A principal contradição da economia moderna

Sergei Ushakov

Cartão de servo.

A crise actual do sistema económico global é impossível de resolver dentro da estrutura do modelo existente da distribuição de riqueza...

A contradição fundamental que está na base da maior parte dos problemas da moderna economia global é a contradição conectada ao crescimento da produtividade do trabalho.

Ela consiste nisto: durante o crescimento da produtividade do trabalho há uma necessidade de menos pessoas a fim de produzir uma quantidade suficiente de bens para atender todas as necessidades naturais da população. Mas dentro da estrutura de uma economia de mercado/capitalista/liberal/monetarista, isto inevitavelmente leva ao crescimento do desemprego. Ou seja, do número de pessoas que precisam de bens mas não podem ganhar dinheiro para isto.

O número de desempregados “desnecessários” está a crescer como uma avalanche, em resultado do que o crescimento da produtividade do trabalho leva ao aumento da estratificação social e, paradoxalmente à primeira vista, ao crescimento do número de pobres (tal como, na sua época, a leis acerca das enclosures levaram ao surgimento na Inglaterra de um enorme número de “desnecessários”).

Na linguagem da “Teoria económica”, a procura existe, mas não há suficiente procura garantida.

Além disso, neste sistema não há estado de equilíbrio. Cada ciclo leva ao facto de que as quantidades produzidas de bens não é suficiente para o consumo universal, mas ao mesmo tempo é redundante para a parte da população que é capaz de comprá-los.

Portanto, a produção é reduzida reiteradamente, os trabalhadores são reiteradamente demitidos. O número de desempregados cresce, o volume da procura garantida cai.

Foi nesta lógica, a propósito, que aconteceu o colapso ucraniano da “integração europeia”. A UE considerava a Ucrânia apenas como um mercado para bens europeus, sem pensar onde os ucranianos obteriam os meios para a sua compra (e sem criar condições para tais ganhos). Em consequência, após o colapso lógico da economia ucraniana devido à ruptura dos laços de produção e económicos com a Rússia, verificou-se que não há mercado para bens europeus na Ucrânia que possam ser garantidos pelo poder de compra da população. Depois disso, responsáveis da UE instantaneamente perderam interêsse na Ucrânia pois é uma entidade da qual é impossível ganhar alguma coisa.

Mas voltemos ao problema da “superprodução”, ou melhor, da falta de garantia de procura.

Todas as escolas e teorias económicas “de mercado” tentam resolver este problema fundamental através do estímulo ao consumo. Utilizando empréstimos ao consumidor, por um lado, e a formação do “Homo-consumidor” por outro.

Um Homo-consumidor é um ser obeso que vai ao ginásio e bebe coqueteis porque está na moda, com uma mão a apalpar o novo iPhone e a fazer fila desde a véspera às portas de um supermercado antes do lançamento de cada novo videojogo, ou na “Sexta-feira negra” (a principal venda americana do ano). Mas este ser não é capaz de trabalho produtivo, razão pela qual ele só pode consumir empréstimos – mas em algum momento os empréstimos deixam de lhe serem concedidos porque ele não é capaz de reembolsá-los. E isso é tudo – é um beco sem saída.

O número de pessoas empregadas na produção de consumidores endividados (esta mesma “classe média”) é reduzido a cada nova iteração. Eis porque todos os cientistas sociais falam a uma só voz do declínio rápido da classe média por toda a parte e à escala global.

A propósito, o bem-estar social (welfare) já não funciona. Porque ele só cria uma classe de parasitas a viverem do “social”, a qual não é capaz de trabalhar e aumenta a carga de trabalho sobre a classe trabalhadora (ou que ainda continua a produzir).

Analogamente, as tentativas de inchar o âmbito dos serviços não funcionam. Isto só reduz a eficiência geral do sistema, porque as pessoas trabalham mais horas e produzem e consomem a mesma quantidade de bens (ou finalmente ainda menos, porque uma parte deles é gasta no fornecimento de serviços).

A economia capitalista, a cuja “eficiência” os propagandistas liberais entoam loas, é de facto um monstro extremamente ineficiente com baixo desempenho e um enorme número de pessoas pobres “desnecessárias”.

Contra este pano de fundo, os textos da ultra-direita nazi (como o propagandista da junta ucraniana Petr Chuklinov, mas na esfera liberal russa também há muitos como ele) são muito indicativos. Estes textos advogam o abandono das pensões de solidariedade e, na realidade, matar os pensionistas. Mais ainda, não só o pensionistas mas todas as pessoas que caiam na categoria de “desnecessárias”. Isto é mostrado perfeitamente no filme distópico americano “O expurgo” (“The Purge”), onde nos EUA uma ditadura de ultra-direita é instalada, na qual os ricos matam os pobres com impunidade.

Estamos numa situação em que os meios de produção, bens e moeda, com a qual se pode comprar estes produtos, estão concentrados nas mãos de um número ultra pequeno de pessoas super-ricas. E uma vez que elas não podem vender qualquer coisa para si próprias e o seu consumo está completamente encerrado (mesmo nas formas mais “elitistas” e pervertidas), os motores para o crescimento da produção não podem ocorrer em lugar nenhum – a economia mundial previsivelmente estagna.

Aqui não reinvento a roda, tudo isto está bem previsto e descrito pelo camarada Karl Marx no seu “Capital”, há mais de cem anos.

E desde aquele tempo, tudo evoluiu estritamente de acordo com o mecanismo descrito. Incluindo um firme declínio na taxa de retorno sobre a produção quando os mercados estão saturados e sobrecarregados com bens – e a procura garantida cai e cai. Isto explica a virtualização da moderna economia mundial, quando o capital foge do sector real para as bolsas de valores, onde lucros virtuais são extraídos, os quais não têm conexão real com bens/riqueza física.

No quadro de um paradigma liberal/de mercado, esta equação não tem soluções. Se quiser tentar provar que estou errado, vá em frente. Gosto de observar tentativas patéticas dos outros.

A economia soviética, armada pela ciência marxista, resolveu esta contradição de um modo diferente – uma redução das horas de trabalho diárias, assegurando pleno emprego.

Dessa forma, a procura não declinava (uma vez que toda a gente recebia salários, desempregados “desnecessários” simplesmente não existiam), ao invés as pessoas obtinham mais tempo livre. Isto é, elas foram LIBERTADAS no verdadeiro sentido marxista (recebendo não “direitos” abstractos, mas possibilidades reais).

O segundo aspecto da solução soviética para o problema do consumo é aumentar a confiabilidade dos bens manufacturados. Eles perduravam mais tempo, era menos provável ter de comprar de novo. A consequência formal era o PIB mais baixo, mas o bem-estar real dos cidadãos era mais alto (era preciso gastar menos para a mesma quantidade de bens de consumo).

Mas nem a primeira nem a segunda solução é lucrativa no sentido (crematístico) do mercado. Esta contradição foi descrita por Aristóteles, quando ele opunha a “economia” (a ciência da administração da casa) à crematística (a ciência de ganhar lucro). Durante mais de 2000 anos, ninguém pôde sair da lógica aristotélica. E os assim chamados “economistas” liberais ou não sabem de Aristóteles ou fingem não saber.

O sistema liberal de mercado é lucrativo (para uma estreita camada da “elite” parasitária), mas não eficaz e não em equilíbrio. O sistema soviético não é “lucrativo”, mas é eficaz e equilibrado.

A crise actual no sistema económico global não pode ser resolvida dentro do modelo existente de distribuição da riqueza. Em sua substituição deve vir um sistema mais igual, mais justo, mais livre (no sentido marxista do termo).

E só há dois meios de mudar – através da consciência e da reforma (evolucionária) ou através da desordem e do conflito (revolucionária). A mudança é inevitável, tal como a vitória do comunismo. Pode-se escolher apenas o caminho – fácil ou penoso, pílulas ou cirurgia – mas não o resultado.

31/Outubro/2016

O original encontra-se em jpgazeta.ru/... e a versão em inglês em www.stalkerzone.org/main-contradiction-modern-economy/

Este artigo encontra-se em resistir.info

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