A baixa do IRC

– O mito do aumento do reinvestimento e do emprego
– Lucros distribuídos são transferidos para o estrangeiro
– Aumento da carga fiscal para compensar receita perdida com a baixa do IRC

Eugenio Rosa [*]

O atual governo é incapaz de resolver os graves problemas em que o país está mergulhado:   crise profunda do SNS, atraso enorme na execução dos programas comunitários PRR e Portugal 2030, investimento publico que nem compensa o que desaparece pelo uso e obsolescência, crescimento económico deprimente, falta de trabalhadores com as qualificações e competências necessárias na Administração Pública, baixos salários, desemprego crescente, conflitos sociais a aumentarem, financiamento da guerra na Ucrânia, corrida armamentista que vai desviar fundos de investimentos económicos e sociais tão necessários ao desenvolvimento do pais. Assim, tirou da cartola uma medida requentada que segundo ele atrairá investimento para Portugal, criando emprego, acelerando o crescimento económico e retirando o país do atraso em que está mergulhado. E essa medida milagrosa seria a redução do IRC em dois pontos percentuais por ano até baixar a atual taxa de 21% para 15%. E pretende fazer isso sem qualquer estudo da realidade, apoiando-se apenas em afirmações importadas por aqueles que se limitam a papaguear o que dizem e é defendido no estrangeiro. Contrapondo a tais “teorias” vai-se analisar, com base em dados, o que se verifica no nosso país para reflexão dos leitores e para que tirem as suas conclusões.

A RECEITA DE IRS – PAGA FUNDAMENTALMENTE POR TRABALHADORES E PENSIONISTAS – É JÁ MAIS DO DOBRO DA DO IRC PAGA PELAS EMPRESAS. SE ESTA DESCER TERÁ DE SER COMPENSADO COM AUMENTOS DE OUTROS IMPOSTOS

O gráfico 1, com dados do INE e da DGO, mostra o aumento da receita de IRS e de IRC no período 2011 a 2024

Figura 1.

Entre 2011 e 2023, a receita de IRS, paga fundamentalmente por trabalhadores e pensionistas (mais de 90% do rendimento declarado para efeitos de IRS) aumentou em 7995 milhões € (de 10500M€ para 18504M€) , enquanto a receita de IRC paga pelas empresas cresceu apenas 3503 milhões € (de 5278M€ para 8781M€), ou seja, menos de metade. Em 2024, mesmo com o “choque fiscal do PS e AD” prevê-se que a receita fiscal com origem no IRS (17859 milhões €) seja mais do dobro da cobrada através do IRC (8148 milhões €). Em 2011, a receita de IRC representava já apenas 50,2% da de IRS, e, em 2024, baixará para 45,6% da receita do IRS. E o atual governo PSD/CDS ainda pretende reduzir a taxa de IRC dois pontos percentuais por ano, o que significa uma perda de receita anual de cerca de 600 milhões € (ao fim de três anos, que será necessário para reduzir a taxa de 21% , a atual, para 15%, a perda de receita de IRC passará a ser superior a 1800 milhões € por ano).

A questão que imediatamente se coloca é esta: Que impostos terão de ser aumentados para compensar esta enorme perda de receita fiscal, ou que despesas sociais e de investimento terão de sofrer cortes enormes devido a esta enorme diminuição de receita? Deixo estas interrogações para reflexão dos leitores. Na economia “não há milagres nem almoços grátis”.

O REINVESTIMENTO DE LUCROS POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS NO PAIS É REDUZIDO, POIS PREFEREM DISTRIBUIR OS LUCROS E TRANSFERI-LOS PARA O ESTRANGEIRO A FIM DE NÃO PAGAR IMPOSTOS SOBRE DIVIDENDOS EM PORTUGAL

Analisemos o investimento estrangeiro por setores de atividade no país, utilizando dados do Banco de Portugal

Figura 2.

Como revelam os dados do Banco de Portugal, e pelo que é possível concluir deles, os investidores estrangeiros têm uma preferência muito grande pelo imobiliário e comercio e alojamento, dois setores onde o investimento estrangeiro cresceu muito entre 2011 e 2024, e pela aquisição de posições qualificadas nas melhores empresas portuguesas já constituídas como se verificou nos setores de energia, seguros e saúde (China) , cimentos (Turquia e Taiwan) nas telecomunicações, na CIMPOR (Turquia e Taiwan), telecomunicações (Brasil, França) etc.

OS LUCROS DISTRIBUIDOS PELAS SOCIEDADES E O REDUZIDO REINVESTIMENTO ESTRANGEIRO ENTRE 2011 E 2023

Os dados do INE (lucros distribuídos) e do Banco de Portugal (reinvestimento estrangeiro no nosso país), apresentados a seguir em dois gráficos, por serem de mais imediata apreensão e maior clareza, mostra o reduzido o papel do reinvestimento estrangeiro em Portugal, como motor de desenvolvimento do país e criador de emprego.

Comecemos então pela distribuição de lucros pelas sociedades aos seus acionistas. Mas antes disso interessa esclarecer o seguinte. Em 2022 (últimos dados disponibilizados pelo INE), existiam em Portugal 1 453 728 empresas. Destas apenas 497 623, ou seja, 34,2% são sociedades. E é apenas a estas que se referem os dados do gráfico 2.

Figura 3.

No período de 2011 a 2023, as sociedades em Portugal distribuíram aos seus acionistas 267 855 milhões €. E os dados de 2022 e 2023 ainda são provisórios e previsões. Quando estiverem disponíveis os dados definitivos, é natural que os valores ainda sejam mais elevados. Um aspeto importante revelado pelos dados INE é que os lucros das sociedades distribuídos já praticamente alcançaram os valores anteriores à grave crise causada pela pandemia do COVID.

Analisemos agora o reinvestimento estrangeiro em Portugal utilizando dados divulgados também pelo INE. O gráfico 3 revela de uma forma clara o que se verificou no nosso país nesta área tão elogiada pelos sucessivos governos e seus defensores, nomeadamente economistas comprometidos com o poder dominante, durante o período 2011-2023.

Figura 4.

No período 2011-2023, deduzindo o desinvestimento, os lucros do investimento direto reinvestidos foram apenas 6942 milhões € em 13 anos. Um valor ridículo para quem defende que o reinvestimento estrangeiro deve ser a “salvação e o motor de desenvolvimento do país”. E isto porque os grandes acionistas que recebem a parte de leão dos lucros distribuídos preferem transferi-los para empresas que criaram no estrangeiro (muitos criaram holding na Holanda para onde transferiram as ações das empresas que têm em Portugal). E isto porque, segundo o art.º 51º do CIRC, desde que tenham uma participação na empresa em Portugal de pelo menos 10% e a detenham por mais de um ano não pagam imposto de dividendos em Portugal que é 28%.

Para aqueles que apresentam a Irlanda como exemplo a seguir, é importante recordar o seguinte:   (1) Na Irlanda a taxa de IRC é 12,5%, e as grandes empresas (VN > 750M€) pagam 15%. Esta taxa baixa de IRC tem determinado que as multinacionais utilizem a Irlanda para faturarem as vendas de produtos, mesmo não produzidos na Irlanda, a outros países, e assim os lucros apareçam na Irlanda e pagam um IRC reduzido (à semelhança do que acontecia no offshore da Madeira onde a carga dos navios empresas com sede na Madeira – tinham apenas uma caixa de correio – nem passava na Madeira, que a CE considerou burla obrigando o governo português a cobrar o IRC que tinha perdoado);   (2) O elevado PIB da Irlanda (504 milhões € em 2023) é fictício (22,8% do PIB) pois o RNB (o que ficou na Irlanda para distribuir) foi inferior ao PIB em 115 mil milhões € (na maioria lucros registados na Irlanda e depois transferidos para o estrangeiro). Em Portugal a diferença em 2023 entre o RNB e o PIB foi negativa e de 4,9 mil milhões € (mas ainda apenas 1,9% do PIB).

26/Agosto/2024

[*] edr2@netcabo.pt

O original encontra-se em www.eugeniorosa.com

Este artigo encontra-se em resistir.info

28/Ago/24