Em 2010, novo ponto de viragem da crise sistémica global:
O nó corrediço dos défices públicos começa a
estrangular estados e sistemas sociais
Segundo o LEAP/E2020, a crise sistémica global vai experimentar um novo
ponto de inflexão a partir da Primavera de 2010. Com efeito, nesta data
as finanças públicas dos principais países ocidentais
vão-se tornar inadministráveis porque se tornará
simultaneamente evidente que novas medidas de apoio à economia se
impõem em vista do fracasso dos diferentes estímulos de 2009
[1]
e que a amplitude dos défices orçamentais proíbe toda
nova despesa significativa.
Se este "nó corrediço" dos défices
públicos que em 2009 os governos puseram voluntariamente em torno do
pescoço, recusando-se a fazer com que o sistema financeiro assumisse o
preço dos seus erros
[2]
, vai pesar duramente sobre o conjunto das despesas públicas, ele vai
afectar muito particularmente os sistemas sociais dos países ricos
empobrecendo sempre mais a classe média e os reformados, deixando os
mais desfavorecidos à deriva.
[3]
Paralelamente, o contexto de cessação de pagamentos de um
número crescente de estados e de colectividades locais (regiões,
províncias, estados federados) vai provocar um duplo fenómeno
paradoxal de subida das taxas de juros e de fuga das divisas rumo ao ouro.
Diante da ausência de uma alternativa organizada a um dólar
estado-unidense cada vez mais fraco e a fim de encontrar uma alternativa
à perda de valores dos títulos do tesouro (em particular
americanos), os bancos centrais do mundo inteiro deverão em parte
"reconverter-se ao ouro", o velho inimigo da Reserva Federal dos EUA,
ainda que sem o pode declarar oficialmente. O desafio da retomada tendo
já sido completamente perdido pelos governos e pelos bancos centrais
[4]
, este ponto de inflexão da Primavera de 2010 vai representar o
princípio da transferência maciça dos 20 milhões de
milhões de "activos fantasmas"
[5]
para os sistemas sociais dos países que os acumularam.
Neste GEAB nº 40, a equipe do LEAP/E2020 desenvolve as suas
análises acerca destes diferentes assunto sempre a apresentar a
avaliação pormenorizada das suas antecipações para
2009 que obtiveram uma classificação geral de 72%
[6]
. Finalmente, nossos investigadores revelam as suas
recomendações, em particular em relação a este
mês: imobiliário comercial, divisas e rendimentos dos expatriados.
A actualidade encarregou-se rapidamente de alimentar a
antecipação do GEAB
nº 39
, a qual indicava que 2010 seria um ano marcado por três
tendências, uma das quais seriam as
cessações de pagamentos de Estados
[7]
: do Dubai à Grécia, passando pelos discursos cada vez mais
inquietos das agências de classificação acerca das
dívidas americana e britânica, ou pelo orçamento draconiano
adoptado pela Irlanda e as recomendações da zona Euro para o
domínio dos défices públicos, a incapacidade crescente dos
estados para enfrentar as suas dívidas são o assunto principal
dos media. Entretanto, no interior desta agitação
mediática, nem todas as informações têm o mesmo
valor: algumas não são senão elucubrações
sobre o "dedo" do provérbio chinês
[8]
, quando outras tratam realmente da Lua.
No capítulo das elucubrações sobre o "dedo",
este comunicado público do GEAB nº 40 apresenta o caso das
análises sobre a Grécia.
Crise da dívida grega: Problema menor para Francoforte e severa
advertência para Washington e Londres
Vejamos a Grécia. Encontra-se lá uma temática semelhante
àquela que a nossa equipe havia denunciado no
GEAB nº 33
, em Março de 2009, no momento em que a imprensa transmitia
maciçamente a ideia de que a Europa do Leste iria arrastar o sistema
bancário europeu e o Euro numa grande crise. Havíamos
então explicado que esta "informação" não
repousava sobre nada de crível e que não era senão
"uma tentativa deliberada da parte da Wall Street e da City
[2]
para fazer crer uma fractura da UE e instilar a ideia de um risco
"mortal" a pesar sobre a zona Euro, transmitindo continuamente falsas
informações sobre o "risco bancário vindo da Europa
do Leste" e tentando estigmatizar uma zona Euro "covarde" face
às medidas "voluntaristas" americanas ou britânicas. Um
dos objectivos é igualmente tentar desviar a atenção
internacional do agravamento dos problemas financeiros em Nova York e Londres,
ao mesmo tempo que a enfraquecer a posição europeia na
véspera da cimeira do G20".
O caso grego é bastante semelhante. Não que não haja crise
nas finanças públicas gregas (ela é bem real), mas as suas
consequências supostas sobre a zona Euro são super-estimadas
enquanto esta crise indica uma tensão crescente em torno das
dívidas soberanas, calcanhar de Aquiles dos Estados Unidos e do Reino
Unido.
[9]
Em primeiro lugar, é preciso recordar que a Grécia é o
país que pior geriu o seu acesso à UE. Desde 1982, os diferentes
governos gregos não fizeram outra coisa senão utilizar a UE como
uma fonte inesgotável de subvenções, sem nunca chegar a
modernizar as estruturas económicas e sociais do país. Como cerca
de 3% do PIB provindo directamente de Bruxelas em 2008
[10]
, a Grécia é de facto um país sob transfusão
europeia desde há cerca de 30 anos. A degradação actual
das finanças públicas do país não é portanto
senão uma etapa suplementar numa longa evolução. Os
responsáveis da zona Euro sabem desde há muito tempo que o
problema grego rebentaria um dia.
Mas como o país representa 2,5% do PIB da zona Euro (e 1,9% do da UE),
estamos longe de um perigo grave a pesar sobre a moeda única europeia e
sobre a zona Euro. A título de exemplo, a cessação de
pagamento da Calif´rnia (12% do PNB dos EUA) é infinitamente mais
portadora de desestabilização do dólar e da economia
americana. Além disso, uma vez que se encontra frequentemente sob as
mesmas plumas uma lista exaustiva de todos os países da zona Euro que
enfrentam uma crise grave nas suas finanças públicas (Espanha,
Irlanda, Portugal aos quais acrescentamos a França e a Alemanha),
é preciso ser completo e indicar os Estados Unidos outro estado
federal tecnicamente em falência
[11]
se o Fed não imprimisse dólares em quantidade ilimitada para
comprar directa e indirectamente Títulos do Tesouro emitidos em
proporções idênticas, e também a Califórnia
(o estado mais rico da União a oscilar à beira do abismo desde
há meses) e doravante 48 dos 50 estados com défices
orçamentais crescentes
[12]
. Como resume o título do editorial de 14 de Dezembro de
Stateline
, o sítio web americano especializado nos estados e nas colectividades
locais dos EUA,
"Cenários de pesadelo assombram os estados"
, é o conjunto dos estados dos Estados Unidos que tem medo de entrar em
cessação de pagamento em 2010/2011.
E a zona Euro, que tem as mais importantes reservas de ouro do planeta
[13]
, reúne igualmente países que acumularam excedentes
orçamentais até ao ano passado, um comércio exterior
sempre excedentário e um banco central que não transformou o seu
balanço em reservatório de activos "apodrecidos ou
fantasmas" (tal como o faz o Fed desde há 18 meses). Portanto, se a
crise das finanças públicas gregas indica alguma coisa,
não é tanto a situação da Grécia ou uma
problemática específica à zona Euro mas sim um problema
mais geral que vai-se agravar fortemente em 2010: o facto de que as
obrigações de Estado formam doravante uma bolha a ponto de
explodir (mais de US$49.500 mil milhões ao nível mundial, ou
seja, uma alta de 45% em dois anos)
[14]
As degradações das notações efectuadas pelas
agências americanas de classificação no rastro da crise de
Dubai indicam que, como sempre, estas agências não sabem (ou
não podem) antecipar este tipo de evolução. Lembremo-nos
que elas não haviam visto as implicações da crise das
subprimes ou do afundamento do Lehman Brothers e da AIG, nem igualmente a do
Dubai. Como elas são dependentes do governo dos EUA
[15]
, não podem é claro por directamente em causa o duo no
coração do sistema financeiro actual (Washington e Londres).
Entretanto, elas indicam a direcção de onde vai vir o
próximo choque, as obrigações de Estado ... e neste
domínio os dois estados mais expostos são os Estados Unidos e o
Reino Unido.
É igualmente muito instrutivo constatar que o discurso destas
agência evolui subtilmente. Em algumas semanas passou-se da eterna
explicação de que a qualidade intrínseca das economias e
da gestão destes dois países
[16]
elimina todo risco de incumprimento de pagamentos por parte dos seus
respectivos governos a uma advertência de que a partir de 2010 seria
preciso demonstrar esta qualidade e estas aptidões de gestão a
fim de manter o famoso Triplo A que permite tomar emprestado a menor custo
[17]
. Se mesmo as agências de classificação começam a
pedir provas, é que as coisas são realmente muito mal.
Para concluir o caso grego, nossa equipe considera que a
situação actual é triplamente positiva para a zona Euro:
ela obriga a considerar seriamente as medidas de solidariedade a efectuar
neste tipo de situação. Os observadores vão assim ter de
fazer uma escolha clara: ou eles tratam a Grécia como um país
isolado, ou tratam-na como um componente da zona Euro. Mas eles não
podem fazer as duas coisas ao mesmo tempo, somando a fraqueza da Grécia
isolada a um enfraquecimento da zona Euro por causa da Grécia.
obrigam finalmente as autoridades gregas a fazer uma operação
"Verdade" sobre o estado das finanças do seu país e vai
permitir à UE avançar as reformas necessárias,
nomeadamente para reduzir fortemente a corrupção e o clientelismo
endémicos.
[18]
deveria servir de exemplo aos governos europeus (e outros) que manipulam cada
vez mais as estatísticas económicas e sociais, demonstrando que
estas manipulações não fazem senão mergulhar os
países ainda mais na crise. Infelizmente duvidamos desta ideia de que
outros dirigentes seguiriam o exemplo do primeiro-ministro grego; em todo o
caso, não antes de mudanças de governo no Reino Unido, nos
Estados Unidos, na França ou na Alemanha, por exemplo.
15/Dezembro/2009
Notas:
(1) O consumo permanece sempre estagnado nos Estados Unidos, assim como na
Europa (apesar das festas de fim de ano). O chamado crescimento chinês
(ver este vídeo da
Al Jazeera
muito esclarecedor sobre a realidade por
trás dos números chineses) não chega mesmo a estimular nem
mesmo um pouco o do seu vizinho nipónico (o que seria um sinal certo de
que há mesmo um re-arranque da economia chinesa) obrigado a ser o
primeiro grande país a adoptar um segundo plano de estímulo
económico em menos de dois anos (fonte:
Asahi Shimbun,
09/12/2009). Em contra-partida, a manipulação de
estatísticas bate recordes de actividade: baixa "radical" do
desemprego nos Estados Unidos alimentada pelo emprego precário ligado
às contratações de lojas antes das festas e por um modo de
cálculo sempre "teórico" (fonte:
Global Economic Trend Analysis
, 04/12/2009),
"Sexta-feira negra"
cujas vendas baixaram de valor
em relação ao ano passado (fonte:
Reuters
, 29/11/2009),
desemprego que continua a aumentar e imobiliário de empresas em queda
livre na Europa (fonte:
Les Echos
, 10/12/2009, e um interessante passeio visual através dos imóveis
de escritório vazios em Amsterdam realizado por
Taco Dankers
, valor da
produção industrial chinesa "confortante" em Novembro
de 2009 porque comparado à baixa radical de Novembro de 2008. Que
resultados fantásticos para as centenas de milhares de milhões
dos planos de relançamento do ano 2009!
(2) E acreditando nos bancos que lhes disseram que salvá-los era salvar
a economia.
(3) Fonte:
USAToday
, 14/12/2009
(4) Fonte:
CNBC
, 08/12/2009 ;
Yahoo/Reuters
, 27/11/2009
(5) Os dois terços do montante global estimado pelo LEAP/E2020 há
mais de um ano, aqueles que ainda não desapareceram como fumo nos
diversos mercados financeiros ou imobiliários do planeta.
(6) É um resultado em baixa em relação aos 80% de 2008 mas
que permanece elevado, em particular num ano excepcional, nomeadamente pelo
grau de intervenção dos actores públicos e pela escala sem
precedentes das suas intervenções que multiplicam os factores em
jogo.
(7) No aspecto "pressão fiscal", Londres e Dublim acabaram de
abrir o baile (Fontes:
Times,
06/12/2009 ;
IrishTimes
, 11/12/2009).
(8) "Quando o sábio aponta a Lua, o idiota olha para o dedo".
(9) E do Japão em menor medida.
(10) Fonte:
LaCroix
, 05/10/2009
(11) Fonte:
New York Times,
22/11/2009
(12) Fonte:
CBPP
, 19/12/2009
(13) Assim, entre os bancos centrais nacionais e o BCE, a zona Euro possui
10.900 toneladas de ouro e os Estados somente 8.133 (fonte:
FMI/Wikipedia
, 11/2009). Ou, para sermos mais precisos: o Tesouro americano declara que os
Estados Unidos possuem uma tal quantidade de ouro, sabendo-se que nenhuma
auditoria independente acerca do montante exacto das reservas de ouro dos EUA
foi efectuada desde há mais de quarenta anos. Retornaremos certamente
com mais pormenores a esse assunto do montante real das reservas de ouro dos
EUA no próximo GEAB (nº 41) uma vez que a nossa equipe considera
que em 2010, face à explosão da bolha das
obrigações de Estado, o ouro vai tornar-se novamente uma
necessidade incontornável para os bancos centrais.
(14) Fontes:
DailyMarkets
, 24/11/2009;
Telegraph
, 30/11/2009;
Forbes
, 24/11/2009
(15) Legalmente e mesmo financeiramente, ver GEABs anteriores.
(16) Atinge-se por vezes o mais absoluto surrealismo quando se lêem as
considerações destas agências.
(17) Fonte:
Wall Street Journal
, 08/12/2009
(18) Fonte
Financial Times,
12/11/2009
Outros comunicados do GEAB:
Crise sistémica global: Os Estados face às três opções brutais de 2010
Crise sistémica global: A União Europeia na encruzilhada em 2010: cúmplice ou vítima do afundamento do dólar?
Crise sistémica global: Em busca da retomada impossível
Crise sistémica global: O choque acumulado das três "ondas monstruosas" do Verão de 2009
Crise sistémica global: O surrealismo financeiro
Verão de 2009: Confirma-se a ruptura do sistema monetário internacional
Crescem as tensões transatlânticas na véspera do G20
Princípio da fase 5 da crise sistémica global: A deslocação geopolítica mundial
Fase IV da crise sistémica: Começa a sequência da insolvência global
Crise sistémica global: Novo ponto de inflexão em Março de 2009
Fase IV da crise sistémica global: Ruptura do sistema monetário mundial até ao Verão de 2009
Crise sistémica global: Cessação de pagamentos do governo americano no Verão de 2009
Porque manter a previsão da taxa de câmbio Euro-USD a 1,75 no fim de 2008
Julho-Dezembro de 2008: O mundo mergulha no coração da fase de impacto da crise sistémica global
Novo ponto de inflexão da crise sistémica global: Quando a ilusão de que a crise está dominada se desvanece…
Crise sistémica global: Quatro grandes tendências para o periodo 2008-2013
Crise sistémica global: Fim de 2008: Derrocada dos fundos de pensão
Crise sistémica global: Fase de afundamento da economia real dos EUA: Setembro/2008
2008: Fase de pleno impacto global da Muito Grande Depressão dos EUA
Fase de ruptura do sistema financeiro mundial em 2008
Bancos mundiais aspirados para o "buraco negro" da crise financeira: Os quatro factores desencadeadores da grande falência bancária
As sete sequências da fase de impacto da crise sistémica global (2007-2009)
A crise actual explicada em mil palavras
Crise das subprimes: Após o sector financeiro, a próxima vítima será o US dólar
A economia americana entrou em recessão no 1º trimestre de 2007
Crise sistémica global - Abril de 2007: Ponto de inflexão da fase de impacto e entrada em recessão da economia dos EUA
Fase de impacto da crise sistémica global: Os seis aspectos da "Muito grande depressão americana" de 2007
Novembro/2006: Princípio da fase de impacto da crise sistémica global
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Global Europe Anticipation Bulletin
O original encontra-se em
www.leap2020.eu
Este comunicado público encontra-se em
http://resistir.info/
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