Neste mês há alguns aniversários significativos da luta
contra o colonialismo do velho estilo. A questão é que este
colonialismo não desapareceu depois de os países em
desenvolvimento se terem tornado independentes das grandes potências
europeias.
Aquele colonialismo foi substituído por uma nova versão que
provou ser mais destrutiva e incomensuravelmente mais desonesta do que a que
existia antes. Pelo menos o Império Britânico, que no seu
máximo cobria quase um quarto da superfície terrestre do globo,
dava-se a conhecer como um Império. Atualmente o mais sombrio
Império Global do Capital-Financeiro Monopolista não o faz.
Países inteiros tais como Jugoslávia, Líbia e Iraque
são destruídos por não
se
conformarem com as regras que o império impõe,
enquanto os que continuam a desafiar as elites neoconservadoras/neoliberais,
como a Venezuela, estão sob permanente assédio.
Adicionando o insulto à injúria esta nova onda de
colonização, levada a cabo para beneficiar os mais ricos dos
países mais ricos do mundo, é feita em nome da
"democracia" e "garantia dos direitos humanos" com o apoio
entusiástico de muitos autoproclamados "progressistas". A
hipocrisia do imperialismo atual é realmente de nos deixar sem
respiração: critica severamente Maduro como sendo um
"ditador", mas saúda os governantes não eleitos da
Arábia Saudita assim como lhes vende mortífero armamento pesado.
Maduro que institui a Assembleia Constituinte em conformidade com a
Constituição é um vilão, os sauditas açoitam
e prendem ativistas pró-democracia mas são apenas
negócios, como de costume.
John Wight (@JohnWight1)
August 3, 2017
Nos anos 40 e 50 do século passado, tudo parecia muito diferente. O
colonialismo parecia estar em retirada. Há setenta e cinco anos, em 8 de
agosto de 1942, Mahatma Gandhi iniciou o Movimento "Quit India" em
Bombaím.
Há setenta anos em 14/15 de agosto de 1947, a Índia e o
Paquistão tornaram-se independentes do Reino Unido. Há sessenta
anos (31 de agosto de 1957) a Federação Malaia (agora
Malásia) tornou-se também independente do Reino Unido.
Estas são datas importantes que certamente precisam ser celebradas,
porém, a convicção dos progressistas de que a
descolonização representaria uma genuína
libertação dos países colonizados provou ser
extraordinariamente otimista. A Índia e a Malásia podem ter
progredido, mas para outras nações os "Ventos de
Mudança" foram apenas ar quente. "Independência"
significou somente obter os adornos exteriores
da soberania nacional: uma bandeira, ser membro da ONU e uma equipa de futebol.
O poder económico continuou residindo noutras partes, nos bancos e salas
das administrações nas nações mais ricas.
No seu texto clássico de 1965
, "Neocolonialismo, o último estádio do imperialismo",
o grande Kwame Nkrumah, então Presidente do Gana e firme defensor do
Pan-africanismo, explicou como o neocolonialismo tinha substituído o
velho estilo colonialista. "No passado, era possível converter um
país ao qual um regime neocolonial tinha sido imposto num
território colonial o Egito no século XIX é um
exemplo. Este processo já não é atualmente
realizável" escreveu.
Para obter o dinheiro necessário a realizar funções
sociais nas metrópoles só podia ser dada uma independência
formal às colónias, isto significava que o controlo não
fosse também entregue.
Os EUA usaram a sua posição como a nação credora
número um depois da 2ª Guerra Mundial para acelerar este processo
"formal" de descolonização, mas apenas para que eles se
pudessem mover para os países anteriormente dominados pela
Grã-Bretanha, França, Holanda. Nkrumah cita o exemplo do Vietname
do Sul em que o "velho" poder colonial era a França, mas o
poder neocolonial eram os EUA.
De facto, os EUA podem considerar-se os pioneiros do neocolonialismo. Enquanto
o "velho estilo" imperial dominava o resto do mundo, os EUA usavam
técnicas neocoloniais para assegurarem que os países da
América Latina subordinavam as suas economias aos interesses dos grandes
negócios dos EUA. A elite financeira e do grande capital dos EUA toma
atualmente como alvo o governo de esquerda de Maduro na Venezuela para a
"mudança de regime" tal como em 1913 o embaixador no
México, Henry Lane Wilson conspirava com o general Huerta contra a
orientação esquerda de Madero.
Isto foi um padrão que se repetiu inúmeras vezes nos 100 anos
seguintes. As técnicas de Washington aperfeiçoadas na
América Latina apoiando golpes de Estado contra governos eleitos
democraticamente que queriam ter controlo sobre as suas economias, financiando
a oposição a estes governos e eliminando os líderes
políticos que lutavam por genuína independência dos seus
países. O que vimos evidenciado na Guatemala em 1954, Brasil em 1964,
Chile em 1973, foi usado em todo o mundo.
"A promoção da democracia" foi sempre o código
para os EUA darem suporte à subversão de governos que não
se vergavam o suficiente.
https://t.co/2Dg6lERMYm
- Max Blumenthal (@MaxBlumenthal)
August 1,2017
A lista de governos derrubados direta ou indiretamente pelos EUA
e seus aliados mais chegados, para alcançarem o controlo
económico é demasiado longa para incluir num simples texto,
mas aqui vão alguns exemplos.
1 - Indonésia 1965/66
A sangrenta onda de assassínios em massa apoiada pelos EUA e perpetrada
pelas forças militares que derrubaram Sukarno, o primeiro Presidente
"pós-colonial", e às suas ideias de
independência, sendo substituído pelo ditador pró-ocidental
General Suharto
.
"A embaixada dos EUA em Jakarta forneceu a Suharto uma
"zap-list"
com os nomes dos membros dos Partido Comunista da Indonésia e riscou os
nomes quando foram mortos ou capturados, escreve
John Pilger que analisou o golpe em 2001 no filme "Os novos dominadores
do mundo" (
The New Rulers of the World
).
O negócio foi que a Indonésia sob Suharto ofereceria o que
Richard Nxon chamou "a maior provisão
de recursos naturais, o maior prémio do sudoeste asiático."
Em novembro de 1967 este maior prémio foi entregue numa memorável
conferência de três dias patrocinada pela Time-Life Corporation em
Genebra. Chefiada por David Rockefeller, todos os gigantes transnacionais
estavam representados: as maiores companhias petrolíferas, General
Motors, Imperial Chemical Industries, British American Tobacco, Siemens, US
Steel e muitas outras. Na mesa sentavam-se os economistas de Suharto, treinados
nos EUA que concordaram com a conquista do seu país, sector a sector,
como
escreveu Pilger
.
O custo em vidas humanas da neocolonial "mudança de regime"
foi enorme: entre 500 mil e 3 milhões de pessoas
mortas
. Em 2016 um painel de juízes internacionais manteve que os EUA (bem
como o RU e a Austrália) tinham sido
cúmplices do genocídio
.
2 Irão, 1953
O derrube do nacionalista democraticamente eleito Mohammad Mossadegh e a sua
substituição pelo aquiescente Xá foi outra
operação conjunta dos EUA/RU. O "crime" de Mossadegh
foi querer nacionalizar a indústria petrolífera do seu
país e utilizar os rendimentos da mesma para lutar contra a pobreza e as
doenças. Portanto os neocolonialistas decidiram que tinha de se ir
embora.
Uma campanha de desestabilização semelhante à que
é promovida contra a Venezuela foi posta em marcha. "Os
objetivos da propaganda da CIA e do SIS consistiam em conduzir uma campanha
crescentemente intensificada através da imprensa, panfletos e o clero de
Teerão, concebida para enfraquecer o governo de Mossadeq de todas as
formas possíveis" admitiu Donald N. Wilber, um dos principais
elementos do chamado plano TPAJAX.
Em 3013, documentos desclassificados
revelaram
que: "O golpe militar para derrubar Mossadegh e a seu governo de Frente
Nacional foi levado a cabo sob a direção da CIA, como um ato de
política externa dos EUA, concebido e aprovado aos mais altos
níveis do governo".
Vale a pena relembrar tudo quando ouvimos políticos dos países
neocolonialistas fingirem-se ultrajados com a não provada
"interferência Russa" nos seus processos políticos.
"Balcanização" é um dos mais importantes
instrumentos do neocolonialismo e pode ser encontrado onde quer que este seja
praticado", escreveu
Kwame Nkrumah.
O líder socialista da República Federativa da Jugoslávia,
Slobodan Milosevic foi
demonizado
em 1990 pelas elites ocidentais não porque quisesse partir o seu
país em pedaços, mas porque queria que se mantivesse unido.
Tendo
sobrevivido a 78 dias da campanha da NATO de bombardeamentos
"humanitários" contra o seu país, em 1999, Slobo viu a
operação de "mudança de regime" para o derrubar
intensificar-se. Milhões de dólares choveram ilegalmente no seu
país dos EUA para grupos da oposição e ativistas
antigovernamentais, tais como a organização Otpor! Milosevic foi
destituído por uma "Revolução Bulldozer" em
outubro de 2000 e a secretária de Estado Madeline Albright, que quatro
anos antes tinha dito que a morte de meio milhão de crianças
iraquianas devido às sanções tinha sido um preço
que valera a pena pagar, comemorou o feito.
George Kenney, em tempos responsável do Departamento de Estado, revelou
a razão pela qual tudo tinha acontecido. "No período
pós-Guerra Fria não havia lugar para que um grande país
independente focado no socialismo resistisse à
globalização"
Em 2012 o
New York Times
relatou como importantes membros da Administração dos EUA que
tinham participado no desmantelamento da Jugoslávia tinham
voltado aos Balcâs
como empresários para apresentarem propostas para a
privatização de ativos.
Por que é tão difícil para alguns compreenderam em 2017 o
que era óbvio em 1982? Solidarity.
pic.twitter.com/EuU9aVAnho
- Club des Cordeliers (@cordeliers)
July 31, 2017
Agora os neocolonialistas neoconservadores agentes das mudanças de
regime moveram-se para a República Bolivariana da Venezuela. Como
Milosevic e muitos outros antes dele que se puseram no caminho dos "Novos
Senhores do Mundo", o democraticamente eleito Nicolas Maduro é
etiquetado como "ditador".
Tal como no caso de Milosevic, os autoproclamados "progressistas"
são a vanguarda da campanha das elites para demonizar a Venezuela e a
sua liderança, exigindo que figuras públicas do Ocidente que
têm expressado apoio ao Chavismo emitam denúncias.
Todos estes críticos de "esquerda" da Venezuela descartam a
interferência dos EUA e descrevem os resultados da guerra
económica como "fracasso do governo".
Crypto Cuttlefish (@cuttlefish_btc)
August 5, 2017
Nas violentas críticas ao governo da Venezuela que os media despejam
actualmente não há qualquer menção à
campanha externa que prossegue sem abrandar com vistas à
desestabilização do país e à sabotagem da economia.
Nem aos milhões de dólares que os EUA tem
despejado
nos cofres da oposição e de ativistas antigovernamentais.
Imagine-se se o governo Venezuelano estivesse a financiar os que efetuam
protestos antigovernamentais nos EUA. Mas quando os neocolonialistas o fazem
noutros países, está bem.
Kwame Nkrumah qualificou o neocolonialismo como a pior forma de imperialismo e
tinha razão. "Para aqueles que o praticam, significa poder sem
responsabilidade e para os que o sofrem significa responsabilidade sem
poder."
E o que aconteceu a Nkrumah? ouço-vos perguntar. Apenas alguns
meses após a publicação deste livro o pai da moderna Gana
foi deposto por um golpe de Estado. O "Conselho Nacional de
Libertação" que o eliminou rapidamente reestruturou a
economia do Gana
, sob a supervisão do FMI e do Banco Mundial, em benefício do
capital do ocidente.
Durante anos o ocidente negou o envolvimento, mas mais tarde John Stockwell, um
agente da CIA na África
revelou
:
"a estação da CIA no Gana desempenhou um papel principal no
derrube de Kwame Nkrumah em 1966".
A Venezuela tem imenso petróleo, um governo socialista e é um
forte apoiante da Síria. Nem posso imaginar por que razão os
neocons estão tão interessados numa "mudança de
regime"
Neil Clark (@NeilClark66)
August 4, 2017
Atualmente os neocolonialistas querem que apoiemos a sua cruzada
"progressista" por "democracia" e "direitos
humanos" na Venezuela tão rica em petróleo. Se Kwame Nkrumah
ainda estivesse entre nós, ele estaria a incitar-nos a ver o quadro na
sua totalidade.
[*]
Jornalista, escritor, radialista e bloguista. Escreve para
The Guardian, Morning Star, Daily and Sunday Express, Mail on Sunday, Daily
Mail, Daily Telegraph, New Statesman, The Spectator, The Week,, RT
e
The American Conservative.
Twitter
@NeilClark66