O ponto de não retorno será repentino
por Michael Hudson
entrevistado por The Saker
Sempre tive por Michael Hudson a maior estima. Não apenas o considero
como o meu economista favorito nos EUA, mas também sei que ele é
um ser humano generoso. Ele manifestou essa generosidade novamente quando
concordou em responder a algumas perguntas muito básicas que um
não-economista como eu faria. Estou profundamente grato a Michael por
ter tempo para me responder!
The Saker
The Saker:
Suponho que, como qualquer outro sistema, a economia e o sistema financeiro
dos EUA e, em geral, do Ocidente venham a ser penalizados, mas deve haver um
"ponto de não retorno", após o qual todo o sistema se
desmorona como um castelo de cartas. Minha primeira pergunta é dupla: a)
o que seria esse "ponto de não retorno" e se acha que
já (ou em breve) o atingimos? b) Quais seriam os sinais de que esse
"ponto de não retorno" foi alcançado (ou está
prestes a ser alcançado)?
Michael Hudson:
O "ponto de não retorno" chegaria quando a Reserva Federal e
o governo deixassem de resgatar
(bailing out)
os banqueiros e os mercados de acções e títulos e
deixassem o preço real dos activos entrar em colapso no "mercado
livre", para reflectir a contracção da economia
"real". Nessa altura haveria uma liquidação ao
desbarato sem a promessa de a Reserva Federal ser o comprador de último
recurso.
O problema é que a economia nunca conseguiu recuperar da
Depressão de Obama (resultante da sua recusa em cancelar as
dívidas das hipotecas-lixo para com as principais
instituições financeiras), na medida em que elas mantêm nos
registos os encargos das dívidas actuais. Mas o comentário de
Sheila Bair ainda se aplica: "É tudo sobre os possuidores de
títulos".
Assim, não espero para breve um "ponto de não retorno".
Mas quando finalmente ocorrer ele será repentino tal como em
todas as bancarrotas. Isso pode ser desencadeado por um banco ou por um
especulador que fez uma má aquisição e é incapaz de
pagá-la, tal como aconteceu com a agência da AIG em Londres em
2008.
Dito isto, quem acreditaria que o mercado de acções continuaria a
subir enquanto a economia "real" subjacente estava a contrair-se
drasticamente? Obviamente, houve uma dissociação entre os dois
sectores da economia: o sector financeiro, de seguros e imobiliário
(FIRE) e o sector da economia da produção e do consumo.
Penso que a Reserva Federal permitirá que os grandes iniciados dentro do
sistema vendam tudo (e até que façam uma fortuna com a venda de
acções e títulos a descoberto) antes de fechar o
negócio
(pull the plug).
O segredo está em que o colapso da economia deve ser gerido como uma
oportunidade de ganhos para os grandes bancos e especuladores financeiros.
The Saker:
Há por aí muita conversa sobre as grandes
corporações, mas quero perguntar-lhe acerca dos
"pequenos" (como eu e a maioria de nossos leitores): o que podemos
fazer para nos prepararmos para um possível colapso económico e
financeiro? Por exemplo, considera que o nosso dinheiro está seguro nos
bancos de depósitos garantido pelo Federal Deposit Insurance Corporation
(FDIC)? Ou teremos umas "férias bancárias" ou
até uma "corrida aos bancos" em grande escala como aconteceu
na Argentina? Deveríamos retirar as nossas poupanças e guardar o
papel-moeda? Ou até obter ouro/prata? O que recomenda para os
"pequenos"?
Michael Hudson:
Depósitos garantidos pelo FDIC são seguros. Eles não os
vão deixar cair, porque isso acabaria com o sistema bancário.
Não haverá uma corrida ao estilo argentino, porque a
dívida externa argentina é denominada em dólares, que eles
não podem imprimir. Mas a dívida dos EUA é denominada na
sua própria divisa, que a Reserva Federal e o Tesouro podem criar
à vontade.
O mercado de acções irá ziguezagueando aproximadamente na
faixa actual, até que o mergulho seja permitido. O investimento mais
seguro é em títulos do Tesouro dos EUA. O ouro também
é bom, mas o problema é como mantê-lo livre de roubo. Tal
como a moeda, ele pode ser roubada.
Para os pequenos investidores, o melhor objectivo para se protegerem e ficarem
(e permanecerem) sem dívidas, garantir a sua casa e o seu sustento
daquilo que pode ser um plano de austeridade do tipo o Terceiro Mundo, estilo
FMI, resultante de bancarrotas estatais e locais. (Evitar comprar
títulos estatais e locais isentos de impostos.)
The Saker:
Quão má é, na sua opinião, a actual crise em
termos financeiros/económicos? Alguns dizem que será (ou
já é) pior do que a de 2008, 11/Set ou mesmo a Grande
Depressão. Concorda e, se não, por quê?
Michael Hudson:
A depressão actual é a pior desde a década de 1930.
Haverá uma nova onda de execuções de hipotecas, tanto em
imóveis comerciais quanto residenciais. O problema não
será meramente as hipotecas lixo sobre activos desvalorizados, mas a
perda de rendimento de lojas, outros espaços comerciais e
residências que pagam rendas.
Estamos no final da alta de 75 anos começada em 1945, quando a guerra
terminou com poucas dívidas no sector privado e abundantes
poupanças. Agora, a situação foi revertida: uma pesada
sobrecarga de dívida, com poucas poupanças da maior parte da
população. O crescimento do excedente económico agora
é gasto quase inteiramente no serviço da dívida, em outros
encargos financeiros e em pagamentos rentistas ao sector FIRE. O capitalismo
rentista substituiu o capitalismo industrial.
The Saker:
Muitas pessoas (e corporações) estão a perder
milhões e até milhares de milhões. Mas outras estão
a ter grande êxito (Amazon?). Na sua opinião, quem mais beneficia
com esta crise e como?
Michael Hudson:
Financeiros e políticos do sistema serão beneficiados pela
crise, juntamente com os monopolistas. O resto da economia perderá
mas as fortunas mais rápidas muitas vezes são obtidas numa
crise. Como observou Adam Smith, os lucros geralmente são mais altos nos
países que se arruínam mais rapidamente. Mas desta vez não
são os lucros que são a chave dessas riquezas, mas os
"ganhos de capital" de activos financeiros inflacionados.
Em suma, o jogo financeiro tem sido manipulado pelos iniciados políticos
do sistema e pelos seus financiadores. A sua escala de tempo é o curto
prazo.
01/Maio/2020
Original encontra-se em
thesaker.is/...
Este artigo encontra-se em
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