Trabalhar ou mourejar na pandemia
por Michael Roberts
[*]
A pandemia abriu uma caixa de Pandora acerca do futuro do trabalho. A
recessão
(slump)
provocou uma enorme perda de empregos, horas e ganhos, particularmente para
aqueles que estão em toda espécie de sectores de serviços,
como comércio a retalho, entretenimento, lazer, eventos,
preparação alimentar, etc e está a levar milhares de
pequenos negócios a sobreviver com margens pequenas e encostados
à parede por grandes fardos de dívida
Mas é mais do que isso. A recessão irá e já
está a proporcionar uma oportunidade para as empresas, particularmente
as grandes, eliminarem partes substanciais da sua força de trabalho e
substituí-la por máquinas, robôs, trabalho doméstico
com conectividade e algoritmos. O resultado é que haverá maior
concentração de empresas em sectores, pois as empresas maiores
devoram os mercados das mais pequenas. É claro que isto não
é um fenómeno novo, mas é parte integrante de
recessões sob o capitalismo. Friedrich Engels detectou este processo
há muito tempo, já na década de 1840 na Inglaterra
industrial: "Os antigos estratos mais baixos da classe média
os pequenos comerciantes, lojistas, reformados, artesãos e camponeses
todos estes afundam-se gradualmente no proletariado, em parte porque o
seu capital diminuto não basta para a escala na qual a indústria
moderna é levada a cabo e é afundada na competição
com os grandes capitalistas, em parte porque a sua perícia especializada
é tornada inútil por novos métodos de
produção".
Mais uma vez, não há nada de novo na história do trabalho
a ser substituído por máquinas. Isto é a essência do
capitalismo industrial. A chamada "revolução
industrial" do início do século XIX viu milhões de
trabalhadores manuais e artesãos qualificados serem substituídos
por máquinas. Os salários reais estagnaram ou até
caíram à medida que os rendimentos dos artesãos
desapareceram e os ganhos das novas indústrias foram para os seus
proprietários. Engels notou este resultado no seu brilhante livro,
The condition of the working class in England
(1844). Os industriais proprietários de máquinas enriqueceram
"com a miséria da massa dos assalariados". Agora a
recessão pandémica está a criar as condições
para a eliminação de empregos em todos os sectores, como
aconteceu naquele período após a recessão da terceira
década do século XIX. A terceira década deste
século poderia ver o mesmo.
As tarefas de rotina e de baixa qualificação continuam a ser mais
fáceis de executar pelos robots do que as tarefas não rotineiras
e de alta qualificação. Isto implica que o aumento do
número de robôs ou as melhorias na sua produtividade tendem a
afectar os trabalhadores pouco qualificados muito mais negativamente do que os
trabalhadores altamente qualificados. Além disso, os trabalhadores
altamente qualificados tendem a especializar-se em tarefas para as quais a
automatização é complementar, tais como
concepção e manutenção, supervisão e
gestão de robôs. O impacto diferencial da automação
implica que os salários dos trabalhadores pouco qualificados podem
estagnar e mesmo diminuir na presença da automação;
tal como a Engels descobriu na década de 1840
.
Mas como Engels também observou, a mecanização funciona
nos dois sentidos. Por um lado, a introdução de nova maquinaria
ou tecnologia conduzirá à perda de empregos para os trabalhadores
que utilizam tecnologia ultrapassada. Por outro lado, as novas
indústrias e técnicas poderão criar novos postos de
trabalho. Mas é só nos sectores da indústria que exigem
elevadas competências e/ou estão sujeitos à
protecção sindical que os aumentos salariais e de emprego
são sustentados: "Os chamados fiadores
(spinners)
... recebem salários elevados, trinta a quarenta xelins por semana,
porque têm uma poderosa associação para manter os
salários altos e o seu ofício requer uma longa
formação; mas os fiadores grosseiros que têm de competir
contra máquinas automáticas
(self-actors)
(as quais ainda não estão adaptadas para a fiação
fina) e cuja associação foi quebrada pela
introdução destas máquinas, recebem salários muito
baixos" (Engels). No entanto, na generalidade, "que os
salários em geral têm sido reduzidos pela melhoria das
máquinas é o testemunho unânime dos operários. A
afirmação burguesa de que a condição da classe
operária foi melhorada pela maquinaria é denunciada vigorosamente
como uma falsidade em toda reunião de operários nos distritos
fabris".
Quando os sindicatos na Finlândia propuseram recentemente um dia de 6 horas, verbalmente apoiado pelo primeiro-ministro finlandês, a ideia foi desviada para uma comissão
devido à "resistência do patronato, que tem interesse em
pagar (o mínimo possível) pelas horas trabalhadas e não de
acordo com a produtividade. Um dia de seis horas por oito horas de
salário significa um salário por hora mais elevado. Significa
também uma perda de controlo sobre os trabalhadores não
só em termos de um bocado menor de cada dia em que os empregadores
controlam as actividades dos empregados, mas também através do
reconhecimento implícito de que os trabalhadores deveriam ter mais
influência na organização da vida laboral". O sonho de
Keynes há quase 100 anos atrás de uma semana de 15 horas continua
a ser apenas isso um sonho.
04/Outubro/2020
[*]
Economista, autor de
The Long Depression
,
Marx 200 - a review of Marx's economics 200 years after his birth
,
The Great Recession
, dentre outros.
O original encontra-se em thenextrecession.wordpress.com/2020/10/04/work-or-toil-in-the-pandemic/ Tradução de JF. Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ . |