Será que o domínio é dos administradores e não dos
capitalistas?
Uma crítica a Gerard Dumenil e Dominique Levy
O modo de produção capitalista está a chegar ao fim. Mas
não está a ser substituído pelo socialismo. Ao
invés disso, há um novo modo de produção, baseado
numa classe de gestores
(managerial class)
que tem estado a formar-se na última centena de anos. Esta classe de
gestores não explora a classe trabalhadora para a obtenção
de valor excedente
(surplus value)
e a sua acumulação de capital. Os gerentes, ao invés,
utilizam poder e controle o qual exercem através da gestão de
transnacionais e da finança. A classe trabalhadora não
será a "coveira" do capitalismo, como Marx esperava. A
"classes populares", ao invés, devem pressionar a classe
gerencial a ser progressista e moderna; e eliminar os vestígios da
classe capitalista a fim de desenvolver uma nova sociedade
meritocrática. Esta é a tese de um novo livro,
Managerial Capitalism
, de
Gerard Dumenil
e Dominique Levy (D-L), dois antigos e eminentes economistas marxistas
franceses.
Participei no lançamento do livro em Londres, esta semana. No
lançamento, Gerard Dumenil argumentou que a classe capitalista (isto
é, quem possui os meios de produção) foi
substituída pelos gestores que controlam as grandes companhias e tomam
todas as decisões que importam. A classe capitalista agora é como
a moribunda velha classe feudal no início do século XIX quando
Marx entrou em cena. A classe capitalista assumiu então o comando e a
classe feudal finalmente converteu-se em capitalista. Agora a classe dos
gestores assumiu o comando e os capitalistas tradicionais estão cada vez
mais a converterem-se na nova classe dos gestores.
Marx estava bem consciente da separação de funções
no capitalismo entre o possuidor do capital e os gestores do capital
corporativo. Como ele afirma no volume 3 do Capital: "Companhias por
acções em geral (desenvolvidas com o sistema de crédito)
têm a tendência para separar esta função de trabalho
de gestão cada vez mais da posse de capital, seja ele possuído ou
emprestado ... Mas desde que por um lado o funcionamento capitalista confronta
o mero possuidor de capital, o capitalista do dinheiro, e com o desenvolvimento
do crédito este capital dinheiro assume ele próprio um
carácter social, sendo concentrado em bancos e emprestado por estes,
não mais os seus proprietários directos; e desde que por outro
lado o mero gestor, o qual não possui capital sob qualquer
título, nem por empréstimo nem de outra forma, cuida de todas as
funções reais que são precisas para o funcionamento
capitalista como tal, ali permanece só o funcionário e o
capitalista desaparece do processo de produção como alguém
supérfluo". (ibid, p. 512).
D-L dedicam algum espaço no seu livro a recordar-nos que Marx estava
consciente desta divisão. Mas Marx não via isto como conduzindo a
uma nova classe de gestores. A divisão era simplesmente de
aparência. O sistema não se havia alterado: "produzir valor
excedente, isto é, trabalho não pago, e nas
condições mais económicas para isto, é
completamente esquecido face à antítese de que os juros
acumulam-se para o capitalista mesmo se não desempenha qualquer
função enquanto capitalista, mas é simplesmente o
possuidor do capital; ao passo que o lucro da empresa, por outro lado,
acumula-se para o capitalista em funções mesmo se ele não
for o possuidor do capital com o qual ele funciona. Face à forma
antitética das duas partes em que o valor excedente se divide,
esquece-se que ambos são simplesmente partes do valor excedente e que
uma tal divisão não pode de modo algum mudar a sua natureza, a
sua origem e as suas condições de existência" (p. 504).
D-L consideram que esta visão da relação entre
famílias puramente capitalistas e seus administradores está
ultrapassada. Administradores, não famílias capitalistas, dominam
agora. No livro, D-L apoia a sua tese com evidências empíricas
sobre o aumento da desigualdade de rendimento nos EUA e outras economias
principais. Os 1% do topo de receptores de rendimento nos EUA, que
habitualmente seriam encarados como parte da classe capitalista, agora
obtêm 80% do seu rendimento como salários por trabalharem como
administradores e executivos de topo, não do rendimento do capital
(dividendos, juros e lucros). Assim estas pessoas de topo são
administradoras, não capitalistas. É por esta razão,
argumentam D-L, que devemos rever a visão marxista tradicional de que
administradores de topo são meramente funcionários da classe
capitalista.
Mas os dados poderiam ser interpretados de outra maneira. Simon Mohum efectuou
um trabalho empírico semelhante (
ClassStructure1918to2011wmf
) sobre de onde vem o rendimento das camadas do topo. Ele descobriu que a
classe trabalhadores aqueles que dependem unicamente de salários
para viver ainda constitui 84% da população trabalhadora.
Os administradores constituem o resto, mas só 2% (Qc no gráfico
abaixo) pode realmente viver só de rendas, juros, ganhos de capital e
dividendos. Eles são a classe capitalista real. E esse rácio
pouco mudou em 100 anos, ainda que a sua fonte directa de rendimento tenha
mudado.
Além disso, este foi o grupo que mais ganhou durante os últimos
30 anos de aumento da desigualdade. O rendimento desta classe capitalista (Qc)
aumentou de cerca de 9 vezes o rendimento médio da classe trabalhadora
para 22 vezes enquanto os rendimentos dos administradores (Lpd na
tabela) aumentou de 2,5 vezes para 3,5 vezes o rendimento dos
trabalhadores. Assim, o aumento da desigualdade é primariamente o
resultado da exploração acrescida (uma ascensão da taxa do
valor excedente) em termos marxistas.
Sim, para os 1% do topo, a partir de 1980, a sua fonte de rendimento do
"trabalho" tem flutuado em torno dos 60% do rendimento médio
total (cerca do dobro do que era na década de 1920). Mas este topo de 1%
dos administradores inclui banqueiros de investimento, juristas corporativos,
administradores de hedge funds e de fundos de acções, executivos
corporativos. Além disso, dois terços dos 1% do topo são
administradores só de nome, pois uma proporção crescente
destas ocupações executivas é de negócios de
capital fechado
(closely held business).
Isso significa que possuem seu próprio negócio mas pagam-se
salários a si próprios como a fonte de rendimento principal. Isto
borra a distinção entre rendimento do trabalho e
não-trabalho. Assim, os -3% do topo, de acordo com Mohum, ainda
são capitalistas tais como Marx entendia isto, mesmo que se paguem a si
próprios enormes salários e bónus.
Além disso, como
mostra um estudo
: "Os rendimentos de executivos, administradores, profissionais
financeiros e profissionais da tecnologia que estão nos 0,1% do topo da
distribuição de rendimento são muito sensíveis
às flutuações do mercado de acções. A maior
parte das nossas evidências apontam a um papel particularmente dos
preços de activos no mercado financeiro, comutação de
rendimento entre a base fiscal corporativa e pessoal, bem como possivelmente
governança corporativa e empresarial, como explicação
desta ascensão dramática nas fatias de topo do rendimento".
Assim, o rendimento do seu trabalho depende dos mercados capitalista de
acções e de activos financeiros.
Quanto aos administradores em geral, pela maior parte das
definições eles constituem cerca de 17-20% da força de
trabalho, mas parece um salto excessivo sugerir que eles constituem uma nova
classe de gerentes, pois podem variar deste Jeff Bezos da Amazon até um
supervisor da Walmarts. "Se bem que administradores supervisionem, a maior
parte deles também são supervisionados e dividir a
distribuição em classe trabalhadora e classe não
trabalhadora não trata da questão de quem tem de vender a sua
força de trabalho e quem não o faz. Ou seja, de modo algum os
administradores podem ser considerados como um grupo homogéneo porque
eles estão fundamentalmente divididos entre aqueles que podem vender sua
força de trabalho mas não têm de fazer isso e aqueles que
vendem a sua força de trabalho porque assim têm de fazer".
Mohun.
Erik Olin Wright
examinou a estrutura de classe de seis economias capitalistas avançadas
e mostrou que os "administradores" fazem parte de um grupo misto num
capitalismo moderno. Ao decompor os factores de qualificação de
administradores, ele considerou que a maior deles é realmente de
trabalhadores com qualificações. A classe trabalhadora
propriamente dita ainda constituia mais de 70% da força de trabalho. O
método de cálculo de Mohun descobre que a classe trabalhadora
está mais próxima dos 80-85%.
Certamente, a questão real é: no interesse de que classe os
administradores executam o seu trabalho administrativo? A própria
natureza da economia capitalista obriga os administradores a administrarem no
interesse dos 1%. Seus empregos dependem das decisões dos accionistas,
do preço da acção da companhia e do desempenho dos seus
ganhos, por mais altamente pagos que sejam.
Além disso, como previu Marx, a principal característica do
capitalismo moderno é uma crescente concentração e
centralização da riqueza (não do rendimento). E isso
significa que a riqueza possuída nos meios de produção e
não apenas riqueza familiar. Em 2016, os 1% de topo da
população dos EUA possuíam 40% da riqueza líquida
total, ao passo que os 80% da base possuíam apenas 10%.
Na base da análise da estrutura de classe de Wright, isto sugere que os 1% do topo são uma combinação de capitalistas e peritos em administração
. Os 20% seguintes em riqueza consistem dos capitalistas remanescentes e os
dois terços dos administradores de topo. Os 80% da base em termos de
riqueza são constituídos por um terço dos administradores
e toda a classe trabalhadora (trabalhadores assalariados e supervisores).
O capitalismo moderno desenvolveu-se numa enorme rede de companhias
interconectadas com participações accionistas cruzadas.
Três teóricos de sistemas do Swiss Federal Institute of
Technology, de Zurique, desenvolveram uma base de dados listando 37
milhões de companhias e investidores de todo o mundo e analisaram todas
as 43.060 corporações transnacionais e as partilhas de
propriedade que as ligam. Eles descobriram que um núcleo dominante de
147 firmas através de posições interconectadas com outras
controla em conjunto 40% da riqueza existente na rede. Um total de 737
companhias controla 80% delas todas. Isto é o poder concentrado do
capital.
(147 controlam)
No lançamento do livro, Gerard Dumenil argumentou que esta
concentração de propriedade entre um pequeno número de
companhias globais, particularmente bancos, realmente demonstrou a tese de D-L.
Eram administradores e directores financeiros que dirigiam estas companhias e
tomavam decisões sobre fusões, etc ao passo que os accionistas
seguiam-nos como carneiros. Isto seria a prova do "capitalismo dos
administradores". Ao invés disso, eu argumentaria que é a
prova de que, desde que Marx escreveu acerca de companhias por
acções 150 anos atrás, o modo de produção
capital tem dominando ainda mais globalmente o investimento, o emprego e a
produção.
Uma das características inerentes do modo de produção
capitalista é que ele gera crises de produção,
investimento e emprego em intervalos regulares e recorrentes. Isto é a
consequência da produção para o lucro por parte de
proprietários privados individuais num mercado que funciona em
contradição com as necessidades da sociedade. Isto é uma
característica exclusiva do capitalismo. Terá ela desaparecido?
Será que Marx não se demonstrou correcto ao prever que as crises
se tornariam mais globais e danosas?
Dumenil parecia estar a sugerir que Marx estava errado acerca do crescimento
das crises. No lançamento ele afirmou que a recente Grande
Recessão tinha evitado uma grande depressão devido ao
"managerialism".
A crise foi administrada. Bem, a evidência é certamente ao
contrário como tenho argumentado extensamente neste blog e no meu
livro,
The Long Depression
.
Contudo, Dumenil foi insistente em que aqueles de nós que se apegam
às antigas análises e previsões de Marx precisam romper com
o dogma e reconhecer o novo modo de produção que está
diante de nós. A estratégia política que decorria disto
para as "classes populares" (classes trabalhadoras) seria revigorar a
luta de classe mas não para a substituição do
capitalismo pelo socialismo. Isso não iria acontecer. Mas o objectivo ao
invés devetia ser pressionar a classe dominantes dos administradores
(progressista?) para a esquerda a fim de introduzir reformas pró
trabalho e isolar a pequena e enfraquecida classe capitalista. Bem, se a classe
trabalhadora ainda é 80% da população adulta nas economias
mais avançadas (quem dirá alhures) e o capital está ainda
mais concentrado e centralizado do que nunca, por que não derrubar
também o
"managerial capitalism"
?
26/Abril/2018
[*]
Economista.
O original encontra-se em
thenextrecession.wordpress.com/2018/04/29/managers-rule-not-capitalists/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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