O regresso benvindo da teoria do Capitalismo Monopolista do Estado
por Greg Godels
Contrariamente à caricatura popular, o conceito marxista do Estado
não é uma noção estática, mas um conceito
que muda com as transformações impostas pelo crescimento das
forças de produção capitalistas, com mudanças
significativas no equilíbrio das forças de classe, com a
mudança das políticas da classe governante, provocadas por essas
transformações e com o consequente aprofundamento da teoria. Por
exemplo, o Estado descrito por Marx em
"As lutas de classe em França"
(1850) é diferente do Estado descrito por Marx em
"A guerra civil em França"
(1871).
As mudanças no pensamento evolutivo de Marx sobre o Estado foram
motivadas pelas alterações na economia francesa, na sua estrutura
de classes e no domínio de classe, nas lições da luta de
classes e na aplicação dessas lições à
teoria. Aprendemos com a Comuna de Paris e as observações de Marx
sobre a Comuna de Paris que o capitalismo amadurecido impõe um tipo de
ditadura, a ditadura burguesa sobre o Estado.
Além disso, aprendemos definitivamente com a experiência da Comuna
que o Estado que os revolucionários bem-sucedidos adquirem da burguesia
não pode tornar-se num instrumento útil nas mãos da classe
operária. Como as suas características mais importantes foram
concebidas para servir o capital e apenas o capital, o Estado capitalista tem
de ser destruído e substituído por um novo Estado, um Estado que
sirva a classe operária, uma ditadura do proletariado. Marx deixou esta
elaboração teórica do Estado, demonstrada historicamente,
como o legado do marxismo do século XIX.
O aparecimento, no final do século XIX, de uma nova fase do capitalismo
a era identificada por Lenine e por outros como a era do imperialismo
coincidiu com novas características do capitalismo e com novas
formas e mecanismos de acumulação. O aparecimento de
mega-empresas, de cartéis e de monopólios e a sua
preponderância sobre as economias capitalistas exigiram um papel maior e
mais decisivo para o capital financeiro e uma expansão de mercados,
assim como de fontes de matérias-primas. O acesso aos mercados e aos
recursos também exigiram uma expansão externa, uma
preponderância colonial, uma competição e rivalidade
intensas e um potencial crescente para a guerra.
Acompanhando esta nova fase, houve uma nova relação entre as
altas esferas da economia os cartéis, os monopólios e o
capital financeiro e o Estado capitalista.
A nova fase do capitalismo começou por necessitar de uma maior
interferência dos monopólios no Estado e de um maior envolvimento
do Estado nos negócios dos monopólios. Primeiro como coordenador,
depois como uma referência capitalista, como regulador e como parceiro na
acumulação monopolista, o Estado assumiu um papel ativo enquanto
garante e promotor dos interesses monopolistas. Nos EUA, por exemplo,
após a I Guerra Mundial, as despesas federais aumentaram em quatro
vezes, ou mais, o valor gasto antes da guerra, demonstrando um papel crescente
do Estado, apesar da crença política que apoiava uma
governação reduzida. Esse aumento nas despesas tem continuado
até hoje, apesar dos governos de "austeridade".
Simultaneamente, o capital monopolista invadiu o Estado, fornecendo um
crescente quadro de administradores, especialistas e profissionais que ocupam
os assentos do poder federal e apoiam os interesses dos grandes negócios.
A Grande Depressão levou ao pleno amadurecimento do processo de
fusão do Estado com o capital monopolista. O Estado foi encarregado do
programa de salvar o capitalismo de se devorar a si mesmo, ao mesmo tempo que
mantinha o domínio do poder monopolista. Alguns governos como
braço coletivo dos monopólios até impuseram o
emprego público e a assistência social universal a empresas
relutantes, agindo em prol do bem maior dos monopólios! Por fim,
a guerra mundial resolveu o problema do colapso global da economia, em
benefício dos monopólios e em detrimento das massas.
Foi no contexto do aparecimento de uma nova fase no desenvolvimento do
capitalismo e o concomitante crescimento de um Estado intimamente influenciado
pelo curso do capitalismo monopolista e que, paralelamente, também o
influenciava, que muitos marxistas criaram a expressão
"Capitalismo monopolista de Estado"
(CME) a fim de captar o processo de monopolização, o papel
orientador do Estado neste processo e a crescente preponderância do
Estado através do monopólio.
Durante a maior parte do século XX, a maioria dos partidos comunistas e
operários partilharam esta teoria da relação do Estado
capitalista com esta fase madura específica da evolução
económica capitalista.
Infelizmente, alguns teóricos soviéticos sentiram-se inclinados a
adicionar uma ressalva à teoria, sugerindo fortemente que o CME era o
presságio da "crise geral do capitalismo". De forma
mecânica, historicamente casual, os mesmos teóricos associaram de
modo fatalista o CME com fases distintas que ocorreram na história do
século XX, que acreditavam levariam fatalmente à queda do
capitalismo. Mas o fatalismo é estranho à ciência marxista
Talvez esta associação seja responsável, em parte, pelo
declínio do apoio à teoria do CME, depois da queda da
União Soviética e do socialismo europeu. Talvez também
explique a confusão geral do movimento comunista mundial, depois dessa
queda. De qualquer modo, a partir de 1991, o interesse pela teoria do CME
diminuiu muito.
Revivendo o Capitalismo Monopolista de Estado
Em setembro de 2007, publiquei um ensaio sobre o
Marxismo-leninismo hoje
, defendendo um novo olhar sobre o CME e defendendo a sua importância:
"Dada a recém-descoberta aceitação do imperialismo,
talvez seja altura de reabilitar a teoria tão desprezada do Capitalismo
Monopolista de Estado".
Na minha análise da teoria, baseei-me profundamente nos escritos do
economista soviético Eugen Varga em
"Problemas político-económicos do capitalismo"
(1968), na palavra final deste influente economista marxista sobre o
conceito que ele tanto popularizou. Ele afirmou que "A
integração de duas forças os monopólios e o
Estado forma a base do capitalismo monopolista de Estado
A
essência [do CME] é uma união do poder dos
monopólios com o poder do Estado burguês para atingir dois
objetivos: 1) o reforço do sistema capitalista
e 2) a
redistribuição do rendimento nacional, através do Estado,
em benefício do capital monopolista".
Na minha opinião, o capitalismo do século XXI ainda se
"encaixa" melhor na teoria do CME do que acontecia na era anterior.
As empresas monopolistas são, de facto, as donas do Estado em todos os
principais países capitalistas. Por exemplo, as operações
de salvação das empresas na sequência do colapso de 2007
foram concretizadas a nível mundial com pouca resistência
política, uma proeza só possível com a estreita
colaboração dos monopólios e do poder estatal. Para os
EUA, citei nesse ensaio a redução dos impostos empresariais em
relação aos impostos totais, de 26,5% (1950) para 7,4%, no
início dos anos 90, como um exemplo do funcionamento monopolista como
uma "propriedade do Estado".
Além disso, defendi que a "fusão" dos monopólios
com o Estado gerou um efeito totalizador sobre a sociedade capitalista,
estreitando as "legítimas" opções
políticas, culturais e sociais para os que beneficiam do capital
monopolista. Nos EUA, por exemplo, ambos os partidos políticos
são dominados pelos capitalistas monopolistas e pelo dinheiro dos
capitalistas monopolistas. Na maioria dos principais países
capitalistas, a concordância dos partidos "predominantes" em
relação à adoção comum do fundamentalismo de
mercado, da inviolabilidade das empresas e a subordinação de
todos os interesses sociais ao lucro sublinha a intimidade entre
monopólios e Estado.
Dez anos depois deste meu ensaio, podemos criar um caso ainda melhor para a
teoria do Capitalismo Monopolista de Estado, como um enquadramento explicativo
para a compreensão do capitalismo atual. Lamentavelmente, porém,
penso que algumas das conclusões políticas que tirei naquele meu
ensaio estavam incorretas, tema a que voltarei.
Novo livro: Um passo importante na elaboração do Capitalismo
Monopolista de Estado
Disponível pela primeira vez em inglês, saiu uma
edição, num único volume, da publicação
alemã Staatsmonopolistische Kapitalismus (2015),
"State Monopoly Capitalism"
(2017).
[Nota: ir a
http://www.manifestopress.org.uk
, ISBN 978-1-907464-27-0, 5,50 (mais 3,00 para portes)]
De autoria conjunta de Gretchen Binus, Beate Landefeld e Andreas Wehr, e
publicado pela Manifesto Press, este pequeno volume é um instrumento
essencial para a construção de uma teoria marxista-leninista
unitária, uma teoria que complementa a teoria do imperialismo e que
capta o papel do Estado nos países capitalistas avançados em
situação de preponderância do monopólio empresarial.
Publicado primeiro em série na
Communist Review
(traduzido por Martin Levy),
"State Monopoly Capitalism"
traça as origens do CME a partir da concentração da
produção industrial em finais do século XIX, assim como a
história do CME enquanto teoria marxista cobrindo essa
evolução.
Os autores apresentam uma visão matizada do CME, sublinhando
"variantes", a tolerância de diferentes formas de
intervenção do Estado, diferentes mecanismos de
criação de consenso e a existência de uma medida de
independência entre o Estado e os monopólios.
O capítulo sobre
A história da teoria do CME
vai buscar uma série de autores europeus e obras europeias
provavelmente pouco conhecidos para o grande público de língua
inglesa da RDA, da RFA, da França e da União
Soviética. É aqui também que abordam a questão de o
CME ter saído da cena teórica tão precipitadamente. Os
autores criticam os proponentes que interpretam o CME como levando diretamente
ao socialismo "a partir da influência do socialismo enquanto um
sistema alternativo", como "
um nível histórico
de evolução no 'tempo final' do capitalismo".
Além disso, os defensores do CME sofriam de "uma
subavaliação do potencial do capitalismo para evoluir".
Os autores também professam um erro na compreensão do CME quanto
à "supremacia absoluta" da nacionalização na
"política marxista de socialização". Mas pode-se
pedir mais clareza e desenvolvimento sobre este ponto.
Claro que o "choque" da queda do socialismo europeu desempenhou um
papel no desaparecimento da teoria do CME, como reconhecem Binus, Landefeld e
Wehr.
Muito corretamente, os autores defendem vigorosamente uma
investigação mais profunda e o desenvolvimento da teoria do CME,
em especial na sequência das crises que grassaram no capitalismo do
século XXI e da pobreza teórica da maior parte das teorias
alternativas de esquerda.
No terceiro capítulo,
Os tópicos da análise do CME
, o
"State Monopoly Capitalism"
atualiza, de forma impressionante, a teoria para o século XXI,
esboçando o novo equilíbrio global de forças que
intensifica a competição internacional. Descrevem graficamente
como as "casas" das empresas mais poderosas mudaram radicalmente dos
EUA para outros países.
Os EUA desfrutavam de uma predominância esmagadora em 1960, mas em 2012 a
maiores empresas estavam muito mais amplamente dispersas fora dos EUA.
[1]
Implícita nesta tendência está a necessidade de uma maior
intervenção do Estado para proteger e promover esses
"ativos" nacionais num ambiente muito competitivo.
Binus, Landefeld e Wehr afirmam que as pressões competitivas sobre os
lucros empresariais levaram a uma "busca por rendimentos"
("search for yield")
que desviou o investimento para o setor financeiro especulativo, gerando o
crescimento explosivo desse setor nas décadas recentes: "A
acumulação a longo prazo duma riqueza financeira enorme o
empilhamento de recursos financeiros forma a base económica para
o papel reforçado dos mercados financeiros no período mais
recente. O crescimento desta riqueza, durante os últimos 30 anos, mais
rápido do que todo o produto social mundial, está relacionado
não só com as condições agravadas da
exploração capitalista na economia real mas também com as
políticas neoliberais e a liberalização dos mercados de
capital adotados em simultâneo".
"State Monopoly Capitalism"
cai decididamente do lado de Lenine no debate Kautsky/Lenine sobre o
"ultra-imperialismo" a noção de que os Estados
imperialistas podem unir-se cooperativamente num esforço comum de
exploração e é o que farão. Lenine, no seu
típico estilo mordaz, ridicularizou a ideia como "absurda",
"um perfeito disparate". Aplicando a crítica de Lenine
à União Europeia, os autores consideram a UE não como um
Estado distinto, um super-Estado ou um colosso imperial, mas como uma
aliança de conveniência que faz malabarismos com tendências
contraditórias de cooperação e de
competição: "os dialetos de competição e
cooperação.
Para além do Capitalismo Monopolista de Estado
Provavelmente, o capítulo mais controverso, compreensivelmente o
capítulo final do
"State Monopoly Capitalism"
intitula-se
Discussão da estratégia contra o pano de fundo da teoria do CME.
Neste capítulo, os autores abordam o problema, aplicando a teoria do
CME ao objetivo estratégico de atingir o socialismo.
Durante todo o período após a II Guerra Mundial, quando muitos
partidos comunistas e operários em países capitalistas
avançados da Europa Ocidental conquistaram o apoio das massas, os
debates sobre a forma de avançar ultrapassaram os limites do
parlamentarismo e das possíveis alianças de classe ou de
partidos. Havia quem pensasse que a validade do capitalismo monopolista de
Estado implicava que os revolucionários não podiam atingir o
socialismo sem primeiro envolver o capital monopolista, que devia ser
organizada uma ampla aliança, uma frente ou um partido anti
monopólio, para abordar o monopólio como um preliminar da luta
para a substituição do capitalismo. Argumentavam que a classe
operária e os partidos da classe operária precisavam do apoio de
massas mais amplas as que eram afetadas negativamente pela forma
monopolista do capitalismo a fim de garantir uma maior base suficiente
de massas para tratar do capitalismo.
A estratégia duma frente, aliança ou partido
anti-monopólios brotou deste entendimento e adquiriu importância,
ou mesmo predominância entre os partidos comunistas e operários,
nas democracias burguesas dos países capitalistas avançados.
Assim, dada a sua hábil defesa da teoria do CME, a questão para
Binus, Landefeld e Wehr passa a ser se o CME implica, de facto, uma
estratégia anti monopólios para um esforço
marxista-leninista para o socialismo, no século XXI. Estão
empenhados em aceitar um Estado anti monopólios ou uma forma de luta
anti monopólios numa via para o socialismo?
"State Monopoly Capitalism"
reflete criticamente sobre a experiência do século XX de
estratégias anti monopólios, desde as frentes contra o fascismo
até ao governo de Allende, a revolução portuguesa e o
programa comum socialista/comunista em França. Considera, com
entusiasmo, as perspetivas dos projetos socialistas na América Latina,
embora o editor britânico do livro reconheça que "
houve alguns desenvolvimentos reacionários na América Latina,
promovidos pelo imperialismo dos EUA".
Com um certo pormenor, os autores relatam as discussões
estratégicas no seio do Partido Comunista Alemão (DKP), que
ocorreram há várias décadas. Sem rodeios, mas
convincentemente, criticam uma tendência reformista, de direita, que
surgiu dentro do Partido, indicando como origem a viragem à direita de
Gorbachev no final da era soviética e a onda de pessimismo que varreu o
movimento após a queda da União Soviética.
Rejeitando a "Reforma Alternativa", de direita, o DKP afirmou uma via
para o socialismo através duma "democracia anti
monopólios". Segundo os autores, os programas do DKP de 1978 e
2006, "consideram as revoluções anti monopólios e
socialistas como fases interligadas de desenvolvimento no processo
unitário da transição do capitalismo para o
socialismo".
E continuam: "Nesse contexto, é uma questão de fases da
luta, e não uma fase 'intermédia' entre o capitalismo e o
socialismo
Envolve um período de luta revolucionária, em
que elementos do capitalismo continuam presentes, mas também já
contém formas embrionárias do socialismo, ou seja, envolve
'relações de transição'
"
Embora atribuam ao Partido Comunista Grego (KKE) uma discordância da
estratégia da "democracia anti-monopólios", os autores
objetam: "[Na posição do KKE] está ausente a
distinção entre as fases de luta, que marcam as
relações do poder político e o nível da estrutura
social".
Binus, Landefeld e Wehr terminam apontando a nacionalização dos
bancos como uma possível peça central da
organização anti-monopólios: "Hoje, a exigência
da nacionalização dos bancos ainda está a ser feita por
amplas secções do público
e isso coloca-o em
oposição à burguesia do capital financeiro. Por
consequência, as forças anti-capitalistas têm a tarefa de
aprofundar a crítica ainda difusa da 'ganância dos banqueiros'
numa crítica fundamental. Se isso tiver êxito, resultarão
novas possibilidades nos centros do capitalismo para desenvolver
alianças anti monopólios, assim como para liderar lutas anti
monopólios.
Ao discutir programas estratégicos é sempre aconselhável
prestar atenção à interdição de Lenine em
"Esquerdismo, doença infantil do comunismo":
O principal ponto é que os comunistas de todos os países
devem ter em atenção, conscientemente, as principais tarefas
fundamentais
e as
características específicas
que esta luta assume e tem de assumir inevitavelmente em cada país, em
conformidade com as características nacionais peculiares da sua
composição económica, política e cultura
, as
suas colónias, a divisão religiosa, etc". Por outras
palavras, há muitos matizes estratégicos de diferenças
baseadas nas
características específicas
dos países em que os comunistas vivem; na elaboração de
um programa para o socialismo, é um erro assumir que há um modelo
único.
Mas Lenine oferece advertências gerais quanto à via
revolucionária para o socialismo. No mesmo panfleto destinado a criticar
a doutrina de "esquerda", Lenine apresenta duas tarefas essenciais
para a preparação revolucionária: 1) a
consolidação da organização de vanguarda "que
conquiste a vanguarda com consciência de classe" uma tarefa
que é sobretudo "propaganda", i.e., educativa e 2) preparar
para "liderar as massas à nova posição que
assegurará a vitória da vanguarda na
revolução".
Quanto à segunda tarefa, Lenine realça que os
revolucionários devem avaliar honestamente a situação do
objetivo das diversas classes: as classes "hostis" devem estar
"em desacordo", incapazes de criar uma resposta eficaz; os
"elementos imediatos vacilantes, hesitantes, instáveis" devem
ser tornados ilegítimos aos olhos do povo"; e o proletariado deve
ser preparado "para apoiar a ação revolucionária mais
determinada e essencialmente ousada".
Para ser claro, estas não são tarefas para garantir uma maioria
parlamentar ou para liderar um movimento sindical, embora de modo algum excluam
essas tarefas, mas são tarefas para derrotar o capitalismo e instituir o
socialismo.
Que Lenine não antevia espaço para uma fase, ou objetivo de
transição ou um degrau, é nítido nos seus
comentários em outubro de 1917, na véspera da
Revolução Bolchevique
(A catástrofe iminente e como combatê-la). Na secção
"Podemos avançar se recearmos avançar para o socialismo?
", Lenine escreve:
Porque o socialismo é apenas o próximo passo para nos afastarmos
do monopólio capitalista de Estado. Ou, por outras palavras, o
socialismo é apenas o monopólio capitalista de Estado, feito para
servir os interesses de todo o povo e, nessa medida, tem de cessar de ser
monopólio capitalista.
Aqui não há meio termo. O processo de desenvolvimento objetivo
é tal que é impossível abandonar os monopólios (e a
guerra decuplicou o seu número, o seu papel e a sua importância)
sem avançar para o socialismo.
Não há meio termo.
É aí mesmo que reside a contradição fundamental da
nossa revolução.
A dialética da história é tal que a guerra, por acelerar
extraordinariamente a transformação do capitalismo de
monopólio em capitalismo de monopólio de Estado, impulsionou
extraordinariamente a humanidade para o socialismo.
A guerra imperialista é a véspera da revolução
socialista. Não só porque os horrores da guerra dão origem
à revolta proletária nenhuma revolta pode conduzir ao
socialismo se as condições económicas para o socialismo
não estiverem maduras mas porque o capitalismo monopolista de
Estado é uma completa preparação material para o
socialismo, o limiar do socialismo, um degrau na escada da história
entre o qual e o degrau chamado socialismo não há degraus
intermédios.
Claro que esta polémica foi escrita há mais de 100 anos, no auge
de uma guerra brutal, sem precedentes, e num país a desmoronar-se sob o
peso dessa guerra.
Mas os EUA e os seus aliados da NATO têm Estado em guerra durante a maior
parte das últimas décadas do século XX e sem abrandamento
no século XXI. Durante a última década, a economia global
tem estado à beira do abismo, estagnada ou crescendo aos solavancos. Nos
EUA, o salário médio real por hora é praticamente o mesmo
de há quase 50 anos. E na Europa e nos EUA, a rede de segurança
social está desgastada, privatizada ou sobrecarregada com custos extra.
Quando escrevi o ensaio sobre o CME em 2007, estava convencido de que as
condições para uma abordagem anti-monopólios estavam
maduras. Escrevi então: "É essencial hoje nos EUA uma
renovada estratégia anti-monopólios
é grande o
potencial para uma luta anti-monopólios
têm de ser
avançados programas que identifiquem o lucro monopolista como um
elemento subversivo, estranho ao progresso social".
Tal como muitos outros, considerei garantido que a era do capitalismo
monopolista de Estado exigia uma abordagem anti-monopólios.
Hoje, creio que foi uma conclusão apressada e injustificada.
A história não produziu nenhum exemplo com êxito de uma
luta anti-monopólios, inspirada pela esquerda, conduzindo a uma
bem-sucedida transição para o socialismo. Nem a história
produziu um movimento notável anti-monopólios, espontâneo,
conscientemente anti-monopólios, baseado nos estratos da classe
não operária ou na pequena burguesia, desde os populistas do
século XIX. Levantamentos espontâneos, como o Occupy ou
Indignados
atraíram o apoio de massas não por oferecerem uma
noção sofisticada de monopólio, mas por atacarem o
próprio capitalismo, embora reconhecidamente como um conceito vago, mal
definido e defeituoso, com pouca compreensão de como o derrotar.
Na realidade, o
monopólio
não é uma categoria
política
que possa ser separado, de forma útil, da ideia de
capitalismo monopolista.
"State Monopoly Capitalism"
é uma leitura obrigatória para todos os que quiserem
compreender melhor as características do capitalismo do século
XXI e a teoria que se mantém no âmago da compreensão
marxista. Os autores defendem uma "etapa de luta" estratégica,
anti-monopólios, bem pensada e com circunspeção.
Claro que a validade desta estratégia, quer especificamente quer em
geral, será decidida pela prática. À medida que os
partidos comunistas e operários, que lutam sob o capitalismo, se
reagrupam e crescem de dimensão e influência após os
revezes infligidos pela queda do socialismo europeu, como sem dúvida o
farão, as questões colocadas no livro serão clarificadas e
resolvidas.
Ao atravessar um período de desilusão e declínio parecido
com a nossa época, Lenine apresentou as seguintes palavras aos camaradas
na Europa Ocidental e nos EUA:
Na Europa Ocidental e na América, os comunistas devem aprender a criar
um parlamentarismo novo, pouco habitual, não oportunista e não
carreirista; os partidos comunistas têm de criar os seus slogans,
realmente proletários, com a ajuda dos pobres não organizados e
oprimidos, devem distribuir panfletos, fazer campanha pelas casas dos
operários, dos proletários rurais e dos camponeses, nas aldeias
longínquas
; devem entrar em tabernas, penetrar nos sindicatos, nas
sociedades e em reuniões ocasionais das pessoas comuns, e falar ao povo,
não numa linguagem erudita (ou demasiado parlamentar), nunca se devem
esforçar por "obter lugares" no parlamento, mas devem tentar
levar as pessoas a pensar, em toda a parte, e guiar as pessoas para a luta,
tomar à letra a palavra da burguesia e utilizar a maquinaria que ela
instalou, as eleições que ela organizou e os apelos que ela fez
ao povo; devem tentar explicar às pessoas o que é o
bolchevismo
É muito difícil fazer isto na Europa Ocidental
e extremamente difícil nos EUA, mas pode e deve ser feito, porque os
objetivos do comunismo não podem ser alcançados sem
esforço. Temos de trabalhar para cumprir tarefas práticas, sempre
mais variadas e sempre mais intimamente ligadas com todos os ramos da vida
social, conquistando ramo após ramo, esfera após esfera
à burguesia
. In
"Esquerdismo, doença infantil do comunismo".
20/Julho/2018
[1] A concentração inicial, pós-guerra de poderosas
empresas nos EUA, levou muita gente a promover uma imagem distorcida da
lógica do capital de monopólio. Generalizando a partir de um
instantâneo de meados dos anos 60, dos monopólios norte-americanos
e da sua alergia à competição, à sua relativa
estabilidade, à sua aparente ultrapassagem da lei do valor, surgiu uma
teoria mistificadora do capital de monopólio. Desenvolvi isto num artigo
na Communist Review: Sweezy and Baran's Monopoly Capital after 50 Years: A
Critical Appraisal. (number 82, Winter 2016/2017)
O original encontra-se em
mltoday.com/the-welcome-return-of-the-theory-of-state-monopoly-capitalism/
. Tradução de Margarida Ferreira.
Esta resenha encontra-se em
http://resistir.info/
.
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