Cuidado com os zumbis
A teoria económica dominante
(mainstream)
tem sido seriamente confundida pelo fracasso das economias principais em
restaurarem, desde o fim da Grande Recessão, a taxa de crescimento da
produtividade do trabalho anterior.
Tem havido um debate intenso sobre a questão
.
Alguns argumentam que o crescimento da produtividade foi restaurado mas
apenas não está a ser medido correctamente
, pois
agora grande parte da nova produtividade vem de dados, ideias intelectuais, software etc e não da produção de coisas
. Mas
investigação recente lançou água fria sobre esta explicação
.
Outros argumentam que o crescimento da produtividade pode ser mais baixo, mas
isso é simplesmente
o rescaldo da Grande Recessão
, deixando as empresas relutantes em investirem em bens de equipamento e a
preferirem especular em mercados financeiros ou apenas a manter cash. Há
alguma verdade neste argumento, como explicarei abaixo. Afinal de contas,
após uma grande queda
(slump),
empresas capitalistas preferem entesourar cash ao invés de
desperdiçá-lo em investimento e produção extra que
pode não encontrar comprador. A um estudo passado da OCDE encontrou
apoio para o que denominou o elemento "pró-cíclico" na
produtividade pós crash global. "As firmas podem responder a
flutuações de curto prazo na procura variando as taxas às
quais seu capital existente e trabalho são utilizadas, como por exemplo
entesourando trabalho no momento de uma crise esperando pela
recuperação ou deixando de utilizar o stock de capital existente
sem o descartar.
Outros consideram que o crescimento da produtividade
já se desacelerou antes da Grande Recessão e não se recuperaria
porque agora estamos numa era de baixo crescimento pois todas as
inovações de alta tecnologia foram esgotadas e os robots e a
Inteligência Artificial terão pouco impacto sobre a economia mais
vasta.
Esta visão foi fortemente contestada pelo economista mainstream Robert J. Gordon
e por observadores mais radicais. Sugere-se que o capitalismo pode ter
ultrapassado sua data de validade. Mais uma vez, este argumento tem algum
mérito mas, como expliquei em mensagens anteriores, ele ainda não
identifica a razão para a desaceleração do investimento e
do crescimento da produtividade desde o fim da Grande Recessão.
Agora, algumas novas investigações lançam uma luz mais
forte sobre este debate. O Banco Central Europeu, o Banco da Inglaterra e a
OCDE recentemente produziram relatórios que se centram numa
característica chave do "puzzle da produtividade". Parece que
o crescimento da produtividade não está a balbuciar por toda a
parte nas economias capitalistas. Nas economias principais, as chamadas
companhias de "vanguarda" estão a aumentar sua produtividade
tão rapidamente quanto antes da crise financeira. Os números
desapontantes da economia mais vasta devem ser atribuídos a companhias
que estão "por trás da vanguarda".
A OCDE acha que a "difusão" da inovação e do
crescimento da produtividade, desde companhias destacadas até as
atrasadas, se desacelerou. O BCE também acha a mesma coisa no seu estudo
da produtividade da Eurozona (onde ela é pior para os serviços do
que para a manufactura) e o Banco da Inglaterra acha o mesmo para o Reino Unido
e que o seu efeito é substancial. O mais significativo é que
o novo estudo da OCDE acha que a causa foi o grande número de companhias "zumbi"
(companhias cujas receitas regulares cobrem no máximo suas despesas de
juros (se tanto) companhias que, para parafrasear Carney, governador do
Banco da Inglaterra,
"dependem da bondade dos seus credores".
Os investigadores da OCDE consideram que estes zumbis absorvem uma parte
assustadoramente grande da economia. Por todos os nove países europeus
que eles estudaram, a participação do stock de capital privado
"afundado" em companhias zumbis vai dos 5 a 20 por cento. A
sugestão é que tais negócios zumbi apropriam-se de capital
e atravancam o mercado aos recém chegados, tornando mais difícil
a companhias mais prometedoras expandirem-se e restringindo a
redistribuição de trabalho e capital a companhias mais produtivas
e em crescimento mais rápido. O documento conclui que
"a prevalência de firmas zumbis, e o afundamento de recursos nas
mesmas, tem ascendido desde os meados dos anos 2000, o que é
significativo uma vez que recessões tipicamente proporcionam
oportunidades para reestruturar e para promover a distribuição da
produtividade"
e que
"uma fatia mais alta de capital industrial afundado em firmas zumbi tende
a obstaculizar o crescimento medido em termos de investimento e emprego
da firma não-zumbi típica".
De modo geral,
"um aumento de 3,5% na fatia de firmas zumbi aproximadamente
equivalente ao observador em média entre 2005 e 2013 por todos os nove
países OCDE da amostra está associado a um declínio
de 1,2% no nível da produtividade do trabalho entre todas as
indústrias".
Isto confirma o que argumentei num
debate recente sobre o papel da lucratividade
. Os enormes lucros ganhos desde o fim da Grande Recessão foram
confinados principalmente às grandes companhias:
"apenas umas poucas mega companhias mantiveram a maior parte do cash ao
passo que milhares de pequenas e médias empresas (PMEs) retiveram pouco
cash e muito mais dívida. Na verdade, uma minoria são realmente
firmas "zumbi" que apenas ganham lucro suficiente para servir sua
dívida".
É fácil ver porque há tantos zumbis. Apesar da
recuperação relativa da lucratividade apregoada em muitas
economias no boom alimentado pelo crédito de 2001 a 2006, muitas
companhias de dimensão pequena e média não viram uma
melhoria na lucratividade. Ao invés disso elas acumularam dívidas
mais altas através de empréstimos bancários. A Grande
Recessão provocou um colapso nos lucros e mesmo depois de 2009 a
lucratividade pouco melhorou para estas companhias enquanto a dívida
permaneceu elevada. Mas as companhias zumbis [puderam] lutar contra isso porque
as taxas de juro estavam baixas e os bancos não as arrestariam.
Este cenário chegou ao extremo na Itália, onde os empréstimos bancários "incumpridos" ("non-performing") atingiram 20% do PIB
.
Como explica o BCE no seu relatório (
ecb-zombie-credit-acharya-et-al-whatever-it-takes
),
"Se bem que bancos hajam beneficiado com o aumento anunciado da sua oferta
geral de empréstimo, esta oferta foi dirigida principalmente a firmas de
baixa qualidade que já tinham relacionamento com estes bancos. Em
consequência, não houve impacto positivo sobre actividade
económica real como emprego ou investimento. Ao invés, estas
firmas utilizaram os fundos recém adquiridos para acumular reservas de
cash. Finalmente, documentámos que firmas com capacidade
creditícia em indústrias em que prevalecem firmas zumbis sofreram
significativamente com a má distribuição do
crédito, a qual desacelerou a recuperação
económica".
Segundo a investigação do Adam Smith Institute, favorável
ao "mercado livre", 108 mil dos chamados negócios zumbi no
Reino Unido apenas são capazes de servir o juro da sua dívida, o
que as impede de reestruturarem-se. Por outras palavras, eles enfraquecem a
"destruição criadora" de capital pela
liquidação dos fracos em favor dos fortes.
Isto confirma estudos anteriores, tais como o do
Journal of Finance
(2009),
Why firms have so much cash
, os quais consideraram que a fim de competir as companhias devem cada investir
cada vez mais em tecnologia nova e ainda não testada ao invés de
apenas aumentar o investimento em equipamento existente. O que é mais
arriscado:
"a maior importância da I&D em relação a despesas de
capital também tem um efeito permanente sobre o rácio de cash.
Devido à tangibilidade mais baixo do activo, as oportunidades de
investimento em I&D são mais custosas para financiar do que o capital
utilizando despesas de capital externas. Consequentemente, maior intensidade de
I&D em relação a despesas de capital requer que as firmas
mantenham um maior "colchão" de cash para prevenir choques
futuros de fluxos de caixa gerados internamente".
Assim, companhias têm de acumular reservas de cash como fundos de
reembolso de dívida
(sinking fund)
a fim de cobrir perdas prováveis em investigação e
desenvolvimento.
Analogamente, num documento recente, Ben Broadbent do Banco da Inglaterra
observou que companhias do Reino Unidos agora arcavam com obstáculos
muito altos para a lucratividade para poderem investir quando percebiam que
novo investimento era demasiado arriscado. Ainda que a crise se tenha originado
no sistema bancário há agora um fardo muito mais alto para
investimento de risco uma ascensão da probabilidade percebida de
um resultado económico extremamente mau... Na realidade, muitos
investimentos envolvem custos irreversíveis
(sunk costs)
. Grandes projectos de Investimento Estrangeiro Directo, treino interno, I&D,
adopção de novas tecnologias, mesmo simples
reorganizações administrativas todas estas coisas que
podem melhorar a produtividade mas têm retornos de risco e não
podem ser facilmente revertidas após efectuadas. De modo que a
lucratividade do capital tem ser suficientemente alta tanto para justificar
investimento de maior risco em alta tecnologia como para cobrir um fardo de
dívida muito mais elevado (ainda que os custos actuais do serviço
da dívida sejam baixos). As firmas não vão contrair mais
empréstimos para investirem mesmo se os bancos estiverem desejosos de
emprestar.
A teoria das crises de Marx repousa na ideia de que após uma queda
(slump) o capital só começa a investir para aumentar a
produtividade do trabalho se a lucratividade estiver em ascensão e a um
nível suficiente. Na verdade, quedas na produção deveriam
proporcionar a base para uma recuperação da lucratividade e uma
redução no fardo da dívida (crédito) acumulado
até o culminar da crise. Mas exactamente agora há milhares de PME
fortemente endividadas que mal conseguem manter as cabeças acima da
água apesar das baixas taxas de juro. Elas estão com
lucratividade demasiado baixa e dívida demasiado alta. Elas estão
a obstruir o sistema.
A lucratividade nas economias principais recuperou-se do poço atingido
em 2009 no fundo da Grande Recessão. De acordo com a AMECO, base de
dados da Comissão Europeia, o retorno líquido sobre o stock de
capital está entre 8 e 30% desde 2009 nas economias principais. Mas
mesmo que a recuperação não tenha significado que retornou
ao seu pico anterior (2005-7) antes do grande crash, variando do zero
até pouco menos de 14%. E no Reino Unido e EUA a lucratividade agora
está a cair, segundo a AMECO.
Ao mesmo tempo, os níveis de dívida corporativa ainda
estão altos e em ascensão.
Os estrategas mais radicais do capital reconhecem a solução
"adequada". Remontando ao princípio da Grande Depressão
da década de 1930, o então secretário do Tesouro dos EUA,
Andrew Mellon, advertiu contra a manutenção de capital
"morto" a andar "como zumbi" como um "risco
moral".
"Liquidar trabalho, liquidar stocks, liquidar agricultores, liquidar
imobiliário ...isto purgará a podridão do sistema. Pessoas
trabalharão mais arduamente, viverão uma vida moral. Valores
serão ajustados e pessoas empreendedoras erguer-se-ão acima das
menos empreendedoras".
A "solução" para o capital da
"destruição criadora" através de uma
recessão ou depressão não foi alterada.
"O princípio fundamental do capitalismo, o qual afirma que algumas
empresas más precisam falir para abrir caminho para novas e melhores,
está a ser reescrito",
diz Alan Bloom, responsável global de
"reestruturações" dos consultores de gestão
Ernst & Young.
"Muitas companhias europeias estão simplesmente a declinar
vagarosamente e têm uma necessidade urgente de nova
administração, uma estrutura de capital revista ou no pior dos
casos que lhes seja permitido falirem",
acrescenta.
Com níveis de dívida corporativa mais elevados do que antes do
crash global e a lucratividade na maior parte das economias mais baixa do que
antes e agora a atingir um pico outra vez, empresas "zumbi"
vão ter de serem removidas num novo dilúvio antes de a melhoria
da lucratividade e da produtividade poder ser atingida.
23/Janeiro/2017
Ver também:
O esgotamento da actual fase histórica do capitalismo
, Guglielmo Carchedi
Crise: algumas perguntas e respostas
, Jorge Figueiredo
Crises, os desenlaces possíveis
, Jorge Figueiredo
Capital fictício
, L. N. Krasavina
O original encontra-se em
thenextrecession.wordpress.com/2017/01/23/beware-the-zombies/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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