Um orçamento que não evita a recessão e que é insuficiente para impedir o agravamento da situação social

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

O OE2009, é um orçamento que não evita nem a recessão económica, para onde o País caminha a passos largos, nem impede um maior agravamento da vida da maioria da população.

Assim, no campo económico, o governo dominado pela obsessão do défice (é sintomático que economistas como até o Nobel Paul Krugman critiquem violentamente esta obsessão do défice em tempos de crise), fixa este em 2,2% para 2009, reduzindo assim drasticamente o bom investimento público que era fundamental para dinamizar a economia e criar emprego. Entre 2005 e 2009, o investimento previsto no PIDDAC, o plano de investimento mais importante do Estado, sofre uma quebra de -31% em valores nominais. Neste período os preços aumentaram cerca de 14%, consequentemente a quebra real ronda os 40%. E esta situação ainda se torna mais grave se tiver presente, que a execução no período 2005-2007, de que já se dispõem de dados, foi em média de apenas 71% do previsto. Bastaria aumentar o défice para apenas 3%, que a própria Comissão Europeia admite, para o Estado poder investir mais 1.381 milhões de euros, o que permitiria, para além dos efeitos económicos positivos, criar mais alguns milhares de postos de trabalho.

Enquanto restringe drasticamente o investimento público, o PS e todos os partidos da direita aprovaram na Assembleia da República uma garantia pessoal do Estado a conceder aos bancos no montante de 20.000 milhões de euros, que corresponde a cerca de metade da totalidade das receitas fiscais do Estado de um ano. De acordo com declarações do secretário de Estado do Orçamento na Assembleia da República, aquele aval de 20.000 milhões será repartido entre os bancos de acordo com a sua quota de crédito. Isto significa que os quatro maiores bancos privados (BCP, Santander-Totta, BES e BPI) vão receber garantias pessoais do Estado no valor de 10.760 milhões de euros e a CGD, o banco do Estado, terá apenas 4.380 milhões de euros.

Por outro lado, entre 2005 e 2009, o Estado perderá receitas fiscais no valor de 13.793,1 milhões de euros devido aos benefícios fiscais concedidos às empresas e às famílias. No entanto, 9.861 milhões de euros, ou seja, cerca de 72% dizem respeito a benefícios fiscais concedidos no âmbito do IRC, ou seja, benefícios fiscais concedidos às empresas. E deste total, 84,5% referem-se fundamentalmente às zonas francas da Madeira e Santa Maria. E mesmo em relação aos 3.877,5 milhões de euros de benefícios que foram dados no âmbito de outros impostos, uma parte deles foi também concedido a empresas. Pode-se dizer que este governo tem sido parco em ajudar as famílias, mas umas mãos largas em relação às empresas, nomeadamente às grandes empresas.

No campo social, as medidas constantes do OE2009, embora numerosas, caracterizam-se pela sua insuficiência, que não impedirão o agravamento da situação das famílias. Analisemos apenas duas que têm sido mais utilizadas na propaganda governamental.

O aumento das remunerações dos trabalhadores da Função Pública em 2,9%. Aquando do debate do Orçamento de 2008, Sócrates e o seu ministro das Finanças tomaram o compromisso público que estes trabalhadores não sofreriam em 2008 uma nova redução no seu poder de compra o que vinha acontecendo desde 2000, somando já uma quebra nos seus salários superior a 10%. O aumento que os trabalhadores da função pública tiveram em 2008 foi apenas de 2,1%, quando a inflação já aumentou 2,9%. Pelo menos 0,8 dos 2,9% anunciado pelo ministro das Finanças para 2009 é para cumprir o compromisso público assumido pelo 1º ministro, restando apenas 2,1% que é inferior à inflação anunciada já pelo governo para 2009, que é de 2,5%.

A segunda medida são os Fundos de Investimento Imobiliários para Arrendamento Habitacional (os FIIAH) anunciados pelo governo para resolver a situação grave em que já se encontram milhares de famílias endividadas com a habitação. Segundo o governo, estes fundos são de subscrição pública, e não de gestão publica, comprarão as casas às famílias que já as não podem pagar, arrendando-as depois às mesmas, podendo estas adquiri-las novamente até 2020. No entanto, na proposta de Lei OE2009 o governo nada diz sobre o preço a que Fundo comprará o andar à família, nem sobre a renda que esta terá de suportar, nem sobre o preço que esta terá de pagar se quiser adquirir novamente a casa endividando-se à banca. Para o tornar atractivo os FIIAH aos investidores privados o governo pretende conceder um rol de benefícios fiscais. Mas se os Fundos puderem negociar livremente os preços de aquisição e venda dos andares, assim como as rendas (e na lei nada é dito sobre isto), poder-se-ão transformar num negócio altamente lucrativo para a banca mas péssimo para as famílias endividadas e fragilizadas.

O Orçamento do Estado para 2009 parte de um pressuposto que não é verdadeiro, que é o seguinte: Portugal não está a caminhar para a recessão económica. Quem tenha analisado as últimas informações divulgados pelo INE sobre a evolução da situação económica do País concluiu rapidamente que, em relação às áreas mais importantes da economia – indústria, construção, turismo, serviços, exportações –, se estão a registar variações negativas contínuas. Transcrevem-se seguidamente os títulos dessas informações para não existirem dúvidas:

  • "Variação homóloga do volume de negócios dos serviços negativa – INE – Agosto 2008";
  • "Desaceleração do volume de negócios na industria – INE – Agosto 2008";
  • "Comércio internacional – saídas aumentam apenas 2,7%" – INE – Agosto de 2008;
  • "Produção na construção e obras públicas diminui – INE – Agosto de 2008";
  • "Dormidas na hotelaria continuam a diminuir – INE – Agosto de 2008";
  • "Informação disponível aponta para um abrandamento da actividade económica – INE – Setembro de 2008".
  • Se juntarmos a tudo isto o inicio de recessão que já atinge os principais parceiros comerciais de Portugal para onde exportamos mais (Espanha e Alemanha), a quebra no investimento das empresas (o investimento total – FBCF – deverá aumentar este ano apenas 1,7% e, em 2009, somente 1,5% segundo o próprio governo), assim como o crescente estrangulamento financeiro das famílias portuguesas causado pelo elevado endividamento e baixos salários e pensões, o que impede que o mercado interno seja um dinamizador da economia, é evidente que o País caminha rapidamente para uma recessão económica, com consequências sociais graves, que só o governo e os seus defensores não vêm.

    O INVESTIMENTO PÚBLICO PARA 2009 É INSUFICIENTE PARA DINAMIZAR A ECONÓMIA

    A situação é ainda mais grave porque o governo, por um lado, não preparou o País para poder enfrentar a grave crise internacional que já no 2º semestre de 2007 era visível, mas que Sócrates teimava em manter-se surdo e cego a ela e, por outro lado, continua a recusar tomar medidas para reduzir os seus efeitos negativos sobre as empresas e as famílias portuguesas.

    Dominado pela obsessão do défice, Sócrates apresentou um Orçamento do Estado para 2009 com um défice apenas de 2,2%, quando a própria Comissão Europeia admite que, na actual situação, o défice possa ultrapassar mesmo os 3%, que é o valor acima do qual normalmente os eurocratas de Bruxelas ameaçam os pequenos países com o chamado "procedimento dos défices excessivos". O quadro seguinte mostra a variação do investimento realizado no âmbito do PIDDAC, que é o mais importante plano de investimento do Estado, no período 2005-2009.

    Tabela 1.

    Os anos de 2008 e 2009 incluem a parcela do imposto rodoviário que é transferida a partir de 2007 para a empresa Estradas de Portugal, SA, para que os dados destes dois anos sejam comparáveis com os anteriores.

    A simples observação dos dados constantes do quadro anterior é suficiente para mostrar que o investimento público previsto no PIDDAC é manifestamente insuficiente para ter qualquer papel relevante na dinamização da actividade económica, numa altura em que o País caminha para a recessão e que, por isso, era necessário mais do que nunca uma forte intervenção do Estado neste campo para reduzir os efeitos nas empresas e nas famílias da crise financeira internacional, e agora também económica que está a atingir já o País.

    Entre 2005 e 2009, o investimento previsto no PIDDAC sofre uma quebra de -31% em valores nominais. Neste período os preços aumentaram cerca de 14%, consequentemente a quebra real ronda os 40%.E esta situação ainda se torna mais grave se tiver presente, como mostram os dados da execução constantes também do quadro, que a execução no período 2005-2007, de que já se dispõem de dados, foi em média de apenas 71% do previsto.

    Numa situação para a qual o País caminha não utilizar todos os meios possíveis para reduzir as consequências de uma crise que os portugueses não têm qualquer responsabilidade, o menos que se pode dizer é que não existe sensibilidade económica e social a nível deste governo. 33 anos depois do 25 de Abril, a politica do contabilista de Santa Comba Dão, que deixou o País no estado de atraso conhecido, domina novamente. Bastaria aumentar o défice para apenas 3% para o Estado poder investir mais 1.381 milhões de euros, o que permitiria, para além dos efeitos económicos positivos, criar mais alguns milhares de postos de trabalho.

    O BCP VAI RECEBER €4.280 MILHÕES DE GARANTIAS PESSOAIS DO ESTADO

    Embora o governo se recuse a aumentar o investimento público, no entanto em 16 de Outubro de 2009, foi aprovado pelo PS e por todas os partidos da direita na Assembleia da República uma proposta de lei do governo que tem como objectivo a concessão de uma garantia pessoal do Estado no valor de 20.000 milhões de euros aos bancos a operar em Portugal. E embora este valor corresponda a cerca de metade de todas as receitas fiscais anuais do Orçamento Estado, mesmo assim o governo e o PS recusaram-se a aceitar que a Assembleia da República aprovasse os sectores onde poderia ser investido os meios financeiros (empréstimos) que a banca irá obter com o aval concedido do Estado. Assim, por imposição do PS e de toda a direita foi passado um "cheque em branco" ao governo para que este apoiasse, sem quaisquer regras estabelecidas pela Assembleia da República, a banca. De acordo com declarações do Secretário de Estado do Orçamento na Assembleia da República, aquele aval de 20.000 milhões será repartido entre os bancos de acordo com a sua quota de crédito. Isto significa que os quatro maiores bancos privados (BCP, Santander-Totta, BES e BPI) vão receber garantias pessoais do Estado no valor de 10.760 milhões de euros e a CGD, o banco do Estado, terá apenas 4.380 milhões de euros.

    EM CINCO ANOS DE GOVERNO DE SÓCRATES OS BENEFICOS FISCAIS CONCEDIDOS ÀS EMPRESAS NO IRC SOMAM 9.861 MILHÕES DE EUROS

    Como revelam os dados do quadro seguinte os benefícios fiscais concedidos às empresas nos cinco anos de governo de Sócrates custaram ao Estado, em receita perdida, o triplo do montante dos benefícios fiscais concedidos às famílias portuguesas

    Tabela 2.

    Entre 2005 e 2009, o Estado perderá receitas fiscais no valor de 13.793,1 milhões de euros devido aos benefícios fiscais concedidos às empresas e às famílias. No entanto, 9.861, 6 milhões de euros, ou seja, cerca de 72% dizem respeito a benefícios fiscais concedidos no âmbito do IRC, ou seja, benefícios fiscais concedidos às empresas. E deste total, 84,5% referem-se fundamentalmente às zonas francas da Madeira e Santa Maria. E mesmo em relação aos 3.877,5 milhões de euros de benefícios que foram dados no âmbito de outros impostos, uma parte deles foi também concedido a empresas. Pode-se dizer que este governo tem sido parco em ajudar as famílias, mas umas mãos largas em relação às empresas, nomeadamente às grandes empresas. E isto porque a nível de PMEs, embora muito utilizadas na propaganda oficial, as medidas tomadas para as apoiar são muito reduzidas. A tão falada redução da taxa de IRC para 12,5% relativamente ao lucro tributável até 12.500€, que abrange todas as empresas incluindo a GALP, ela reduz no máximo o IRC em 1562,5€, e os seus efeitos só se farão sentir em 2010, ano em que se terá de pagar esse IRC. Em relação à linha de crédito de 1.000 milhões de euros no máximo poderão ser beneficiados cerca de 3.000 empresas, e essa linha destina-se fundamentalmente a investimentos, e mesmo a pequena parte destinada a fundo de maneio terá de estar associada aos incrementos da actividade, e os problemas actuais das PME´s são a nível de tesouraria que não é abrangida por esta linha de crédito.

    UM ORÇAMENTO QUE NÃO VAI IMPEDIR O AGRAVAMENTO DA SITUAÇÃO SOCIAL

    As medidas de natureza social constantes do OE2009 são manifestamente insuficientes para impedir o agravamento das condições de vida da população e mesmo o aumento da miséria. Analisemos as mais utilizadas na propaganda governamental. O aumento das remunerações dos trabalhadores da Administração e os Fundos Imobiliários para Arrendamento de Habitação.

    O aumento das remunerações dos trabalhadores da Função Pública em 2,9%. Aquando do debate do Orçamento de 2008, Sócrates e o seu ministro das Finanças tomaram o compromisso público que estes trabalhadores não sofreriam em 2008 uma nova redução no seu poder de compra o que vinha acontecendo desde 2000, somando já uma quebra nos seus salários superior a 10%. O aumento que os trabalhadores da função pública tiveram em 2008 foi apenas de 2,1%, quando a inflação já aumentou 2,9%. Pelo menos 0,8 dos 2,9% anunciado pelo ministro das Finanças para 2009 é para cumprir o compromisso público assumido pelo 1º ministro, restando apenas 2,1% que é inferior à inflação anunciada já pelo governo para 2009, que é de 2,5%.

    O mesmo efeito, para não dizer mesmo efeitos contrários, poderão ter os Fundos de Investimento Imobiliários para Arrendamento Habilitacional (FIIAH) anunciados pelo governo, para resolver a situação grave em que já se encontram milhares de famílias endividadas com a habitação. Segundo a proposta do governo, estes fundos são fechados mas de subscrição pública (não se confunda com gestão publica como fizeram alguns jornalistas), comprarão as casas às famílias que já as não podem pagar, arrendando-as depois às mesmas, podendo estas adquiri-las novamente até 2020. No entanto, na proposta que está no OE2009 o governo nada diz sobre o preço a que Fundo comprará os andares às famílias, nem sobre as rendas que estas terão de suportar, nem sobre o preço que estas terão de pagar se quiserem adquirir novamente a casa endividando-se à banca. O que estabelece é que estes fundos terão de ter um activo de 10 milhões de euros, em que pelo menos 75% terá de ser aplicado em habitação para arrendamento, terá de ter pelo menos 100 participantes não podendo cada um deles deter mais de 20% do Fundo. Para tornar atractivo os FIIAH aos investidores privados o governo propõe-se conceder um rol de benefícios fiscais, que constam da Lei OE2009, que são nomeadamente os seguintes: (1) Os rendimentos distribuídos pelos participantes ficam isentos de IRC e IRS; (2) As mais valias resultantes da transmissão de imóveis ficam isentas de IRS; (3) É deduzido ao IRS até 30% da renda paga pelos inquilinos no máximo até 586€. Se os FIAIAH puderem negociar livremente o preço de aquisição das habitações, o valor das rendas, e o preço de venda dos andares aos inquilinos (e nada constante da Proposta de Lei do OE2009 o impede), estes fundos poderão transformar num negócio altamente lucrativo para os investidores destes fundos, nomeadamente a banca, mas péssimo para as famílias endividadas e fragilizadas.

    Há um ponto no OE2009 na área social que interessa referir: é a alteração da fórmula de cálculo da pensão de reforma no Regime Geral da Segurança Social. Em 2007, quando este governo publicou o Decreto-Lei 187/2007, afirmamos que a alteração da fórmula de cálculo da pensão, que até a altura era feita de três formas e depois atribuída o valor mais alto, para a fórmula em que passaria a vigorar apenas uma forma com base na média ponderada, para além de significar a violação de compromissos tomados pelo anterior governo PS, iria também determinar uma redução nas pensões fundamentalmente dos trabalhadores de pensões mais baixas. Em dois artigos que escrevemos já este ano, e que enviamos a todos os grupos parlamentares, provamos com base em inúmeros casos reais, que os trabalhadores do Vale do Ave, do distrito de Braga, que se reformavam estavam a sofrer reduções nas suas pensões entre 10% a 15%. Sócrates e o ministro Vieira da Silva confrontados na Assembleia da República pelo PCP afirmou que era mentira. No entanto, a Lei do OE2009 altera precisamente a fórmula de cálculo no sentido que, sendo mais elevada a pensão calculada com base em toda a carreira contributiva, é esta, e não a calculada com base na média ponderada, que é atribuída ao trabalhador. Falta agora reparar ainda a injustiça e aplicando a nova forma de cálculo a todos os que se reformaram depois da entrada em vigor do Decreto-Lei 187/2007, e não apenas com efeitos a partir de 01/01/2009 como pretende o governo para aumentar ainda mais o saldo positivo de 1500 milhões de euros em 2009 previstos para a Segurança Social à custa de uma maior miséria daqueles que já recebem pensões de miséria.

    20/Outubro/2009
    [*] Economista, edr@mail.telepac.pt

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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