Em setembro do ano passado, numa carta ao Ministério Público,
"Romaña"
confirmou o seu compromisso de cumprir os acordos, exigiu fundos
prometidos aos ex-guerrilheiros para o financiamento de projetos produtivos e
pediu
"segurança jurídica"
em apoio à sua intenção de
"não voltar à ilegalidade".
Ao mesmo tempo, um outro
"histórico",
Fabián Ramírez, ratificou, através de um
comunicado à Comissão de Paz do Congresso, que se mantinha
no quadro do
"pacto firmado com o governo de Santos",
explicando as razões do seu desaparecimento na natureza:
"Por este motivo [a perda de confiança devido à montagem
contra Santrich] e pela nossa segurança pessoal, optámos por
não
ser uma vítima adicional da manobra suja orquestrada através do
guião dado a Marlon Marín para que manchasse o nome de alguns dos
nossos camaradas com acusações totalmente falsas".
[11]
O Partido balança. Ele também reafirma a sua vontade de continuar
o processo de paz, mas, temendo a sua influência na base, pede aos
seus dirigentes discordantes que respeitem as suas
obrigações e, em particular, permaneçam no ETCR. Sem
conseguir unanimidade nas suas fileiras. Enquanto alguns, na
direção, são muito críticos dos
"dissidentes",
outros compreendem e aprovam os seus motivos.
O debate agudiza-se ainda mais quando, no final de abril de 2019, o governo
oferece uma recompensa de US $ 1 milhão por qualquer
informação que permita a prisão de El Paisa. Convocado
três vezes pela JEC, não compareceu. Esta revoga a
"liberdade condicional"
de que beneficiava e, em 15 de maio, confirma o mandado de
prisão contra ele. A medida chega num momento em que, apesar de
uma ordem de libertação, Santrich é mantido na
prisão. É demais para Iván Márquez. Numa carta
incendiária destinada aos milhares de ex-rebeldes, ele
"dá um murro na mesa":
"Colegas do ETCR: em nome dos comandantes militares do antigo Estado-Maior
Central das FARC, comandantes das frentes e das colunas, afetados pela
traição do Acordo de Paz de Havana perpetrada pelo Estado,
reiteramos, de uma forma autocrítica, que foi um grave erro ter
entregado armas a um Estado trapaceiro, confiantes na boa fé do
parceiro. Que ingenuidade não nos termos lembrado das sábias
palavras de nosso comandante-em-chefe Manuel Marulanda Vélez, que nos
advertiu que as armas eram a única garantia de cumprimento desses
acordos".
[12]
Desta vez, podemos falar de uma verdadeira fratura. Quando Santrich,
saindo em cadeira de rodas da Prisão de La Picota, foi,
espetacularmente, detido novamente,
"Tymoshenko",
o número
"um"
do partido, fez o serviço mínimo, em termos de
solidariedade com um dos seus:
se Santrich é extraditado ou não,
"estamos com a paz, aconteça o que acontecer".
Ele reage infinitamente mais à carta de Márquez, que ele
acusa de
"procurar o aplauso de um punhado de cabeças quentes":
"Infelizmente, Iván não percebeu a dimensão do cargo
que a nossa longa luta o levou a ocupar. Partiu, sem dar qualquer
explicação, e recusou-se a ocupar o seu lugar no Senado,
deixando a nossa representação parlamentar sem
direção, num momento que exigiria ainda mais a sua
presença".
Chega a culpá-lo do papel do sobrinho Marlon Marín, na
tenebrosa série intitulada
"Narcos".
No seio da FARC, muitos continuam sem voz. Ouvem-se os primeiros
murmúrios. Disparam críticas mais ou menos filtradas: para
o
deputado do partido, Benedicto González, a opinião de
"Tymoshenko"
é
"respeitável",
mas
"não podemos fazer crer que é partilhada pelo Conselho
Nacional
dos Comuns
[a maior autoridade do partido das ex-FARC que agora se designa
Força Alternativa Revolucionária do Comum NT],
nem pelas bases".
No seio das quais uma perda de confiança na
direção se torna percetível, ameaçando, desta vez
realmente, a coesão de ex-guerrilheiros a cada dia mais insatisfeitos
com as condições execráveis em que se desenrola a sua
suposta reintegração.
Na trincheira oposta, o Estado, como tal, sai enfraquecido desta
sequência, abalado pela guerra aberta entre as suas várias
instituições. Do lado do governo, o tempo já não
é para triunfalismos. Os acontecimentos não se viraram a seu
favor. Mesmo as elites económicas estão divididas entre
"arcaicos"
e
"modernos",
repetindo (ou continuando) as discordâncias entre os
ex-presidentes Uribe e Santos, depois deste ter sido eleito para a
presidência, em 2010. Ao rejeitar as
"objeções"
do atual chefe de Estado, a Câmara dos Deputados e o Senado
infligiram-lhe, claramente, uma humilhação. Já
não dispõe de uma maioria automática para governar. Os
partidários de Santos, ex-aliados (Cambio Radical), os Verdes e o
centro-esquerda juntaram forças para impedir, na medida do
possível, o atropelo final dos Acordos de Paz.
A sequência de acontecimentos provocou tanta discussão que
não foi possível a Duque declarar o estado de
comoção interna (por enquanto). A renúncia do seu grande
aliado Néstor Humberto Martínez também lhe pôs
uma pedra no sapato. Não escapou a ninguém que o Procurador Geral
aproveitou a oportunidade para sair pela
"porta grande"
a da
"convicção desrespeitada"
quando se aproximava dele, a alta velocidade, uma
análise do seu papel no escândalo
"Odebrecht"
do nome do gigante da construção civil brasileiro,
que salpica todo o continente
[13]
. Advogado da empresa de serviços financeiros Corficolombiana,
sócia da Odebrecht na Colômbia, Martínez sabia das
irregularidades no grupo de construção, na ordem de US$6,5
milhões, e não as denunciou. Um caso que é ainda mais
complicado, porque três testemunhas capitais morreram em
condições mais do que suspeitas nestes últimos meses. E
que outro grande caso de corrupção também está a
abalar as altas esferas do exército.
Finalmente, o outro grande
"sócio",
Donald Trump, é tão imprevisível e versátil
com Duque como com qualquer outra pessoa. Aos abraços e cenouras (para
atingir a Venezuela), sucedem-se os golpes quando, queixando-se do aumento de
50% das culturas de coca e da produção decorrente de
cocaína, o inquilino da Casa Branca declara secamente
"Duque é um bom rapaz, mas não fez nada por nós".
Já vimos amigos mais calorosos.
Em relação ao futuro, é preciso ser muito esperto para o
prever. O último golpe de teatro (antes do próximo): quando teve
de comparecer perante o Supremo Tribunal de Justiça, em 9 de julho, para
ser ouvido sob a acusação de
"narcotráfico",
Jesús Santrich desapareceu, no dia 30 de junho. Multiplicam-se
os comentários duros e a especulação arriscada. As mesmas
palavras, os mesmos raciocínios de antes. Esquecendo uma verdade
fundamental: o presente explica-se sempre pelo passado. Vamos mencionar
aqui algumas hipóteses, tomando o cuidado de excluir a palavra
"certeza"
("palavra que um homem que viveu um pouco risca do seu
dicionário",
segundo Voltaire, precisamente no seu
Dicionário,
no artigo
"Certo").
Assim que, a 11 de junho, Santrich finalmente tomou o seu lugar na Câmara
dos Representantes, o presidente Duque, depois de regressar da Argentina, onde
conspirava com o seu colega Mauricio Macri, para descobrir como acabar com
Maduro, acabara de pedir ao Ministério Público
"que impedisse esta tomada de posse",
apesar de o Conselho de Estado a ter claramente aprovado. O que o chefe
de Estado teve de aceitar, não sem comentar acidamente:
"Não podemos deixar de chamar as coisas pelo seu nome. Aliás,
Jesús Santrich é um mafioso e todo o país
sabe que ele negociou a expedição de um carregamento de
cocaína".
De Washington chovem as críticas contra o Supremo Tribunal da
Colômbia, por ter libertado o ex-guerrilheiro.
"Consideramos esta decisão lamentável e que é
essencial e
urgente um recurso",
disse o porta-voz do Departamento de Estado, Morgan Ortegas (antes
de aquecer o ambiente com a discussão da aliança entre os
dois países, na tentativa de introduzir ajuda humanitária e
soldados na Venezuela para
"fazer frente"
a Maduro).
Quando, finalmente, o novo deputado, impassível atrás dos seus
óculos escuros, os ombros cobertos com seu eterno
keffiyeh
palestiniano, toma o seu lugar na Assembleia, dá-se uma bronca.
Representantes do Centro Democrático exibem cartazes
"Fora com Santrich !".
Mesmo os chamados
"Verdes"
exibem faixas:
"Defendemos a paz, não Santrich".
Não é preciso um meteorologista para saber em que
direção sopra o vento. Em tal contexto, com tais pressões
de todos os lados, que hipóteses tem Santrich para escapar das nuvens
negras que se acumulam sobre a sua cabeça? Um julgamento e um veredicto
muito incertos do Supremo Tribunal de Justiça? Ao iniciar os seus
procedimentos contra ele, descobriu que não era
"necessário, proporcional ou razoável"
encarcerá-lo durante esta etapa, porque a sua possível
privação de liberdade poderia ser decidida após
tê-lo ouvido no enquadramento da informação judicial
("indagatória")
de 9 de Julho. Com o risco, em caso de prisão seguida de
condenação, de vê-lo extraditado, uma vez que a JEP tinha
sido afastada! Não havia a certeza se o rebelde queria jogar à
roleta russa ...
Quando deixou La Picota, tinha declarado claramente o seu alinhamento com
alguns dos seus camaradas:
"[Iván] Márquez assumiu uma posição
autocrítica, mas reiterou o seu desejo de paz; envio-lhe uma mensagem de
amor e fraternidade. (...) O que fazem Márquez e El Paisa é
insistir na necessidade de respeitar o acordo, e é também o que
vou fazer".
[14]
Já que estamos a falar de Márquez, notemos de passagem que, em 14
de junho, o Conselho de Estado decretou a sua perda de lugar no Senado, por
não o ter tomado dentro do tempo requerido e
"sem apresentar qualquer prova"
do que ele considera
"uma ausência de garantias".
A enumeração dos possíveis esconderijos de Santrich varia
até o infinito: alguns veem-no em casa do diabo mais velho,
protegido pelo ELN; outros, na Venezuela, com (ou sem) o seu camarada
Márquez, ajudado pelo seu
"cúmplice"
Maduro; outros ainda, com um dos grupos armados remanescentes das FARC;
ou à procura de asilo político num país garante dos
acordos de paz (Noruega e Cuba). Seusis José Hernández, seu
filho, mostra-se muito preocupado:
"Duvido que o desaparecimento do meu pai tenha a ver com um ato de
rebeldia ou
qualquer coisa que vá contra a paz",
diz ele, não descartanto que o ex-guerrilheiro tenha sido
sequestrado e se tenha juntado à longa lista dos
"desaparecidos".
[15]
Onde quer que esteja, a situação não é boa para
ninguém. Exceto, talvez, para os adversários da paz e da JEC, a
começar por Duque, que dizem fanfarronadas, comem do bom e do melhor e
gozam a vida. Assim que a notícia foi dada, o movimento
cidadão
"Defendamos a Paz",
temendo as consequências previsíveis, pediu a Santrich que
informasse as autoridades sobre o seu paradeiro e comparecesse perante o CSJ,
em 9 de julho, como estava previsto.
Nesse dia, em que apenas os seus advogados compareceram e Santrich não
reapareceu, o Supremo Tribunal de Justiça emitiu um mandado de
prisão e ordenou a sua captura. Ei-lo agora mascarado com o estatuto de
"fora da lei".
Sem surpresa, o centro, a direita e a extrema direita reagiram de forma
mecânica e com ódio, como robôs. Da esquerda moderada de
Gustavo Petro candidato do Pólo Democrático Alternativo
(PDA), na última eleição presidencial (41,8% dos votos)
até ao altamente comprometido senador Iván Cepeda,
veio uma reprovação unânime. Alguns claramente
vituperaram, maldisseram, culparam e condenaram o rebelde.
"O que aconteceu é triste",
disse Cepeda, que tinha acompanhado Santrich quando foi libertado da
prisão e que estava preocupado pelos danos causados ao processo de
construção da paz.
Numa declaração pública, o Conselho Político
Nacional da FARC esclareceu que a conduta de Santrich
"é de sua única responsabilidade"
e que,
"tal como fez com outras decisões pessoais, não
[consultou] o partido nem a sua direção".
Olhando para o movimento como um todo, a declaração
concluiu expressando a sua confiança em que
"a comunidade internacional e a justiça saberão fazer a
diferença entre as determinações de indivíduos ou
grupos que rejeitam o que foi assinado nos Acordos de Havana, e a grande
maioria de nosso partido FARC, que se mantém leal e
firme no seu projeto de paz com justiça social".
Por estas linhas, compreendeu-se facilmente a lógica dos líderes
de um partido já impopular na opinião publica, diretamente
afetado pela reprovação geral que, por ricochete, recai
sobre eles. Os líderes estão também preocupados com o
sinal negativo que esse regresso à clandestinidade envia a
milhares de guerrilheiros de base que, tanto respeitam Iván
Marquez ou
"El Paisa",
como apreciam e admiram Santrich. No entanto, a dureza do tom em
relação a este último chocou muitos
"camaradas".
Em particular, o tom do senador das FARC, Carlos Antonio Lozada,
ex-negociador em Havana, particularmente virulento nas suas
observações:
"Não há nenhuma justificação para que Santrich
se
tenha ido embora assim!".
[16]
Curioso, mesmo assim ... Porque é esse mesmo Lozada que, no dia 10 de
julho, informará no Twitter e através de vários
média que vai apresentar uma queixa, em nome do partido, e
trará
"provas, ou pelo menos pistas"
de que
"está em marcha um plano para assassinar os [altos] dirigentes das
FARC".
No dia anterior, dois novos ex-guerrilheiros foram executados no
distrito de Cauca, elevando para 137 o número de
"camaradas"
assassinados.
Poucos dias antes (6 de julho), numa carta enviada ao presidente Duque,
três civis que nunca pegaram numa arma (mas da oposição e
muito envolvidos na implementação dos Acordos de Paz!), os
senadores Iván Cepeda, Roy Barreras e Antonio Sanguino, denunciaram ser
vítimas de escutas ilegais da Direção Nacional de
Inteligência (DNI), destinadas a neutralizá-los através de
"montagens judiciais".
Como Santrich? De qualquer forma, este é um bom e velho retorno
às
"chuzadas",
escutas e investigações clandestinas sobre ativistas,
sindicalistas, políticos, partidos tradicionais, jornalistas e membros
do Supremo Tribunal efetuadas pelo Departamento Administrativo de
Segurança (DAS), dependendo diretamente de uma presidência
da República ocupada por Álvaro Uribe, entre 2002 e 2010. O mesmo
DAS mas quem se lembra? que passava as informações
aos paramilitares, para assassinarem oponentes políticos.
[17]
Nestas condições, vamos esperar para saber mais para nos
pronunciarmos definitivamente sobre o
"caso Santrich".
Afinal de contas, a sua decisão de escapar pode ter boas
razões. O futuro o dirá. Infinitamente mais preocupantes
são, para a Colômbia, as ameaças que pairam sobre os
oponentes e o processo de paz.
Notas
[11]
El Tiempo,
Bogotá, 10 de setembro de 2018.
[12] De seu verdadeiro nome Pedro Antonio Marin, Manuel Marulanda,
aliás "
Tirofijo
" (tiro certeiro), foi fundador e dirigente das FARC, de 1964, ano do seu
nascimento, até à sua morte, em 26 de março de 2008,
de morte natural. Tinha abraçado a guerrilha em 1948, nas
milícias de autodefesa camponesas, durante o período
chamado "
la Violencia
".
[13] Advogado da sociedade de serviços financeiros Corficolombiana,
ele próprio associado à Odebrecht, na Colômbia, Martinez
estava ao corrente das irregularidades do grupo de
construção, ascendendo a 6,5 milhões de dólares, e
não as denunciou.
[14]
www.elheraldo.co/politica/los-tres-escenarios-para-santrich-tras-su-fuga-647828
[15]
Digital BLU Radio,
2 de julho de 2019.
[16] Semana, Bogotá, 7 de julho de 2019.
[17] Hernando Calvo Ospina, "
Quand l'Etat colombien espionne ses opposants
[Quando o Estado colombiano espia os seus opositores]",
Le Monde diplomatique,
avril 2010.
[*]
Jornalista.
O original encontra-se em
www.medelu.org/La-Colombie-sous-la-coupe-des-criminels-de-paix
e a tradução em
pelosocialismo.blogs.sapo.pt/a-colombia-sob-a-pressao-de-criminosos-73011
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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