As ameaças comerciais de Trump são a Guerra Fria 2.0
por Michael Hudson
O presidente Trump ameaçou o presidente Xi, da China, que, se não
se encontrassem e conversassem nas próximas reuniões G20 no
Japão, em 29-30 de Junho, os Estados Unidos não aliviariam a sua
guerra de tarifas e de sanções económicas contra as
exportações e a tecnologia chinesas.
Na verdade, haverá uma qualquer reunião entre líderes
chineses e norte-americanos, mas não será uma verdadeira
negociação. Essas reuniões normalmente são
planeadas de antemão, por funcionários especializados que
trabalham em conjunto para preparar um acordo a ser anunciado pelos seus chefes
de estado. Essa preparação não se realizou, nem pode
realizar-se. Trump não delegou autoridade.
Abre as negociações com uma ameaça. Isso não custa
nada e nunca sabemos (pelo menos, ele nunca sabe) se consegue obter um
prémio. Essa ameaça é que os Estados Unidos podem ferir o
seu adversário a não ser que o país concorde em se
submeter à lista de desejos da América. Mas, neste caso, a lista
é tão irrealista que os "media" se sentem
embaraçados em falar nela. Os EUA estão a fazer exigências
impossíveis para uma rendição económica que
nenhum país pode aceitar. O que à superfície parece ser
apenas uma guerra comercial é, na verdade, uma verdadeira Guerra-fria
2.0.
Lista de desejos da América: subserviência neoliberal dos
outros
países
O que está em jogo é se a China aceitará fazer o que a
Rússia fez nos anos 90: pôr planeadores neoliberais fantoches,
tipo Yeltsin, para mudar o controlo da economia do seu governo para o sector
financeiro norte-americano e para os seus planeadores. Portanto, a luta
é sobre o tipo de planeamento que a China e o resto do mundo devem ter:
através de governos que aumentem a prosperidade ou do sector financeiro
que extraia receitas e imponha a austeridade.
A diplomacia dos EUA pretende tornar os outros países dependentes das
suas exportações agrícolas, do seu petróleo (ou do
petróleo que os EUA e seus aliados controlam), das suas
informações e da tecnologia militar. Esta dependência
comercial permitirá aos estrategas norte-americanos impor
sanções que privem as economias de alimentos básicos, de
energia, de comunicações e de peças sobressalentes, se
resistirem às exigências dos EUA.
O objetivo é conseguir o controlo financeiro dos recursos mundiais e
obrigar os "parceiros" comerciais a pagar juros, taxas de
concessão e altos preços por produtos de que os EUA detêm
"direitos" de monopólio por propriedade intelectual. Uma
guerra comercial visa, pois, tornar os outros países dependentes dos
alimentos, do petróleo, da banca e da finança, controlados pelos
EUA, ou dos bens de alta tecnologia, cuja falta provocará austeridade e
sofrimento até o "parceiro" comercial se render.
Intenção da China dar a Trump uma "vitória"
As ameaças são baratas, mas Trump não pode avançar
sem virar contra si os agricultores, a Wall Street e o mercado de
ações, a Walmart e grande parte do setor de informática,
por altura das eleições, se as tarifas sobre a China aumentarem o
custo de vida e os negócios. A sua ameaça diplomática
representa que os EUA cortarão a garganta económica, impondo
sanções aos seus próprios importadores e investidores, se
a China não aceitar.
É fácil ver qual será a resposta da China. Vai manter-se
de lado e deixar que os EUA se autodestruam. Os negociadores sentem-se muito
satisfeitos em "oferecer" tudo o que a China planeou fazer e deixar
Trump alardear que foi uma "concessão" que ele conquistou.
A China tem um ótimo adoçante que acho que o presidente Xi
Jinping devia oferecer: Pode nomear Donald Trump para o Prémio Nobel da
Paz. Sabemos que ele quer o que o seu antecessor Barack Obama recebeu. E ele
não merece mais? Afinal, está a ajudar a unir a Eurásia, a
empurrar a China e a Rússia para uma aliança com os países
vizinhos, aproximando-se da Europa.
Trump pode ser demasiado narcisista para perceber esta ironia. Fomentando a
independência comercial asiática e europeia, a independência
nacional, a independência alimentar e a independência
informática, por causa das sanções dos EUA, Trump
deixará os EUA isolados no multilateralismo emergente.
O desejo da América de um Yeltsin chinês neoliberal (e outro
Yeltsin russo, já agora)
Um bom diplomata não faz exigências quando a única resposta
pode ser "Não". Não há hipótese de a
China desmantelar a sua economia mista e virar-se para os EUA e outros
investidores globais. Não é segredo nenhum que os EUA conseguiram
a supremacia industrial mundial no final do século XIX e início
do século XX através de pesados subsídios ao setor
público no ensino, nas estradas, nas comunicações e
noutras infraestruturas básicas. As economias modernas, privatizadas,
financiadas e "Thatcherizadas" têm um alto custo e são
ineficazes.
Contudo, os funcionários dos EUA teimam no seu sonho de promover
qualquer líder chinês neoliberal ou partido de "mercado
livre" a fim de provocar os danos que Yeltsin e os seus conselheiros
americanos realizaram na Rússia. A ideia dos EUA de um acordo
"vantajoso para ambas as partes" é de um acordo em que a China
seja "autorizada" a crescer na medida em que concordar tornar-se um
satélite financeiro e comercial dos EUA, e não um competidor
independente.
A raiva comercial de Trump é que outros países sigam pura e
simplesmente a mesma estratégia económica que outrora tornou
grande a América, mas que os neoliberais destruíram aqui e em
grande parte da Europa. Os negociadores dos EUA são incapazes de
reconhecer que os Estados Unidos perderam a sua vantagem industrial competitiva
e tornaram-se uma economia rentista
(rentier)
de alto custo. O seu PIB é "vazio", é
constituído essencialmente por rendas, lucros e ganhos de capital das
Finanças, Seguros e Imobiliário (FIRE), enquanto as
infraestruturas do país se degradam e a sua força de trabalho
é reduzida a uma economia a tempo parcial. Nestas
condições, o efeito de ameaças comerciais é que
só pode acelerar o impulso de outros países para se tornarem
economicamente auto-suficientes.
14/Junho/2019
O original encontra-se em
michael-hudson.com/
e em
thesaker.is/trumps-trade-threats-are-really-cold-war-2-0/
. Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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