Entram em vigor hoje os Decretos-lei 70/2010 e 72/2010, que reduzem os apoios
aos portugueses com rendimentos insuficientes e aos desempregados
Com o pretexto de que a economia portuguesa está a recuperar, mas
fundamentalmente com o objectivo de reduzir o défice orçamental
de 9,3% para apenas 2% do PIB entre 2009 e 2013, o que corresponde a uma
redução da despesa publica de 12.234,8 milhões em
quatro anos, que significa um corte muito grande, o governo, através do
Decreto-Lei 77/2010, eliminou as medidas extraordinárias de apoio aos
desempregados que eram para vigorar durante a crise, e que foram as seguintes:
(a) Eliminação da prorrogação por mais 6 meses do
subsídio social de desemprego inicial e subsequente; (b)
Eliminação da redução do prazo de garantia (numero
de dias de descontos para a Segurança Social) para se ter acesso ao
subsídio de desemprego que era de 365 dias e que agora passou para 450
dias; (c) Eliminação da majoração de 10% do
subsídio de desemprego para os desempregados com dependentes a seu
cargo. Portanto, medidas todas elas que vão atingir profundamente todos
os portugueses que não têm trabalho, reduzindo ainda mais os que
têm direito a receber o subsídio de desemprego. E isto quando o
numero de desempregados a receber subsídio de desemprego não para
de diminuir. De acordo com o Ministério do Trabalho, em Fevereiro de
2010 eram 370.658, mas em Junho de 2010 já apenas 352.846, ou seja,
menos 17.812.
Para além destas medidas extraordinárias que o governo tinha
aprovado no inicio do ano para vigorarem até ao fim de 2010, mas que
eliminou em Junho deste ano, este governo aproveitou a "embalagem" e
eliminou também uma medida que não era extraordinária,
que tinha sido implementada através do Decreto-Lei 245/2008, portanto
muito antes das chamadas medidas extraordinárias, que era a seguinte:
"Os titulares do direito a abono de família para crianças e
jovens, de idade compreendida entre 6 e 16 anos durante o ano civil que estiver
em curso, têm direito a receber, no mês de Setembro, além do
subsídio que lhes corresponde, um montante adicional de igual
quantitativo que visa compensar as despesas com encargos escolares, desde que
matriculados em estabelecimento de ensino". Após a
publicação do Decreto-Lei 77/2010, passaram a ter direito,
não todas as famílias que recebiam abono como acontecia, mas
apenas as beneficiários pertencentes ao 1º escalão do abono
de família, ou seja, passaram a ter direito a este adicional de abono a
receber em Setembro de cada ano apenas as famílias cujo rendimento
familiar a dividir pelo numero de filhos com idade entre os 6 e 16 anos seja
inferior a 209,61/mês, o que reduziu drasticamente o numero de
famílias com direito ao adicional do abono de família.
E como tudo isto já não fosse suficiente, este governo aprovou
dois outros decretos o Decreto Lei 70/2010 e 72/2010 que entram
em vigor dois meses após a sua publicação, ou seja, em 1
de Agosto de 2010, que reduzem o apoio aos portugueses com rendimentos
insuficientes, portanto próximos ou mesmo no limiar da pobreza, e aos
desempregados. E são esses dois decretos que entrarão em vigor no
inicio de Agosto, que revelam um profunda insensibilidade social, que vamos
analisar seguidamente procurando tornar claros os seus efeitos.
O DECRETO-LEI Nº 70/2010 A alteração da chamada
condição de recursos vai reduzir significativamente o direito a
apoios sociais
O acesso em Portugal a muitas prestações de apoio social (abono
de família, abono pré-natal, subsídio social de
desemprego, complemento solidário de idoso, rendimento social de
inserção, acção escolar, taxas moderadoras,
comparticipações nos medicamentos, comparticipação
nas despesas dos utentes de cuidados continuados, etc.), de quem não
possua recursos suficientes depende de cumprir a chamada "
condição de recursos", que é definida com base no
rendimento "per capita" do agregado familiar.
Para reduzir o número daqueles que têm direito a esses apoios
sociais o governo alterou a fórmula como se calcula o rendimento
"per capita".
Até aqui só eram considerados como pertencentes ao agregado
familiar aqueles em que se verificava uma relação
dependência económica. Após 1 de Agosto de 2010, com a
entrada em vigor do Decreto-Lei 70/2010, são consideradas todas as
pessoas em economia comum, ou seja, que residem no mesmo alojamento e suportem
em conjunto as despesas fundamentais ou básicas, portanto muitas mais, o
que fará aumentar o rendimento familiar, e quanto maior seja o
rendimento familiar menos é a probabilidade de ter direito a apoios
sociais.
Para além disso, até aqui o rendimento "per capita" era
obtido dividindo o rendimento do agregado familiar pelo número de
pessoas que o constituíam. Após 1 de Agosto de 2010, com a
entrada em vigor do Decreto-Lei 70/2010, já isso não acontece. O
primeiro adulto "vale" 1, mas cada adulto seguinte vale apenas 0,7; e
as crianças, cada uma somente 0,5.
Um exemplo, para tornar as consequências desta alteração
mais claras. Imagine-se um agregado familiar cujo rendimento é de
1000/mês, constituído por 2 adultos, em que um foi
despedido, e por duas crianças. Até aqui o rendimento "per
capita" do agregado familiar obtinha-se dividindo os 1000 pelas 4
pessoas, o que dava 250. Agora divide-se apenas por 2,7 (o 1º
adulto=1; o 2º adulto =0,7; cada criança =0,5), e obtém-se
já 370, de rendimento "per capita". Para se ter acesso
ao subsídio social de desemprego é obrigatório que o
rendimento "per capita" do agregado familiar do desempregado seja
inferior a 80% do IAS, ou seja, a 335. Pela forma como antes era
calculado o rendimento "per capita" o desempregado daquele agregado
familiar tinha direito ao subsídio social de desemprego. Após a a
entrada em vigor do Decreto-Lei 70/2010 este mesmo desempregado já
não tem direito ao subsídio social de desemprego. O que acontece
com este subsídio sucede como muitos outros apoios sociais a pessoas a
viver no limiar da pobreza. Portanto, o numero de portugueses com
insuficiência de recursos com direito a apoios sociais (abono de
família, abono pré-natal, subsídio social de desemprego,
complemento solidário de idoso, rendimento social de
inserção, acção escolar, taxas moderadoras,
comparticipações nos medicamentos, comparticipação
nas despesas dos utentes de cuidados continuados, etc.) vai diminuir
significativamente. Mas é desta forma que este governo pretende reduzir
as despesas do Estado, para assim reduzir o défice orçamental.
O DECRETO-LEI Nº 72/2010: Reduz o subsídio de desemprego e
determina a diminuição geral dos salários no futuro
E como tudo isto já não fosse suficiente, o governo também
alterou a lei do subsídio de desemprego, ou seja, o Decreto-Lei nº
187/2007. Segundo o nº2 do artº 29 do Decreto-Lei 72/2010, que
também entra em vigor em 1 de Agosto de 2010, o valor máximo do
subsídio de desemprego vai baixar de 65% do salário
ilíquido
que o trabalhador recebia antes de ser despedido para apenas 75% desse
salário
líquido
, ou seja, depois de deduzir o desconto para a Segurança Social (11%) e
a retenção do IRS. Para além disso, o desempregado passa
a ser obrigado a aceitar qualquer emprego, sob pena de perder o direito ao
subsídio, desde que o salário oferecido nos primeiros 12 meses
seja igual ao subsídio de desemprego mais 10%, e depois basta que seja
igual ao subsídio de desemprego, que no máximo corresponde a 75%
do salário liquido que o trabalhador recebia no emprego anterior (.
Portanto, e repetindo para ficar claro, a partir de 1 de Agosto de 2010, com a
entrada em vigor do Decreto-Lei 72/2010 não é só o
subsídio de desemprego que vai diminuir (passa de
65% do salário ilíquido
que o trabalhador tinha antes de ser despedido para apenas
75% desse salário liquido
), mas também o salário do desempregado em futuro emprego
já que ele ficará obrigado a aceitar um emprego cujo
salário seja apenas igual ao subsídio de desemprego após
mais 10% nos primeiros 12 meses de desemprego, e depois desse período
é obrigado a aceitar um emprego desde que o salário seja igual ao
subsídio de desemprego que está receber, o qual no máximo
é igual a 75% do salário liquido que recebia antes de cair no
desemprego. E se não aceitar perde o direito ao subsídio de
desemprego (artº 13º, artº 41, nº1, alínea a;
artº 49,nº1, alínea a). É de prever que os
patrões aproveitem esta disposição da lei, ou seja, esta
ajuda do governo para baixar ainda mais os salários. Mas é
desta forma que este governo pretende promover o emprego em Portugal, reduzindo
ainda mais a qualidade do emprego e os salários.
O CARACTER RECESSIVO DO PEC E A INSENSIBILIDADE SOCIAL DESTAS MEDIDAS
O PEC:2010-2013 é um programa recessivo porque reduz a despesa e o
investimento público e diminui o poder de compra da
população através do congelamento dos salários e
das prestações sociais, ou da sua eliminação, e da
subida dos impostos (só a subida do IVA e do IRS reduz o poder de
compra da população em mais de 1.260 milhões /ano).
Como se está a verificar igual corte de despesas públicas em
todos os países da U.E. (mais de 200.000 milhões ), as
exportações tornar-se-ão mais difíceis, e o
desemprego vai continuar a aumentar. A saída de Portugal da crise
torna-se assim mais difícil.
Para além de tudo isso, pelas medidas analisadas neste artigo que
também constam do PEC, fica claro que ele é também um
programa que revela uma profunda insensibilidade social.
Numa altura como esta é necessário que o País e
também as famílias façam uma aplicação
rigorosa dos seus recursos, não se endividando mais (as taxas de juro
estão a aumentar), e que ninguém cruze os braços,
não deixando de participar em movimentos da sociedade civil para que a
politica do governo português e da UE deixe de se preocupar apenas com
a redução do défice orçamental e em "agradar
os mercados" e passe a se preocupar com as pessoas, em particular com as
que menos têm
30/Julho/2010
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Economista,
edr2@netcabo.pt
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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