A saída do euro como solução para a crise da dívida
pública
por Costas Lapavitsas e outros
[*]
Um grupo de economistas da Universidade de Londres Costas Lapavitsas
(coordenador), A. Kaltenbrunner, D. Lindo, J. Michell, J.P. Painceira, E.
Pires, J. Powell, A. Stenfors, N. Teles afirmou que a crise da
dívida pública dos países periféricos da zona euro
(Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha) tem origem nos
excedentes da balança de transacções correntes da Alemanha
e defende a reforma da União Monetária ou a saída do euro
como soluções para a crise. Estas conclusões são
apresentadas no estudo "Crise da Eurozona: Empobrece-te a ti
próprio e ao teu vizinho"
("Eurozone Crisis: Beggar Thyself and Thy Neighbour").
O texto abaixo é o chamado "Sumário executivo" do
estudo, que tem um total de 63 páginas. O seu índice encontra-se mais abaixo.
O relatório integral pode ser descarregado em
www.researchonmoneyandfinance.org
.
Sumário Executivo
Enquadramento
A presente crise da dívida pública, na Grécia e noutros
países da periferia da zona euro, ameaça a União
Monetária Europeia como um todo. Todavia, o projecto da zona euro
já penalizou, por sua vez, a Grécia e outros países
periféricos durante a última década. A actual crise
encontra as suas origens em dois motivos relacionados entre si: o enviesamento
subjacente ao modelo de União Monetária adoptado e a crise
financeira e económica de 2007-09.
A União Monetária limitou e removeu, respectivamente, o recurso
aos instrumentos de política fiscal e monetária, obrigando a que
o ajustamento dos desequilíbrios macroeconómicos fosse realizado
através do mercado de trabalho. Na prossecução das
políticas promovidas pela União Europeia, os países da
zona euro sujeitaram-se ao ajustamento pelo menor denominador comum, assente na
maior flexibilidade do mercado de trabalho, contenção salarial e
promoção do trabalho em tempo parcial. A competição
nesta ofensiva contra o trabalho tem sido ganha pela Alemanha que, desde a
reunificação, sujeitou os seus trabalhadores a uma forte
compressão. A zona euro tornou-se uma área de persistentes
excedentes externos alemães, financiados pelos défices externos
dos países periféricos. A União Monetária
traduziu-se numa política empobrece o teu vizinho
(beggar thy neighbour)
por parte da Alemanha em relação aos países da periferia,
não sem que o empobrecimento tenha afectado primeiro os seus
próprios trabalhadores.
Neste contexto, a combinação da crise de 2007-09 com as
estruturas monetárias e financeiras europeias resultou em acrescidas
dificuldades para os países periféricos. A crise resultou em
escassez de liquidez nos bancos europeus. O BCE interveio prontamente,
assegurando fundos ilimitados e permitindo assim a progressiva
superação da frágil posição daqueles. No
entanto, a reacção do BCE foi muito diferente quando, em 2009, os
Estados foram confrontados com crescentes necessidades de financiamento. A zona
euro deixou cada Estado entregue a si próprio no acesso aos mercados
financeiros. O BCE limitou-se, displicentemente, a assistir ao aumento das
taxas de juro, à especulação das
instituições financeiras com os títulos de dívida
pública e à consequente possibilidade de bancarrota dos Estados.
Confrontados com a crise no mercado de dívida pública, a zona
euro forçou os países periféricos a tomar severas medidas
de austeridade. Contudo, estes mesmos Estados não receberam, até
ao momento, qualquer empréstimo europeu que aliviasse a actual
pressão. Na prática, estes países foram forçados a
aceitar a típica condicionalidade dos empréstimos do FMI, mas sem
os receber. Tal situação é brutalmente penalizadora para
estes países, não oferecendo qualquer perspectiva de crescimento
económico futuro.
Existem melhores alternativas políticas disponíveis, mas estas
exigem mudanças económicas e sociais radicais. Uma das
opções seria a reforma da zona euro através do relaxamento
dos constrangimentos sobre os orçamentos nacionais, da
introdução de um maior orçamento europeu redistributivo,
da criação de um salário mínimo europeu e da
introdução de mecanismos europeus de protecção
social face ao desemprego. A alternativa mais radical seria a saída da
zona euro, processo que implicaria a nacionalização da banca e
outras áreas estratégicas da economia bem como a
introdução de políticas industriais. Qualquer alternativa
obriga os estados periféricos a escolhas difíceis que
necessariamente envolvem conflito social.
Os mecanismos da crise
Ganhos para o capital alemão, perdas para os trabalhadores
alemães e para a periferia
i. A União Monetária impôs rigidez fiscal, removeu a
independência monetária e forçou que o ajustamento
económico dos países europeus se fizesse através do
mercado de trabalho. Na Alemanha, assim como nos países
periféricos, os trabalhadores perderam peso na repartição
do rendimento relativamente ao capital.
ii. A economia alemã evidenciou entretanto um fraco desempenho,
caracterizado por baixo crescimento, reduzidos ganhos de produtividade e
elevado desemprego. No entanto, a economia alemã conseguiu conter a
inflação e as remunerações nominais dos
trabalhadores. De uma forma geral, as economias da periferia tem tido um melhor
desempenho. Porém, os custos laborais e a inflação
têm registado também um crescimento superior.
iii. A Alemanha ganhou competitividade dentro da zona euro exclusivamente
à conta da dura contenção salarial. Inevitavelmente, esta
situação tem gerado repetidos excedentes da sua balança de
transacções correntes contra as da periferia. Estes excedentes
foram, por seu turno, reciclados em investimento directo estrangeiro e
crédito bancário à restante zona euro.
Sector financeiro cria a crise e depois aproveita-se dela
iv. Após 2007, os bancos europeus enfrentaram necessidades crescentes de
liquidez, tendo que lidar com os excessos da bolha especulativa que estiveram
na origem da crise financeira 2007-09. O BCE forneceu prontamente volumes de
liquidez extraordinários, permitindo que os bancos recuperassem os seus
balanços. Todavia, a actuação dos bancos reflectiu-se na
redução do crédito concedido o que intensificou a
recessão. Em 2009 o crédito concedido regrediu na zona Euro e os
bancos deixaram de adquirir títulos de longo prazo.
v. Porém, durante 2007-08 a banca dos países do centro da zona
euro (Alemanha, França, Holanda e Bélgica) continuou a emprestar
aos países periféricos (Itália, Espanha, Irlanda,
Grécia e Portugal). Os créditos internacionais brutos do centro
sobre a periferia europeia atingiram 1,5 mil milhões de euros em 2008,
representando cerca de três vezes o volume do capital próprio da
banca dos países do centro.
vi. Em 2009, os estados-membros, tanto do centro como da periferia europeia,
foram obrigados, devido à crise, a procurar financiamento no valor total
de um bilião de euros. As receitas públicas tinham entrado em
colapso à medida que a recessão avançava, enquanto a
despesa pública tinha aumentado para resgatar o quase falido sector
financeiro e, eventualmente, para manter os níveis de procura interna.
vii. Neste contexto, os estados-membros financiaram-se nos mercados
internacionais de capitais no pior momento. Com a banca relutante em emprestar,
os
yields
subiram para toda a dívida pública. Perante a complacência
do BCE, o capital financeiro enveredou por ataques especulativos nos mercados
de dívida pública dos países periféricos.
Resumindo, o sector financeiro europeu foi resgatado para tão só,
na primeira oportunidade, atacar quem o salvou.
Alternativas
Existem três alternativas estratégicas para os países
periféricos.
1. A primeira traduz-se em programas de austeridade acompanhados por acrescida
liberalização da economia. Esta é a opção
preferida pela zona euro e pelas elites da periferia. É igualmente a
pior opção. A estabilização económica
será obtida através da recessão e da
imposição de elevados custos sobre os trabalhadores. Este
cenário oferece perspectivas reduzidas no que toca a futuro crescimento
sustentado já que se acredita em aumentos de produtividade
espontâneos após as medidas de liberalização.
Adicionalmente, não contempla qualquer reforma que altere a arquitectura
enviesada da zona euro.
2. A segunda consiste na reforma radical da zona euro. Tal opção
envolveria maior liberdade orçamental para os estados-membros, um
aumento substancial do orçamento europeu, transferências dos
países ricos para os mais pobres, medidas de protecção
laboral e investimento europeu dirigido aos sectores industriais ambientalmente
sustentáveis. Os restritivos estatutos do BCE seriam igualmente
revistos. Esta pode ser designada como a alternativa do euro bom.
Problemas políticos à parte, é provável que esta
estratégia apresente algumas ameaças para as
ambições do euro enquanto moeda de reserva internacional, devido
à sua provável desvalorização. Tal facto
constituiria, por si só, uma ameaça à viabilidade da
União Monetária.
3. A terceira alternativa para os países periféricos é a
saída radical da zona euro. Tal alternativa resultaria, de imediato, na
desvalorização das moedas nacionais, seguida da
cessação de pagamentos e reestruturação da
dívida. A banca teria de ser nacionalizada e o controlo público
estendido aos sectores estratégicos da economia. Uma política
industrial, promotora do aumento da produtividade, seria necessária.
Esta opção requer uma alteração radical na
correlação do poder que seja favorável aos trabalhadores.
De forma a evitar estratégias de autarcia nacional, os países da
periferia precisariam manter o acesso ao comércio internacional,
à tecnologia e ao investimento.
(NR: o sublinhado a vermelho é da responsabilidade de resistir.info)
ÍNDICE
Sumário executivo
Antecedentes
Os mecanismos de crise
Alternativas
1. Várias dimensões de uma crise da dívida pública:
O relatório condensado
1.1. Uma crise com raízes profundas
1.2 Viés institucional e mau funcionamento na Eurozona
1.3 Países periféricos na sombra da Alemanha
1.4 O impacto da crise de 2007-9 e o papel das finanças
1.5 Opções políticas para países periféricos
1.6 A estrutura do relatório
2. Desempenho macroeconómico: Estagnação na Alemanha,
bolhas na periferia
2.1 Crescimento, desemprego e inflação
2.2. Investimento e consumo
2.3 Dívida
3. Remuneração do trabalho e produtividade: Um esmagamento geral,
mas mais efectivo na Alemanha
3.1 Uma corrida para o fundo
3.2. Os determinantes do êxito competitivo alemão
3.3. Compensação real e fatia do trabalho no produto
4. Transacções internacionais: Comércio e fluxos de
capital na sombra da Alemanha
4.1 Transacções correntes: Excedente para a Alemanha,
défices para a periferia
4.2 Conta financeira: Investimento directo estrangeiro alemão e
concessão de empréstimos bancários à periferia
5. Elevando a contracção de empréstimos do sector
público: Negociar com bancos falidos e piorar a recessão
5.1. O colete-de-forças da política fiscal
5.2 Elevação dos défices públicos e da
dívida devido à crise
6. O sector financeiro: Como criar uma crise global e então dela
beneficiar
6.1 Um quadro institucional que favoreça as finanças mas
também o capital produtivo
6.2 Banca na Eurozona: O centro torna-se exposto à periferia
6.3 Operações do BCE permitem aos bancos restringirem a sua
concessão de empréstimos
6.4 Dívida soberana eleva-se
6.5 Uma estufa para a especulação
7. Economia política de estratégias alternativas
7.1 Austeridade, ou impor os custos sobre os trabalhadores de países
periféricos
7.2 Reforma da Eurozona: Apontando a um "Bom Euro"
7.3 Saída da Eurozona: Mudança social e económica radical
Ver também:
Colapso da Eurozona: Oito cenários de como o impensável pode acontecer
, 18/Junho/2009
O original encontra-se em
www.researchonmoneyandfinance.org
Este excerto encontra-se em
http://resistir.info/
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