Estados Unidos, Março-Junho de 2013:
Desligamento do doente e última fase de impacto da crise
sistémica global
por GEAB
Até agora o desenrolar da crise foi fielmente descrito de acordo com as
cinco fases identificadas pela nossa equipe em Maio de 2006 (GEAB nº 5) e
completadas em Fevereiro de 2009 (GEAB nº 32): desencadeamento,
aceleração, impacto, decantação e deslocamento
geopolítico global, as duas últimas etapas a desenvolverem-se
simultaneamente. Nos últimos números, e nomeadamente no GEAB
nº 70 (Dezembro/2012), comentámos amplamente os processos em curso
das duas últimas fases, uma decantação de onde emerge
penosamente o mundo de amanhã sob os escombros do deslocamento
geopolítico mundial.
Mas havíamos subestimado a duração do período de
decantação que atravessamos desde há quatro anos,
período durante o qual todos os actores da crise trabalharam para um
objectivo comum: ganhar tempo. Os Estados Unidos, fazendo tudo para impedir o
surgimento de soluções alternativas ao dólar, apesar da
situação catastrófica de todos os seus fundamentos
sistémicos, para impedir seus credores de os abandonarem
(descredibilização das outras moedas e doravante inclusive o Yen,
encarniçamento contra as tentativas de desconectar o petróleo do
dólar, etc...); o resto do mundo, pondo em acção
hábeis estratégicas consistentes ao mesmo tempo em manter sua
assistência aos Estados Unidos para evitar um colapso brutal, que este
seria o primeiro a sofrer, e ao mesmo tempo construir soluções
alternativas e de desconexão.
Na conclusão deste longo período de aparente
"anestesia" do sistema, consideramos necessário introduzir uma
sexta fase na nossa descrição da crise: a última
fase de
impacto que se verificará em 2013.
Os Estados Unidos certamente acreditaram que o resto do mundo teria interesse
eterno em manter a assistência respiratória artificial da sua
economia, mas é provável que já não creiam nisso.
Quanto ao resto do mundo, os últimos capítulos da crise
estado-unidense (crise política importante, paralisia decisional,
evitação por um triz do despenhadeiro orçamental,
perspectiva de um incumprimento de pagamento em Março e incapacidade
continuada para por em acção a menor solução
estrutural) convenceram-no da iminência de um colapso e todos os actores
estão à espreita do menor sinal de oscilação para
se desembaraçarem, conscientes de que ao assim fazer precipitarão
o afundamento final.
Nossa equipe considera que no contexto das tensões extremas induzidas
pela próxima elevação do tecto da dívida americana
em Março de 2013, tensões em simultâneo das
políticas internas e financeiras mundiais, não faltarão os
sinais para provocar o desaparecimento dos últimos compradores de
títulos do tesouro americano, desaparecimento que o Fed já
não poderá mais compensar, resultando num aumento das taxas de
juro que impulsionará o endividamento americano a níveis
astronómicos, não deixando mais qualquer esperança de os
credores serem reembolsados e estes preferirão jogar a toalha e deixar o
dólar afundar-se... afundamento do dólar que corresponderá
de facto à primeira verdadeira solução, certamente
dolorosa mas real, ao endividamento americano.
É também por esta razão que a nossa equipe antecipa que
2013, Ano 1 do Mundo do Depois, verá a determinação desta
"apuração" das contas americanas e mundiais. Todos os
actores tendem para esta etapa cujas consequências são muito
difíceis de predizer mas que é também uma
solução incontornável para a crise tendo em conta a
impossibilidade estrutural dos Estados Unidos para por executar verdadeiras
estratégias de desendividamento.
Mas a fim de considerar causas e consequências desta última fase
de impacto, retornemos às razões pelas quais o sistema perdurou
por tanto tempo. Nossa equipe analisará a seguir as razões porque
o choque se verificará em 2013.
Ganhar tempo: Quando o mundo se rejubila com o status quo americano
Desde 2009 e das medidas temporárias para salvar a economia mundial, o
mundo aguarda o famoso "W", a recaída, pois a
situação continua a piorar dia a dia para os Estados Unidos:
dívida pública vertiginosa, desemprego e pobreza em massa,
paralisia política, perda de influência, etc. Portanto, esta
recaída nunca chega. É certo que as "medidas
excepcionais" de ajuda à economia (taxas de juro mais baixas,
despesa pública, recompra de dívida, etc) continuam em vigor. Mas
contra toda expectativa e ao contrário de qualquer julgamento objectivo
e racional, os mercados ainda parecem ter confiança nos Estados Unidos.
Na realidade, o sistema já não é baseado na
confiança e sim no cálculo sobre o melhor momento para se afastar
e os meios de aguentar mais um pouco até lá.
Acabou o tempo em que a China desafiava os Estados Unidos a efectuar um segundo
round de
quantitative easing
[1]
: o mundo parece acomodar-se ao facto de que este país ainda agrava a
sua dívida e orienta-se inelutavelmente para o incumprimento do seu
pagamento, desde que permaneça de pé e não faça
demasiadas ondas. Por que os outros países não pressionam os
Estados Unidos a reduzirem o seu défice, mas ao contrário
rejubilam-se
[2]
quando o acordo sobre o despenhadeiro orçamental
(fiscal cliff)
mantém o status quo? Contudo, ninguém é louco, a
situação não pode durar eternamente e o problema central
da economia mundial é exactamente os Estados Unidos e o seu dólar
[3]
.
De acordo com a equipe do LEAP/E2020, os diferentes actores procuram ganhar
tempo. Para os mercados, trata-se de aproveitar ao máximo as
generosidades do Fed e do governo americano a fim de fazer lucros
fáceis; para os países estrangeiros, trata-se de desconectar ao
máximo suas economias da dos Estados Unidos a fim de poder se porem ao
abrigo no momento do choque que está para vir. É assim por
exemplo que a Eurolândia aproveita para se reforçar e que a China
aproveita para escoar os seus dólares nas infraestruturas estrangeiras
[5]
que sempre valerão mais do que os bilhetes verdes quando o dólar
estiver por terra.
Aceleração do tempo e acumulação dos desafios
Mas este período de complacência cúmplice chega ao seu fim
devido a pressões intensas. É interessante notar que as
pressões não vêem realmente do estrangeiro, confirmando a
nossa análise acima; elas ao invés são de duas naturezas:
internas e financeiras-económicas.
Por um lado, é a batalha política interna que ameaça o
castelo de cartas. Se Obama parece atravessar um período de graça
política frente a um campo republicano aparentemente domado, a batalha
será retomada com mais violência do que nunca a partir de
Março. Com efeito, se os representantes republicanos serão sem
dúvida obrigados a votar o aumento do tecto da dívida, eles
farão com que Obama pague caro esta
"capitulação", nisso pressionados pela sua base
eleitoral em que uma metade deseja de facto um incumprimento de pagamento
americano por ela considerada como a única solução para se
libertar do endividamento patológico do país
[6]
. Os republicanos contam desenlaçar os numerosos dossiers e desafios que
se anunciam: do lado social, regulamentação das armas de fogo
[7]
, reconsideração completa da imigração e
legalização de 11 milhões de imigrados ilegais
[8]
, reforma do sistema de saúde e, mais geralmente, questionamento do
papel do Estado federal; do lado económico, baixa das despesas,
resolução da dívida
[9]
, o recorrente despenhadeiro orçamental
[10]
, etc... Todos estes dossiers estão na agenda dos próximos meses
e o menor tropeço pode-se verificar fatal. Dada a combatividade dos
republicanos e mais ainda da sua base, é antes a esperança de
não haver tropeço que parece utópica.
Por outro lado, são os mercados internacionais, com Wall Street à
cabeça, que ameaçam não renovar sua confiança na
economia americana. Desde o furacão Sandy e sobretudo desde o
episódio do despenhadeiro orçamental que não resolveu
problema algum, as análises pessimistas e a dúvidas tornam-se
cada vez mais fortes
[11]
. É preciso ter em mente que os mercados bolsistas são
apátridas e, mesmo domiciliados em Nova York, não têm
senão um fim: o lucro. Em 2013, o mundo é suficientemente vasto
para que os investidores e os seus capitais, tal como num voo de pardais, ao
mais ligeiro alerta escapem-se para outros céus
[12]
.
Enquanto o acordo sobre o tecto da dívida em 2011 arrumava a
questão durante 18 meses
[13]
, este do despenhadeiro fiscal adia o problema apenas por dois meses. Enquanto
os efeitos da QE1 foram sentido durante um ano, a QE3 não teve efeitos
senão por algumas semanas
[14]
. Além disso, com a agenda carregada com as negociações a
virem, vê-se que o tempo se acelera significativamente, sinal de que o
precipício se aproxima e com isso o nervosismo dos actores.
Março-Junho de 2013, tensão extrema: a menor fagulha ateia fogo
aos paióis
Além destes desafios americanos, o mundo inteiro tem igualmente
numerosas provas a atravessar. Também aqui, são sobretudo
desafios económicos. Trata-se nomeadamente do Japão e do Reino
Unido, elementos chave da esfera de influência americana, que lutam pela
sua sobrevivência, ambos em recessão, com dívidas
insustentáveis, uma poupança das famílias de rastos e sem
perspectiva de solução a curto prazo. Examinaremos em pormenor
estes dois países neste número. Mas trata-se igualmente de uma
economia brasileira no ralenti
[15]
, taxas de inflação difíceis de administrar nas
potências emergentes, o desinchar da bolha imobiliária no
Canadá, na China e na Europa
[16]
, etc...
Os desafios são igualmente de ordem geopolítica: para citar
apenas três exemplos, os conflitos africanos que implicou a
intervenção da França no Mali, os conflitos e a
confrontação indirecta das potências no Médio
Oriente em torno da Síria, de Israel e do Irão, assim como as
tensões territoriais em torno da China que examinaremos adiante aquando
da nossa análise do Japão.
Todos estes factores, económicos, geopolíticos, americanos,
mundiais, convergem para o mesmo momento: o segundo trimestre de 2013. Nossa
equipe identificou o período indo de Março a Junho de 2013 como
sendo explosivo, nomeadamente na questão das negociações
nos Estados Unidos sobre o tecto da dívida e sobre o despenhadeiro
orçamental. A menor fagulha ateará o fogo aos paióis,
desencadeando a segunda fase de impacto da crise sistémica global. E
oportunidades para fazer fagulhas, já se viu, há muitas.
Quais são então as consequências e o calendário
desta segunda fase de impacto? Nos mercados, uma queda significativa
será propagada até o fim de 2013. As economias estando todas
interconectadas, o impacto vai-se propagar a todo o planeta e arrastar a
economia mundial para a recessão. Contudo, graças ao
desatrelamento dos outros países que mencionámos anteriormente,
nem todos os países serão afectados da mesma maneira. Pois, bem
mais do que em 2008, existem oportunidades para os capitais nomeadamente na
Ásia, na Europa, na América Latina. Além dos Estados
Unidos, os países mais afectados serão portanto aqueles da esfera
americana, principalmente o Reino Unido e Japão. E enquanto estes
países em 2014 ainda estarão a debater-se com as
consequências sociais e políticas do impacto, as outras
regiões, BRICs e Eurolândia à cabeça, verão
finalmente a saída do túnel nesta época.
A fim de compreender a formação desta segunda fase de impacto,
estudámos a seguir as "tendências suicidárias"
das quatro potências do mundo de antes: Estados Unidos, Reino Unido,
Japão e Israel. Depois apresentarão os tradicionais
"up&down" do mês de Janeiro, tendências montantes e
descendentes para o ano de 2013, servindo igualmente de
recomendações para este novo ano. Finalmente, como a cada
mês, nossos leitores encontrarão também o
GlobalEuromètre.
Notas:
(1) Pode-se refrescar a memória
aqui
(Wall Street Journal, 18/10/2010)
ou
aqui
(US News, 29/10/2010).
(2) "Soulagement après l'épilogue heureux du fiscal
cliff" título
ForexPros.fr
(02/01/2013), "Relief at fiscal
cliff crisis deal" título da
BBC
(03/01/2013)
(3) Como identificado pelo LEAP/E2020 desde 2006, desde o GEAB n°2.
(4) O salvamento público dos bancos é contado na dívida
do Reino Unido.
(5) Estando os chineses muito activos neste domínio, há
numerosos exemplos como o porto de Pireu na Grécia, o aeroporto de
Heathrow no Reino Unido, em África, e também a compra de
jóias industriais (a Volvo por exemplo), etc. Ver por exemplo
Emerging Money
(China to invest in Western infrastructure, 28/11/2011).
(6) Ler por exemplo
ZeroHedge
, 14/01/2013.
(7) Fonte:
Fox News
, 30/12/2012.
(8) Fonte:
New York Times
, 12/01/2013.
(9) Fonte:
New York Times
, 15/01/2013.
(10) O debate sobre os cortes orçamentais é simplesmente adiado
dois meses. Fonte:
New Statesman
, 02/01/2013.
(11) Como aqui (
CNBC
, 11/01/2013), aqui (
MarketWatch
, 14/01/2013) ou aqui
(
CNBC
, 08/01/2013).
(12) Os Estados Unidos vão por sua vez experimentar a ironia da
História: a desregulamentação e a
globalização dos mercados financeiros que eles tanto promoveram
vão voltar-se dramaticamente contra si.
(13) Foi também neste momento que os cortes automáticos de
01/01/2013 foram activados para forçar um acordo bipartidário.
Fonte:
CNN Money
(02/08/2011) ou
Wikipédia
.
(14) Para um recordatório destas operações de
quantitative easing, poder-se-á consultar
BankRate.com
, Financial crisis
timeline.
(15) Fonte:
Les Échos
, 05/12/2012.
(16) Ver os GEAB anteriores.
15/Janeiro/2013
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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