Eventos no horizonte

por Jim Kunstler

Cartoon de Rui Pedro Fonseca. Há um momento particular, conhecido por todos os mais novos, quando Wile E. Coyote, em êxtase, na sua corrida já ultrapassou o bordo de meseta e, ainda a lamber as mandíbulas e a esfregar as patas da frente a prever a comilança do pássaro, descobre que está suspenso no ar por nada mais do que um instante. O sorriso torna-se aflito. Ele ganha uma nauseante sombra de verde e cai, a zunir, de volta à terra centenas de metros abaixo, com uma distante, lúgubre e quase inaudível pancada no fim da sua queda. Estamos no país do Wile E. Coyote.

Ainda haverá alguém no universo conhecido a considerar que o sistema financeiro dos EUA não está vinte metros para além da beira da meseta da credibilidade?

Nada ajudará agora. Nem mesmo se Sirhan Sirhan [1] fosse posto em liberdade condicional hoje à tarde e transportado directamente para a West Wing [2] com um magnum 44 em cada mão (e um táxi conduzido pelo Diabo à espera lá fora para levá-lo ao Tesouro dos EUA e aos gabinetes do Federal Reserve).

É difícil imaginar que espécie de melodramas estavam a desdobrar-se nos relvados de Hamptons [3] este fim de semana, enquanto toda a gente na América estava a assistir às corridas de carros do Nascar, ou a trilhar os corredores das lojas BJs Discount por causa da oferta da semana de guacamole [4] com sabor Doritos, ou a tatuar chamas e correntes nos seus narizes, ou perdidos numa bruma de valium e metedrine.

IndyMac Bank

Com a morte do IndyMac Bank na semana passada, e os GSEs Fannie Mae e Freddie Mac a jazerem lado a lado com soro no furgão da emergência médica, destinados à unidade de cuidados intensivos cada vez congestionada do Federal Reserve, há um sentimento de que o Sonho Americano passou através do horizonte para eventos que representam a abertura de um buraco negro.

O que aconteceria se o governo dos EUA actuasse para salvar estas empresas irresponsáveis (e o que aconteceria se não o fizesse)? Em qualquer dos casos, não é um quadro bonito. Se o sr. Bernanke começar a lançar pazadas de empréstimos no buraco negro das empresas patrocinadas pelo governo (GSEs), ele mais uma vez minará o fundamento da sua própria equipe e nada fará, realmente, para reparar o problema estrutural da Fannie e do Freddie de ter assegurado demasiados empréstimos que jamais serão pagos. Se, ao invés, os comandos da Fannie e do Freddie forem tomados sem rodeios directamente pelo governo dos EUA (e recorde-se que o Federal Reserve não é o governo), então a dívida nacional duplicará da noite para o dia – o que trituraria o dólar estado-unidense.

Enquanto isso, os possuidores estrangeiros daqueles dólares em decrepitude podem não correr para o guichet de resgate, mas eles certamente os utilizariam para comprar todos os contratos de futuro de petróleo sobre a não-tão-verde Terra de Deus tão rapidamente quanto possível – eles não teriam de ser tão tolos – o que deixaria os Felizes Motoristas Americanos com preços de gasolina acima dos US$5 por galão, e possivelmente acima dos US$10. (Nesse caso, diga adeus às linhas aéreas. De facto, diga adeus ao que passa por ser o restante da economia dos EUA, incluindo especialmente o louvado sector retalhista que supostamente representa 70 por cento do movimento.)

Se a Fannie e o Freddie forem abandonados para morrer no chão do deserto, diga adeus ao mercado habitacional, aos principais bancos de investimento, aos incontáveis bancos regionais, às contas de aposentadoria de virtualmente toda a gente na América, à viabilidade de todos os cinquenta governos estaduais, e à capacidade operacional no dia-a-dia de todas as suas municipalidades – e muito provavelmente à actual encarnação do sistema bancário mundial.

Fora de controle

Agora este processo está realmente fora de controle. No final das contas, o que está em causa é a bancarrota completa dos Estados Unidos. O Partido Republicano sob George Bush será conhecido como o partido que arruinou a América (versão 2.0). Por penoso que seja, o melhor que os americanos podem fazer é arranjar um novo "Sonho" e depressa. É melhor que seja um sonho fundamentado de um modo que realmente funcione, o que quer dizer num procedimento operacional baseado no esforço sério e na honestidade ao invés de simplesmente estar a tentar conseguir alguma coisa em troca de nada e a desejar estrelas. Podemos começar simbolicamente por evacuar Las Vegas e pedir um bombardeamento aéreo àquele lugar repulsivo – para marcar o nosso novo ajustamento de atitude com base na realidade.

Depois disso, temos de trabalhar para remodelar todas as actividades da vida diária, incluindo o modo como cultivamos nossa comida, o modo como levantamos e aplicamos capital, o modo como comerciamos e manufacturamos, o modo como vamos do ponto A para o ponto B, o modo como educamos os filhos, o modo como permanecemos saudáveis e o modo como ocupamos a paisagem. Eu sei, isto soa como um bocado, talvez demasiado. Mas apreenda (grok) isto: nós não temos qualquer opção se quisermos um futuro plausível nesta porção do continente norte americano.

Naturalmente, nada disto é provável que aconteça. Ao invés disso, e sob as piores condições económicas imagináveis, provavelmente embarcaremos numa campanha para sustentar o in-sus-ten-tá-vel – isto, defender todo o status quo habitual e comportamental costumeiro, quer ele possa ser salvo ou não. Naturalmente, seria uma dissipação fatal dos nossos recursos minguantes, mas historicamente isto tende a ser o último acto do melodrama em qualquer império vacilante.

O resultado, muito em breve neste processo, será a ruptura social e uma reviravolta política. Todo o tatuado frenético, que se tem estado a preparar para o seu papel de estreia em alguma espécie de armagedão de banda desenhada, conseguirá finalmente a sua oportunidade de brilhar. Montes de pessoas ficarão magoadas e famélicas. A propriedade mudará de mãos de um modo desordenado. E no fim deste processo um Hitler americano pode estar à espera para arrumar tudo e todos directamente.

Os mercados abrem dentro de uma hora. Boa sorte para todos.

[1] Assassino de Robert Kennedy que está preso.
[2] Ala ocidental da Casa Branca, onde está o gabinete do presidente.
[3] Região de gente rica em Long Island, com estâncias turísticas.
[4] Comida de origem mexicana.


O original encontra-se em
jameshowardkunstler.typepad.com/clusterfuck_nation/2008/07/event-horizon.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
16/Jul/08