Pensões estaduais, locais e privadas estão em causa
A próxima grande salvação
O grande combate económico da nossa época está a ser
travado pelo sector FIRE Finance, Insurance and Real Estate
(Finanças, Seguros e Imobiliário) contra a economia
industrial e os consumidores. O seu objectivo é maximizar os
preços da propriedade e o volume de dívida em
relação ao que o trabalho e a indústria podem render.
O aumento das dívidas e dos preços dos imóveis caminham em
conjunto, porque os preços dos activos dependem de quanto os bancos
emprestarão. Para os credores, o sonho é obter um apoio de
retaguarda a expensas do público: um seguro governamental de que
não perderão quando os devedores forem incapazes de pagar. O
problema político é como conseguir que o governo segure e proteja
os banqueiros ao invés dos devedores, uma vez que os devedores
são muito mais numerosos quando se chega à cabine eleitoral.
Nestes casos, as contribuições de campanha são o factor de
equilíbrio. Os governos são "privatizados" e
"financiarizados", isto é, transformados de democracias em
oligarquias. O sistema bancário pretende garantir que os únicos
perdedores sejam os clientes que ele é suposto servir: devedores,
proprietários de casas e empregados de companhias a serem
"financiarizadas" quando a economia é desindustrializada. Na
verdade, financiarização e desindustrialização
estão a tornar-se quase sinónimos. O truque consiste em fazer
com que os eleitores pensem que estão a ficar ricos quando realmente
estão a ser encurralados numa dívida, juntamente com os seus
patrões, governos locais e também o governo federal.
Por um momento a sobrecarga de dívida podre pode ser contornada pela
criação de ainda mais dívida, apoiada por garantias
públicas naquilo que mesmo o
Wall Street Journal
reconhece ser "socialismo para os ricos", isto é, privatizar
o lucro e socializar as perdas. Mas quando algum governo fez algo diferente,
durante os milhares de anos anteriores à cunhagem da palavra
"socialismo"? A chamada "lei da habitação"
("housing bill")
de 30 de Julho apoia o preço de hipotecas que hoje constituem o
principal activo de base da maior parte dos bancos e de outras
instituições financeiras. O que em última análise
suporta o preço destes pacotes de hipotecas é o preço do
imobiliário comprometido como colateral. E apesar de o sr. Greenspan
ter celerado a ascensão dos preços da habitação
como "criação de riqueza", aquilo era realmente
criação de dívida. Quando os preços da
habitação afundam, as dívidas permanecem intactas.
A questão é saber de quem são as folhas de balanço
que vão afundar no território da situação
líquida negativa os dos endividados proprietários de casas
ou os dos bancos que fizeram maus empréstimos e as
instituições financeiras (em grande parte fundos de
pensão, lamento dizê-lo) que compraram "hipotecas
tóxicas"?
As bolhas financeiras na sua primeira fase incham os preços dos activos
mais rapidamente do que as dívidas ascendem. Isto ajuda o sector
financeiro a estimular a crença de que a poluição da
dívida é um meio rápido de tornar a economia rica
na medida em que se olha para balanços financeiros ao invés de
detectar o crescimento dos meios reais de produção e dos
padrões de vida. Vivendo no curto prazo, a maior parte das pessoas
não vê a guerra financeira avançar, e imaginam que
finanças e indústria, trabalho e capital estão a combater
pela mesma espécie de crescimento económico e de riqueza. A
realidade é um conflito entre objectivos de crescimento financeiro e
industrial, sujeito à máxima de que a solução de
todo problema tende a criar novos, problemas imprevistos daqueles que
muitas vezes são de maior escala, a exigir ainda novas
soluções que provocam ainda maiores e ainda mais imprevistos.
É assim que as sociedades transformam-se a si próprias para o
melhor ou para o pior, de crise em crise.
Habitualmente cada lado combate pelos seus interesses económicos. Mas
é melhor não cacarejar demasiado alto sobre vitória. Esta
salvação financeira é pintada como uma lei da
habitação, não como uma dádiva aos interesses
financeiros. E é melhor não reconhecer que a vitória do
sistema financeiro ameaça agora empurrar a economia mais uma vez para o
caminho da insolvência, a começar por um esmagamento das
finanças dos estados e locais, e dos fundos de pensão
públicos e privados. Os problemas tornam-se mais ameaçadores
também quando os credores obtêm uma vitória unilateral.
Eis o que se passou até agora. Na manhã de 30 de Julho, o
presidente Bush assinou a lei que o Senado havia aprovado numa sessão
especial no sábado anterior. Seu objectivo era restaurar os
preços da habitação nos EUA para níveis
incomportavelmente elevados, exigindo que os novos compradores incidissem ainda
mais profundamente em dívidas a fim de obter habitação.
Ao invés de reverter as dívidas para níveis mais
comportáveis, o governo agora utilizará seu próprio
crédito para garantir o pagamento sobre não importa que parcela
da impagável dívida em crescimento exponencial que não
pode ser sustentada pelo conjunto da economia.
LEI DA DÁDIVA AO SECTOR FINANCEIRO
A nova "lei da habitação" (um título mais
honesto teria sido "lei da salvação financeira e da
dádiva de 2008") autoriza o Tesouro e o Federal Reserve Board a
fornecer crédito ilimitado à Fannie Mae e ao Freddie Mac, e
instila novo poder para a concessão de empréstimos à
Federal Housing Administration (FHA) e às localidades a fim de apoiar o
"mercado imobiliário". Isto é um eufemismo para salvar
os prestamistas hipotecários da resposta tradicional à queda de
preços da propriedade incumprimentos e fugas. A ideia é
empréstimos do governo substituírem os maus empréstimos em
que estão cravados os possuidores existentes de hipotecas, e fazer isso
antes que os preços da propriedade afundem outros 25 por cento.
O texto destacado na primeira linha do comunicado de imprensa dizia que a nova
lei "destina-se a proporcionar alívio às hipotecas para 400
mil proprietários de casas em dificuldades nos EUA e estabilizar os
mercados financeiros". O objectivo real é ajudar bancos e
investidores institucionais em dificuldade, com pouca probabilidade de ajuda
aos proprietários de casas. Os incumprimentos de hipotecas e os
arrestos estavam a ameaçar liquidar as avaliações dos
colaterais para os empréstimos empacotados e vendidos a fundos de
pensão estado-unidenses, a outros investidores institucionais e a bancos
estrangeiros incluindo os US$1 milhão de milhões de
acções e obrigações da Fannie Mae e do Freddie Mac
em bancos centrais estrangeiros e fundos de riqueza soberanos.
Furando a nuvem da retórica de relações públicas, o
impacto real sobre devedores de hipotecas sem dinheiro é que o
financiamento acrescido à Fannie Mae, ao Freddie Mac e à FHA
constituem parte de uma oferta de emergência de US$1,4 milhão de
milhões de crédito governamental destinada a impedir os
preços da habitação de retrocederem a níveis mais
comportáveis. Uma utilização alternativa deste
financiamento teria sido salvar devedores individuais do arresto e reajustar
suas hipotecas em níveis mais realistas. Mas o "eleitorado"
do Tesouro e da Reserva Federal é a Wall Street, não os
proprietários das casas. Não se trata de um
"eleitorado" cujos interesses reflictam os da economia como um todo a
longo prazo.
As finanças e o imobiliário extraem juros e rendas do resto da
economia, contraindo-a ao invés de expandi-la. Isto leva os
preços da propriedade a caírem. Os especuladores (os quais
fabricaram cerca de 15 por cento do mercado habitacional nos últimos
anos um em cada seis compradores) pararam de comprar, enquanto uma
super-oferta de propriedades arrestadas ou abandonadas chegou ao mercado.
Preços cadentes empurram os proprietários de casas alavancadas
pela dívidas a uma situação líquida negativa,
seguidos pelos bancos e pelos infelizes compradores das hipotecas que eles
venderam.
Durante a bolha imobiliária os proprietários de casas,
especuladores comerciais e atacantes corporativos eram capazes de tomar
emprestado os encargos de juros através do refinanciamento das suas
propriedades a avaliações cada vez mais altas. Mas os bancos
agora estão a retirar-se da concessão de empréstimos
hipotecários, em grande parte porque compradores de hipotecas
empacotadas descobriram-se enterrados em papéis que estão muito
longe da segurança que indicavam os seus títulos classificados
como AAA. As companhias que seguraram estas hipotecas estão demasiado
subcapitalizadas para cobrir os riscos, e elas próprias estão
ameaçadas de bancarrota. Assim, os empacotadores e seguradores de
hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac estão a ser mantidos no
negócio para "salvar o mercado imobiliário",
expressão esta que significa crescimento exponencial da dívida.
As partes que estão a ser salvas são as grandes
instituições que possuem as hipotecas podres concedidas e
empacotadas nos últimos anos, e companhias "enganchadas" por
terem segurado o valor facial destas hipotecas. O crescimento da dívida
imobiliária foi atingido porque as semi-púlbicas Fannie Mae e
Freddie Mac proporcionaram "liquidez" não apenas com a compra
de hipotecas a outras companhias e seu empacotamento em grande escala como
também assegurando seus fluxos de rendimentos. Como destaca William
Poole, responsável do St. Louis Federal Reserve Banc de 1998 a 2008,
"a Fannie e o Freddie existem para proporcionar garantias a títulos
apoiados por hipotecas comercializados no mercado. O negócio é
simplesmente de seguros". Este seguro contra o incumprimento dos
hipotecados (e em última análise contra bancos e corretores de
hipotecas que concederam maus empréstimos a compradores de casas que
não tinham capacidade para pagar) é o que tornou as suas vendas
tão irresponsavelmente líquidas. E o assunto atingiu o ponto em
que se espera que dois a três milhões de proprietários de
casas estado-unidenses entrem em incumprimento este ano, o que leva a arrestos.
DUPLICAÇÃO DA DÍVIDA FEDERAL
O sr. Poole acrescenta que a assunção pelo governo das hipotecas
subscritas e garantidas por estas duas agências públicas
tecnicamente duplica a dívida federal, de US$5 para US$10 milhões
de milhões. O lado do activo no balanço do governo também
sobe, mas pode aí haver uma falha substancial. Os possuidores privados
de títulos e acções da Fannie e do Freddie também
têm reivindicações sobre estes activos, de modo que
qualquer tentativa de contabilidade do mundo real torna-se totalmente confusa.
Um problema mais profundo é que a Fannie e o Freddie subscreveram e
seguraram um aumento de dívida cujo contínuo crescimento
exponencial é insustentável, porque provoca
deflação interna da dívida. O que o sr. Greenspan chamava
"criação de riqueza" inchando os preços
do mercado de habitação e de acções a
crédito era realmente criação de dívida. Os
preços dos activos são uma função de quanto os
bancos emprestarão. Se eles emprestarem mais dinheiro em termos cada
vez mais facilitados, os preços da propriedade continuarão a
subir. Esta é a razão porque a economia está a enfrentar
deflação da dívida. Cada vez mais dinheiro será
desviado do gasto no consumo e pagamento de impostos, a fim de pagar credores.
Isto contrairá o mercado interno, esmagando lucros, e esmagará
também as finanças estaduais e locais.
O governo não resolverá este problema providenciando ainda mais
empréstimos para os participantes mais fortes comprarem a oferta
existente de casas que de outra forma seriam arrestadas. O sonho é
manter altos os preços da habitação para suportar os
prestamistas hipotecários, não para os preços
caírem de modo a que novos compradores não precisem incidir
tão pesadamente em dívidas a fim de arcar com a
habitação.
Suportar os preços imobiliários implica portanto manter o volume
existente de dívida contabilizada, e na verdade em incorrer em ainda
mais dívida. Isto impõe um enorme encargo sobre a economia a fim
de pagar juros e amortizações. Estes pagamentos deixam menos
dinheiro disponível para ser gasto em bens e serviços ou
pagamento de impostos. A economia retrai-se, deixando-a ainda menos capaz de
arcar com o fardo da sua dívida. Muitos indivíduos sem
dúvida incumprirão com a dívida dos seus cartões de
crédito, do seu automóvel e outras, mas a maior dívida
restante consiste em obrigações de pensão e de cuidados de
saúde para o sector da força de trabalho privada e pública.
Este problema tem crescido mas é ignorado pela maior parte dos media
públicos. As pensões do sector privado são seguradas pelo
organismo federal Pension Benefit Guarantee Corporation (PBGC), o qual
está substancialmente subcapitalizado. Um problema muito maior é
o dos programas de pensão estaduais e locais, que não só
subfinanciados eles não tem seguro de todo. A expectativa era
que as pensões do sector público seriam pagas com as receitas
fiscais decorrentes da propriedade e com ganhos de capital. Mas lançar
impostos sobre a propriedade agora ameaça provocar incumprimentos nos
pagamentos de hipotecas. Este é o apuro no qual a economia se enfiou ao
tentar preservar o crescimento exponencial da dívida hipotecária.
Para coroar o assunto, isto ameaça impelir os orçamentos
estaduais e locais para o défice num momento em que os seus pagamentos
de pensões e seguros médicos estão a subir. No lado da
despesa dos seus balanços, as localidades devem gastar mais dinheiro a
lidar com as consequências de casas vazias a serem despojadas de
materiais de construção, ocupadas por pessoas sem abrigo,
incendiadas e em geral a tornarem-se uma fonte de mazelas. Do lado das
receitas fiscais, estados e localidades estão a enfrentar pressão
política populista arquitectada pelos grandes interesses
imobiliários e promovida com o fluxo habitual de lágrimas de
crocodilo em prol dos aposentados e outros proprietários de casas cujo
esmagamento pela dívida os leva a apoiar políticos que prometem
reduzir impostos sobre a propriedade.
À primeira vista, a conexão entre salvar a Fannie Mae e, por
trás disto, manter preços elevados no mercado imobiliário
para os proprietários de casas americanos pode não parecer
estreitamente ligada aos planos de pensão corporativos, estaduais e
locais. Assim, vamos rastrear essa ligação. A
salvação dos prestamistas hipotecários em última
análise deve ser alcançada a expensas de receitas fiscais
estaduais e locais sobre a propriedade. Receitas que são utilizadas
para pagar juros não estão disponíveis para pagar
impostos. Se as dívidas continuam a crescer exponencialmente e a
extrair mais encargos com juros, isto força uma guinada fiscal para o
trabalho e a indústria.
Durante o último século o sector financeiro fez incursões
constantes a fim de capturar o que costumava ser o papel do governo. A
retórica libertária anti-fiscal do "mercado livre"
é simplesmente uma cobertura para a substituição do
governo democrático eleito pelo sector financeiro. O planeamento
prospectivo está a ser distorcido a fim de servir o sector financeiro,
não com o objectivo do crescimento a longo prazo e da
elevação dos padrões de vida, e certamente não para
proteger a posição fiscal do sector público.
Uma das disposições menos conhecidas da salvação
imobiliária desta semana é o endosso de "hipotecas
negativas". Estes acordos de dívida acrescentam o acúmulo
de juro ao principal. A estória de encobrimento é que isto
permite aos proprietários de baixo rendimento manterem suas casas com um
serviço de dívida
(carrying charge)
mais baixo, tomando emprestado o juro ao invés de pagá-lo. Mas
isto significa que o que costumava acumular para o proprietário como um
ganho de "capital" (preço do terreno) doravante
acumulará para o prestamista hipotecário. Durante mais de um
século, o principal meio pelo qual a maior parte das famílias
americanas enriqueceu foi através do almoço gratuito dos
preços da terra em ascensão exponencial. Agora, o que
está para ascender exponencialmente nos próximos anos é a
sobrecarga da dívida. É o sector financeiro que ficará
com o almoço gratuito dos ganhos do preço da terra.
Somar o encargo dos juros ao principal é o princípio de
funcionamento dos esquemas Ponzi. Eles não podem funcionar por muito
tempo, porque nenhuma economia real pode aguentar "a mágica do juro
composto". O plano de salvação Bush-Paulson convida as
hipotecas a tornarem-se cada vez maiores, pouco importando se os preços
da propriedade mantêm o mesmo ritmo. O juro é para acumular para
o governo federal como principal credor hipotecário, mas esta
inovação é realmente um teste. É o caminho de
menor resistência para bancos privados começarem a fazer
empréstimos hipotecários que lhes dão um retorno na forma
de ganhos de "capital", além dos juros.
Estes ganhos consistem na inflação dos preços da terra nos
casos em que os governos estaduais, locais e federal deixarem de
capturá-los para a economia como um todo.
Assim, o esquema obrigou o sector público a voltar-se para outro lado
que não a propriedade a fim de obter receitas nomeadamente, para
os consumidores e a indústria.
Quem está em vias de não ser pago: banqueiros e possuidores de
títulos ou pensionistas?
Dos balanços das corporações para as crises fiscais dos
estados e municípios de hoje, o que parece à primeira vista serem
problemas de pensões e Segurança Social revela-se ser um problema
de financiarização (da dívida). Numa tentativa de
maximizar desembolsos de dividendos, companhias nas indústrias
automobilísticas, siderúrgicas, aviação e outras
fizeram uma negociação com o trabalho a fim de tomar os seus
salários sob a forma de pensões e pagamentos de cuidados de
saúde diferidos. E o trabalho vendo a uma distância muito
maior do que os administradores financeiros das corporações
optou por diferir os últimos.
No caso das pensões do sector público, o problema é a
ideologia anti-fiscal promovida pelo sector financeiro, o qual prefere que o
governo tome emprestado dos ricos do que os onere fiscalmente. Cidades, desde
Nova York a San Diego, preferiram não elevar impostos mas prometer aos
empregados do sector público rendimento futuro de aposentadoria e
cuidados de saúde. Tal como empresas, elas optaram por financiar seus
orçamentos pela tomada de empréstimos, ou seja, pela
emissão de títulos ao invés de cobrarem seus impostos
tradicionais sobre a propriedade. Em suma, elas preferiram tomar emprestado
dos ricos ao invés de lhes cobrar impostos.
Os emissores de títulos corporativos e públicos destacam que
não há suficiente rendimento para pagar todos os pretendentes
(claimants).
Mas ao invés de culparem os prestamistas por efectuarem
empréstimos a serem pagos pelo retalhamento e liquidação
de activos ao invés de mais produção, os lobbies
financeiros estão a adoptar uma posição neo-maltusiana.
Estão a acusar o esmagamento de custos do sector corporativo e
público com obrigações de pensão como uma
decorrência do facto de se ter prolongado a vida das pessoas. O
número de aposentados por empregado ou contribuinte está a
aumentar e a muito louvada ascensão da ciência, da
tecnologia e da produtividade não é suposta ser capaz de arcar
com esta carga extra.
Ou melhor, as economias não podem arcar com esta carga
e também
pagar serviços de dívida em ascensão exponencial e mais
taxas de administração do dinheiro. Mas esta lógica de
culpabilização da vítima ignora o facto de que as
dívidas de hoje e os preços da propriedade
estão a crescer a juros compostos, para além da capacidade das
economias de produzir um excedente económico líquido para
pagá-las. Alguma coisa tem de ceder. Para o sector financeiro, o que
tem de ceder é o salário dos trabalhadores, os lucros da
indústria e o poder fiscal do governo.
Nós nos envolvemos nesta confusão por dar isenções
fiscais especiais ao imobiliário e às finanças a expensas
do trabalho e da indústria, e distorcendo o sistema fiscal em favor do
endividamento em detrimento da situação líquida.
Administradores financeiros e políticos conformaram-se por viverem no
curto prazo. O trabalho não exigiu que o governo assumisse a
responsabilidade pelo que é habitualmente concedido aos empregados e
aposentados na maior parte dos países civilizados: um rendimento vital
e cuidados de saúde. Ao invés disso, tanto o trabalho como o
patronato atribuíram esta responsabilidade ao próprio sector
privado. É um custo a que outros países são poupados
o de ter de "financiarizar" por pré-poupanças na
forma de especulação financeira, para pagar pensões e
cuidados de saúde a partir de ganhos de capital que são
assegurados pelos cortes fiscais do governo a fim de deixar mais lucros e
outras receitas para capitalizar em empréstimos ainda mais elevados para
elevar os preços dos activos. Todo o desvio da
financiarização acrescentou um vasto custo de não
produção a expensas de fazer negócios e contratar trabalho
na América. Para colocar a questão directamente, nós
tomámos um caminho errado mas dificilmente alguém com
autoridade explica como refazer nossos passos para escapar ao actual dilema.
Enquanto se acreditar que o governo só pode aumentar o
desperdício geral e que o sector financeiro pode apenas
"economizar", tornar a economia mais eficiente haverá
pouca motivação para procurar uma alternativa. Sem
dúvida, alguém pode apontar exorbitantes dádivas de
reforma tais como os acordos de pensão da Cidade de Nova York para
trabalhadores dos transportes públicos, polícias e bombeiros.
Seus sindicatos obtiveram direitos de pensão e de cuidados de
saúde substancialmente superiores àqueles da força de
trabalho em geral. Mas tais desvios da norma são inevitáveis num
sistema em que pensões e cuidados de saúde são relegados a
negociações companhia por companhia, cidade por cidade, estado
por estado ao invés de serem negociados a nível nacional como no
caso das social democracias. A situação é a mesma com
impostos negociados a nível local. Companhias e investidores
imobiliários jogam estados e cidades umas contra as outras a fim de
extrair isenções fiscais especiais para se localizarem nas suas
áreas. O lobbying político e a negociação de
bastidores tornou-se comum sob tais condições.
Na raiz dos problemas da América com pensões e cuidados de
saúde está uma oposição ideológica aos
serviços públicos e à tributação a
nível nacional. Nas sequência da II Guerra Mundial, as
corporações opuseram-se à "medicina
socializada". Dessa forma, relegava-se às empresas o pagamento de
cuidados de saúde a partir dos seus rendimentos ao invés de
deixar o governo organizar e pagar pelos mesmos com base na fiscalidade geral.
Isto provavelmente fazia sentido para os grupos de interesses quando arcavam
com a parte mais pesada da tributação progressiva. Mas eles
parecem não ter notado que esta atitude agora deixou de ser do seu
interesse uma vez que as famílias mais ricas transferiram os seus
impostos para os escalões mais baixos. A General Motors recentemente
protestou alegando que os cuidados de saúde custavam mais dinheiro por
automóvel do que o aço. Mas
alguém
deve pagar pelos cuidados de saúde e a aposentação. Se
não for o governo, então quem além do empregador?
Assim, é desejável simplesmente saber o que a General Motors quer
mais: o luxo de uma obsoleta retórica anti-bolchevique, ou fazer os
consumidores pagarem pelos seus cuidados de saúde e Segurança
Social com "pagamentos pelo utilizador" sem que os escalões
fiscais elevados assumam a responsabilidade que tomam em países com
sistemas fiscais mais progressivos.
Em retrospectiva, aparentemente aquelas companhias não actuam no seu
próprio interesse quando insistem em assumir para si próprias a
responsabilidade de proporcionar cuidados médicos cujo preço
disparou, em grande parte porque a própria profissão
médica foi capturada por organizações de
administração da saúde financiarizadas do sector dos
seguros (um elemento cada vez mais próspero do sector FIRE). Elas
colocaram os médicos e também os pacientes a rações
pagamento-por-serviço no caso de médicos, e cuidados
racionados para os infelizes segurados. E
isto
é suposto ser a alternativa de livre mercado ao planeamento
centralizado!
A explicação para as companhias actuarem deste modo tem de ser
encontrada na era da tributação progressiva. Mais de dois
séculos da análise económica clássica mostrou a
lógica de tributar a riqueza predatória (propriedade da terra,
direitos de monopólio e obrigações de pagamento sobre a
economia) ao invés do trabalho e da indústria. O objectivo era
tributar todas as formas de rendimento que não fossem necessárias
para que a produção se verificasse. Acima de tudo estavam
direitos à terra, a qual é proporcionada pela natureza, com a
finalidade de cobrar um pagamento de acesso, e outros direitos à
propriedade extractiva e encargos financeiros postos no topo do que realmente
precisa ser gasto na produção.
O primitivo rendimento fiscal arrecadava este rendimento que não vinha
do trabalho e sim de outras actividades
("unearned income").
As classes ricas portanto opunham-se ao fornecimento de serviços,
incluindo cuidados médicos e também infraestrutura básica,
numa época em que elas eram as partes principais a serem tributadas.
Mas por serem escleróticas e rígidas, as classes
rentistas
não efectuaram uma mudança das suas atitudes em
relação ao serviço público quando se libertaram da
tributação. Desde que os Estados Unidos promulgaram o seu
primeiro moderno imposto sobre o rendimento, em 1913, as finanças e os
seus principais clientes imobiliário e monopólios
têm feito lobby a fim de distorcer o código fiscal a fim de tornar
os seus ganhos isentos de impostos. Ao invés de declarar rendimento
tributável, eles contam como um custo de produção os juros
e a super-depreciação do imobiliário, bem como pagamentos
a abrigos
("shells")
corporativos em centros offshore para evitar impostos. Os sectores das
finanças e da propriedade também obtêm os seus retornos na
forma de ganhos de capital ao invés do que como lucros, comerciando
através de hedge funds financeiros cuja receita é tributada
à metade da taxa do rendimento normal.
Os 1% mais ricos obtêm seus retornos na forma de dividendos
(bonuses),
não de salários, e desfrutam de um ponto de corte de apenas
US$102 mil na Segurança Social do Federal Insurance Contributions Act
(FICA) e nas retenções de salários do Medicare. Quando os
editoriais do
Wall Street Journal
asseveram que os 1% mais ricos ganham "apenas" uma pequena
porção do rendimento tributável, tudo o que isto significa
realmente é que uma porção decrescente dos seus retornos
económicos são considerados sujeitos ao imposto sobre o
rendimento. O crescimento da riqueza assume uma forma não classificada
como "rendimento". Entretanto, a riqueza herdada é a grande
escapatória de todos os tempos para evitar ter de pagar ganhos de
capital que se acumularam no imobiliário e em outros activos que subiram
de preço.
Se as classes
rentistas
actuarem com flexibilidade, elas verão que quando se livraram do seu
fardo fiscal nacional, estadual e local chegou o momento de "socializar os
riscos" como um disfarce do verdadeiro socialismo com a
transferência dos custos de pensões e cuidados de saúde
para fora das empresas e localidades e em direcção ao governo
federal. Afinal de contas, uma vez que o trabalho e os consumidores
estão a pagar a fatia do leão dos impostos, não
será correcto estender gastos públicos para que tomem
áreas de custo até agora suportados por negócios
empresariais e outros empregadores do sector privado? Isto promete ser o
próximo grande combate político.
Mas a vozearia dos slogans ideológicos morre vagarosamente, os
negócios corporativos e o sector financeiro continuam a opor-se a um
governo excessivamente grande
("big government")
mesmo quando eles estão fiscalmente desonerados
(un-taxed).
Este é o problema com os grupos de interesses: eles vivem só
para si próprios no curto prazo. A mentalidade financeira é
oportunista ("depois de mim, o dilúvio"), pouco se importando
com o futuro. O trabalho não pode desfrutar deste luxo. Ele precisa
considerar como irá viver após os seus anos de trabalho e quando
os cuidados de saúde se tornarem uma despesa crescente. Esta
perspectiva envolve uma visão económica a distância mais
longa e um contrato social.
Enquanto isso, os impostos sobre a propriedade continuam a ser reduzidos
gradualmente como base para as finanças estaduais e locais. A fronteira
fiscal está a ser comutada para o rendimento e tributo sobre vendas, que
caem sobre consumidores e não sobre o status fiscal preferencial da alta
finança e da propriedade. Durante muitos anos, a tendência
política para desonerar fiscalmente o imobiliário levou cidades
como San Diego e estados inteiros como Nova Jersey a pagarem a sua força
de trabalho na forma de obrigações de aposentação e
cuidados de saúde ao invés de salários correntes, enquanto
tomavam emprestado dos ricos ao invés de tributá-los. O
rendimento até agora pago como imposto sobre a propriedade estava
disponível como caução aos banqueiros por
empréstimos para comprar propriedades com preços em
ascensão pois não eram tributadas.
Tudo isto foi loucura fiscal e económica de um ponto de vista mais amplo
e a longo prazo não a loucura das multidões, mas aquela do
sector financeiro e dos seus lobbies. O resultado foi uma tendência que
não pode perdurar. Mas ao terem conseguido libertar-se da
tributação da riqueza e do rendimento, os grupos de interesses
das finanças e da propriedade evidentemente acreditam que podem estender
o mesmo truque mais uma vez e libertarem-se da obrigação de
cumprir as promessas de pensões e cuidados de saúde que os
empregadores corporativos e do sector público fizeram à sua
força de trabalho.
Tal evasão exige uma retórica populista. A doutrina malthusiana
funcionou bem dois séculos atrás, então por que não
tentar outra vez? Culpar o crescimento populacional neste caso,
não a tendência dos pobres para terem mais filhos, mas a
capacidade dos empregados para viverem para além da idade de
aposentadoria pois eles eram supostos morrer se se tivessem conformado com os
modelos utilizados tão esperançosamente pelos seus empregadores
ao explicar a sua posição financeira. A alegação
que está a ser feita é que pagar os compromissos das empresas e
do sector público ao trabalho provocará a bancarrota de ambos.
Não há qualquer menção aos pagamentos da
dívida aos possuidores de títulos por fundos tomados emprestados
a fim de cortar os impostos progressivos sobre os ricos. Nem tão pouco
é o fardo dos altos preços da habitação e de outros
activos imobiliários que o plano de 30 de Julho para a
salvação dos prestamistas hipotecários tem como objectivo.
Algo tem de ceder, mas tem de ser esta velha visão do mundo. Não
há dúvida de que quando a próxima crise financeira chegar
veremos os habituais adjectivos jornalísticos: "inesperada",
"surpreendeu toda a gente pela profundidade do problema", etc.
Não me aborreçam! Será que os grandes media não
podem ver as tendências óbvias em curso?
[*]
Antigo economista da Wall Street especializado em balança de pagamentos
e imobiliário no Chase Manhattan Bank (agora JPMorgan Chase & Co.),
Arthur Anderson, e posteriormente no Hudson Institute (nenhum parentesco). Em
1990 ajudou a estabelecer o primeiro fundo de dívida soberana do mundo
para a Scudder Stevens & Clark. Foi Conselheiro Económico Chefe de
Dennis Kucinich
na recente campanha primária presidencial dos democratas, e aconselhou
os governos americano, canadiano, mexicano e lituano, bem como o United
Nations Institute for Training and Research (UNITAR). Professor
Investigador Emérito da Universidade do Missouri Kansas City
(UMKC), autor de muitos livros, incluindo
Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance
. Email:
mh@michael-hudson.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/hudson07312008.html
.
Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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