Em 2010 Centros de Emprego arranjaram trabalho só para 10% dos novos desempregados
– mas secretário de Estado diz que "o pior do desemprego já passou"

por Eugénio Rosa [*]

O Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) acabou de divulgar os números do desemprego registado referentes a Dezembro de 2010. E o governo, através do secretário de Estado do Emprego, aproveitou logo esses dados para vir dizer que eles mostravam que “o pior do desemprego já passou”. Por isso, é oportuno fazer um balanço da evolução do desemprego registado durante todo o ano de 2010, e não apenas em Dezembro, para se poder ficar com uma informação correcta da situação.

Como se sabe, o desemprego registado não inclui a totalidade dos desempregados existentes no País. Apenas são considerados nos números do desemprego registado aqueles desempregados que tomaram a iniciativa de se inscreverem nos Centros de Emprego. Estão excluídos não só os que não se inscreveram mas também aqueles que são eliminado mensalmente dos ficheiros dos Centros de Emprego que, como se vai mostrar, são muitos milhares. Apesar de todas estas limitações é importante analisar com objectividade os dados sobre o desemprego registado. pois eles permitem tirar conclusões também importantes. O quadro seguinte, construído com os dados divulgados pelo IEFP ao longo do ano de 2010, permite fazer um balanço.

Quadro 1 – Desempregados inscritos mensalmente nos Centros de Emprego, desempregados a que os
Centros arranjaram trabalho, e desempregados eliminados mensalmente dos ficheiros dos Centros de Emprego

MÊS/ ANO
Desempregados inscritos no início do mês



(1)
Novos desempregados que se inscreveram durante o mês

(2)
Desempregados que os Centros de Emprego arranjaram trabalho durante o mês

(3)
Desempregados que deviam existir no fim do mês


(4)=(1+2-3)
Desemprego registado divulgado pelo IEFP no fim do mês

(5)
Desempregados que desapareceram dos ficheiros do IEFP durante o mês sem explicação
(6)=(4-5)
Nº de desempregados a receber subsidio de desemprego segundo a Segurança Social
(7)
% de desempregados a receber subsidio em relação ao desemprego registado
(7): (5)
Jan/10 524.674 69.597 4.570 589.701 560.312 29.389 359.369 64,1%
Fev/10 560.312 54.980 4.499 610.793 561.315 49.478 373.205 66,5%
Mar/10 561.315 64.381 5.627 620.069 571.754 48.315 359.873 62,9%
Abr/10 571.754 53.848 6.311 619.291 570.768 48.523 371.131 65,0%
Mai/10 570.768 48.101 7.336 611.533 560.751 50.782 365.166 65,1%
Jun/10 560.751 46.088 6.261 600.578 551.868 48.710 355.098 64,3%
Jul/10 551.868 51.829 6.524 597.173 548.067 49.106 354.017 64,6%
Ago/10 548.067 50.463 5.945 592.585 549.654 42.931 342.122 62,2%
Set/10 549.654 68.656 7.442 610.868 555.820 55.048 331.092 59,6%
Out/10 555.820 56.778 6.064 606.534 550.846 55.688 316.695 57,5%
Nov/10 550.846 57.251 5.249 602.848 546.926 55.922 309.649 56,6%
Dez/10 546.926 47.477 3.274 591.129 541.840 49.289    
SOMA   669.449 69.102     583.181    
Fonte: Desemprego registado: Janeiro -Novembro 2010 - Boletim Estatístico Dez2010- MTSS; Dezembro 20010:Informação mensal – IEFP; Desempregados a receberem subsidio de desemprego : Estatísticas da Segurança Social

No dia 1 de Janeiro de 2010 estavam inscritos nos Centros de Emprego 524.674 desempregados e no dia 31 de Dezembro de 2010 o número de desempregados inscritos era de 541.840, ou seja, mais 17.166. Apesar disso, o secretário de Estado do Emprego afirmou que "o pior do desemprego já passou".

Durante todo o ano de 2010, inscreveram-se nos Centros de Emprego 669.449 desempregados, os Centros de Emprego, durante todo ano, arranjaram trabalho para apenas 69.102 (só no mês de Dezembro inscreveram-se 47.477 novos desempregados e os Centros de Emprego só arranjaram trabalho para 3.274 desempregados), e o secretário de Estado do Emprego veio dizer que "o pior do desemprego já passou".

Durante todo o ano de 2010, foram eliminados dos ficheiros dos Centros de Emprego 583.181 desempregados (uma média de 48.598 por mês), e nem o secretário de Estado do Emprego nem o presidente do Instituto de Emprego e Formação Profissional deram qualquer explicação pública das razões que levaram à eliminação administrativa de um numero tão elevado de desempregados. E apesar de não saber qual é a situação actual destes desempregados, o secretário de Estado veio dizer que "o pior do desemprego já passou" .

Entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2010, o número de desempregados inscritos nos Centros de Emprego aumentou 17.166, pois passou de 524.674 para 541.840. No entanto, entre Janeiro e Novembro de 2010 (último mês em que a Segurança Social divulgou dados), o número de desempregados a receber subsidio de desemprego diminuiu em 49.720, pois passou de 359.369 para 309.649, o que determinou que a taxa de cobertura do subsidio de desemprego (percentagem de desempregados inscritos nos Centros de Emprego a receber subsidio de desemprego) tenha diminuído de 64,1% para apenas 56,6% (em Dezembro é previsível que o número de desempregados a receber subsidio ainda seja menor). Apesar desta redução de desempregados a receberem subsídio de desemprego, o secretário de Estado ignorou a situação das centenas de milhares de desempregados que não recebem qualquer apoio e veio dizer que "o pior do desemprego já passou".

Mas como é que se pode dizer que "o pior do desemprego já passou" quando o número de desempregados aumentou entre Janeiro e Dezembro de 2010 em 17.166? Quando a percentagem de desempregados que os Centros de Emprego conseguem arranjar trabalho em cada mês corresponde apenas a cerca de 10% do número dos novos desempregados que se inscrevem todos os meses nos Centros de Emprego (em Dezembro de 2010 a percentagem foi apenas de 6,9% pois inscreveram 47.477 e os Centros de Emprego, neste mês, só arranjaram trabalho para 3.274 desempregados)? Como é que se pode dizer que "o pior do desemprego já passou" quando se eliminaram, durante o ano de 2010, 593.181 desempregados e não se dá qualquer explicação pública? Como é que se pode dizer que "o pior do desemprego já passou" quando a percentagem de desempregados a receber o subsidio de desemprego, em relação apenas aos desempregados existentes nos ficheiro dos Centros de Emprego no fim de cada mês, diminuiu, entre Janeiro e Dezembro de 2010, de 64,1% para 56,6%, estando já quase metade dos desempregados inscritos nos Centros de Emprego sem direito a qualquer apoio para poderem sobreviver numa situação dramática para a maioria deles e suas famílias? São perguntas que ficam aqui para que cada leitor responda de acordo com a sua consciência e também avalie se é correcto afirmar que "o pior do desemprego já passou", como o fez o Secretário de Estado do Emprego.

UM BALANÇO DO DESEMPREGO REGISTADO DURANTE O ANO DE 2010 UTILIZANDO A LINGUAGEM DOS GRÁFICOS

Os gráficos que se apresentam seguidamente, construídos apenas utilizando os dados divulgados pelo IEFP e pela Segurança Social constantes do quadro 1, ilustram de uma forma clara a verdadeira realidade dramática do desemprego registado em Portugal, que é uma parcela do desemprego total, mostram que "o pior do desemprego ainda não passou"

GRÁFICO I
Gráfico 1.

COMENTÁRIO: Durante o ano de 2010, em cada mês, os Centros de emprego só arranjaram trabalho para um número de desempregados que correspondeu a cerca de 10% do numero de novos desempregados que todos os meses se inscreveram (10 em cada 100) nos Centros de Emprego. Em Dezembro de 2010, essa percentagem foi ainda menor, pois inscreveram-se 47.477 novos desempregados, e neste mês os Centros de Emprego arranjaram trabalho para apenas 3.274 (apenas 6,9%).

GRÁFICO II
Gráfico 2.

COMENTÁRIO: Durante o ano de 2010, foram eliminados, em média e por mês, 48.598 desempregados dos ficheiros dos Centros, e nem o governo e nem o presidente do IEFP esclareceram publicamente as razões que levaram à eliminação de um numero tão elevado de desempregados todos os meses (sempre se recusaram a fazer mesmo quando insistentemente solicitados mostrando assim a falta de transparência dos números sobre o desemprego registado em Portugal). Muitos desempregados têm protestado contra a sua eliminação administrativa dos ficheiros dos Centros de Emprego, o que os tem obrigado a se inscreverem de novo.

GRÁFICO III
Gráfico 3.

COMENTÁRIO: Entre Janeiro e Novembro de 2010, o número de desempregados a receber subsídio de desemprego diminuiu de uma forma continua. Em Novembro de 2010, 237.277 desempregados inscritos nos Centros de Emprego já não recebiam o subsídio do desemprego, o que inevitavelmente determina graves privações para a maioria deles e suas famílias. E o governo, revelando uma profunda insensibilidade social, está cego para esta situação em que já vivem centenas de milhares de famílias portuguesas. Até quando? – É a pergunta que deixamos aqui. É importante e necessário que esta realidade dramática não seja escondida e distorcida pela propaganda do governo e dos seus defensores, pois não pode ser esquecida a fim de que sejam tomadas medidas para a alterar, apoiando muitas famílias já na miséria

19/Dezembro/2010
[*] Economista, edr2@netcabo.pt , www.eugeniorosa.com

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
24/Jan/11