O capital em coma induzido
Daqui para a frente os capitalistas de todo o mundo sentirão mais
intensamente o gosto amargo da lei do valor. Desta lei da gravidade da teoria
econômica que determina que só o tempo necessário
socialmente médio de trabalho humano produz valor.
Ora, o que é o capital senão um valor em processo, um valor que
procura se valorizar? Um valor que sai da esfera da circulação,
entra na esfera da produção para se valorizar, se multiplicar, e,
fechando o ciclo, volta para a circulação para se realizar e se
perpetuar?
Portanto, sem trabalho humano, nada de capital. Sem o emprego de massas de
força de trabalho industrial assalariado sendo ininterruptamente
consumidas nas linhas de produção de mercadorias, nada de capital.
Sem classe operária internacional sendo explorada nas linhas de
produção globais pelas diferentes classes burguesas nacionais,
nada de capital.
É pensando nestes fragmentos teóricos elementares que não
poderia passar despercebida a inimaginável explosão dos pedidos
de seguro desemprego nos EUA nos últimos trinta dias.
Que continuaram a aumentar absurdamente na última semana. É o que
informava nesta quinta-feira (09/Abr) o Departamento do Trabalho dos EUA: mais
6,6 milhões de americanos entraram com pedidos de desemprego pela
primeira vez na semana passada.
Isso eleva o total de pedidos nas últimas três semanas para mais
de 16 milhões desempregados. Comparando-se esses pedidos com as 151
milhões de pessoas em folha de pagamento (população
economicamente ativa) no último relatório mensal de emprego, isso
significa que os EUA perderam 10% da força de trabalho em três
semanas. Isto é inédito na história econômica
mundial.
Veja no gráfico abaixo a evolução no longo prazo (desde
1970) dos
pedidos semanais de seguro desemprego nos EUA
Um quadro surreal. Outras comparações importantes a esta
surrealidade. Em todo o período de crise de 2008/2009 houve uma perda de
8,7 milhões de empregos nos EUA. Só nas últimas três
semanas ocorreram 16,8 milhões de novos pedidos de seguro desemprego. Em
menos de um mês, o dobro das perdas de emprego ocorridas em todo o
último período de crise.
Durante todo o último período de expansão cíclica
(de 2/1/2010 a 2/1/2020) ocorreu a criação de 24,8 milhões
de empregos nos EUA. Apenas 8,0 milhões a mais que os pedidos de
desemprego das últimas três semanas. O mês de Abril ainda
tem mais de duas semanas pela frente para zerar esta diferença.
A curva do vírus capital continua crescente. Quando iniciará o
achatamento da curva desta pandemia social? Todo mundo de olho.
Este inusitado pico de desemprego altamente concentrado de trabalho humano
perturba a alma proprietária dos capitalistas. O processo de
conservação e de valorização do capital não
pode ser interrompido por muito tempo, senão é o próprio
capital que perece.
É o próprio regime social baseado na propriedade privada
capitalista que fica vulnerável a uma possível
extinção revolucionária. O problema é saber o grau
desta vulnerabilidade na presente crise geral que se abre.
É isto, apenas isto, que conta nas análises e em toda essa
discussão sobre a situação atual e perspectivas de ser
capital. É para isto que a Crítica da Economia existe.
É neste sentido que as breves considerações
teóricas iniciais são importantes para a observação
de uma crucial particularidade do atual período de crise geral do
capital. Algo absolutamente novo na história econômica mundial.
Acontece que nunca qualquer governo burguês das principais
potências econômicas mundiais ousou colocar suas respectivas
economias nacionais em uma espécie de coma induzido. Quer dizer,
bloquear e manter artificialmente seus órgãos vitais como
indústria, comércio, serviços, etc e, não se sabe
quando, exatamente, despertá-los gradualmente.
Como foi aplicado este coma induzido? Através de um
lockdown,
uma situação de paralisação total ou parcial do
deslocamento de pessoas e, consequentemente, da economia.
Portanto, a classe de trabalhadores produtivos exatamente aquela que
produz valor e capital é colocada em quarentena em suas casas e
paralisa-se, consequentemente, a maior parte das atividades produtivas da
economia.
Assim, independentemente das razões sanitárias e outras
considerações morais acerca do espetáculo criado em torno
da corrosiva pandemia do COVID19, o que aparece na atual situação
econômica mundial é um enigma real, sem fantasia, em torno do qual
gravitam todos os economistas do mundo:
como pausar a economia e evitar a ruína
.
A esperança dos governos e seus economistas, segundo
The Wall Street Journal,
é pressionar o botão de pausa na economia, combater o
alastramento da pandemia sanitária e pressionar o play novamente.
E tudo (leia-se capital) voltaria ao normal.
Grâce au bon Dieu!
É assim, claro, que também imagina o senso comum, como imaginam
os bovinos e vegetativos cidadãos espectadores da propaganda capitalista.
Se este mecanicismo vulgar funcionasse, como eles imaginam que vai funcionar,
seria uma prova e tanto de flexibilidade política e inteligência
do moderno regime capitalista.
A aposta é elevada. Essa "prova de inteligência" dos
capitalistas seria então confirmada com o sucesso desta inusitada
aplicação do
lockdown
e do incrível coma induzido em que eles mergulharam a economia.
E evitariam a ruina de que fala o jornal. Enfim, seria uma definitiva
vitória teórica e prática da classe capitalista e da sua
economia politica vulgar.
Esta é, portanto, a aposta da maioria massacrante dos dirigentes e
economistas à direita e à esquerda do sistema. Alguns mais
entusiasmados afirmam com a maior convicção do mundo que depois
do
lockdown
a economia acordará mais forte ainda do que era quando foi internada e
entubada na UTI [Unidade de Tratamento Intensivo].
Como opinou recentemente sobre este enigma mr. Steven Mnuchin,
secretário do Tesouro dos Estados Unidos, principal autoridade
econômica no governo da maior economia do planeta: "Esta é
uma questão de curto prazo. Pode demorar alguns meses, mas vamos superar
isso, e a economia estará mais forte do que nunca."
Também opinaram outros economistas mais respeitados pelo mercado que o
obtuso mr. Mnuchin. Como Larry Summers, que entrevistado nesta
terça-feira (07) por
Sara Silverstein
(da Business Insider), declarou o seguinte:
"Eu tenho um palpite otimista mas é apenas um palpite
otimista de que a recuperação pode ser mais rápida
do que muitas pessoas esperam, porque tem o caráter de
recuperação da depressão total que atinge uma economia [da
estação balnear] de Cape Cod todo inverno ou a
recuperação do PIB americano que ocorre toda segunda-feira de
manhã".
Alguém poderia contestar este exagerado naturalismo econômico do
ilustrado ex-reitor da Universidade de Harvard informando-lhe que aqui
não se trata de nada natural, mas da interrupção de um
processo de valorização
do capital, com o aparecimento, desde o ano passado. de
incontroláveis distúrbios circulatórios
.
Seria também aconselhável informar-lhe que aqui não se
trata apenas da reabertura de uma ingênua interrupção da
oferta e da demanda de qualquer
valores de uso;
da oferta e da demanda de um produto; ou, como ele mesmo diz, como a
recuperação do PIB dos EUA que ocorre toda segunda-feira de
manhã, depois de um aprazível fim de semana prolongado nas
calientes praias de Cap Cod.
Esta contestação tem fundamento, pois, prolongando um pouco mais
nas observações iniciais sobre a lei do valor, não se pode
confundir e embaralhar ao vento o
duplo caráter do trabalho contido na mercadoria.
O trabalho concreto que produz
valor de uso
e o
trabalho abstrato
que produz
valor.
No processo de trabalho, o trabalho concreto produz valor de uso ou riqueza em
geral. Em qualquer sociedade que seja, não é só o trabalho
que produz a riqueza. Ele a produz na relação orgânica
natural com os demais meios materiais de trabalho terra,
máquinas, equipamentos, instalações,
matérias-primas, insumos e recursos naturais em geral. "O trabalho
é o pai, a terra é a mãe" (William Petty, 1623).
Portanto, tomado isoladamente, o processo de trabalho é um processo
natural, quer dizer, ahistórico. Confundir processo de trabalho com
processo de valorização é uma trapaça da economia
vulgar para tornar a propriedade privada, o valor, o mercado e, finalmente, o
capital, também seres ahistóricos, naturais, antediluvianos.
Já no processo de valorização, só o trabalho produz
valor. O valor de uma mercadoria particular é determinado pela
quantidade despendida de trabalho humano abstrato socialmente médio
necessário à produção da totalidade das mercadorias.
Ao contrário do que acontece na produção de riqueza,
só o trabalho humano produz valor. A natureza fica fora. Ou melhor, os
demais meios materiais do processo de trabalho apenas incorporam o valor
produzido pelo trabalho abstrato.
Nesta encruzilhada dialética os economistas chamam mistificadamente o
capital de riqueza. Principalmente os keynesianos (e alguns marxistas
bastardos) que adoram substituir a palavra capitalista por "detentores de
riqueza". São os mesmos que abolem impunemente o processo de
valorização de Marx e colocam no lugar o "processo de
financeirização" e outras bobagens.
Na presente análise que se faz do atual
lockdown
da economia e seu consequente coma induzido, o processo de trabalho e seus
elementos materiais geradores do Produto da macroeconomia dos capitalistas
poderiam até ficar ociosos por um longo prazo, anos até, e
não sofrerem nenhum dano, para depois serem reaproveitados,
ceteris paribus,
tal qual foram desativados no início do
lockdown.
Já com o processo de valorização, que historicamente
submete aquele processo de trabalho às necessidades do capital, é
diferente. E aqui a dialética entra na cabeça dos capitalistas da
forma mais brutal.
Os capitalistas e seus economistas não podem aceitar teoricamente a
diferença entre processo de trabalho e processo de
valorização, nem a prevalência do último na vida do
capital, mas, na prática quotidiana das suas empresas, quando sentem na
pele (e no bolso, principalmente) cortantes ventos gelados de mais um tornado
periódico de superprodução, os proprietários
privados dos meios sociais de produção são obrigados a se
confrontar da maneira mais didática possível com aquela
fundamental e histórica contradição na unidade de dois
diferentes processos, um que produz riqueza, outro que produz capital.
Veremos mais abaixo, com a pesquisa realizada nos últimos dias pelo
Federal Bank of Dallas, um exemplo prático de como se realiza esta
didática entrada da dialética na cabeça de um capitalista
individual e como este coma induzido não pode se prolongar além
deste segundo trimestre deste ano. Caso contrário, não
serão as máquinas, mas o capital que será sucateado com
enorme rapidez.
Cenário colocado na mesa: se a triste criatura não for retirada
do coma induzido até o outono do hemisfério norte e com sinais
vitais reagindo razoavelmente bem, o processo de valorização do
capital reaparecerá com cara e comportamento altamente agressivos de uma
verdadeira depressão econômica.
São grandes, portanto, as possibilidades de se materializar uma pandemia
social especificamente capitalista com cara e comportamento mil vezes mais
ameaçadores de destruição da espécie humana do que
a soma de todas as pandemias sanitárias ocorridas em todos os tempo,
incluindo-se a atual COVID19.
Nestas condições atuais de grandes incertezas um fato
histórico sobejamente conhecido se repete. Aquele déficit
cognitivo da economia vulgar, acima abordado, tem um custo prático muito
elevado para os capitalistas e seus economistas.
O fato histórico é que ao ignorar a lei do valor trabalho como
elemento predominante e determinante dos movimentos econômicos em geral
os capitalistas e seus economistas se tornam historicamente incapazes de
esclarecer a origem da moeda, dos preços, do lucro, do capital e,
finalmente, das pesadas crises periódicas de superprodução
e pletora do capital que ameaçam sua própria existência de
classes proprietárias dos meios de produção.
É com esta platitude teórica e irresponsabilidade prática
que nesta semana os capitalistas e seus economistas discutiam ingenuamente,
como baratas tontas, o prazo que durará a pandemia do COVID19.
Seu pensamento econômico agora é guiado unicamente pelas
imprecisas peripécias do um vírus. Antes era o vírus
capital. Havia até uma certa coerência. Mas agora é o
COVID19. Este último tornou-se a única referência que eles
encontram para dizer alguma coisa sobre o rumo que a economia pode tomar neste
e nos próximos trimestres.
Os caprichos de um vírus determinando os rumos da economia mundial!
Nisto se resume toda sapiência da economia vulgar. Os capitalistas e seus
economistas tornam-se assim reféns do próprio espetáculo
que eles criaram em torno da hiper-capitalista pandemia sanitária que
ora assola o mundo.
É por isso, e por outras coisas muito mais importantes, que aquela
possibilidade de apertar o play da economia e tudo voltar aos trilhos, de
evitar a ruína, é cada vez mais contestada no mercado por pessoas
mais inteligentes do que as que viemos até agora mencionando.
É o caso do próprio The Wall Street Journal, que adverte
corretamente que muita coisa vai dar errado. Ou como diz também com
seriedade Simon Tilford, economista do
Forum New Economy
, conhecida
think tank
(empresa de cenários estratégicos) de Berlim. "Estamos em
território desconhecido. Inevitavelmente, há muita
adivinhação
Estamos vendo um apoio sem precedentes à
liquidez em muitos países, mas o colapso do consumo privado é
tão grande que muitas empresas começam a entrar em
falência", disse Tilford.
O fato é que depois do choque dos números sobre os pedidos de
seguro desemprego desta quinta-feira, o fantasma de uma nova grande
depressão entrou definitivamente no radar dos principais lideres
políticos e dos grandes bancos dos EUA.
Não mais alguma coisa parecida com o convescote da "grande
recessão 2008/2009", mas uma coisa que pode ser até dez
vezes mais pesada que a grande e clássica grande depressão dos
anos 1930. Isto não pode ser considerado nenhum exagero quando se
utiliza seriamente, sem banalização, o conceito de
depressão econômica.
Regra importante a ser observada: o start da depressão econômica
global só poderá ser acionado pelos EUA, país que
centraliza a economia reguladora de todos os principais fundamentos do mercado
mundial preços, produtividade, taxa de lucro geral, moedas, etc.
É exatamente esta possibilidade real de uma depressão na economia
de ponta do sistema que preocupa Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos
EUA: "Podemos ter uma depressão porque muitas pessoas estão
desempregadas, e é por isso que precisamos deixar a economia realmente
energizada e funcionando. Vamos tratar do desemprego. Vamos fazer os pagamentos
diretos dos salários. Vamos liberar esses empréstimos".
Os pagamentos diretos de até US$1.200 para alguns trabalhadores a que
mrs. Pelosi se refere fazem parte do histórico pacote de socorro
econômico de US$2,2 milhões de milhões na lei que Donald
Trump assinou há quase duas semanas.
Pelo andar da carruagem, só para pagar os novos pedidos de seguro
desemprego desta e das próximas semanas, seria bom que mr. Trump
mandasse o nerd Steven Mnuchin separar rapidamente pelo menos mais uma tranche
de US$2,2 milhões de milhões.
Os economistas e as autoridades do governo não discutem as
consequências desta farra do boi com o dinheiro do orçamento
federal sobre as finanças públicas do país e,
consequentemente, sobre a confiança nos títulos do Tesouro e na
sua moeda nacional, que, não por acaso, cumpre simultaneamente a nobre
função de moeda padrão de reserva internacional, de moeda
universal.
Aliás, este desvairado relaxamento quantitativo ocorre em quase todas as
grandes economias mundiais. Banalização geral das finanças
e do crédito público. Novo normal, "gastar o que for
preciso". Aparentemente, pela silenciosa unanimidade dentre os
economistas, sem nenhuma consequência. É compreensível.
Afinal, para a pastoral de Keynes e de Jerome Powel, presidente do banco
central do universo, quer dizer do Federal Reserve (Fed) o dinheiro
não cai do céu?
Dane-se a lei do valor. E, junto com ela, dane-se todas suas formas. Dane-se a
forma dinheiro e a forma moeda do valor, dane-se o sistema monetário
internacional. Trataremos proximamente das perspectivas para a moeda e o
crédito público nos EUA.
Mas, a despeito destas inconsequências práticas, a realidade segue
seu curso. E o estado do paciente entubado na UTI se agrava. Com novas
estimativas para a economia de ponta do sistema, os economistas do JPMorgan,
maior banco de investimentos dos EUA, compartilham o sombrio e depressivo
sentimento de mrs. Pelosi.
Divulgaram suas últimas previsões para a economia, logo
após aquele renovado salto de novos pedidos semanais de desemprego de
quinta-feira e de outros dados mostrando um declínio acentuado nas horas
trabalhadas na economia.
Cortaram ainda mais profundamente a previsão do crescimento da economia.
E bota profundamente nisso. Duas semanas atrás, a sua previsão
era de queda do PIB de 25% para este segundo trimestre. Nesta quinta-feira,
revisaram para queda de 40%. Como diria Guimarães Rosa: "é o
diabo na rua, no meio do redemoinho".
Outra previsão também bastante contundente que eles fazem para o
mercado de trabalho. "Com esses dados em mãos, acreditamos que o
relatório de empregos de abril possa indicar cerca de 25 milhões
de empregos perdidos desde a semana da pesquisa de março e uma taxa de
desemprego em torno de 20%".
Lembrando que em fevereiro passado esta taxa de desemprego da força de
trabalho na economia estadunidense estava alguns décimos abaixo de 3%.
Quase pleno emprego.
Enquanto isso, no chão de fábrica dos EUA, há muitas almas
penadas lamentando tremulamente que pode acontecer de fato uma
catastrófica interrupção do processo de
valorização do capital, quer dizer, em termos mais populares, uma
verdadeira depressão econômica. Para daqui a poucos meses.
Veja o que respondeu um pequeno capitalista sobre as perspectivas
econômicas atuais a uma
pesquisa realizada em 30 de março
pelo Federal Reserve Bank of Dallas:
"É muito cedo para saber o impacto da disponibilidade de material,
mas estamos vendo uma diminuição instantânea de pedidos e
consultas, o que significa que, quando o atual trabalho interno for
concluído, em meados do final de abril, não haverá mais
trabalho para ser feito. Obviamente, essa não é uma boa
perspectiva. Se o
lockdown
autoimposto continuar nesse ritmo, é minha opinião que o
país entrará em depressão no outono. Minha
preocupação é, claro, com meus homens, nossas
famílias e nossa fábrica. Para ser absolutamente sincero, tenho
medo de perder minha renda [rendimento, NR], minha empresa e minha casa.
Não podemos sobreviver a uma dramática perda de
produção".
É assim que, na forma mais didática possível, como citado
acima, que a dialética do capital entra na cabeça dos
capitalistas.
O problema que resta, portanto, é saber como reaparecerá a triste
figura histórica quando for retirada do coma induzido. A maioria dos
economistas ainda argumenta que haverá uma forte
recuperação, em mais ou menos tempo, acreditam que a ruína
será evitada.
Os próprios economistas do JPMorgan continuam a ver
recuperação no segundo semestre, com base no pressuposto
altamente duvidoso de que os efeitos do
lockdown
desaparecerão até junho. Pode até acontecer, mas esta
afirmação é dificilmente justificada. Os dados e
variáveis estão muito embaralhados.
Eles têm consciência disso. Como pessoas sérias, apesar de
capitalistas, ressalvam com salutar realismo: "Nas últimas semanas,
os meteorologistas estão operando no nevoeiro. Os modelos
econômicos que foram treinados nos dados do pós-guerra enfrentam
limitações óbvias. Em seu lugar, voltamos a diferentes
maneiras de abordar as perspectivas", declararam nesta quinta-feira.
O que eles pressentem corretamente é que esta pausa não é
neutra, com saída controlável. Ao contrário, trata-se
exatamente de inédita e mais do que temerária
interrupção daquela produção e de
valorização do capital tratada acima com paciência de
monge. Trata-se da interrupção e queda livre que poderá
ocorrer na próxima esquina dos lucros, das ações, dos
títulos, das principais moedas, etc.
O problema real, como visto acima, é que desde o ano passado a economia
mundial já apresentava grave quadro de pletora do capital. Em setembro
de 2019, já se podia fazer outras observações acerca de um
pavoroso estado estacionário
da economia mundial como o mais provável cenário para os
trimestres adiante. O coma induzido do capital que se passa agora é a
primeira reação dos capitalistas de todo o mundo àquele
inaceitável cenário.
O tratamento de choque prescrito e ministrado neste momento pelos capitalistas
à economia mundial se assemelha a uma operação de sangria
controlada de uma pletora de capital. Uma terapia medieval de sangrar o
paciente acometido de uma superabundância de sangue.
Esta superabundância de sangue no sistema circulatório capitalista
deriva do fato que a sociedade atual tem muita civilização,
muitos alimentos, muita indústria, muito comércio. As
forças produtivas que a sociedade atual dispõe, materializadas na
força de trabalho
in actu
na produção industrial, já não agem mais a favor
da propriedade privada burguesa.
Esta terapia do
lockdown
se realiza, portanto, sacrificando primeiramente a principal força
produtiva incorporada em dezenas de milhões de trabalhadores
assalariados que agora são jogados semanalmente no olho da rua em todo o
mundo. O vírus do capital mata mil vezes mais a classe produtiva mundial
do que o CONAVID 19.
O que se assiste neste começo do 2º trimestre de 2020, portanto,
não é ainda aquela explosão da crise periódica de
superprodução já precificada desde o ano passado, mas como
esta explosão acabou sendo induzida, organizada, conscientemente ou
não, pouco importa, pelos próprios capitalistas.
É como estar neste momento em uma curva descendente da serra e o
motorista pisar fundo no freio de um carro marcando impávidos 200
km/hora no velocímetro.
Antecipando-se ao estado estacionário da economia, os capitalistas
realizaram uma manobra aleatória, desprovida de qualquer indício
de racionalidade, de elevado risco. A forma e dimensão do desenlace
desta manobra ainda são totalmente imprevisíveis.
A única coisa que se pode afirmar com certeza é que outros
acontecimentos emocionantes continuarão sendo produzidos nas
próximas semanas. A luta de classes se acelera e a história
é produzida em novas circunstâncias.
Depois de quase cem anos de expansão do regime capitalista e de uma
longa noite de contra-revolução planetária, finalmente se
apresenta a possibilidade real de uma verdadeira crise econômica
catastrófica desabrochar nos próximos trimestres.
Este acontecimento há tanto tempo ansiosamente aguardado deixa o
ambiente da redação da
Crítica da Economia
mais alegre, otimista, a equipe entusiasmada e mais bem humorada do que de
costume.
É por isso que, doravante, todas as expectativas voltam-se para o estado
geral que a triste figura apresentará quando for gradativamente acordada
da brusca hibernação a que ela foi acometida. É nesta
evolução detalhada, semanal, que toda a atenção da
Crítica estará focada e concentrada.
Marx seja louvado!
13/Abril/2020
[*]
Economista.
O original encontra-se em
https://criticadaeconomia.com/2020/04/o-capital-em-coma-induzido/
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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